Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SÍLVIA PIRES | ||
Descritores: | DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO RECURSO DEFEITO DA OBRA CADUCIDADE DO DIREITO | ||
Data do Acordão: | 09/18/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ARTºS 508º, NºS 1 E 3 DO CPC; 5º – A, N.º 3 DO DECRETO-LEI N.º 67/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 508º, NºS 1 E 3 DO CPC; 5º – A, N.º 3 DO DECRETO-LEI N.º 67/2003 | ||
Sumário: | I – As situações de convite referidas no n.º 3 do art.º 508º do C. P. Civil são configuradas, quase unanimemente, pela doutrina como despacho de aperfeiçoamento não vinculado. II - Inserindo-se a prolação deste despacho num quadro de poderes discricionários do juiz, este usá-lo-á conforme considere justo e adequado às circunstâncias do caso, não sendo a sua inércia sindicável. III – Não sendo vinculado o despacho a que alude o art.º 508º, n.º 3 do C. P. Civil, não é a sua omissão recorrível. IV – Estando-se perante a invocação de defeitos num imóvel de longa duração que foi construído por quem o vendeu, numa primeira análise aparentam ser aplicáveis aos respectivos direitos dos compradores os prazos de caducidade previstos no art.º 1225º do C. Civil, atento o disposto no n.º 4 deste artigo. V - Contudo, se as fracções que integram o edifício (em causa) tiverem por destino a habitação, é possível configurar nesta situação uma relação de consumo, o que determina a aplicação do regime da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96) e do Decreto-Lei n.º 67/2003, que transpôs para o direito português a Directiva n.º 1999/44/CE, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008. VI - Embora o prazo de caducidade estabelecido no art.º 5º – A, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 67/2003 apenas abranja o direito à reparação dos defeitos, estando este direito caducado nunca pode o Autor reclamar o pagamento duma quantia necessária para a efectivação dessa reparação, nem o pagamento duma indemnização pelos prejuízos que essa reparação viesse a causar, uma vez que tais direitos pressupõem a titularidade do primeiro. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra O Autor intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário, pedindo a condenação da Ré a: a) proceder ou mandar proceder, à sua custa e por sua conta e risco, às obras necessárias e adequadas à eliminação dos defeitos e deficiências existentes no prédio do Autor, enunciados na p. i., dentro do prazo de um mês, após ser proferida sentença: b) ou, em alternativa, a pagar-lhe a quantia de € 18.932,64, que deverá ser actualizada segundo a variação dos preços, desde a data do orçamento até à data da efectivação da obra; c) pagar-lhe a indemnização que se liquidar em execução de sentença. Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese: Ø A Ré construiu o edifício respeitante ao condomínio Autor, tendo, em seu nome, sido emitido em 2.6.2006 o respectivo alvará de utilização, para habitação de 24 fogos e 8 garagens autónomas com a área total de 1914,00 m2, constando desse documento que as partes comuns se encontravam em conformidade com o projecto aprovado e que o mesmo preenchia os requisitos legais para a constituição da propriedade horizontal. Ø Para a administração do condomínio foi nomeada, em assembleia-geral de condóminos, J….da. Ø Os condóminos, nas reuniões efectuadas nos anos de 2007 a 2010, foram demonstrando preocupação com deficiências quer nas partes comuns, quer nas respectivas fracções, tendo encarregado a administração de contactar a Ré com a finalidade de reclamar dos vários problemas existentes e, se necessário, agir em juízo. Ø Entre a Ré e a administração foi trocada correspondência, limitando-se a Ré a promessas que nunca foram concretizadas. Ø Os vícios e defeitos de construção, no edifício, são os seguintes: a) O portão da garagem não tem eficiência na abertura e no fecho; b) Colocação do piso no patamar da cave de acesso ao elevador; c) O perímetro de toda cave encontra-se com humidade/infiltrações, sendo mais visíveis na parede nascente (lado do portão) e lado norte; d) Existem infiltrações na garagem através do tecto da mesma; e) Acumulação de humidade nas paredes nascente e norte, reflectindo-se no interior dos apartamentos; f) Chapas dos respiradouros da parede norte enferrujadas; g) Necessidade de impermeabilização do terraço. Ø A reparação dos defeitos importa no valor de € 18.932,64, tendo os condóminos que deixar de habitar as respectivas fracções enquanto durar a reparação, que certamente lhes causará danos patrimoniais. A Ré contestou, excepcionando com a caducidade do direito da Ré à eliminação dos defeitos, alegando, em síntese: Ø Os defeitos que a Autora alega existirem no edifício foram-lhe denunciados por carta de 8.5.2007, pelo que a acção deveria ter sido intentada até 7.5.2008. Ø Mesmo a considerar-se a reunião havida em 27.2.2009, entre a Autora e a Ré, também se chegaria à mesma conclusão, uma vez que a acção foi proposta em data posterior a 27.2.2010. E, impugnando os factos alegados pelo Autor, conclui pela sua absolvição. O Autor apresentou resposta, concluindo como na p. inicial. Foi proferido despacho a convidar o Autor a apresentar nova petição concretizando: a) o defeito do portão da garagem; b) a que se refere quando alega não ter sido colocado piso no patamar da cave de acesso ao elevador; c) juntar certidão da descrição predial do prédio sito na Rua … O Autor juntou nova p. inicial corrigida, tendo a Ré apresentado contestação em que reitera a anteriormente apresentada, vindo o Autor, por sua vez a reproduzir a resposta à mesma. Veio a ser proferida decisão no despacho saneador que absolveu esta dos pedidos formulados. Inconformada com a decisão a Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: .. Conclui pela procedência do recurso. A Ré apresentou resposta, defendendo a confirmação da decisão recorrida. 1. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente cumpre apreciar as seguintes questões: a) O tribunal deveria ter proferido novo despacho de convite ao aperfeiçoamento da p. inicial? b) O direito à eliminação dos defeitos invocado pela Autora não caducou? 2. Dos factos Encontram-se já provados, por documentos e acordo das partes nos articulados, os seguintes factos: … 3. O direito aplicável 3.1. Do convite à correcção da petição inicial O Recorrente admitindo que na petição inicial poderá não ter explicitado suficientemente factos que impediriam a verificação da caducidade dos seus direitos, pede que lhe seja dada nova oportunidade de corrigir a petição inicial, de modo a permitir-lhe essa explicitação. Dispõe o art.º 508º, n.º 1 do C. P. Civil: Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes. O n.º 3 dispõe: Pode ainda o juiz convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada... Assim, se o juiz entender que alguns dos factos alegados pelas partes são insuficientes ou imprecisos, poderá sugerir a apresentação de novo articulado onde se supram tais deficiências. As situações de convite referidas no n.º 3 do art.º 508º do C. P. Civil são configuradas, quase unanimemente, pela doutrina como despacho de aperfeiçoamento não vinculado.[1] Entendemos que, inserindo-se a prolação deste despacho, num quadro de poderes discricionários do juiz, este usá-lo-á conforme considere justo e adequado às circunstâncias do caso, não sendo a sua inércia sindicável.[2] Pelo exposto não sendo vinculado o despacho a que alude o art.º 508º, n.º 3 do C. P. Civil, não é a sua omissão recorrível. 3.2. Da improcedência da acção O condomínio de um edifício constituído em propriedade horizontal, representado pelo seu Administrador, propôs a presente acção, pedindo que a empresa construtora-vendedora desse imóvel fosse condenada a reparar vários defeitos existentes nas partes comuns e, em “alternativa”, que fosse condenada a pagar-lhe a quantia necessária para se proceder a essa reparação. Pediu ainda a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, relativa aos prejuízos que resultassem para os condóminos da realização das referidas obras de reparação. Foram os seguintes os defeitos alegados a) O portão da garagem não tem eficiência na abertura e no fecho; b) O piso no patamar da cave de acesso ao elevador é em cimento quando devia ser cerâmico; c) O perímetro de toda a cave encontra-se com humidade/infiltrações, sendo mais visíveis na parede nascente (lado do portão) e lado norte; d) Existem infiltrações na garagem através do tecto da mesma; e) Existe acumulação de humidade nas paredes nascente e norte, reflectindo-se no interior dos apartamentos; f) As chapas dos respiradouros da parede norte estão enferrujadas; g) Há necessidade de impermeabilizar o terraço. A sentença recorrida, proferindo um saneador-sentença, julgou desde logo improcedente a acção, com os seguintes fundamentos: - quanto aos pedidos na parte em que se reportam aos defeitos acima referidos sob as alíneas a) e b) a Ré não pode ser responsabilizada pela sua existência, por força do disposto no artigo 1219º, n.º 1 do C. Civil, uma vez que, sendo esses defeitos aparentes e tendo o edifício sido recebido sem reserva, a responsabilidade do construtor está excluída. - quanto aos pedidos, na parte em que se reportam aos demais defeitos (alíneas c) a g)), os direitos invocados pelo Autor caducaram, uma vez que se mostra ultrapassado o prazo de um ano para o seu exercício, após a denúncia dos defeitos, consagrado no art.º 1224º do C. Civil. Nas suas alegações a Autora limitou-se a contestar este segundo fundamento, pelo que, não integrando o objecto do recurso o primeiro fundamento utilizado pela sentença recorrida para julgar improcedente a acção, deve a mesma considerar-se definitivamente julgada nessa parte. Quanto à questão da caducidade, há que ter em consideração que nos encontramos perante a responsabilização por um condomínio da empresa que construiu o edifício em causa e procedeu à venda das suas fracções, por defeitos existentes nas partes comuns. Dado estarmos perante a invocação de defeitos num imóvel de longa duração que foi construído por quem o vendeu, numa primeira análise, aparentam ser aplicáveis aos respectivos direitos dos compradores os prazos de caducidade previstos no art.º 1225º do C. Civil, atento o disposto no n.º 4 deste artigo. Contudo, uma vez que as fracções que integram o edifício em causa têm por destino a habitação, é possível configurar nesta situação uma relação de consumo [3] que determina a aplicação do regime da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96) e do Decreto-Lei n.º 67/2003, que transpôs para o direito português a Directiva n.º 1999/44/CE, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008. O condomínio, representado pela sua administração, pode reclamar do construtor-vendedor a eliminação dos defeitos que afectam as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, assim como o pagamento da quantia necessária a essa eliminação, quando se verifiquem os pressupostos da constituição deste direito, e o pagamento de uma indemnização pelos danos colaterais resultantes da realização dos trabalhos de eliminação desses defeitos [4]. Nesta acção, a Ré invocou a caducidade destes direitos, por já haver decorrido o prazo para o seu exercício, após a denúncia dos respectivos defeitos. No regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 67/2003 é estabelecido um prazo de três anos para o exercício do direito à reparação de defeitos em imóveis, pelo comprador, a contar da sua denúncia ao vendedor (art.º 5º - A, n.º 3). Está provado que em 8.5.2007, a Administração do Condomínio, ora Autor, enviou à ora Ré uma carta a denunciar os defeitos acima referidos nas alíneas a), b), c) e d). Assim, relativamente aos defeitos referidos nas alíneas c) e d), únicos que daqueles quatro que estão em causa no presente recurso, o prazo para o exercício dos direitos atribuídos ao condomínio terminou em 8.5.2010. Não tendo sido alegado que tenha ocorrido qualquer acto impeditivo do decurso deste prazo, nem sendo os escassos elementos existentes sobre a convocação de reuniões entre a Administração do Condomínio e a Ré suficientes para deles se extrair uma situação de abuso de direito na invocação da extinção desses direitos por caducidade, resta apenas confirmar a procedência desta excepção, limitada aos defeitos acima descritos sob as alíneas c) e d). Embora o prazo de caducidade estabelecido no art.º 5º – A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, apenas abranja o direito à reparação dos defeitos, estando este direito caducado, nunca pode o Autor reclamar o pagamento duma quantia necessária para a efectivação dessa reparação, nem o pagamento duma indemnização pelos prejuízos que essa reparação viesse a causar, uma vez que tais direitos pressupõem a titularidade do primeiro. Por este motivo, deve o recurso ser julgado improcedente no que respeita aos pedidos que tinham por objecto os defeitos referidos nas alíneas c) e d). Quanto aos defeitos referidos nas alíneas e), f), g), não há conhecimento que tenham sido objecto de uma denúncia anteriormente à propositura da presente acção, sendo certo que nesta data ainda não havia decorrido o prazo de caducidade de 5 anos previsto no art.º 5º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, pelo que não é possível concluir pela extinção dos direitos invocados pelo Autor, nesta parte. Sendo controvertida a existência destes defeitos, deve a acção prosseguir para apuramento do mérito dos pedidos formulados no que a eles respeita. Decisão Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente os pedidos formulados pelo Autor, relativamente aos defeitos alegados nas alíneas e), f) e g), do artigo 8º da petição inicial, devendo a acção prosseguir para apuramento do seu mérito, nessa parte. Custas pelo Autor e pela Ré, em igual proporção. Coimbra, 18 de Setembro de 2012.
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