Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1193/09.7TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONTA CORRENTE
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA VARAS MISTAS 1ª S
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 428º E 1222º DO CC
Sumário: I - No contrato de empreitada o dono da obra, para poder prevalecer-se da excepção de não cumprimento, terá que, não só denunciar os defeitos, como também expressar qual o direito que, em virtude disso, quer exercer.

II - Na presença de um contrato de empreitada, e não de conta-corrente, é insuficiente, para se atingir um patamar de certeza quanto à existência de um crédito, a circunstância de estar provado que "os créditos da autora sobre a ré e desta sobre a autora relativos a operações de marketing, custos com as garantias suportados pela ré e descontos operados em facturas, eram lançados numa conta corrente; em Dezembro de 2010 de tal conta corrente constava um crédito a favor da ré no valor de € 23 859,42."

III - Aplica-se por analogia o disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, quando na resposta à matéria de facto se vai além do quesitado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... L.da instaurou, na comarca de Coimbra, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B... Ltd, pedindo que:

a) seja decretada a resolução dos contratos celebrados com a ré, entre Agosto de 2007 e Maio de 2009, nos termos dos quais se comprometeu a produzir e a entregar a esta autocarros prontos a circular, por incumprimento contratual desta;

b) seja declarado que a ré lhe deve a quantia de € 67 225,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 9-8-2009 até efectivo e integral pagamento, contabilizando-se os já vencidos até a presente data no montante de € 751,00, por força da entrega pela desta àquela do autocarro, modelo Viale HF 12.250, Man, Classe II sob o chassis n.º (...)719;

c) se reconheça o seu direito de retenção a não entregar os dois autocarros modelo Viaggio III 370 13.000 IVECO, Classe III, sob o chassis n.º (...)822 e modelo Sénior Turismo, Mercedes Vario, Classe II, sob o chassis n.º (...)111, que construiu ao abrigo do contrato celebrado com a ré, bem como os chassis entregues pela mesma e que ainda tem em sua posse, n.º (...)730, Marca “MAN”, VAN A911825, Modelo A91EVRHD, n.º (...)748, Marca “MAN”, VAN A911827, Modelo A91RHD, n.º (...)742, Marca “MAN”, VAN A911828, Modelo A91RHD e n.º (...)734, Marca “MAN”, VAN A911826, Modelo A91EVRHD, enquanto a ré não proceder ao pagamento integral do preço devido por força do referido contrato;

d) se condene a ré a pagar-lhe a quantia de € 67 225,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 9-8-2009 até efectivo e integral pagamento, contabilizando-se os já vencidos até à presente data no montante de € 751,00, por força da entrega pela desta àquela do autocarro modelo Viale HF 12.250, Man, Classe II sob o chassis n.º (...)719.

Alega, em síntese, que, entre os meses de Agosto do ano de 2007 e o de Maio de 2009 comprometeu-se a produzir nas suas instalações fabris e a entregar à ré autocarros prontos a circular, construídos sobre chassis fornecidos por esta, mediante o pagamento do preço a liquidar de acordo com o valor do material a incorporar e o custo da respectiva mão-de-obra.

O preço deveria ser pago na sede da autora em Portugal à medida que cada um dos veículos estivesse concluído.

Construiu um autocarro modelo Viale HF 12.250, Man, Classe II sob o chassis n.º (...)719, um outro, modelo Viaggio III 370 13.000 IVECO, Classe III, sob o chassis n.º (...)822 e um terceiro, modelo Sénior Turismo, Mercedes Vario, Classe II, sob o chassis n.º (...)111.

Depois de ter concluído a produção Viale HF, em 11-7-2009, entregou-o à ré, que o recepcionou sem denunciar qualquer vício ou defeito do mesmo, nem qualquer desconformidade com as condições de produção convencionadas. A respectiva factura, no valor de € 67 225,00 foi emitida e enviada a 10-7-2009 para a sede da ré, não tendo sido efectuado o seu pagamento.

Em face de um pedido que a ré lhe dirigiu, devolveu-lhe nove dos dezasseis chassis que dela havia recebido.

Não tendo sido pago o preço relativo ao autocarro Viale HF assiste-lhe o direito de não entregar os autocarros Viale HF-12250 e Viaggio III e a não devolver os quatro restantes chassis.

A ré contestou afirmando, em suma, que acordaram que o pagamento só seria efectuado pela depois do veículo ser totalmente homologado e devidamente certificado. O Viale HF ainda não se encontrava homologado quando a autora emitiu a factura e ele padece de vícios estruturais que carecem de ser eliminados, vícios esses que denunciou em Outubro de 2009.

Assim, tem o direito de recusar o pagamento do preço enquanto a autora não reparar definitivamente o autocarro. E o preço de tal autocarro é inferior a 67.225,00 € porquanto cada factura emitida beneficia de um desconto adicional até 8% decorrente do câmbio libra/euro na data em que o pagamento é efectuado.

Mais alega que o contrato não contempla os chassis indicados pela autora e que são tantos os contratos quantos os veículos carroçados, pelo que esta não tem o direito a reter os autocarros e os chassis, nem a faculdade de excepcionar o não pagamento do que resulta de outros contratos.

A ré deduz ainda pedido reconvencional onde pede que a autora seja condenada a entregar-lhe imediatamente os autocarros Viale HF 12.250, Man, Classe II e Viaggio III 370 13.000 IVECO e os chassis n.º (...)730, Marca “MAN”, VAN A911825, Modelo A91EVRHD, n.º (...)748, Marca “MAN”, VAN A911827, Modelo A91RHD, n.º (...)742, Marca “MAN”, VAN A911828, Modelo A91RHD e n.º (...)734, Marca “MAN”, VAN A911826, Modelo A91EVRHD

A autora replicou, alterando a causa de pedir e ampliando o pedido. Peticionou, então, que seja declarado que a ré lhe deve as quantias de € 139 367,22, de € 59 343,00 e de € 67 225,00, num total de € 265 935,22, às quais acrescem juros de mora vencidos no montante de € 18 989.65, e vincendos. Afirma que a relação contratual estabelecida com a ré se reconduz a único contrato, no âmbito do qual a autora se comprometeu a produzir autocarros prontos a circular, construídos sobre chassis fornecidos por esta.

Na medida em que a ré ainda não pagou o preço da produção dos autocarros Viaggio III e Mercedes Vario, Classe II, que se encontram acabados e homologados, também se constituiu em mora quanto ao pagamento do respectivo preço.

A ré treplicou opondo-se à alteração da causa de pedir e do pedido e dizendo que os autocarros Viaggio III e Mercedes Vario, Classe II não lhe foram enviados e que a obrigação de pagamento do preço só se vence quando os mesmos forem negociados em território inglês.

Por outro lado, à data da emissão da factura do veículo Mercedes Vario, Classe II encontravam-se vencidos valores devidos pela autora à ré, no valor total de €62.248,95, pelo que lhe assiste o direito de compensar o seu crédito com o crédito da autora, na parte correspondente.

Foi admitida a alteração e ampliação da causa de pedir e do pedido, bem como o pedido reconvencional.

Foi proferido saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:

"Julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condeno a ré no pagamento à autora da quantia de € 67.225,00 (autocarro C), acrescida de juros de mora contabilizados desde 09/08/2009; no pagamento da quantia de € 139.367,22 (autocarro D), acrescida de juros de mora contabilizados desde o 30ª dia após a notificação do pedido ampliado nos autos (réplica) e a quantia de € 29.671, acrescida de juros de mora contabilizados desde 27.08.2009.

Os juros serão contabilizados à taxa legal prevista para os juros comerciais.

Mais se absolve a autora do pedido reconvencional."

Inconformada com tal decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. A recorrente considera incorrectamente julgados os artigos 3, 12, 13, 21 a 25 inclusive, 27 e 29 da base instrutória;

2. Os depoimentos das testemunhas C... e D... são contraditórios;

3. O depoimento das testemunhas C (...), E... e D (...) e a prova documental constante de fls. 757 e 758 dos autos que a recorrida não impugnou, impõem resposta diversa aos art.ºs. 3, 12, 21 e 27, dando-se como não provados os art.ºs. 3 e 12 e como provados os art.ºs. 21 e 27 da base instrutória;

4. Atendendo aos mesmos depoimentos testemunhais, ter-se-á de completar a resposta ao art.º. 22 da base instrutória, nele incluindo a certificação do veículo para a matricula no Reino Unido;

5. Considerando os referidos depoimentos testemunhais e o mencionado documento, deve dar-se como totalmente provada a matéria do art.º. 29 da base instrutória;

6. A recorrente goza do direito de excepção de não cumprimento do contrato quanto ao veículo Viale, pelos vícios de que o mesmo era portador em Agosto de 2009 e que impediram a sua certificação, não sendo devido o respectivo preço nem estando tão pouco a recorrente em mora;

7. Sendo o veículo Viaggio stock built, não se encontrando ainda o mesmo matriculado nem tendo sido levantado pela recorrente não se encontra vencido o respectivo preço;

8. Não é imputável à recorrente a recusa da recorrida em deixar sair o Viaggio das suas instalações e desta ter exercido ilegitimamente o direito de retenção do mesmo veículo e encerrado as suas instalações fabris;

9. Tal retenção é ilegítima quando o certo é que, quando a acção foi proposta nem sequer foi peticionado o preço do Viaggio;

10. Atendendo à resposta à matéria do art.º. 36 da base instrutória terá de entender-se que a recorrente goza de um crédito sobre a recorrida de, pelo menos, 23.859,42€ pelo que lhe é licito compensar o seu crédito com o crédito da recorrida quanto ao veículo Sénior, no valor de 29.671,50€, e sendo a recorrente devedora da diferença no valor de 5.812,08€.

Termina pedindo que se declare "que a recorrente é devedora à recorrida da quantia de 5.812,08€, sendo absolvida dos demais pedidos."

Contra-alegou a autora considerando que "não merece quaisquer reparos a Douta Sentença recorrida, pelo que deverá manter-se na íntegra".

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) há erro no julgamento da matéria de facto dos quesitos 3.º, 12.º, 13.º, 21.º a 25.º, 27.º e 29.º;

b) a ré "goza do direito de excepção de não cumprimento do contrato quanto ao veículo Viale";[2]

c) não se encontra vencido o preço do "veículo Viaggio stock built";[3]

d) a retenção do veículo Viaggio "é ilegítima"[4];

e) face "à matéria do art.º. 36 da base instrutória terá de entender-se que a recorrente goza de um crédito sobre a recorrida de, pelo menos, 23.859,42€ pelo que lhe é licito compensar o seu crédito com o crédito da recorrida quanto ao veículo Sénior, no valor de 29.671,50€, e sendo a recorrente devedora da diferença no valor de 5.812,08€."[5]


II

1.º


A ré sustenta que, no que se refere ao julgamento da matéria de facto dos quesitos 3.º, 12.º, 13.º, 21.º a 25.º, 27.º e 29.º, a prova dos autos conduz a conclusões diferentes das extraídas pelo tribunal a quo.

Estes quesitos têm o seguinte teor:

"3. Foi igualmente acordado entre as partes que o pagamento do preço devido por força dos referidos contratos deveria ser efectuado pela Ré na sede da Autora em Portugal após o decurso do respectivo período útil para a homologação?

12. O certificado de homologação oficial demora, em média, cerca de duas semanas a ser emitido, razão pela qual a autora concede um período de cerca de um mês após a entrega do autocarro para o vencimento da obrigação de pagamento do preço?

13. Sempre que se tratava de autocarros encomendados pela Ré à A... destinados ao Reino Unido, como era o caso, era a Ré quem se encarregava da homologação dos veículos no seu país?

21. Foi acordado entre A. e Ré que o pagamento só seria efectuado pela Ré depois do veículo ser totalmente homologado e devidamente certificado?

22. Tais veículos têm de estar homologados e certificados para serem matriculados no Reino Unido?

23. A A. era responsável por construir o carroçamento cumprindo as regras da lei inglesa (UK COIF) as da união europeia (2001.85) e tinha que corrigir os defeitos que fossem detectados durante o processo de inspecção que impediam que o veículo fosse registado, vendido ou que circulasse no Reino Unido?

24. A Ré submetia os veículos para inspecção mas não era responsável se o veículo não estava em conformidade com a legislação inglesa e o resultado dessa conformidade só se comprovava com a inspecção da VOSA?

25. E a A. garantia que os veículos tinham as dimensões correctas de acordo com o mercado inglês e o fabrico era feito em conformidade com este?

27. A obrigação de pagamento só se vencia após a inspecção da VOSA, com a certificação do veículo?

29. Foi convencionado entre A. e Ré uma venda em consignação mediante a qual só depois de vendidos os autocarros em Inglaterra é que nascia para a Ré a obrigação de pagamento do preço?"

A estes quesitos a Meritíssima Juíza respondeu:

"Artigo 3.º e 21.º - provado que o pagamento dos carroçamentos efectuados pela autora até aproximadamente ao ano de 2006 era efectuado pela ré quando os autocarros saíam das instalações fabris da autora: provado que a partir desta data os carroçamentos passaram a ser facturados com vencimento a 30 dias, período que as partes entenderam como ajustado para permitir a homologação a que houvesse lugar e depois a sua certificação no Reino Unido; provado ainda que os autocarros saiam das instalações fabris da autora após a conclusão do seu processo de fabrico e de aí terem sido inspeccionados pela ré, com excepção daqueles cuja produção foi antecipada, que apenas saíam das instalações da autora quando a ré o determinava, o que tinha vindo a ocorrer no prazo máximo de dois meses;

Artigo 12.º - provado apenas o que consta do art.º 3.º e 21.º;

Artigo 13.º - provado o que consta da resposta ao art.º 25.º;

Artigo 22.º - provado que os veículos carroçados pela autora tinham que obter a homologação relativa ao cumprimento das regras de construção por referência a determinadas normas europeias, que eram estabelecidas na respectiva ordem de fabrico; as homologações, uma vez obtidas, aproveitavam aos chassis que viessem a ser carroçados posteriormente;

Artigo 23.º e 24.º - provado que a autora era responsável por construir o carroçamento de acordo com as regras da união europeia indicadas pela ré e por obter as homologações, quando estas eram necessárias; provado também que a autora era responsável por construir o carroçamento em obediência às regras inglesas (COIF) indicadas pela ré (apesar de ser a ré a promover a certificação no Reino Unido): provado ainda que a autora era responsável pela rectificação dos defeitos ou irregularidades no fabrico que viessem a ser detectadas, quer aquando da homologação, quando esta tivesse lugar, quer aquando da certificação no Reino Unido (por referência às especificas regras inglesas);

Artigo 25.º - provado que era a autora que diligenciava pela obtenção das homologações que fossem necessárias (por referência ao cumprimento das normas europeias), transportando o veículo para esse efeito, na maioria das situações para Barcelona; provado que após a obtenção de tais homologações era a ré que diligenciava pela transporte das viaturas para o Reino Unido e aí pela obtenção da certificação e da matricula; provado que quando não fosse necessário realizar qualquer homologação era a ré que diligenciava pelo transporte dos veículos para o Reino Unido, a partir da unidade fabril da autora, sita em Eiras, e depois no Reino Unido diligenciava pela certificação e obtenção de matricula;

Artigo 27.º - provado o que consta da resposta ao art.º 3.º e 21.º;

Artigo 29.º - provado apenas o que consta da resposta ao art.º 3.º e 21.º;"

A Meritíssima Juíza fundamentou então a sua decisão afirmando:

"A convicção do tribunal, ao responder do modo que antecede à matéria da base instrutória resulta da análise critica dos depoimentos prestados conjugados com os documentos que instruem os autos.

Valoraram-se os depoimentos das seguintes testemunhas:

- C (...), que actualmente desempenha as funções de coordenador de pós-vendas na A... no Brasil, mas que no período que decorreu de Agosto de 2007 a Outubro de 2009 foi director comercial da A...;

- F..., engenheiro mecânico e funcionário da Base de 2002 a 2009 (até ao encerramento da unidade fabril de Coimbra), onde foi coordenador do departamento de pós venda:

- D (...), TOC da autora de 90 a 2009 e responsável pela contabilidade;

- H..., engenheira mecânica e funcionaria da autora entre Janeiro de 1999 e Novembro de 2007, onde trabalhou no departamento comercial e no controle de qualidade e de pós venda;

- E (...), funcionário na autora de 2003 a 2009, no controle de qualidade, linha de produção e área comercial. Em 2009 era funcionário na área comercial;

- I... , funcionário da MP no departamento de engenharia (projecto), desde Novembro de 2002 até ao seu encerramento, onde desempenhava apenas funções técnicas;

- J... , engenheiro mecânico e funcionário da autora entre 81 e Julho de 2007 (com uma pequena interrupção), onde esteve na direcção técnica e comercial e também na área financeira.

Passando a concretizar.

A resposta aos art.ºs 1.º e 18.º a 20.º, no que respeita ao tipo de acordo estabelecido entre as partes relativo ao carroçamento de chassis fornecidos pela ré, à existência de stock, à programação desse carroçamento e pontual antecipação quando havia falhas resultou da análise do depoimento de C (...), que explicou as reuniões anuais que visavam estabelecer o plano para carroçamento, O stock de chassis que a ré mantinha na unidade fabril da autora, o modo como eram processadas as encomendas, dependendo do tipo de veículo (se eram ou não cabeça de série). Quanto a esta questão também se pronunciou a testemunha D (...).

A respeito da programação anual e da antecipação da data prevista para o carroçamento são também elucidativos os emails trocados entre a autora e a ré (K... e J (...), K (...) e C (...)e K (...) para E (...)), datados de 7.7.2006 (fls. 178) 12 e 13.7.2007 (fls. 179), 30.10.2007 (fls. 547), 5.6.2008 (fls. 549), 17.7.2008 (fls. 541), 5.6.2008 (fls. 549), 22.6.2008 (fls. 188), 10 e 11.7.2008 (fls. 556 a 558), 22.7.2008 (fls. 554), 2.10.2998 (fls. 552) e 18.4.2009 (fls. 559).

No que concerne aos artigos 3º. 12º. 13º. 21.º a 27.º e 29.º, que incidem sobre o momento em  que tinha lugar o vencimento do preço, bem como sobre a homologação e certificação dos veículos  valorou-se o depoimento de C (...), que referiu as alterações que se verificaram nessa área ao longo do tempo, bem como a razão que lhe esteve subjacente.

Com especial relevância foi o depoimento de D (...), TOC da autora. Esta  testemunha balizou temporalmente a alteração de procedimentos a este respeito tendo esclarecido  que num período mais recente a Base deixou de cumpriu o prazo de 30 dias, o que era tolerado no  contexto da relação de confiança existente. Era o seu departamento (financeiro) que emitia as  facturas, fazendo-o de acordo e nas datas que lhe eram fornecidas pelo departamento de produção. A  esse respeito nunca lhe chegou qualquer reclamação. nunca tendo a ré manifestado a intenção de  não pagar ou a discordância do prazo de vencimento.

É certo que a testemunha E (...) mencionou que o vencimento do preço atinente ao  chassis carroçado só se vencia depois do respectivo veículo se encontrar matriculado. Contudo, não refutou o facto das facturas serem emitidas a trinta dias. antes pelo contrário e confirmou que seriam facturados à saída das instalações da autora. Muito embora tenha dito que o acordo verbal se sobrepunha ao vencimento das facturas inexiste qualquer troca de documentação que corroborasse tal acordo. Em face deste depoimento, como dos demais, afigura-se-nos que a partir de um determinado momento, que não se logrou precisar, a ré deixou de pagar no prazo de vencimento, quer porque a autora o tolerava, quer porque tivesse dificuldades financeiras, quer porque não tivesse logrado obter a certificação no prazo que seria expectável.

Quanto a esta matéria a testemunha D (...) também afirmou que os veículos cuja produção era antecipada só seriam pagos quando a ré tivesse comprador. Ora, esta afirmação não tem nenhum suporte documental. Apesar de se ter aceite que as viaturas produzidas nessas circunstâncias saíam das instalações da autora no momento indicado pela ré (o que se percebe, uma vez que a antecipação de produção se destinou a beneficiar a autora que tinha falhas na produção), entendemos que esse momento não se encontrava na exacta dependência da ré obter comprador.

Caso contrário, a autora apesar de ter beneficiado com o preenchimento de uma falha na produção, poderia ficar com o veículo nas suas instalações, sem ser pago, até muito depois da data inicialmente prevista para a sua conclusão. o que não se apresenta como um comportamento consistente com a relação comercial estabelecida entre as partes.

A testemunha H (...) revelou pleno conhecimento das homologações (muito embora tenha confundido os conceitos, atenta as explicações colhidas das demais testemunhas) e explicou à luz das fichas de produção quais as normas a considerar aquando da mesma, concretamente a COIF, o facto dessas normas terem expressamente referidas pela ré (o que se valorou em sede de resposta ao art.º 15.º), sendo uma área que a autora dominava. por ser essencial ao respectivo fabrico e sobre quem recaia a obrigação de diligenciar pelas homologações (autora).

A diferença entre a homologação e a certificação, bem como a caracterização de cada um desses processos e a responsabilidade que recaía sobre a autora na observância das normas a que o veículo devia obedecer foi referida de forma unânime e pacifica por todas as testemunhas que foram inquiridas a tal matéria. A este respeito veja-se o depoimento de C (...), de F (...), Concretamente, no que respeita ao Viale (referido em C) atendeu-se ao documento relativo à recepção de chassis (fls. 42 ss) em 4.5.2009, à ficha de produção, da qual consta as directivas e normas a observar (fls. 98), os vários aditamentos (fls. 103 e ss). nos quais se observa a referência ao facto do veículo estar a ser produzido com base num protótipo, produzido para o NEC Show (fls. 107), o email datado de 6.7.2009 (fls. 187 e188) onde consta o preço do veículo, bem como a factura emitida em 10.7.09, no valor de € 67.225,OO (fls. 148 – art.º 8.º).

Aliás, no que respeita ao modo como este veículo foi produzido a testemunha C (...)afirmou que seria o terceiro de uma sequência e quando foi encomendado já tinha um comprador. A única diferente relativamente aos anteriores consistia no motor diferente que lhe iria ser colocado, e que conduzia a necessidade de ser submetido a uma nova homologação relativa ao ruído. Porém, as demais características do carroçamento eram iguais aos anteriores. Este depoimento foi corroborado pela testemunha E (...), sendo certo que sustentou que se tratava de um protótipo em face da necessária homologação ao ruído. Não partilhamos esta posição, quer em face da explicação prestada por C (...), quer pelo teor do mail de fls. 107. o momento em que a autora procedeu à entrega do Viale à ré (art.º 7.º) foi mencionado pela testemunha C (...)e está balizado temporalmente na troca de mails. No mail enviado em 23.7.2009 de K (...) para C (...) (fls. 806) pode constatar-se que nessa data já o veículo está no Reino Unido.

No que respeita ao Viaggio valorou-se a ficha de produção datada de 14.10.2008, da qual também constam as normas europeias e inglesas a que deve obedecer (fls. 108 ), os vários aditamentos (fls. 116 e seg.), o mail de fls. 187 e a factura datada de 30.12.2008, com vencimento em 20.1.2009, no valor de € 139.367,22 (fls. 229 – art.º 10.º).

Todas as testemunhas afirmaram que o Viaggio não se tratava de um protótipo, pois era o segundo autocarro com tais características. Por outro lado, quer a testemunha C (...), quer E (...) mencionaram que a sua produção foi antecipada a pedido da autora, tendo entrado em produção para preencher uma vaga.

Muito embora a testemunha C (...) tenha reconhecido esta factualidade afirmou que desconhecia se o veículo era stock build. Ora, sendo seguro que o chassis estava nas instalações da autora, que o seu carroçamento estava agendado para mais tarde, a antecipação da produção para satisfazer um pedido da autora e preencher uma vaga, tem como consequência, no contexto dos depoimentos prestados, que o pagamento do mesmo só deveria ocorrer 30 dias depois do mesmo sair da fabrica da autora.

No que concerne a este aspecto e com alguma relevância a testemunha E (...) mencionou que os veículos cuja produção era antecipada nunca ficavam nas instalações da autora mais do que um ou dois meses depois de produzidos. Nunca nenhum ali ficou tanto tempo como este, compreendo-se que neste caso assim tenha sucedido em face do contexto subsequente à sua produção, quer no que respeita ao encerramento da fábrica da autora, quer no que concerne ao litigio que lhe foi contemporâneo (art.º 9.º).

Por sua vez o chassis do Sénior foi recepcionado em 11.12.2008 (fls. 95), a ordem de fabrico data de 1.6.2009, os aditamentos de fls. 145 e ss, o mail de fls. 187 e a factura datada de 28.7.09, com vencimento em 27.8.09, no valor de € 59.343,00 (fls. 95 – art.º 11.º).

Quanto à possibilidade de ser um protótipo entendemos que não se chegou a uma conclusão inequívoca, na medida em que se a testemunha C (...) afirmou que era o terceiro de um conjunto de veículos, não necessitando de especificações para homologação, já E (...) afirma o contrário, por ter sido produzido sobre um chassis Mercedes. mas I (...) diz que o que o distinguia era o comprimento, necessitando de ter essa medida homologada. As imprecisões nesta sede levaram a que não se tivesse alcançado uma conclusão.

Foi finalizado em Julho de 2009, mas só foi inspeccionado em Julho de 2010, data em que a autor aceitou entrega-lo em face do pagamento de 50% do respectivo preço. No que respeita ao alegado volume mínimo de vendas (art.º 2.º) nenhuma prova se produziu.

Ainda quanto ao Viale (al. C) a troca de correspondência é reveladora dos obstáculos que surgiram na obtenção da certificação no Reino Unido (art.ºs 31.º a 33.º).

Em 18.8.2009 (fls. 193) K (...) comunicou a L... que estavam a tentar certificar este veículo e descreve os problemas que surgiram, anexando fotografias que ilustram o relato que faz. Em 24.10.09 (fls. 239) K (...) volta a queixar-se de não ter uma resposta para os problemas, que volta a descrever.

Numa troca de mails em 29.10.2009, quer C (...), quer K (...) concordam que o veículo tem as mesmas medidas que os anteriores. De todo o modo, quer através dessas comunicações electrónicas, quer em audiência de julgamento as testemunhas, não foi refutada a existência de desconformidades no carroçamento de tal autocarro. antes pelo contrário.

A testemunha C (...) confirmou que tais situações, a verificarem-se impediriam a obtenção da certificação. Muito embora tenha salientado que a situação era pouco provável, porque os anteriores veículos, com as mesmas medidas, tinham sido homologados, aceita que pudesse ser efectuada tal interpretação pelas autoridades certificadoras, uma vez que a questão se prendia com a contabilização ou não da borracha.

A testemunha E (...) confirmou o teor das medidas que apresentava, bem como a desconformidade com as normas inglesas (através da análise do documento de fls. 427). Salientou a prática adoptada entre as partes em situações desta natureza. Após a reclamação a autora quando tinha dúvidas ia confirmar a situação relatada (não o tendo feito no caso, como afirmou E (...), por a autora ter deixado de laborar), sem nunca ter exigido a exibição de um documento que atestasse a não certificação (que não foi exibido, como afirmou a testemunha C (...)). Na altura a autora aceitou a verificação dos problemas relatados (como também se infere da troca de mails), que eram susceptíveis de resolução.

Neste contexto não foi enviado qualquer certificado atinente à reprovação, nem tal documento foi solicitado pela autora (art.º 14.º e 28.º).

A este respeito, a testemunha F... identificou os procedimentos normais após venda (era a Base que reparava as deficiências que surgiam, após aceitação das mesmas pela A..., sendo os seus custos posteriormente pagos por esta). Explicou os procedimentos e como as contas eram acertadas no final do ano, bem como a situação de na segunda metade de 2008, em resultado do fecho da unidade fabril. não existir qualquer procedimento instituído.

O facto referido no art.º 30.º foi admitido pela testemunha K (...).

Quer a testemunha E (...), quer C (...)depuseram quanto à matéria dos artigos 5.º,6.º e 17.º.

Estas duas testemunhas também aludiram ao desconto aplicado pela autora na sequência da subida do euro relativamente à libra, mas que só seria aplicado quando o pagamento ocorresse dentro do prazo (art.º 9.º e 34.º).

Os relatórios elaborados em 13.7.2010 relativamente aos autocarros referidos em D) e C) constam de fls. 571 e 572 e 661 a 694 (art.º 9.º). Nesta sede valorou-se também o depoimento da testemunha F (...), que se deslocou à Liderbus (a pedida da autora) para realizar a inspecção do Viaggio e do Sénior. Depois os relatórios foram-lhe enviados, tendo confirmado que o seu teor correspondia à realidade. Mais salientou que foram detectadas pequenas deficiências nos veículos, mas que este foi um procedimento habitual, porque antes da entrega havia sempre uma vistoria. Posteriormente o Sénior foi levado para o Reino Unido pela Base, desconhecendo outros detalhes a esse respeito.

Por último a resposta dada ao art.º 36.º resultou da conjugação do depoimento prestado por D (...), conjugado com os documentos que por esta testemunha foram analisados em audiência."

Segundo a ré devia-se ter respondido provado aos quesitos 21.º, 23.º, 24.º, 25.º e 27.º e 29.º, não provados os quesitos 3.º, 12.º e 13.º e "ter-se-á de completar a resposta ao art.º. 22 da base instrutória, nele incluindo a certificação do veículo para a matricula no Reino Unido".

Ouvidos os depoimentos prestados e examinados os documentos juntos aos autos, temos que, no que se reporta à matéria dos quesitos 3.º, 12.º, 21.º, 27.º e 29.º a testemunha C (...)[6] declarou que no início da relação comercial entre as partes os veículos eram pagos "ao portão da empresa". Com o passar do tempo, a autora acabou por dar 30 dias à ré para realizar esse pagamento, de modo a que se pudesse, entretanto, efectuar a homologação do veículo.

D (...)[7] afirmou que quando se iniciaram as relações comerciais com a ré esta pagava os veículos "à cabeça" quando vinha levantar o carro. Mas, tendo, entretanto surgido problemas com a certificação de alguns veículos, o que atrasava a obtenção da matrícula, a ré depois do carro estar matriculado comunicava o dia em que ia pagar; "o automatismo era praticamente esse". Também disse que sabia que os veículos eram facturados mencionando-se um pagamento a 30 dias, mas que isso "não tinha grande significado". Referiu igualmente que o pagamento era conforme as condições de cada veículo, a ré só pagava depois do veículo estar matriculado no Reino Unido. Deu também conta de que a ré era um cliente sério e dos melhores que tinham. Deste depoimento resultou a ideia de que, enquanto a testemunha trabalhou para a autora nunca houve problemas com a ré, relativamente aos pagamentos dos veículos, e que tinham nela grande confiança. Resultou ainda que foi alterado o acordo inicial, que impunha o pagamento "à cabeça", passando a mencionar-se nas facturas que o pagamento seria feito 30 dias após a respectiva data. A testemunha desvaloriza esse facto e acaba por não dizer quando é que realmente o pagamento deveria acontecer, dando, neste aspecto, mais do que uma versão. Fica a impressão de que o que, de facto, acontecia, era uma grande tolerância da autora para com a ré, visto que esta era séria e um bom cliente, acabando sempre por pagar. A ser verdade uma das versões da testemunha, a ré só pagaria quando quisesse, pois disse que esta apenas informava a autora do dia em que pagaria.

D (...)[8] deu nota de que inicialmente o pagamento era feito antes do veículo sair das instalações da autora. Depois começou a facturar-se a 30 dias. Na fase final houve atrasos da ré nos pagamentos.

A testemunha H (...)[9] disse que os caros eram pagos depois de homologados, acrescentando mais adiante que esse não era o seu sector. Depôs com pouca convicção e deixou a impressão de que ao fazer aquela afirmação estaria a opinar. Regista-se que esta testemunha referiu que não sabe o que é a certificação de um veículo e que "acho" que a homologação e a certificação são a mesma coisa. Ora, isso não é verdade, como bem explicaram as testemunhas C (...), F (...)[10], E (...)[11], I (...)[12] e D (...). A ignorância que a testemunha mostrou neste aspecto surpreende e deixa dúvidas quanto à sua credibilidade.

E (...) começa por depor no sentido de que o pagamento só tinha lugar depois da ré obter a "matriculação" do veículo. Depois diz que isso "era aquilo que ouvia" dizer na autora e acrescenta que os veículos para os quais a ré já tinha cliente (pois esta revendia muitos dos que comprava à autora) "aí o pagamento era feito de modo mais rápido".

I (...) refere que "acredito" que a ré pagasse os carros quando os pudesse utilizar, reconhecendo que se trata de uma mera "convicção pessoal" e que não tem conhecimentos a nível do contratado.

Perante este quadro, há que concluir que numa fase inicial o pagamento era devido quando a ré levantava o veículo nas instalações da autora. Mas depois, acordou-se em que o pagamento seria realizado 30 dias após a data da factura. É nesse sentido que apontam os depoimentos das testemunhas C (...), D (...) e mesmo o de D (...). E quanto ao que este disse, deverá interpretar-se o seu depoimento como tendo sido acordado que o pagamento era devido 30 dias após a data da factura, mas que, na prática, não era dada importância a esse aspecto, dado o bom relacionamento existente as partes e a circunstância da ré acabar por realizar sempre os pagamentos, que foi aquilo que aconteceu enquanto esta testemunha trabalhou para a autora.

Não foi possível apurar o momento em que se modificou o acordado inicialmente, mas sabemos que isso se deu ainda no tempo em que D (...) estava na autora e algum tempo antes dele aí deixar de exercer a sua actividade, o permite concluir que foi uns anos antes de 2007.

Relativamente à restante matéria de facto abrangida nestes quesitos, não se produziu prova.

Quanto ao quesitado no quesito 13.º, os depoimentos das testemunhas C (...), F (...), E (...), G... e D (...) apontam no sentido de que no Reino Unido não se processava qualquer homologação; aí havia sim uma certificação, mas não é a ela que o quesito se reporta. Por isso a resposta a dar só pode ser negativa. Não esquecer que a questão da certificação da viatura no Reino Unido encontra-se no quesito 24.º

No que se refere aos quesitos 22.º a 25.º resulta dos depoimentos das testemunhas C (...), H (...), E (...), I (...) e D (...) apontam, conjugando-se o que por todos eles foi dito, que os veículos tinham que estar homologados e certificados para serem matriculados no Reino Unido, aqui com a nuance de que as homologações, uma vez obtidas, aproveitavam aos chassis que viessem a ser carroçados posteriormente, que a autora era responsável por construir o carroçamento cumprindo as regras da lei inglesa e as da união europeia e que tinha que corrigir os defeitos que fossem detectados até que o veículo pudesse circular, que era a ré quem os submetia para inspecção (certificação), no Reino Unido, mas não era responsável se ele não estava em conformidade com a legislação inglesa e o resultado dessa conformidade só se comprovava com a inspecção da VOSA[13] e que a autora garantia que os veículos tinham as dimensões correctas de acordo com o mercado inglês e o fabrico era feito em conformidade com este. Aliás, sendo a autora o produtor deste produto, era razoável que as coisas assim se passassem.

Por fim, parece oportuno lembrar que, como é sabido, na resposta à matéria de facto, aplicando-se por analogia o disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, deve-se "considerar não escritas as respostas que excedam o âmbito das questões de facto formuladas"[14]. Com efeito, "não podem ser consideradas as decisões do tribunal (…) sobre factos não quesitados" e se este decidir "questões de facto que não lhe foram postas (…) considera-se não escrita a resposta"[15].

Assim, o juiz não pode ir além do quesitado, independentemente da prova produzida.

Ora, salvo o devido respeito, afigura-se que a Meritíssima Juíza foi para lá dos limites do que se encontra quesitado, quando nas respostas aos quesitos 3.º e 21.º considerou provado "que os autocarros saiam das instalações fabris da autora após a conclusão do seu processo de fabrico e de aí terem sido inspeccionados pela ré, com excepção daqueles cuja produção foi antecipada, que apenas saíam das instalações da autora quando a ré o determinava, o que tinha vindo a ocorrer no prazo máximo de dois meses" e ao responder ao quesito 25.º deu como provado que "a autora (…) transportando o veículo para esse efeito (homologação), na maioria das situações para Barcelona; provado que após a obtenção de tais homologações era a ré que diligenciava pela transporte das viaturas para o Reino Unido (…); provado que quando não fosse necessário realizar qualquer homologação era a ré que diligenciava pelo transporte dos veículos para o Reino Unido, a partir da unidade fabril da autora, sita em Eiras (…). Nessa medida, pela razão apontada, estes factos nunca podiam ser considerados provados.

Assim, responde-se à matéria de facto aqui em causa nos seguintes termos:

Quesitos 3.º, 12.º e 21.º: provado apenas que, na fase inicial das relações comerciais que manteve com a ré, o acordo que havia com a autora era no sentido de o pagamento dos carroçamentos ser efectuados quando os autocarros saíam das instalações fabris desta, mas, mais tarde, em momento que não foi precisar, mas que se situa alguns anos antes de 2007, foi acordado que os pagamentos se efectuariam nos 30 dias seguintes ao da emissão da respectiva factura, período que as partes entenderam como ajustado para permitir que entretanto se efectuasse a respectiva homologação.

Quesito 13.º: não provado

Quesito 22.º: provado que os veículos têm de estar homologados e certificados para serem matriculados no Reino Unido, mas as homologações, uma vez obtidas, aproveitavam aos chassis que viessem a ser carroçados posteriormente.

Quesitos 23.º, 24.º e 25.º: provados

Quesito 27.º: não provado.

Quesito 29.º: não provado.


2.º

Estão provados os seguintes factos:

1. A autora “ A..., Lda.” dedica-se à indústria, comércio, representação, importação e exportação de carroçarias e seus acessórios, destinados a todo o tipo de veículos automóveis, ligeiros, de carga e de passageiros, bem como a quaisquer outros meios de transporte de passageiros e mercadorias (al. A).

2. Desde aproximadamente o ano de 2003, a autora, a pedido da ré, efectuava o carroçamento de chassis por esta fornecidos, entregando-lhe a final autocarros prontos a circular, procedendo depois ao pagamento do preço acordado, de acordo com o material a incorporar e o custo da respectiva mão de obra (art.º 1.º e 18.º).

3. A prática contratual entre a autora e ré era aquela manter stocks de chassis fornecidos pela ré nas suas instalações fabris de Eiras; anualmente a autora e a ré programavam a produção (carroçamento de chassis) de acordo com as necessidades e vontade da ré, mas ao longo do ano e para colmatar as falhas na produção na unidade fabril da autora, por indicação da ré, eram antecipados alguns carroçamentos, como sucedeu com o carroçamento do veículo referido em D) (art.º 19.º).

4. Os chassis entravam em carroçamento de acordo com o programa de produção estabelecido anualmente entre a autora e a ré e as antecipações de carroçamento de chassis tinham lugar na sequência de uma ordem concreta dada nesse sentido pela ré (art.º 20.º).

5. Na fase inicial das relações comerciais que manteve com a ré, o acordo que havia com a autora era no sentido de o pagamento dos carroçamentos ser efectuados quando os autocarros saíam das instalações fabris desta, mas, mais tarde, em momento que não foi precisar, mas que se situa alguns anos antes de 2007, foi acordado que os pagamentos se efectuariam nos 30 dias seguintes ao da emissão da respectiva factura, período que as partes entenderam como ajustado para permitir que entretanto se efectuasse a respectiva homologação.

 6. Os veículos têm de estar homologados e certificados para serem matriculados no Reino Unido, mas as homologações, uma vez obtidas, aproveitavam aos chassis que viessem a ser carroçados posteriormente.

7 A autora era responsável por construir o carroçamento cumprindo as regras da lei inglesa (UK COIF) as da união europeia (2001.85) e tinha que corrigir os defeitos que fossem detectados durante o processo de inspecção que impediam que o veículo fosse registado, vendido ou que circulasse no Reino Unido e a ré submetia os veículos para inspecção mas não era responsável se o veículo não estava em conformidade com a legislação inglesa e o resultado dessa conformidade só se comprovava com a inspecção da VOSA.

8. 25. E a autora garantia que os veículos tinham as dimensões correctas de acordo com o mercado inglês e o fabrico era feito em conformidade com este.

9. A autora conhecia perfeitamente os procedimentos com a legislação inglesa pois exportava veículos sujeitos à mesma desde 1995, tendo exportado veículos por si carroçados através de outros distribuidores que não a ré (art.º 26.º).

10. A autora nunca solicitou à ré um certificado que atestasse que o veículo não tinha obtido a certificação no Reino Unido (art.º 28.º).

11. No ano passado (2008) a ré antecipou o pagamento à autora de veículos apenas para contribuir para o cash flow do negócio da autora numa época de dificuldades económica desta (art.º 30.º).

12. A ré entregou à autora dezasseis chassis (al. B):

a. No dia 28/08/2007, a ré entregou o chassis n.º (...)419, Marca “MAN”, Modelo R33SIRHD.

b. No dia 09/12/2008, a ré entregou o chassis n.º (...)221, Marca “MAN”, Modelo A91EIVRHD.

c. No dia 18/12/2008, a ré entregou o chassis n.º (...)226, Marca “MAN”, Modelo A91EIVRHD.

d. No dia 12/01/2008, a ré entregou o chassis n.º (...)216, Marca “MAN”.

e. No dia 25/02/2009, a ré entregou o chassis n.º ZGA7B2N100/E001567, Marca “IVECO”, Modelo 397E.12.33 A C-I.

f. No dia 25/02/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)568, Marca “IVECO”, Modelo 397E.12.33 A C-I.

g. No dia 25/02/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)564, Marca “IVECO”, Modelo 397E.12.33 A C-I.

h. No dia 25/02/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)563, Marca “IVECO”, Modelo 397E.12.33 A C-I.

i. No dia 22/04/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)639, Marca “IVECO”, Modelo 397E.12.33 A C-I.

j. No dia 05/05/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)730, Marca “MAN”, VAN A911825, Modelo A91EVRHD.

k. No dia 07/05/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)748, Marca “MAN”, VAN A911827, Modelo A91RHD.

l. No dia 07/05/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)742, Marca “MAN”, VAN A911828, Modelo A91RHD.

m. No dia 08/05/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)734, Marca “MAN”, VAN A911826, Modelo A91EVRHD.

n. No dia 04/05/2009, a ré entregou o chassis n.º (...)719, Marca “MAN”.

o. No dia 27/02/2008, a ré entregou o chassis n.º (...)822, Marca “IVECO”, Modelo 397E.13.38 A-C-I.

p. No dia 11/12/2008, a ré entregou o chassis n.º (...)111, Marca Mercedes.

13. A ré requereu à autora a devolução dos chassis n.ºs (...)419, (...)221, (...)226, (...)216, (...)567, (...)568, (...)564, (...)563, (...)639,melhor identificados nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h) e i) da al. B), ao que a autora acedeu, procedendo à sua devolução (al. G e H).

14. A autora, a pedido da ré, na pendência da presente acção, restituiu-lhe os chassis identificados nas alíneas j), k), l) e m) da al. B) (confissão efectuada pela autora nos autos providência cautelar apensos).

15. A pedido da ré, a autora construiu o autocarro, modelo Viale HF 12.250, Man, Classe II sob o chassis n.º (...)719, melhor identificado em B-n), tendo executado os seguintes trabalhos (al. C):

I. Mecânica:

a. Montagem do sistema de aquecimento;

b. Montagem de aquecimento de motorista;

c. Instalação de ar forçado (motores duplos e forras de ar forçado);

d. Instalação do aquecimento de salão;

e. Instalação do sistema de regulação (comando de chaufagem, bomba de água e válvula de água);

f. Instalação de conjunto de tubagens de circulação de água;

g. Montagem dos depósitos de combustível;

h. Montagem da coluna de direcção;

II. Estrutura

i. Montagem da base em aço inox;

j. Montagem da coxia;

n) Montagem do sistema de reboque;

III. Chapeamento:

o) Montagem de painéis laterais;

p) Montagem de saia em chapa inox;

q) Montagem da frente em fibra com uma peça superior, tampa central de abrir, 2 aros de farol e pára-choques de 3 peças;

r) Montagem da traseira em fibra preparada para óculo traseiro, com pára-choques de 3 peças (corpo central em aço, 2 ponteiras em fibra), pára-choques central em chapa;

s) Montagem de tampas laterais com abertura convencional;

t) Montagem de tampa traseira com dobradiças convencionais;

u) Montagem de tampa frontal com dobradiças convencionais;

v) Colocação de portas (porta da frente simples pantográfica electropneumática; porta de emergência; porta de acesso a cadeira de rodas);

w) Colocação de isolamento térmico (nas laterais e tecto);

x) Colocação de soalho e perfil para tapete;

y) Acabamento exterior com “sika”;

z) Instalação de isolamento de tampas e motor;

aa) Instalação de isolamento acústico;

IV. Pintura

V. Revestimento interior:

bb) Colocação de soalho;

cc) Montagem de perfil de degraus;

dd) Colocação de painéis laterais;

ee) Colocação de janelas e pilares;

ff) Montagem de perfil de remate de janelas;

gg) Colocação de apoia-braços nas janelas;

hh) Montagem de pilares dianteiros;

ii) Montagem de traseira e pilares traseiros;

jj) Colocação do tecto;

kk) Instalação de porta-pacotes exterior e interior;

ll) Instalação de tapa-pernas;

mm) Colocação de portas;

nn) Montagem do tablier;

oo) Aplicação de revestimento nas portas;

V. Vidros: colocação de janelas laterais, janela de motorista, pára-brisas e óculo traseiro;

VI. Bancos:

pp) Colocação dos bancos de passageiros e banco de motorista;

Acessórios:

qq) Colocação de retrovisores exteriores;

rr) Colocação de retrovisores interiores;

ss) Colocação de tapa-pernas;

tt) Instalação de estore no pára-brisas;

uu) Instalação de estore na janela do motorista;

vv) Colocação de extintores;

ww) Montagem de clarabóias;

xx) Instalação de exaustor de tejadilho;

yy) Colocação de balaústres;

zz) Instalação de campainhas;

aaa) Colocação de tampas de manutenção;

bbb) Instalação de isqueiro;

ccc) Instalação de alarme de marcha-atrás;

ddd) Instalação de relógio digital;

eee) Colocação de pega-mãos;

VII. Electricidade:

ggg) Instalação de iluminação dos degraus (frente, bandeja da porta traseira, traseira);

hhh) Instalação de iluminação interna;

iii) Instalação de iluminação externa frontal (faróis médios, máximos, de presença e de nevoeiro; cabo “hella”; farolins pisca);

jjj) Instalação de iluminação externa lateral (farolins de presença; farolins pisca; cabo “hella”);

kkk) Instalação de iluminação externa traseira (farolim de matrícula e degrau “Hella”; reflectores; farolins “stop”/presença; farolins pisca traseiros; farolins de marcha-atrás; farolins de nevoeiro traseiros; farolins de presença traseiros);

lll) Instalação de iluminação externa lateral (farolins pisca; cabo “Hella”; farolins de presença laterais);

mmm) Montagem do sistema “Multiplex”;

nnn) Instalação do pára-brisas;

ooo) Instalação do sistema áudio.

16. A autora no autocarro referido em C) procedeu também à colocação da fixação para os bancos à lateral e ao soalho e pré-instalação de plataforma para cadeira de rodas (art.º 2.º).

17. A autora, no mês de Julho de 2009, diligenciou em Barcelona pela homologação do ruído relativamente ao autocarro referido em C), e após procedeu à sua entrega à ré, que o transportou para o Reino Unido (art.º 7.º).

18. A ré não enviou à autora um documento que atestasse a reprovação do veículo referido em C) na certificação a que a ré o submeteu no Reino Unido (art.º 14.º).

19. Era à ré que cabia alertar a autora, antes da ordem de produção do veículo em causa, dos pormenores regulamentares específicos exigidos para a homologação do veículo no Reino Unido (art.º 15.º).

20. No dia 10/07/2009, a autora emitiu e remeteu para a sede da ré, em Inglaterra, a factura n.º 90515, no montante de € 67 225,00, com vencimento no dia 09/08/2009 relativa ao custo do autocarro referido em C) (art.º 8.º).

21. Em 18/08/2009 o veiculo identificado em C) ainda não se encontrava certificado no Reino Unido (art.º 31.º).

22. O veículo referido em C) apresentava os seguintes problemas, que impediram a sua certificação:

- a abertura da porta de emergência não tinha as medidas regulamentares mínimas, sendo que a sua dimensão nunca poderia ser inferior a 1520 mm e a abertura executada pela autora não alcançava a dimensão mínima;

- o fecho colocado por baixo da porta de emergência impede esta de abrir pois encontra-se na sua trajectória (art.º 32.º).

23. Tais vícios foram denunciados pela ré à autora em Agosto de 2009, que os reconheceu em Outubro de 2009 (art.º 33.º).

24. A autora construiu, ainda, o autocarro para a ré, modelo Viaggio III 370 13.000 IVECO, Classe III, sob o chassis n.º (...)822, melhor identificado em B- o), tendo executado os seguintes trabalhos (al. D):

I. Mecânica:

a. Montagem do sistema de aquecimento;

b. Instalação do ar condicionado;

c. Montagem do aquecimento de salão;

d. Instalação da ventilação de motorista e guia;

e. Aplicação de tubagens de circulação de água;

f. Fixação de pneu suplente com elevador de pneu;

g. Colocação de tampões nas rodas;

h. Montagem de depósito de combustível;

i. Montagem de 2 alternadores;

j. Encapsulamento do motor;

k. Montagem de coluna de direcção;

II. Estrutura:

l. Colocação da base em aço inox;

m. Colocação de coxia rebaixada;

n. Fixação de bancos à lateral;

o. Fixação de bancos ao soalho;

p. Fixação de cadeira de rodas;

q. Instalação de sistema de reboque composto por gancho de reboque e porca de reboque;

III. Chapeamento:

r. Chapeamento interno – rodapé; almofada traseira; topos de cave de roda; topos de bagageira; soalho;

s. Chapeamento externo – painéis laterais; saia; portas (porta da frente pantográfica electro-pneumática; porta de emergência; porta de acesso a cadeira de rodas; porta continental entre-eixos pantográfica electropneumática; tampas laterais com abertura electro-pneumática convencional; dobradiças de tampa traseira; isolamento térmico);

IV. Pintura

V. Revestimento interior:

t. Instalação de bagageiras;

u. Colocação de soalho;

v. Colocação de forra frontal, traseira e no 1.º pilar;

w. Colocação do tecto;

x. Montagem do tablier;

y. Colocação de portas;

z. Colocação de painéis laterais;

aa. Colocação de cortinas;

ab. Montagem de corredor, degraus e plataforma de motorista;

ac. Colocação de perfil de acabamento dos degraus;

VI. Vidros:

ad. Colocação de vidros – janela de motorista; óculo traseiro; pára-brisas; caixilho de portagem; vidro de aparelho destino lateral;

VII. Bancos:

ae. Colocação dos bancos de passageiros;

af. Colocação do banco de motorista e guia;

ag. Revestimento de todos os bancos;

ah. Colocação de mesas;

VIII. Acessórios:

ii) Colocação de retrovisores exteriores;

jj) Colocação de retrovisores interiores;

kk) Colocação de tapa-pernas;

ll) Instalação de estore no pára-brisas;

mm) Instalação de estore na janela do motorista;

nn) Montagem de pilares/apoia-braços nas janelas;

oo) Colocação de clarabóias;

pp) Instalação de relógio digital;

qq) Montagem de porta-pacotes com bocais de ar e luz;

rr) Montagem de arrumação interna (um armário no porta-pacotes; um compartimento para arrumação

de objectos atrás dos degraus da escada central, três ganchos para colocação de casacos junto ao motorista);

ss) Instalação de indicador acústico de marcha-atrás;

tt) Instalação de isqueiro;

uu) Colocação de extintor;

vv) Colocação de pegadeiras (WC; porta central; porta da frente) e aplicação de tira resinada amarela nos braços das portas.

ww) Aplicação de grelha de ventilação no soalho;

xx) Aplicação de acabamento na frente;

zz) Instalação de WC;

aaa) Colocação de arca frigorífica;

Electricidade:

bbb) Instalação de iluminação de degraus, zona coxia, iluminação interna;

ccc) Instalação de iluminação externa frontal (faróis médios, máximos, de presença e de nevoeiro; cabo “hella”; farolins pisca; suportes);

ddd) Instalação de iluminação externa lateral (farolins de presença; farolins pisca; cabo “hella”);

eee) Instalação de iluminação externa traseira (farolins de nevoeiro; reflectores traseiros; farolins stop; farolim pisca traseiro; farolins de marcha-atrás; farolins de matrícula; farolim de 3.º stop; reflector “hella”; complementos de sinaleira; coberturas traseiras de farolins; adesivos reflectores; moldura “break light”);

fff) Instalação de iluminação do motor;

ggg) Instalação de limpa pára-brisas (limpa vidros; bomba de esguicho; depósito de água; caixa estanque; válvula anti-retorno de esguicho);

hhh) Instalação de sistema áudio;

iii) Instalação de sistema de DVD;

Equipamento diverso:

jjj) Colocação de componentes de ar condicionado (mola de grelha; grelha e ar condicionado; pré-filtro de grelha);

kkk) Colocação de chapa de iluminação interna;

lll) Montagem de componentes de porta-luvas (dobradiça, mola);

mmm) Colocação de acabamentos no pára-brisas (cercadura de pára-brisas);

nnn) Colocação de chapa no painel de instrumentos;

ooo) Aplicação de adesivos vários.

25. No veículo referido em D) a autora não instalou uma plataforma para cadeira de rodas (al. E).

26. A ré desistiu da instalação no autocarro referido em D) da plataforma para cadeira de rodas que havia solicitado, depois da autora já a ter adquirido e pago (art.º 17.º).

27. A ré emitiu a factura relativa ao preço de produção do autocarro OF 1643 (Viaggio), no valor de € 139 367,22, vencida desde 20.01.2009 (art.º 10.º).

28. O fabrico do autocarro referido em D) foi concluído antes da data em que foi emitida a respectiva factura; em 13.7.2010 a autora e a ré procederam a sua inspecção, tendo sido verificada a existência dos problemas documentados no relatório de fls. 571 e 572 (art.º 9.º).

29. A autora construiu, ainda, um autocarro para a ré, modelo Sénior Turismo, Mercedes Vario, Classe II, sob o chassis n.º (...)111, melhor identificado em B- p), tendo executado os seguintes trabalhos (al. F):

I. Mecânica:

ai. Montagem do sistema de aquecimento;

aj. Instalação do ar condicionado;

ak. Montagem do aquecimento de salão;

al. Instalação do sistema de regulação;

am. Instalação da tubagem de aquecimento;

an. Colocação dos tampões de rodas;

ao. Montagem do depósito de combustível;

ap. Instalação do escape;

II. Estrutura

aq. Montagem da base em aço inox até às janelas;

j) Montagem da coxia;

k) Fixação de bancos à lateral;

l) Colocação de perfil de fixação de banco à coxia;

m) Colocação de lâmulas;

III. Chapeamento

n) Chapeamento interno – rodapé; coxia; chapeamento interno das bagageiras; almofada traseira; soalho;

o) Chapeamento externo – painéis laterais; layout chapeamento externo; saia; portas (porta de emergência com “speedbolt”); tampas externas;

p) Colocação de isolamento termo-acústico;

IV. Pintura

V. Revestimento interior

q) Instalação de bagageiras;

r) Colocação de soalho;

t) Instalação de porta-pacotes interior;

u) Colocação do tecto;

v) Instalação de tapa-pernas;

w) Colocação de portas;

x) Montagem do tablier;

y) Montagem dos painéis laterais;

z) Colocação de cortinas;

aa) Colocação de coxia nos degraus da zona de motorista e guia;

bb) Colocação de perfil dos degraus;

cc) Colocação de forra frontal, traseira e no 1.º pilar;

VI. Vidros: colocação de janelas laterais e borracha no pára-brisas;

VII. Bancos

dd) Colocação dos bancos de passageiros e acessórios (pegadeira; apoia-braços abatível no lado da coxia; cinto de segurança);

ee) Revestimento de todos os bancos;

ff) Colocação do banco de motorista;

VII. Acessórios

gg) Colocação de retrovisores exteriores;

hh) Colocação de retrovisores interiores; Colocação de tapa-pernas;

jj) Instalação de estore no pára-brisas;

kk) Instalação de estore na janela do motorista;

ll) Colocação de extintores;

mm) Montagem de pilares/apoia-braços nas janelas;

nn) Colocação de clarabóias;

oo) Instalação de porta-pacotes;

pp) Colocação de pegadeiras;

qq) Aplicação de fita amarela nos braços e portas;

rr) Colocação d grelhas de ventilação;

VIII. Electricidade

ss) Instalação de iluminação na zona do motorista, degraus, porta de emergência, porta de cadeira de rodas, bagageira;

tt) Instalação de iluminação externa frontal (faróis médios, máximos, de presença e de nevoeiro; cabo “hella”; farolins pisca; suportes);

uu) Instalação de iluminação externa lateral (farolins de presença; farolins pisca; cabo “hella”);

vv) Instalação de iluminação externa traseira (farolins de presença; reflectores traseiros; farolins pisca traseiros; farolins de marcha-atrás; farolins “stop”; farolins de nevoeiro; reflector “Hella”; cabo “Hella”; farolim “3.º stop”; cobertura traseira de farolim; adesivos reflectores; farolim de matrícula e degrau “Hella”);

ww) Instalação de iluminação externa lateral (farolins pisca; cabo “Hella”; farolins de presença laterais);

xx) Instalação de iluminação no motor;

yy) Instalação de limpa pára-brisas inferior;

zz) Montagem do sistema “Multiplex”;

aaa) Instalação do sistema áudio;

bbb) Instalação de relógio digital;

ccc) Instalação de sinalização de marcha-atrás;

ddd) Preparação para futura aplicação de plataforma;

eee) Instalação de iluminação do motor;

fff) Instalação de limpa pára-brisas (limpa vidros; bomba de esguicho; depósito de água; caixa estanque; válvula anti-retorno de esguicho);

ggg) Instalação de sistema áudio;

hhh) Instalação de kit de convectores;

IX. Equipamento diverso:

jjj) Colocação de grelha de ar condicionado;

kkk) Aplicação de material diverso (fecho de compressão; varão; parafusos; fechos; porcas);

lll) Montagem de painel de instrumentos;

mmm) Montagem de “Sistema Corrente Directa Portas-Relógio-GPSApar. Destino”.

30. No autocarro referido em F) a autora procedeu também à colocação da porta da frente pantográfica/eléctrica e à instalação de porta pacotes exterior (art.º 6.º).

31. A ré emitiu a factura relativa ao preço de produção do autocarro OF SC 108 (Sénior), no valor de € 59 343,00, vencida desde 27.08.2009 (art.º 11.º).

32. O fabrico do autocarro referido em F) foi concluído antes da data em que foi emitida a respectiva factura; em 13.7.2010 a autora e a ré procederam a sua inspecção, tendo sido verificada a existência dos problemas documentados no relatório de fls. 661 a 694 (art.º 9.º).

33. A ré não pagou o preço da produção que ordenou dos autocarros referidos em C e D e em 6 de Setembro de 2010 procedeu ao pagamento da quantia de € 29 671,00 relativa ao autocarro referido em F) (al. I e confissão da autora quando reduziu o pedido no início da audiência de julgamento).

34. O autocarro referido em D) encontra-se nas instalações da autora, em Coimbra, não tendo sido enviado à ré e o autocarro referido em F) foi entregue pela autora à ré em 6 de Setembro de 2010 (al J) e confissão da autora quando reduziu o pedido no início da audiência de julgamento)

35. O desconto adicional até 8% decorrente do câmbio libra/euro tem aplicação quando o pagamento é efectuado pontualmente (art.º 16.º).

36. Os créditos da autora sobre a ré e desta sobre a autora, relativos a operações de marketing, custos com as garantias suportados pela ré e descontos operados em facturas, eram lançados numa conta corrente; em Dezembro de 2010 de tal conta corrente constava um crédito a favor da ré no valor de € 23 859,42 (art.º 36.º).


3.º

Diz a ré que "no tocante ao veículo Viale, competia à recorrida provar que o construiu “em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que reduzam ou excluam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. Daqui resulta que, no tocante ao autocarro Viale, identificado na alínea C) dos Factos Assentes, assiste à Ré pleno direito de exercer a excepção de não cumprimento do contrato" e que perante a matéria de facto provada a recorrida "não cumpriu a obrigação básica, enquanto empreiteira, de construir a coisa sem vícios ou que reduzam ou excluam a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato."[16]

Quanto a esta matéria, a Meritíssima Juíza a quo afirmou na sua douta sentença que:

"Comecemos pelo autocarro referido na alínea C.

Provou-se nos autos que a autora, a pedido da ré, construiu o autocarro, modelo Viale HF 12.250, Man, Classe II sob o chassis n.º (...)719, tendo executado os trabalhos identificados na alínea C) e resposta ao art.º 2º da base instrutória.

No dia 10/07/2009 a autora emitiu e remeteu para a sede da ré, em Inglaterra, a factura n.º 90515, no montante de €67.225,00, com vencimento no dia 09/08/2009 relativa ao custo de tal autocarro.

No mês de Julho de 2009 a autora diligenciou em Barcelona pela homologação do ruído relativamente a tal autocarro e após procedeu à sua entrega à ré, que o transportou para o Reino Unido.

Em 18/08/2009 tal veículo ainda não se encontrava certificado no Reino Unido, apresentando os seguintes problemas, que impediram a sua certificação:

- a abertura da porta de emergência não tinha as medidas regulamentares mínimas, sendo que a sua dimensão nunca poderia ser inferior a 1520 mm e a abertura executada pela autora não alcançava a dimensão mínima;

- o fecho colocado por baixo da porta de emergência impede esta de abrir pois encontra-se na sua trajectória.

Tais vícios foram denunciados pela ré à autora em Agosto de 2009, que os reconheceu em Outubro de 2009.

A ré não enviou à autora um documento que atestasse a reprovação desse na certificação a que a ré o submeteu no Reino Unido. Contudo, a autora também nunca solicitou à ré tal certificado.

Perante a elencada factualidade temos que o autocarro foi construído pela autora, que diligenciou pela necessária homologação, tendo-o depois entregue à ré, como lhe competia, que o transportou para o Reino Unido. Aí a certificação não foi obtida pelas razões indicadas, sendo certo que a autora tinha pleno conhecimento dos regulamentos específicos do Reino Unido, que o veículo tinha que observar. De todo o modo, após a comunicação dos problemas que inviabilizaram a certificação reconheceu a existência de tais vícios.

Neste contexto a ré sustenta que tem o direito a exigir da autora a reparação dos defeitos e enquanto tal não for efectuado tem direito de recusar o pagamento do preço nos termos do disposto no art.º 428.º do Código Civil. Mais alega que depois de efectuada tal reparação ainda terá direito a ver compensado o crédito da autora com o crédito que detém sobre a mesma e que irá exigir em acção autónoma. Alega ainda que sobre o preço do carroçamento deveria ter beneficiado de um desconto adicional de 8%.

Por sua vez, a autora impugnou a existência dos alegados defeitos, tanto mais que nunca lhe foi enviado qualquer documento que atestasse o facto do veículo não ter sido certificado, tendo o mesmo sido carroçado de acordo com as indicações prestadas pela ré.

Ora, em face da matéria provada encontra-se assente o incumprimento por parte da ré, já que esta não pagou o preço relativo ao carroçamento do autocarro referido em C). Sucede que a ré se defendeu com uma causa de exclusão da ilicitude civil, representada pela excepção de não cumprimento do contrato. Citando Antunes Varela "tal como no domínio do ilícito extracontratual, também aqui o não cumprimento da obrigação pode constituir um acto lícito sempre que proceda do exercício de um direito ou do cumprimento de um dever (...) Entre os casos de não cumprimento da obrigação, legitimado pelo exercício de um direito, destaca-se a excepção de não cumprimento do contrato" (Das Obrigações em geral, 2º volume, 5ª ed., pág. 93).

O regime jurídico especial da empreitada não afasta a aplicabilidade do instituto da excepção de não cumprimento do contrato, sendo este um instituto geral das obrigações e do negócio jurídico em geral aplicável a todos os contratos (cfr. Prof. Vaz Serra, in “BMJ 67, pág. 26 e RLJ ano 105, pág. 287”). Logo, o dono da obra, face ao cumprimento defeituoso pelo empreiteiro, pode recusar o pagamento do preço, enquanto não forem eliminados os defeitos (cfr. ac. RP de 4/11/91, in CJ ano XVI, T.V - 179, ac. RE de 26/9/95, CJ ano XX, T.IV – 269 e ac. RC de 6.12.2005, in www.dgsi.pt).

Importa, no entanto, considerar que a ré não se defendeu com o incumprimento do contrato tout court, mas sim com o cumprimento defeituoso daquele por parte da autora. Assim sendo, há que averiguar se o cumprimento defeituoso também pode servir de fundamento à defesa por excepção prevista no art.º 428º e ss. do Cód. Civil.

Afigura-se-nos que, desde que a invocação da exceptio fundada no cumprimento defeituoso não ofenda o princípio da boa fé, subjacente a todo o Direito Obrigacional, ela é perfeitamente legítima. Não se compreende que face à regra vertida no art.º 406º do Cód. Civil, o credor houvesse de aceitar uma prestação defeituosamente cumprida, onerando o seu património com uma prestação regularmente cumprida. Vai neste sentido a orientação da melhor Doutrina e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores (Parecer de Antunes Varela, C.J., 1987, 4º, pág. 21, ac. R.E., 26/9/85, C.J., 1985, 4º, pág. 269). A excepção toma nestes casos a designação de exceptio non rite adimpleti contractus (Ac. S.T.J. 9/12/82, B.M.J., n.º 322, pág. 321).

Caberá no caso à ré, de acordo com os princípios gerais de repartição do ónus da prova, provar a existência dos defeitos, devolvendo-se então à autora o ónus da prova da inexistência de culpa da sua parte na verificação do defeito, culpa essa que se presume de acordo com as regras da responsabilidade contratual.

Provou-se que a execução do carroçamento do autocarro referido em C) não foi efectuada em obediência às regras que tinha que cumprir, razão pela qual não obteve a certificação. Nessa medida, o modo como foi executado tal carroçamento apresenta desconformidades ou vícios, sendo irrelevante que a autora já tivesse construído de forma idêntica outros autocarros, na medida em que se verifica um cumprimento defeituoso da prestação, que foi comunicado e aceite pela autora (cfr. ponto 22. e 23. da matéria de facto provada). Também não se assume qualquer relevância o facto de não ter sido enviado um documento que atestasse a não certificação do autocarro, já que os vícios existiam e foram reconhecidos pela autora que nunca antes tinha exigido tal documento. De todo o modo, a ré não alega factos dos quais se possa aferir pela relevância dos vícios, pois muito embora se saiba que foram impeditivos da obtenção da certificação no Reino Unido, desconhece-se a quanto ascendia a sua reparação, a facilidade ou dificuldade com que a mesma poderia ser executada.

Porém, o regime próprio da empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, que o dono da obra possa opor a excepção do não cumprimento, pois, se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.

É doutrinal e jurisprudencialmente assente que, no caso de não cumprimento do empreiteiro de uma obrigação para o mesmo emergente, não pode o dono da obra reagir lançando mão dos meios legais de forma arbitrária. Nomeadamente, tem sido entendido que não se pode substituir ao empreiteiro na feitura ou cumprimento daquilo que aquele não fez (assim, P. Lima/A. Varela, Código Civil Anotado II, 3ª ed., p. 820), mas apenas, cumprido o ónus de pedir a eliminação dos defeitos (artigo 1221º do CC), e não tendo o empreiteiro procedido à mesma, invocar a excepção de não cumprimento do contrato (P. Lima/A. Varela, op. e p. cit.) ou pedir a redução do contrato ou a resolução do mesmo, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (artigo 1222º do CC – cfr., entre muitos outros, o Ac. RE 23/5/1989 BMJ 387º-676).

Ora, a excepção de não cumprimento só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a opção pelo direito que pretende exercer.

A este respeito escreveu-se no acórdão da RC datado de 11.12.2007 (apelação nº 3017/05): “Por outras palavras, a exceptio não é compatível com todos os direitos – que, é sabido, são o direito de recusa da obra, o direito à eliminação dos defeitos, o direito à realização de nova obra, o direito à redução do preço, o direito à resolução e o direito à indemnização – que em abstracto a lei confere ao dono da obra para reagir à entrega pelo empreiteiro de obra defeituosa.(…) Se o dono da obra reduzir o preço – sendo o montante não pago do preço inicial igual ao montante da pretensão correspondente à redução – a parte do preço inicial que se retém passará a não ser devida e, por conseguinte, também em tal hipótese, a exceptio é incompatível com a redução.

Efectivamente, visa-se com a redução, mais do que o ressarcimento dum prejuízo, o restabelecimento das prestações; procura manter-se o equilíbrio contratual através do reajustamento/redução da prestação do preço; pelo que, insiste-se, sendo o montante não pago do preço inicial igual ao montante da pretensão correspondente à redução, mais do que haver fundamento para suspender o pagamento (que é o que sucede na exceptio) passa tal pagamento a deixar de ser devido.

Assim, por norma e em regra, a exceptio será exercida pelo dono da obra para, após ter denunciado os defeitos e exigido a sua eliminação, suspender o cumprimento do preço enquanto aguarda a eliminação dos defeitos (ou a construção de nova obra).”

É certo que, estando a excepção de não cumprimento ligada ao não cumprimento por parte da ré, a invocação desta excepção está naturalmente dependente do exercício dos direitos que lhe assistem relativamente ao incumprimento do contrato de empreitada. O dono da obra pode excepcionar o cumprimento defeituoso do empreiteiro para suspender o cumprimento da sua prestação principal, o pagamento do preço, utilizando a faculdade que lhe é proporcionada pelo art. 428º do CCivil. No entanto, a exceptio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretendia exercer (neste sentido veja-se, entre outros, o ac. da RP de 29.6.2010, in www.dgsi, bem como Pedro Romano Martinez, O Cumprimento Defeituoso…, pág. 294).

Revertendo para o caso em apreciação, constatamos que a ré pretende obstar ao pagamento do preço enquanto a autora não eliminar os apontados e verificados defeitos, que denunciou e a autora reconheceu. Porém, nunca solicitou a sua eliminação (não exerceu nenhum dos direitos que o legislador lhe confere em face do cumprimento defeituoso por parte da autora). Não o fez após a denúncia dos mesmos, nem o fez na presente acção, já que não deduziu qualquer pedido reconvencional.

O que a autora pretende é obstar ao pagamento do preço do carroçamento do autocarro até que a reparação dos defeitos esteja efectuada. Neste concreto contexto e sem que tenha, anteriormente, sido pedida a eliminação dos defeitos, não pode a ré obstar ao pagamento da obrigação que recai sobre si quanto ao pagamento do autocarro referido em C.

“Para que o comprador ou o dono da obra se torne credor de qualquer dos direitos referidos no parágrafo anterior não basta que os defeitos tenham sido denunciados”, escreveu P. Romano Martinez na obra citada, “torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio” (pág. 294).

Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada excepção de não cumprimento, encontrando-se a ré adstrita ao pagamento do preço do autocarro referido em C, sem beneficiar do desconto adicional de 8%, na medida em que tal desconto apenas se aplica quando o pagamento da factura é efectuado pontualmente."

Perante esta fundamentada análise da questão, resta apenas acompanhar a Meritíssima Juíza e concluir, como a ilustre magistrada conclui, que não se verificam os pressupostos para a procedência da excepção.

Sublinha-se que, "a excepção de não cumprimento do contrato poderá apenas ser exercida após o credor ter denunciado os defeitos e exigido a sua eliminação, a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização, uma vez que só após o credor ter indicado por qual dos direitos opta, é que nasce o direito à pretensão e só a partir daí se pode exercer a exceptio."[17] Na verdade, "a exceptio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretende exercer."[18]

Perante a denúncia de um defeito é decisivo conhecer o que, face ao leque de escolhas que resulta dos artigos 1221.º e 1222.º do Código Civil[19], pretende o dono da obra, considerando, evidentemente, as características concretas do caso, pois enquanto ele não expressar a sua pretensão é certo que ainda nada exigiu ao empreiteiro, e sem isso não estão reunidas as condições necessárias para que este possa actuar[20], pelo que, nesse preciso momento, é prematuro dizer-se que não cumpriu a obrigação a que, por essa via, ficou adstrito. E na ausência de tal incumprimento falta uma das premissas da exceptio non adimpleti contractus. Por outro lado, o facto de a experiência nos mostrar que na maior parte das vezes há lugar à reparação do defeito não significa, necessariamente, que é esse o direito que o dono da obra, no real cenário em que se encontra, entende que lhe assiste e que quer exercer.

De referir ainda que não figura na matéria provada o facto de a "Recorrida ter encerrado definitivamente as suas instalações fabris em princípios de Setembro de 2009 e de ter dado entrada da presente acção no dia 29 desse mesmo mês e ano"[21], que a ré pretende valorar juridicamente. Aliás, não se vê que relevância pode ter este facto, pois a ré continua a existir (e o que terá encerrado foi apenas a sua fábrica de Coimbra[22]).


4.º

Sustenta a ré que relativamente ao "veículo Viaggio" que consta "da alínea D) dos Factos Assentes[23] é “stock built” e não tendo ainda a recorrente ordenado o seu levantamento das instalações da recorrida (ou daquelas para onde esta o transportou) nem tendo logrado arranjar comprador para o mesmo, não se encontra vencido o seu pagamento"[24].

Acrescenta a ré que "em 29 de Setembro de 2009 a recorrida deu entrada da presente acção, tendo invocado o direito de retenção sobre os veículos constantes das alíneas C), D) e F) dos Factos Assentes. Não era possível à recorrente arranjar qualquer destino para o veículo Viaggio porque a Apelada impediu o seu levantamento desde Maio de 2009. A situação criada pela Apelada quanto ao veículo Viaggio foi a causa da manutenção do veículo nas instalações da recorrida. Só a recorrente é responsável pela teimosia em reter o veículo nas suas instalações (ou noutras a seu mando) impossibilitando a recorrente de o comercializar. Não estando a obrigação de pagamento do preço vencida, desde logo porque o veículo nunca foi levantado e tratando-se de stock built, não impende sobre a recorrente o pagamento do preço e respectivos juros."[25]

Se bem se interpreta o pensamento da ré, esta considera que para o vencimento do preço do "veículo Viaggio" era necessário que ela tivesse "ordenado o seu levantamento das instalações da recorrida" e/ou "logrado arranjar comprador para o mesmo". Como estes pressupostos não se verificaram, não se terá vencido a obrigação de pagar o respectivo preço.

Salvo melhor juízo esta tese não tem suporte nos factos provados, pois o que se provou foi que "alguns anos antes de 2007, foi acordado que os pagamentos se efectuariam nos 30 dias seguintes ao da emissão da respectiva factura, período que as partes entenderam como ajustado para permitir que entretanto se efectuasse a respectiva homologação."[26] E, independentemente de saber se isso tinha relevância para efeitos do vencimento desta obrigação, o certo é que também não se provou que esta viatura era "de stock built".

Assim, não se verificando os pressupostos em que radica esta pretensão da ré, naturalmente que a mesma está votada ao insucesso.


5.º

Defende a ré que a retenção do veículo Viaggio "é ilegítima"[27] e que não lhe é imputável "a recusa da recorrida em deixar sair o Viaggio das suas instalações e desta ter exercido ilegitimamente o direito de retenção do mesmo veículo e encerrado as suas instalações fabris"[28].

Neste capítulo o que se decidiu foi que:

"Consequentemente não reconhecemos à ré o direito de retenção sobre o autocarro referido em D, direito esse que obstaria à procedência do pedido reconvencional deduzido pela ré.

Contudo, na sequência do pedido reconvencional deduzido pela ré a autora voltou a excepcionar o direito de retenção, tendo, para além de alegar a verificação de todos os seus requisitos, excepcionado que a entrega do autocarro (agora apenas o referido em D) apenas seria efectuada mediante o pagamento do respectivo preço. A excepção de não cumprimento é uma figura que se aproxima do direito de retenção, na medida em também consiste numa causa legítima de incumprimento das obrigações.

Distingue-se do direito de retenção, designadamente, porque se baseia na conexão de duas obrigações do ponto de vista da sua origem simultânea e reciprocamente causada. A excepção de não cumprimento tem o seu campo de aplicação limitado aos contratos bilaterais e sinalagmáticos, como sucede nos autos. Nesses contratos cada um dos contraentes tem de subordinar a execução da sua prestação ao cumprimento da contraprestação pelo outro contraente, razão pela qual não pode em princípio ser invocada pelo contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar.

Na situação em apreço, como a obrigação que impendia sobre a autora era prestada (de entrega do autocarro) antes da obrigação do pagamento do preço (que tinha lugar 30 dias depois de tal entrega), a autora não poderia invocar a excepção de não cumprimento. Porém, a parte vinculada à execução prévia, como sucede com a autora (com a entrega do autocarro) apenas fica impedida de invocar a excepção até ao momento do vencimento da contra-obrigação da outra parte, que já ocorreu.

Em face do exposto, julga-se procedente a excepção de não cumprimento invocada pela autora, ficando a entrega do autocarro referido em D) dependente do pagamento do respectivo preço.

Consequentemente, porque a autora não cumpriu a obrigação do pagamento do preço, a ré legitimamente não lhe entregou o autocarro referido em D)."

É, portanto, claro que se não reconheceu à autora o direito de retenção relativamente ao veículo Viaggio; o que se considerou foi que, quanto a ele, era "procedente a excepção de não cumprimento invocada pela autora".

Não está, deste modo, reconhecido o direito de retenção sobre aquele bem, pelo que não se pode falar de retenção ilegítima que daí decorra.

Mas, se a retenção de que fala a ré não é a relativa ao exercício do direito de retenção e é, sim, a que se prende com o acto material de reter, por não se entregar o bem, então o que havia que atacar era o segmento da sentença que julgou "procedente a excepção de não cumprimento invocada pela autora, ficando a entrega do autocarro referido em D) dependente do pagamento do respectivo preço", o que não foi feito neste recurso.


6.º

Por fim, a ré censura a decisão recorrida dado que face "à matéria do art.º. 36 da base instrutória terá de entender-se que a recorrente goza de um crédito sobre a recorrida de, pelo menos, 23.859,42 € pelo que lhe é licito compensar o seu crédito com o crédito da recorrida quanto ao veículo Sénior, no valor de 29.671,50 €, e sendo a recorrente devedora da diferença no valor de 5.812,08 €."[29]

Sobre esta matéria a Meritíssimo Juiz disse que:

"Aqui chegados importa apreciar a compensação que a ré invoca na tréplica, em face da ampliação do pedido. A ré pretende compensar o crédito que alega deter sobre a autora, no valor de € 62.248,95 (art.º 40.º de tal articulado) com o crédito desta relativo ao pagamento do preço dos autocarros referidos em C e D.

Ora, apenas se provou que em Dezembro de 2010 na conta corrente contabilística, onde eram lançados os créditos da autora sobre a ré e desta sobre a autora relativos a operações de marketing, custos com as garantias suportados pela ré e descontos operados em facturas, constava um crédito a favor da ré no valor de €23.859,42.

O valor obtido para efeitos de compensação merece os seguintes reparos. Por um lado, consiste no valor que resulta de uma conta corrente contabilística, sendo certo que a causa de pedir na presente acção não emerge do saldo dessa conta corrente. Por outro lado, mas também por causa disso, desconhecem-se todos os valores que ali foram contabilizados por forma a concluir pela justeza do valor assim alcançado, razão pela qual não opera a compensação invocada."

Como é sabido a compensação[30] é um "meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispunha sobre o seu credor"[31], operando-se, desse modo, "um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos".[32] Acresce que "não se exige, no entanto, que os créditos sejam de igual valor (podendo existir compensação parcial)".[33]

No caso dos autos provou-se que "os créditos da autora sobre a ré e desta sobre a autora, relativos a operações de marketing, custos com as garantias suportados pela ré e descontos operados em facturas, eram lançados numa conta corrente; em Dezembro de 2010 de tal conta corrente constava um crédito a favor da ré no valor de € 23 859,42."[34]

Este facto, por si só, é insuficiente para que dele se possa extrair, com a necessária segurança, que a ré é credora da autora de € 23 859,42; ele apenas deve ser tido como um indício de que esse crédito poderá existir. Cabia à ré, provar os factos concretos de que decorre a conclusão, vertida na conta-corrente, ou seja de que, efectivamente, há um crédito daquele montante. Não esqueçamos de que o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil determina que "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", acrescentando o seu n.º 2 que "a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita."

E, como bem observa a Meritíssima Juíza, "desconhecem-se todos os valores que ali foram contabilizados por forma a concluir pela justeza do valor assim alcançado", sendo certo que não estamos na presença de um contrato de conta-corrente[35], mas sim de empreitada.

O que figura no facto 36 dos factos provados não pode ser tido como suficiente para, face a ele, se atingir um patamar de certeza quanto à existência de um crédito da ré contra a autora no valor de € 23 859,42, o mesmo é dizer que falta um dos pressupostos estabelecidos no artigo 847.º do Código Civil para a compensação.


III

Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela ré.

                                                           António Beça Pereira (Relator)

                                                               Nunes Ribeiro

                                                              Hélder Almeida


[1] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] Cfr. conclusão 6.ª.
[3] Cfr. conclusão 7.ª.
[4] Cfr. conclusão 9.ª.
[5] Cfr. conclusão 10.ª.
[6] Ainda trabalha, no Brasil, para a autora. Foi coordenador pós-vendas da fábrica da autora em Coimbra entre Agosto de 2007 e Outubro de 2209. Prestou um depoimento sereno, convicto e revelou conhecer os factos em causa.
[7] Trabalhou para a autora de 1989 a 2007, e tinha a seu cargo a direcção técnica e comercial, relacionando-se com os vários departamentos da empresa. Veio a ser substituído pela testemunha C (...). Depôs, em alguns campos de forma um pouco contraditória e com pouca convicção.
[8] Foi TOC da autora, tendo a responsabilidade pela contabilidade desta. Trabalhou para a autora de 1990 a 2009.
[9] Trabalhou para a autora de Janeiro de 1999 a Novembro de 2007 e exerceu várias funções, entre elas no sector de controlo de qualidade, de produção e pós-vendas.
[10] Trabalhou para a autora, de 2002 a 2009, coordenando o departamento pós-vendas.
[11] Trabalhou para a autora, de 2003 a 2009, como técnico comercial e esteve na área comercial desde Setembro de 2006.
[12] Trabalhou para a autora, de Novembro de 2002 a Novembro de 2009, no departamento de projectos.
[13] Entidade britânica com competência para a certificação de veículos.
[14] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, pág. 639. Neste sentido veja-se os Ac. STJ de 2-12-2010 no Proc. 449/04.0 TBOVR-A.P1.S1 e Ac. STJ de 17-11-2011 no Proc. 1596/04.3TBAMT.P1.S2, em www.gde.mj.pt e ainda Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 279 e 280 e o mesmo autor em Temas da Reforma do Processo Cível, Vol. II, 4.ª edição, pág. 235 e 236.
[15] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, 1951, pág. 533.
[16] Cfr. folhas 989 e 990.
[17] Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág. 328 e 329

[18] Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2004, pág. 126. Neste sentido veja também Ac. Rel. Porto de 29-6-2010 no Proc. 612/05.6 TBAMT. P1, www.gde.mj.pt.
[19] Sem prejuízo da ordem aí estabelecida.
[20] Nomeadamente nos casos em que está em causa a eliminação de defeitos.
[21] Cfr. folha 992.
[22] Segundo resulta dos depoimentos prestados na audiência de julgamento.
[23] A que se refere o facto 24 dos factos provados.
[24] Cfr. folha 988.
[25] Cfr. folha 989.
[26] Cfr. facto 5 dos factos provados.
[27] Cfr. conclusão 9.ª.
[28] Cfr. conclusão 8.ª.
[29] Cfr. conclusão 10.ª.
[30] Cfr. artigo 847.º do Código Civil.
[31] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 2.ª Edição, pág. 161.
[32] Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2.ª Edição Remodelada, pág. 318.
[33] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 5.ª Edição, Vol. I, 310.
[34] Cfr. facto 36 dos factos provados.
[35] "Este contrato pressupõe que os dois contraentes estipularam ou contrataram lançar a débito e crédito os valores que foram entregando mutuamente e se obrigaram a exigir somente o saldo final", Abílio Neto, Código Comercial Anotado, 3.ª Edição, pág. 378.