Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
334/20.8T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CITAÇÃO DE PESSOAS COLECTIVAS
CARTA REGISTADA
DEVOLUÇÃO
OBJECTO NÃO RECLAMADO
DEPÓSITO
RECUSA POR TERCEIRO
FALTA DE CITAÇÃO
Data do Acordão: 06/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 188.º, N.º 1, ALÍNEA E), 227.º, 228.º, N.º 5, 229.º, N.º 5, 230.º, N.º 2, 246.º, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I) Devolvida uma carta registada para citação de pessoa colectiva com a indicação de “objecto não reclamado”, deve ser remetida segunda carta para a sede oficial da citanda constante do ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

II) Na ausência de quem receba esta segunda carta, esta deve ser ali depositada com todos os elementos referidos no artigo 227.º do CPC e com a advertência do n.º 2 do artigo 230.º do mesmo diploma, certificando o distribuidor a data e local exacto em que depositou o expediente.

III) Caso a segunda carta venha devolvida, sem o aludido depósito, com a menção de “recusada por terceiro” ocorre falta de citação.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A…, S.A., instaurou no Juízo de Execução de Soure, Comarca de Coimbra, uma execução de sentença sob a forma de processo comum contra B…, LDA, da qual emergiu, com trânsito em julgado, a condenação da Executada na restituição imediata do prédio a esta locado e aí melhor identificado, bem como no pagamento das rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros à taxa comercial até integral pagamento nos valores aí dados como provados, perfazendo € 20.938,50.

A Executada deduziu oposição na qual excepcionou a sua falta de citação na acção declarativa de que promana a sentença dada à execução, e, bem assim, a sua ilegitimidade passiva na referida acção por nunca ter outorgado o contrato de arrendamento na mesma ajuízado. Termina assim com a procedência da oposição e a extinção da execução.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido saneador-sentença no qual se declarou a nulidade de todos actos processados na acção declarativa nº 4007/19.6T8CBR posteriores à petição inicial e extinta a acção executiva.

Inconformada, recorreu a Exequente A…, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos respectivos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os pressupostos dados como assentes na decisão recorrida:

1. A Exequente/Embargada instaurou, a 29-01-2020, a acção executiva de que os presentes autos de Oposição à Execução por Embargos de Executado constituem incidente declarativo processado por apenso, com vista à cobrança coactiva de créditos no valor global de €.20.938,50.

2. A Executada/Embargante deduziu a presente Oposição à Execução a 27-07-2020.

3. Na presente acção executiva, o título executivo é a sentença judicial condenatória proferida na acção declarativa n.º 4007/19.6T8CBR, a 09-12-2019, e transitada em julgado.

4. A sede da Executada/Embargante tem a morada com o seguinte endereço postal: “Rua General Humberto Delgado, n.º 271 3030-327 Coimbra”

5. Na acção declarativa, a citação da Executada/Embargante foi tentada por via postal através de carta registada, com aviso de recepção, expedida para a morada da sede da Executada/Embargante e foi devolvida ao remetente com a indicação de objecto não reclamado.

6. Efectuada nova tentativa de citação, nos mesmos termos, a carta foi devolvida com a menção de que no local um terceiro recusou o recebimento da carta de citação.

7. A Executada/Embargante não contestou a acção declarativa nem teve nela qualquer intervenção.

8. Na presente Oposição à Execução baseada na referida sentença judicial condenatória a Executada/Embargante nega que alguma vez tenha sido citada no âmbito da acção declarativa.

                                                                           *

A apelação.

A única questão suscitada no recurso prende-se com saber se a citação da Executada/Embargante foi ou não válida, uma vez que a decisão recorrida a declarou nula e, em função disso, a nulidade de todos os actos posteriores à petição inicial.

Não houve contra-alegações.

A questão recursiva gira em torno da interpretação divergente do formalismo prescrito no art.º 246 do CPC para a citação das pessoas colectivas, e, para o que ora interessa, das sociedades comerciais como é o caso da Embargante/Executada.

Entendeu-se na decisão recorrida que “a Executada/Embargante por facto que não lhe é imputável não teve conhecimento do acto de citação que lhe foi dirigido e, que, portanto, verificou-se falta de citação na acção declarativa nos termos e para os efeitos previstos no art.º 188.1/e) CPC”.

Vejamos se assim é.

 

Prescreve-se no referido artigo 246.º do CPC, normativo especificamente dirigido à citação de pessoas colectivas:

“1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto na subsecção anterior, com as necessárias adaptações. 2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. 3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência. 4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º. 5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.”.

De acordo com o nºs 1 e 2 do art.º 228 do CPC a citação opera-se por meio de carta registada com aviso de recepção, podendo ser entregue, após a assinatura do aviso, a qualquer pessoa que se encontre no local destinado.

Devolvida a carta fora da situação do nº 3 do art.º 246 do CPC, ou seja, de recusa do representante ou de funcionário da citanda, a citação considera-se feita nos termos do nº 4 do aludido art.º 246, preceito que manda observar o disposto no nº 5 do art.º 229 do CPC.

Reza este nº 5:

“No caso previsto no número anterior é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no art.º 227, bem como a advertência referida na parte final do artigo anterior, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exacto em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do nº 5 do art.º 228”.

Por seu turno, o nº 5 do art.º 228 estatui que “Não sendo possível a entrega, será deixado aviso ao destinatário (…) permanecendo a carta durante oito dias em estabelecimento postal devidamente identificado”.

Por fim, no nº 2 do art.º 230 determina-se que “No caso previsto no nº 5 do artigo anterior, a citação considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou no caso de ter sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que que o destinatário teve oportuno conhecimento oportuno dessa dos elementos que lhe foram deixados”.

Em face da materialidade apurada constata-se que numa primeira tentativa de citação da então Ré - ora Embargante e apelada - a mesma se frustrou por a carta não ter sido oportunamente reclamada, motivo pelo qual foi devolvida ao remetente com indicação de objecto não reclamado.

Foi então enviada nova carta, de acordo com o nº 4 do art.º 246, igualmente para a sede oficial da ora Embargante sede que era a constante do ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

Esta nova carta teria de seguir o procedimento descrito nos nºs 4 do art.º 246, nº 5 do art.º 229 e nº 2 do art.º 230 do CPC.

Segundo este procedimento, a carta deveria ser deixada com todos os elementos referidos no art.º 227 do CPC e com a advertência do nº 2 do art.º 230, certificando o distribuidor a data e local exacto em que depositou o expediente, remetendo de imediato certidão ao tribunal.

Ora é patente que a matéria provada não reflecte o respeito deste procedimento.

Na realidade, esta segunda carta não foi depositada mas antes devolvida, como resulta do facto provado em 6.

Em função desta actuação do serviço postal deverá ter-se por verificada a hipótese de falta de citação da alínea e) do nº 1 do art.º 188 do CPC – falta de conhecimento do acto pelo destinatário por facto que lhe não é imputável - ou outro vício da citação?

Tal como se enfatiza no sumário do Ac. da Rel. de Lx.ª de 17.11.2015 disponível www.dgsi.pt, com a revogação do anterior nº 1 do art.º 236 e a introdução do nº 2 do art.º 246 (decorrentes da reforma de 2013) passou a “recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza (…) pelo que desde então sobre elas “impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT”.

Ou seja, para a respectiva citação, a sede da pessoa colectiva sujeita a inscrição obrigatória no ficheiro nacional é que se mostra actual nesse ficheiro.

Destarte, a recusa do recebimento da carta na sede legalmente presumida da então Ré e aqui Executada/Embargante por alguém que aí se ache como representante ou funcionário da citanda, teria sempre de presumir-se – presunção não ilidível tendo em atenção à finalidade que lhe está subjacente – como recusa da Ré.

Seria, por conseguinte, de se aplicar à citanda o efeito mencionado no nº 3 art.º 246 do CPC, ou seja, de “considerar-se a citação efectuada face à certificação da ocorrência”.

Porém, importava que, em tal contexto, o distribuidor postal tivesse lavrado certificação da ocorrência, isto é, da recusa.

Mas tal não sucedeu.

A primitiva carta para citação foi devolvida como “objecto não reclamado”.

Daí que a situação reclamasse o procedimento previsto no nº 4 do art.º 246 do CPC.

Procedimento que implicava o envio de nova carta registada com aviso de recepção.

É sobre esta segunda carta que é aposta a menção da recusa por terceiro.

Impunha-se aí, todavia, uma vez não encontrado representante ou funcionário da citanda, que o distribuidor postal efectuasse o depósito a que se reporta o nº 5 do aludido art.º 229 do CPC.

É este depósito que vincula a citanda ao conhecimento do conteúdo da carta.

Só que em vez desse depósito a carta veio a ser devolvida “com a menção de que no local um terceiro recusou o recebimento da carta de citação” – conferir o que está plasmado no facto provado em 6.

Terceiro é um conceito de direito que nada nos diz sobre a sua conexão da pessoa com a citanda.

Aliás, não resulta dos autos qualquer elemento que permita identificar esse tal terceiro, não se tendo sequer apurado se era trabalhador da Embargante ou de alguém que operava no local, nem a que título foi ali abordado pelo distribuidor postal.

Não se sabendo quem era esse dito “terceiro” nunca ele poderia ser havido como representante ou funcionário da Ré.

Seja como for, cabia ao distribuidor postal, nos termos do nº 5 do art.º 229 do CPC. certificar o depósito e o local exacto do depósito carta, com vista a aplicação do nº 2 do art.º 230, o que, atenta a devolução desta, é seguro que também não foi acatado. 

Num tal quadro não se pode deixar de considerar e dar por adquirido que na precedente acção declarativa de condenação, a aí Ré e aqui Executada/Embargante não chegou a ter conhecimento do acto também por facto que lhe não é imputável (al.ª e) do nº 1 do art.º 188 do CPC).

Em consonância com esta conclusão a decisão recorrida irá ser mantida e o recurso não alcança o seu desiderato.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                        Coimbra, 29 de Junho de 2021

    

                                               (Freitas Neto – Relator)

                                               (Paulo Brandão)

                                               (Carlos Barreira)