Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
67/23.3T8MBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
DECRETAÇÃO DE PROVIDÊNCIA NÃO REQUERIDA
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
VIOLÊNCIA
FUNDADO RECEIO
TUTELA EFETIVA
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 362.º, N.º 1, 368.º, N.ºS 1 E 2, 377.º, 378.º E 379.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A violência relevante para efeitos de restituição provisória da posse tanto abrange a que tem por alvo as pessoas, como a que é exercida contra as coisas.

II – Porém, neste último caso, a violência só é relevante se com ela se pretende intimidar, direta ou indiretamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar--se como tal os meros atos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor.

III – As ações levadas a cabo pelos requeridos – colocação de pedras no local de passagem e edificação de um muro em pedra, junto ao limite do prédio da requerente – não configuram ações violentas, visto terem incidido apenas sobre o caminho e sobre o prédio objeto da servidão, não resultando que a intenção daqueles tenha sido a de intimidar, direta ou indiretamente, a requerente.

IV – Daí que, caso a providência cautelar fosse a da restituição provisória da posse – não requerida, mas decretada pelo tribunal recorrido –, ela não pudesse ser deferida, o que, todavia, não é relevante para o caso dos autos, por a providência requerida ser um procedimento cautelar não especificado, para cujo decretamento não importava saber se ocorrera privação com violência da posse do exercício do direito de servidão de passagem.

V – Num tal caso, verificados os pressupostos da requerida providência cautelar não especificada, deve a mesma ser decretada no recurso, para obtenção de tutela efetiva, dentro dos limites do que vem provado quanto ao exercício da passagem através do prédio serviente.

Decisão Texto Integral:
Relator: Emídio Francisco Santos
1.ª Adjunto: Paulo Correia
2.ª Adjunto: José Avelino Gonçalves



Processo n.º 67/23.3T8MBR-B.C1

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

      AA, residente na Rua ..., ..., ..., ... requereu contra BB e seu marido, CC, residentes na Rua ..., ... ..., ..., a título de procedimento cautelar comum:
a) Que os requeridos fossem condenados a colocar o caminho identificado no artigo 16.º do requerimento no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente possa circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas;
b) Que ambos fossem condenados a respeitar o direito da requerente, abstendo-se de praticar qualquer que impeça o dificulte a passagem da autora conforme descrito em a).

Para o efeito alegou:
· Que os requeridos são proprietários do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...47 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. º ...13 da freguesia ..., concelho ...;
· Que este prédio está onerado com uma servidão de passagem, constituída por usucapião, a favor do seguinte prédio da requerente: prédio rústico composto de vinha, denominado ..., sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...48 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19;
· Que, em Maio de 2022, os requeridos deram em atravessar pedras de xisto no leito do caminho, junto à estrema do prédio da autora, impedindo-a de entrar com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas no seu prédio;
· Que a requerente sempre que pretendia deslocar-se ao seu prédio com carrinhas ou tractores removia as ditas pedras e passava;
· Que, em finais de Fevereiro de 2023, os requeridos colocaram um amontoado de pedras de grande dimensão no leito da servidão, pedras que, pelo seu peso, a requerente e os seus trabalhadores não conseguem remover e que, por isso, a impedem em absoluto de aceder ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas;
· Que, igualmente por meio de máquinas, os requeridos, revirando terras e pedras, desfizeram a servidão numa extensão de cerca de 60 metros, contados do “Caminho ...”, em direcção ao interior do seu prédio, o que igualmente impede a circulação da requerente e dos seus trabalhadores;
· Que a requerente ficou totalmente impedida de aceder ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas, sendo que mesmo a pé o acesso se tornou extremamente difícil;
· Que o prédio da requerente foi reconvertido em patamares, mecanizado e replantado o ano passado (2022) e os milhares de videiras que aí se encontram precisam de cultivo, nomeadamente de limpeza de ervas infestantes, rega, adubação, corte de varas (…) actividades que exigem a utilização de máquinas e o transporte de adubos, fitofármacos e ferramentas;
· Que é urgente restaurar o acesso ao prédio da requerente com tractores, carrinhas e maquinas agrícolas, pois é necessário prosseguir com as operações de cultivo, temendo a requerente que se assim não for as jovens plantas/videiras não sobrevivam e se perca a totalidade da plantação;
· Que além disso, tendo a reconversão da exploração sido realizada com recurso a apoio financeiro sob alçada do IFAP o cultivo tem de ser mantido, tal como decorre do artigo 20.º da Portaria n.º 323/2017, de 26 de Outubro, sob pena de a requerente entrar em incumprimento do projecto, temendo ser obrigada a repor definitivamente ao IFAP o apoio recebido no montante de €17.07;
· Que as chuvas do passado Inverno, associadas ao facto de solo do prédio da requerente ainda se não encontrar suficientemente compactado em virtude de ter sido surribado apenas no ano anterior, levaram à ocorrência de várias derrocadas nos patamares existentes no prédio da requerente e, além disso, à queda de um muro de grande dimensão, numa extensão de cerca de 10 metros, precisamente sobre o prédio dos requeridos;
· Que dadas essas derrocadas muitas videiras ficaram desenterradas, outras soterradas, vários esteios tombaram e muitos arames ficaram sem suporte e por isso impedidos de desempenhar a sua normal função, sendo imperioso realizar urgentemente todas as reparações, temendo a requerente que se assim não for fique irremediavelmente comprometido o crescimento e o desenvolvimento das videiras afectadas.

No despacho liminar, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo, considerando que se estava perante procedimento cautelar de restituição provisória da posse – concretamente de restituição provisória da posse de caminho de passagem – e que a notificação e audição dos requeridos colocaria em risco o êxito da providência, determinou que os autos prosseguissem com dispensa da audiência prévia dos requeridos.

Notificada, a requerente veio alegar que o procedimento cautelar era um procedimento cautelar comum, de acordo com o previsto no artigo 379.º do CPC, e não o procedimento cautelar de restituição provisória da posse. Sob a alegação de que não compreendia a referência que o despacho liminar havia feito ao artigo 378.º do CPC, requereu se esclarecesse se o procedimento havia sido distribuído como restituição provisória da posse e, em caso negativo, a razão de ser da referência ao artigo 378.º do CPC. 

O Meritíssimo juiz do tribunal a quo esclareceu que a denominação do procedimento como restituição provisória da posse decorreu do enquadramento jurídico atribuído pelo tribunal, tendo em conta que, do teor do articulado, sobressaíam todos os elementos factuais relativos ao procedimento de restituição provisória da posse, concretamente a posse, o esbulho e a violência. Mais esclareceu que o tribunal entendeu que seria esse o interesse da autora e não o de percorrer a via do procedimento cautelar comum, pois que, como se referia no artigo 379.º, tal via apenas era admissível no caso de não ocorrerem as circunstâncias previstas no artigo 377.º do CPC, o que não se verificava no caso. Por fim afirmou que, tendo presente todos os referidos elementos factuais alegados, não poderia o tribunal admitir a via cautelar comum, pois que, como se referia no artigo 379.º, tal via apenas era admissível no caso de não ocorrerem as circunstâncias previstas no artigo 377.º; o que não se verificava no presente caso.

Após a produção da prova indicada pela requerente, foi proferida decisão que, julgando procedente o procedimento cautelar, ordenou aos requeridos que colocassem o caminho identificado em 13.º do elenco dos factos provados, concretamente o caminho (situado no prédio dos requeridos) que permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da requerente, com uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, desenvolvendo-se em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD, no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras e o muro que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente possa circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas e os condenou respeitar o direito da requerente, abstendo-se de praticar qualquer que impeça o dificulte a passagem da requerente pelo caminho referido anteriormente.

O recurso

Notificados da decisão, os requeridos interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão ou, caso assim se não entendesse, a sua alteração no seguinte sentido: ordenar aos requeridos que colocassem o caminho identificado em 13º do elenco dos factos provados, concretamente o caminho [situado no prédio dos requeridos) que permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da Requerente, com uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, desenvolvendo-se em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD, no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras e o muro que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente possa circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas entrando no seu prédio, transpondo a recorrida o prédio dos recorrentes para o seu prédio a pé, apeada apenas, ela e ou os seus trabalhadores nos termos e forma descritas nos factos dados como provados 16º, 17º e 18º supra”.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões consistiram em síntese:

Em primeiro lugar, na alegação de que não se verificava o principal requisito da restituição provisória da posse, concretamente a posse do direito de transposição do prédio dos recorrentes para o prédio da recorrida com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas.

Na hipótese de não proceder a alegação anterior, imputou à sentença recorrida as causas de nulidade previstas nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;

Na hipótese de não proceder a arguição de nulidade da sentença, alegou que não se verificavam os requisitos previstos nos artigos 377.º e 378.º, ambos do CPC.

Por último, para a hipótese de assim se não entender, a sentença era de substituir pela seguinte decisão: ordenar aos requeridos a colocar o caminho identificado em 13º do elenco dos factos provados, concretamente o caminho [situado no prédio dos requeridos) que permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da requerente, com uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, desenvolvendo-se em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD, no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras e o muro que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente possa circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas entrando no seu prédio, transpondo a recorrida o prédio dos recorrentes para o seu prédio a pé, apeada apenas, ela e ou os seus trabalhadores nos termos e forma descritas nos factos dados como Provados 16º, 17º e 18º supra“.

A requerente não respondeu ao recurso. 


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Questões suscitadas pelo recurso:
· Saber se, face aos elementos apurados, não existe a favor da requerente a posse do direito de transpor o prédio dos recorrentes para o prédio dela com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas;
· Saber, em caso de resposta negativa à questão anterior, se a sentença padece das causas de nulidade previstas nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
· Saber, em caso de resposta negativa à questão anterior, se não se verificam os requisitos da restituição provisória da posse previstos nos artigos 377.º e 378.º, ambos do CPC;
· Saber, em caso de resposta negativa à questão anterior, se a decisão é de modificar no sentido acima exposto.

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Não tendo havido impugnação da decisão relativa à matéria de facto consideram-se provados os seguintes factos discriminados na decisão recorrida:
1. A requerente é dona e legítima proprietária do prédio rústico composto de vinha, denominado ..., sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...48 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, através da inscrição AP. ... de 1995/12/19.
2. Tal prédio veio à posse da requerente na data de por sucessão hereditária de seus pais, EE e FF, falecidos, em .../.../1987 e .../.../1995, respectivamente.
3. Sendo a requerente e, antes desta, os seus pais, por si e por intermédio de trabalhadores contratados, quem, cultiva o prédio, realizando todas as operações necessárias, nomeadamente as podas, as amparas, os tratamentos com fitofármacos, a limpeza das oliveiras e a manutenção dos taludes e quem, por conseguinte, colhe os respectivos frutos e os integra na sua esfera patrimonial.
4. À vista de todos, pela luz do dia;
5. Pagando também os respectivos impostos às finanças;
6. Actuando como dona e com intenção de exercer o direito de propriedade;
7. Há mais de 20 e de 30 anos;
8. De boa-fé, no convencimento pleno de ser a dona do prédio e sem que do exercício desse direito próprio resulte lesão de direitos ou interesses alheios;
9. Nunca tem colhido qualquer oposição de ninguém, nem dos requeridos.
10.O prédio descrito no facto n.º 1 confronta de sul com GG, de nascente com DD e de norte e ponte com o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da dita freguesia sob o artigo ...47 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. º ...13 da freguesia ..., concelho ..., inscrito no registo predial a favor dos requeridos pela Ap. ... de 2002/11/29.
11.O prédio da requerente não tem comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la.
12.O acesso ao prédio da requerente faz-se, ao longo de todo o ano, pelo seu lado norte e por meio de caminho existente no prédio dos requeridos.
13.Tal caminho (situado no prédio dos requeridos) permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da requerente, tendo uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, desenvolvendo-se em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD.
14.Encontra-se devidamente trilhado com marcas visíveis e permanentes de passagem a pé, com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas.
15.A requerente usa e os seus antecessores usavam o referido caminho a pé, com tractores e com carrinhas para acesso ao seu prédio.
16.A requerente e seus antecessores, por si e por intermédio dos seus trabalhadores, conduzem as carrinhas, os tractores e as máquinas agrícolas pelo caminho identificado em 13.º, até à estrema norte do prédio identificado em 1.º, deixando-os estacionados no largo aí existente, após o que, apeados, entram no seu prédio, o qual, sendo composto de vinha tradicional, não permitia, até ao ano passado, a circulação de veículos pelo seu interior.
17.A partir das carrinhas, tractores e máquinas agrícolas estacionados à estrema, a requerente e seus antecessores, por si e por intermédio dos seus trabalhadores, introduzem no prédio identificado em 1.º os trabalhadores, as ferramentas e os produtos agrícolas necessários ao granjeio do mesmo.
18.E por esse mesmo modo a requerente e seus antecessores retiram do prédio identificado em 1.º os seus trabalhadores, as ferramentas, as lenhas e os frutos do prédio, nomeadamente as uvas.
19.A requerente e seus antecessores assim vêm fazendo há mais de 20 e 30 anos, nunca tendo pedido autorização alguma, fosse a quem fosse, para actuar desse modo, à vista de todos, pela luz do dia, de boa-fé, no convencimento pleno de que o prédio identificado em 1.º goza de acesso através do caminho identificado em 13.º, e nos termos descritos nos artigos 15.º a 17.º, nunca tendo colhido qualquer oposição nem dos requeridos, nem de ninguém.
20.Acontece que, no início de 2022 a requerente, à imagem do que vem acontecendo em toda a Região do Douro, reconverteu a vinha existente no seu prédio, adaptando-a para o cultivo com as actuais máquinas agrícolas e dotando-a de condições para a circulação de carrinhas e tractores.
21.Tal como a requerente veio a fazer no início do ano de 2022, pela candidatura agrupada com o n.º 45414.3, no âmbito do projecto VITIS, através de uma linha de apoio financeiro à reestruturação à mecanização das vinhas, para uma área de 74000m2, tendo recebido a comparticipação financeira de € 17.075,04.
22.Porém, alguns meses após a conclusão da nova plantação, em Maio de 2022, os requeridos atravessaram pedras de xisto (pedras de bardo) no leito do caminho, junto à estrema do prédio da requerente, impedindo a requerente de entrar com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas no seu prédio.
23.Em 26.01.2023 a requerente instaurou a acção principal, contra os requeridos, peticionando: a) ser declaro e os requeridos condenados a reconhecer que a requerente é dona e legitima proprietária do prédio identificado em 1.º; b) Ser declarado e os requeridos condenados a reconhecer que prédio identificado em 1.º goza sobre o prédio dos requeridos identificado em 12.º, de servidão de passagem a pé, com carrinhas e com tratores, com uma largura média de 3,5 metros e uma extensão de 100 metros e que se estende desde o denominado “Caminho ...” até á estrema norte do prédio identificado em 1.º, conforme melhor descrito em 16.º, que inclui o estacionamento de veículos no largo existente no prédio dos requeridos e a transposição apeada da linha da estrema; c) Ser declarado e os requeridos condenados a reconhecer que, tratando-se de uma necessidade normal e previsível, a servidão mencionada em b) compreende, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 1565.º, do código Civil a transposição da estrema para o interior do prédio da requerente, numa largura de 3,5 metros, com carrinhas, tratores e máquinas agrícolas; d) Serem os requeridos condenados a respeitar o direito de servidão do prédio da requerente, inibindo-se da prática de quaisquer atos que impeçam ou dificultem o seu exercício; Subsidiariamente a c): a) Ser declarado e os requeridos condenados a consentir que o modo de exercício da servidão já constituída se altere no sentido de passar a compreender a transposição da linha de estrema com carrinhas, tratores e máquinas agrícolas ao abrigo do preceituado no artigo 1568.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil. Subsidiariamente a c) e e): a) Ser a servidão existente alargada, ao abrigo do disposto no artigo 1550.º, n.º 2 do Código Civil, para que contemple transposição da linha de estrema, numa largura de 3,5 metros correspondente à largura da servidão já existente, com carrinhas, tratores e máquinas agrícolas, pagando a requerente aos requeridos o prejuízo que estes demonstrem sofrer com tal alargamento. b) Serem os requerido condenados a respeitar e a não perturbar o exercício do direito de servidão desse modo constituído.
24.Sempre que a requerente se pretendia deslocar ao seu prédio com carrinhas ou tractores, removia as ditas pedras e passava, como sucedeu no passado dia 16.02.2023, para aplicar o primeiro herbicida do ano no seu prédio.
25.Acontece que, em finais de Fevereiro de 2023, os requeridos colocaram, com o auxilio de máquinas, um amontoado de pedras de grande dimensão no leito do caminho.
26.Pedras essas que, pelo seu peso, a requerente e os seus trabalhadores não conseguem remover e que por isso a impedem e absoluto de aceder ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas.
27.Além disso, e igualmente por meio de máquinas, os requeridos, revirando terras e pedras, desfizeram a servidão numa extensão de cerca de 60 metros, contados do “Caminho ...”, em direcção ao interior do seu prédio.
28.O que igualmente impede a circulação da requerente e dos seus trabalhadores, sendo que mesmo a pé o acesso se tornou extremamente difícil.
29.O prédio da requerente foi reconvertido em patamares, mecanizado e replantado o ano passado (2022).
30.Os milhares de videiras que aí se encontram precisam de cultivo, nomeadamente de limpeza de ervas infestantes, rega, adubação, corte de varas, actividades que exigem a utilização de máquinas e o transporte de adubos, fitofármacos e ferramentas.
31.Tarefas cuja realização importa o uso tractor e máquinas agrícolas e a deslocação de materiais, ferramentas e pessoas por meio de carrinhas e que, em conformidade com os naturais ciclos agrícolas, ocorre essencialmente a partir de meados de Fevereiro, inícios de Março, e se prolonga até ao Outono/Inverno.
32.Temendo a requerente que se assim não for as jovens plantas/videiras não sobrevivam e se perca a totalidade da plantação.
33.O tratamento e cultivo das vinhas, nos primeiros anos, é muito exigente e dele depende o correcto desenvolvimento das plantas, sendo crucial que o mesmo se faça devidamente, sob pena de ficar definitiva e irremediavelmente comprometida a produção futura e a inerente rentabilidade da vinha.
34.Além disso, tendo a reconversão da exploração sido realizada com recurso a apoio financeiro sob alçada do IFAP o cultivo tem de ser mantido, sob pena de a requerente entrar em incumprimento do projecto, temendo ser obrigada a repor definitivamente ao IFAP o apoio recebido no montante de € 17.075,05.
35.Acresce que as chuvas do passado Inverno associadas ao facto de solo do prédio da requerente ainda se não encontrar suficientemente compactado em virtude de ter sido surribado apenas no ano anterior, levaram à ocorrência de várias derrocadas nos patamares existentes no prédio da requerente e além disso, à queda de um muro de grande dimensão, numa extensão de cerca de 10 metros, precisamente sobre o prédio dos requeridos.
36.Dadas essas derrocadas muitas videiras ficaram desenterradas, outras soterradas, vários esteios tombaram e muitos arames ficaram sem suporte e por isso impedidos de desempenhar a sua normal função.
37.Sendo necessário realizar todas as reparações temendo a requerente que se assim não for fique irremediavelmente comprometido o crescimento e o desenvolvimento das videiras afectadas, razão pela qual solicitou já orçamento para a reparação do muro e aluguer da máquina para reparação das derrocadas nos patamares.
38.A requerente teme que, não ocorrendo intervenção imediata, as videiras que se encontram implantadas nos locais das derrocadas acabem por secar, ficando irremediavelmente perdidas.
39.A falta de reposição dos arames e dos esteios caídos levará a que as videiras afectadas cresçam sem suporte e por isso deformadas.

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Resolução das questões:

A primeira questão suscitada pelo recurso é a de saber se, face aos elementos apurados, não existe a favor da requerente a posse do direito de transpor o prédio dos recorrentes para o prédio dela com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas.

Segundo os recorrentes, decorre dos factos que foram julgados provados sob os números 16, 17 e 18 que a requerente não tem o direito de transpor o limite do prédio deles, recorrentes, para o dela, recorrida, com tractores, carrinhas e máquinas, mas apenas o direito de transpor tal limite a pé.

Este fundamento do recurso é de julgar procedente. Vejamos.

Como resulta do acima exposto, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo considerou que a providência cautelar requerida pela requerente consistia na restituição provisória da posse do caminho. Em coerência com esta interpretação entendeu que a questão que importava resolver era a de saber se estavam preenchidos os pressupostos exigidos para o decretamento de tal providência, concretamente: que a requerente tinha posse sobre o caminho descrito na petição que serve o acesso ao seu prédio; que foi esbulhada do caminho com violência.

Salvo o devido respeito que nos merece a decisão recorrida, os termos do requerimento inicial não consentiam tal interpretação. Na verdade, a requerente indicou expressamente em tal requerimento que requeria procedimento cautelar comum contra os requeridos e daí que, salvo na hipótese de as providências que requereu serem próprias de algum dos procedimentos cautelares especificados, cabia ao tribunal a quo mandar seguir os termos do procedimento cautelar comum e apreciar a pretensão da requerente à luz do regime de tal procedimento. Era seguro afirmar-se, perante os termos do requerimento, que as providências requeridas não eram as próprias do procedimento cautelar de restituição provisória da posse. Na verdade, a providência própria, específica, deste procedimento é a restituição provisória, ao requerente, da posse da coisa de que foi esbulhado com violência, ao passo que as providências requeridas no âmbito do presente procedimento destinavam-se a assegurar a efectividade de um direito, concretamente o direito de servidão de passagem sobre o prédio dos requeridos, ora recorrentes. Seguia-se do exposto que, por aplicação conjugada dos artigos 362.º, n.º 1, e 368.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, os requisitos necessários ao decretamento das providências eram os seguintes: 1) a probabilidade séria da existência do direito invocado (servidão de passagem constituída por usucapião sobre o prédio dos requeridos); 2) o fundado receio da sua lesão grave e dificilmente reparável; 3) o prejuízo resultante das providências para os requeridos não exceder consideravelmente o dano que com elas o requerente pretendia evitar.

Não tendo os ora recorrentes sido ouvidos antes do decretamento da providência, a alínea a) do n.º 1 do artigo 372.º do CPC permitia-lhes sindicar não só a legalidade da decisão recorrida, mas também a legalidade da decisão que dispensou o contraditório (n.º 1 do artigo 366.º do CPC). E, em sede de sindicância da legalidade da decisão recorrida, podiam alegar precisamente que a decisão sob recurso incorreu em erro ao não apreciar os requisitos das providências requeridas à luz do disposto no n.º 1 do artigo 362.º do CPC e nos números 1 e 2 do artigo 368.º do mesmo diploma e que, face aos elementos apurados e a tais requisitos, as providências requeridas não deviam ter sido deferidas.

Sobre a questão da dispensa do contraditório, os recorrentes não alegaram nada. E como se remeteram ao silêncio sobre ela, não cabe a este tribunal pronunciar-se sobre a mesma, visto que a lei não permite nem impõe o conhecimento oficioso da indevida preterição do contraditório e é aplicável em sede de recurso, por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC, a regra da 2.º parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo a qual salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de uma questão, o juiz só pode ocupar-se dela se a mesma tiver suscitada pela parte.

Já em relação ao deferimento das providências requeridas, à luz dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 362.º do CPC e nos números 1 e 2 do artigo 368.º do CPC, é de interpretar a alegação dos recorrentes constante da 1.ª e da 3.ª conclusão, segunda parte, no sentido de suscitar a questão da sua verificação. Vejamos.

Na primeira conclusão, embora a rematem com a alegação de que não se verificava o requisito principal da restituição provisória da posse, ou seja, a posse, movendo-se, pois, no âmbito dos requisitos da restituição provisória da posse, sustentam, no entanto, o seguinte: “não existe, não radica - nem sequer indiciariamente - na esfera jurídica da recorrida o direito de posse tal como a douta sentença em crise afirma, quanto ao direito de transposição do prédio dos recorrentes para o prédio da recorrida por qualquer das suas formas. A recorrida peticionou e a douta sentença nos factos provados 16.º, 17.º e 18.º reconheceram não ter aquela, a posse, o direito de poder transpor o limite do prédio dos recorrentes para o da recorrida com tractores, carrinhas e máquinas, mas apenas apeada, a pé ela e os seus trabalhadores”.

Com esta alegação, os recorrentes põem em causa o direito em que se funda a posse, concretamente o direito de a requerente transpor o limite do prédio deles, recorrentes, para o prédio dela com tractores, carrinhas e máquinas. Como é sabido, a posse tanto pode ter como causa um direito real, sendo, nas palavras de Orlando de Carvalho, “uma projecção ou expressão de um jus in re existente, chamando-se, a essa posse, posse causal (porque tem causa no direito)”, como se pode tratar de uma posse “sem fundamento, sem causa num direito dado, uma posse autónoma a que se chama posse formal [Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122, página 105].

A posse que está em causa no presente procedimento é a posse enquanto expressão de um direito de servidão de passagem, constituído por usucapião, sobre o prédio dos requeridos em proveito de um prédio da requerente. Logo, a resposta à questão de saber se é de reconhecer que a requerente tinha a posse, passa por responder à questão de saber se é titular de um direito de servidão de passagem, constituída por usucapião, sobre o prédio dos requeridos em proveito do prédio da requerente.

Por sua vez, ao alegarem na 2.ª parte da 3.º conclusão que “nem a recorrida o alegou nem a douta sentença em crise o demonstrou e provou os factos reais, certos e concretos que mostrem que o receio que invoca é fundado e não é frito da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, não sendo suficiente para o decretamento da providência cautelar a mera possibilidade remota de o requerente, neste caso os pés de videira (quais, quantos, como tudo factos omissos e levianamente alegados sem fundamentação técnica e consequências reais) que poderiam nascer tortos”, os recorrentes têm em vista a questão do fundado receio de lesão do direito de servidão de passagem, a qual tem pertinência no âmbito procedimento cautelar comum, mas já não no âmbito da restituição provisória da posse.

Interpretando a alegação dos recorrentes com este sentido, apreciemos, em primeiro lugar, a questão de saber se, face aos elementos apurados, é de considerar que há a probabilidade séria da existência do direito invocado pela requerente, concretamente a de saber se o prédio dos requeridos está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio dela, constituída por usucapião, e se tal direito compreende a faculdade de a requerente, ora recorrida, transpor o limite do prédio dominante para o prédio serviente mediante tractores, carrinhas e máquinas.

Sobre a questão de saber se há prova de o prédio dos requeridos estar onerado com uma servidão e passagem a favor do prédio da requerente, a resposta é afirmativa. Vejamos.

A usucapião assenta na posse (artigo 1287.º do Código Civil) e a posse, de acordo com a noção do artigo 1251.º do Código Civil, consiste no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. Logo será de afirmar a constituição da servidão de passagem sobre o prédio dos requeridos, por usucapião, se os factos apurados revelarem uma actuação da requerente em relação ao prédio dos requeridos por forma correspondente ao exercício do direito de servidão de passagem e se a servidão se revelar por sinais visíveis e permanentes (artigo 1293.º, alínea a), e 1548.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil).

Quanto à questão de saber se os factos apurados revelam uma actuação do requerente em relação ao prédio dos requeridos por forma correspondente ao exercício do direito de servidão de passagem, a resposta é afirmativa. Com efeito, a actuação correspondente ao exercício do direito de servidão de passagem é passar por um prédio alheio para aceder a um prédio próprio, com a intenção de exercer um direito de servidão de passagem. Ora, provou-se que o prédio da requerente não tem comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la, e que a requerente e os seus antecessores, por si e por intermédio dos seus trabalhadores, há mais de 30 anos que acedem ao seu prédio, a partir da via pública, caminho denominado “Caminho ...”, através de um caminho situado no prédio dos recorridos, com uma extensão de 100 metros e uma largura médio de 3,5 metros, até à estrema do prédio da requerente com o prédio de um terceiro, DD. Fazem-no à vista de todos, sem oposição dos requeridos e no convencimento de que o seu prédio goza de acesso através do prédio dos requeridos.

Quanto à questão de saber se a servidão se revela por sinais visíveis e permanentes, a resposta é afirmativa, pois está provado que o caminho que passa através do prédio dos requeridos ora recorrentes, está devidamente trilhado, com marcas visíveis e permanentes de passagens a pé, com tractores, carrinhas.

A posse da requerente, tanto exercida por si como através dos seus trabalhadores, reúne os caracteres necessários (posse pacífica e pública) e o tempo suficiente (mais de 30 anos) para facultar à requerente a aquisição, por usucapião, do direito de servidão de passagem sobre o prédio dos requeridos em benefício do seu prédio (artigos 1261.º, n.º 1, 1262.º e 1296.º, todos do Código Civil).

Em suma: os factos revelam que está constituída, por usucapião, uma servidão de passagem sobre o prédio dos requeridos em proveito do prédio da requerente.

Quanto à questão de saber se o direito de servidão compreende a faculdade de a requerente aceder ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas, a resposta é a de que, face aos elementos apurados, não se pode concluir que haja uma probabilidade séria de tal direito existir. Vejamos.

Na resposta a esta questão importa tomar em consideração o disposto nos artigos 1564.º e 1565.º, ambos do Código Civil, pois estes preceitos dispõem sobre o modo de exercício e a extensão das servidões prediais e a questão que os recorrentes suscitam prende-se precisamente com o exercício da servidão de passagem invocada pela requerente. Com efeito, socorrendo-nos das palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “no capítulo do exercício das servidões, trata-se fundamentalmente de definir os direitos e deveres que resultam da constituição da servidão, quer para o proprietário do prédio dominante, quer para terceiros, entre os quais se destaca o dono do prédio serviente [Código Civil anotado, Volume III, 2.º Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, página 662] e o que está em causa é precisamente saber se há a probabilidade séria de a requerente ter o direito de aceder ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas. 

Segundo o artigo 1564.º, as servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.

Por sua vez, o artigo 1565.º estabelece no n.º 1: o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. O n.º 2 dispõe: “Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente”.

Decorre do artigo 1564.º que, no caso de haver título, é ele que regula o exercício da servidão. Este princípio da conformidade do exercício da servidão com o título constitutivo da servidão vale, como escrevem os citados autores, para todos os títulos de constituição da servidão enunciados no artigo 1547.º do Código Civil. Logo, vale também para as servidões constituídas por usucapião. Esta regra está em conformidade com o artigo 1287.º do Código, ao dispor que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, é o que se chama usucapião”. Esta regra corresponde à máxima “tantum praescriptum quantum possessum”, ou seja, só se adquire por usucapião o que se possui, ou seja, a medida da usucapião é a medida da posse.

Logo, a pergunta a que importa responder é a seguinte: face aos elementos apurados, o exercício do direito de servidão por parte da requerente compreendia o acesso ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas?

A resposta é negativa. Na verdade, provou-se que o exercício do direito da servidão tem sido feito ao longo dos anos da seguinte forma a partir do Caminho ..., ou seja, a partir da via pública: a requerente e os seus antecessores, por si e por intermédio dos seus trabalhadores, conduziam carrinhas, tractores e máquinas agrícolas através do caminho que percorria o prédio dos requeridos, ora recorridos, até à estrema norte do prédio dela (requerente), deixando-os estacionados no largo aí existente, após o que, apeados, entravam no prédio dominante.

O que se infere desta matéria é que a requerente deixava as carrinhas, tractores e outras máquinas agrícolas estacionadas no prédio dos requeridos e que entrava no seu prédio a pé, e não com carrinhas, tractores e outras máquinas agrícolas. Logo, a parte final do acesso ao seu prédio era feito a pé e não com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas.

A requerente não explicou por que razão é que deixava as carrinhas, os tractores e as máquinas agrícolas ainda no prédio dos requeridos e entrava a pé no seu prédio. Não sabemos se tal acontecia porque a configuração do prédio dela, requerente, não permitia a entrada de tais veículos nele ou porque era a configuração do próprio prédio dos requeridos que impedia a passagem dos veículos e obrigava ao estacionamento deles no prédio serviente.

A explicação não é indiferente. Se a requerente não entrava no seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas porque ele não lhe permitia a entrada de tais veículos, então era-lhe lícito realizar obras no seu prédio de modo a permitir a entrada dos veículos, pois tal não implicaria a alteração do exercício da servidão, nem traria qualquer prejuízo para o prédio serviente. Ao invés se a requerente não conseguia aceder ao seu prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas devido à configuração do prédio serviente, então o acesso implicaria necessariamente a realização de obras neste último prédio, o que nos remetia para a questão da admissibilidade de tais obras ao abrigo do artigo 1566.º, n.º 1, do CC.

Face aos elementos apurados, o exercício da servidão por parte da requerente não compreendia a transposição do limite do prédio dos requeridos com veículos, tractores e máquinas agrícolas, mas tão só a transposição de tal limite a pé.

Daí que assista razão aos recorrentes quando alegam que, face aos elementos apurados, não há a probabilidade séria de o direito de servidão da requerente sobre o prédio dos requeridos, ora recorrentes, compreender a faculdade de transpor o limite deste prédio com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas.

A consequência não será, no entanto, a revogação da decisão na sua totalidade. A consequência será apenas a revogação da decisão no segmento em que ordenou aos requeridos que colocassem o caminho no estado em que ele se encontrava antes das acções dos requeridos de modo a que pelo mesmo os requeridos pudessem ceder, isto é, entrar no seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas. A parte restante da decisão, ou seja, a que ordenou que os requeridos colocassem o caminho identificado em 13.º do elenco dos factos provados, concretamente o caminho (situado no prédio dos requeridos) que permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da requerente, com uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, desenvolvendo-se em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD, no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras e o muro que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente pudesse circular até ao largo onde eram deixados estacionados e a partir daí entrar a pé a pé ao seu prédio é de manter.


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Nulidades da sentença

Para a hipótese de o tribunal não revogar, na totalidade, a sentença, com o fundamento anteriormente apreciado, os recorrentes arguiram a nulidade dela, assacando-lhe as causas de nulidade previstas nas alíneas C) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Segundo eles, a sentença, na parte em que decidiu que a requerente podia circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas, incorria na causa de nulidade prevista na alínea c), porque padecia de ambiguidade e estava em contradição e oposição com os fundamentos do relatório, com os factos provados na decisão sob os números 16, 17 e 18, e com os pedidos da acção principal.

Por sua vez enfermava  da causa de nulidade prevista na alínea e) porque a requerente não pediu ao tribunal que lhe concedesse a ela, requerente, o direito a transpor o prédio deles recorrentes para o prédio da recorrida com tractores, máquinas e veículos, mas o tribunal ao ordenar aos ora requerentes que repusessem o caminho – leito da servidão – no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo pedras e o muro que ali colocaram, de modo que lo mesmo a requerente possa circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas, foi para além do pedido pela requerente.

Apreciação do tribunal:

A decisão não enferma das causas de nulidade que lhe são apontadas.

Comecemos pela causa prevista na alínea c). Esta alínea dispõe que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Há ambiguidade quando a decisão comporte dois ou mais sentidos, fazendo com que não se perceba o sentido dela. Os fundamentos estão em oposição com a decisão quando “… a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, página 671]. Precise-se que a contradição tida em vista é a contradição entre a fundamentação da decisão de direito e esta decisão.

Assim interpretada, a razão estaria do lado dos recorrentes se a decisão final comportasse mais do que um sentido e não se alcançasse o sentido dela e se os fundamentos da decisão apontassem no sentido do não decretamento das providências ou no decretamento parcial.

Não se verifica nenhuma destas hipóteses. O sentido da decisão é claramente perceptível e a alegação do recurso é a prova de que os recorrentes o perceberam. Os fundamentos apontam no sentido da prova sumária do direito de a requerente aceder ao seu prédio com viaturas, carrinhas e tractores como o atesta a seguinte passagem da fundamentação da decisão recorrida: “Ora, de acordo com a matéria de facto exposta, resultou sustentada a alegada posse, pela requerente, sobre uma faixa de terreno, concretamente um caminho (situado no prédio dos requeridos), que permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da requerente, tendo uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, que se desenvolve em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD, tendo aquela logrado demonstrar a sua configuração física e funcional, isto é, o modo, tempo e local em que ela se constituiu e exerce – de forma livre, pública e pacífica, por mais de 20 e 30, anos, a pé e por recurso a viaturas, carrinhas e tratores agrícolas, com a finalidade de poder aceder ao seu prédio – descrito no artigo 1.º, do elenco dos factos indiciariamente provados –, sobre o qual também tem posse, e, assim, à plantação de vinha que aí cultiva, com recurso a financiamento público – sendo que o modo e local, no que concerne ao caminho, se revelam dentro dos limites materiais do prédio dos requeridos”.

Improcede a alegação de que a sentença enferma da causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Apreciemos, de seguida, a questão da nulidade prevista na alínea e). Nos termos deste preceito, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o n.º 1 do artigo 609.º do CPC, segundo o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

Como é bom de ver, a resposta à questão de saber se a sentença incorreu na causa de nulidade ora em apreciação pressupõe que se ponha em confronto a providência requerida com a que foi decretada e que se chegue à conclusão que esta é diversa daquela.

Fazendo-se, no caso, este exercício, a conclusão a que se chega é a de que a decisão sob recurso decretou a providência que foi requerida. Com efeito, a requerente pediu que fosse ordenado aos requeridos que colocassem o caminho identificado no artigo 16.º do requerimento no estado em que se encontrava, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente possa circular e aceder ao seu prédio com tractores, carrinhas e máquinas agrícolas, e foi precisamente esta a providência que foi decretada pelo tribunal.

Observe-se que a divergência entre a providência requerida e a decretada só faz incorrer a decisão na causa de nulidade ora em apreciação se a lei não permitir ao tribunal a concessão de providência diversa da pedida. Se permitir, como sucede no domínio das providências cautelares não especificadas (1.ª parte do n.º 3 do artigo 376.º do CPC), a divergência entre providência cautelar requerida e decretada não faz cair a decisão na causa de nulidade ora em apreciação.

Em síntese, a decisão sob recurso não padece das nulidades que lhe foram apontadas.


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Para a hipótese de não proceder a arguição de nulidade da sentença, os recorrentes pediram a revogação dela com a alegação de que não estavam reunidos os requisitos, previstos nos artigos 377.º e 378.º, ambos do CPC, para ser decretada a providência pedida. Invocando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-10-2020, no processo n.º 1807/2000, afirmam que o esbulho alegado pela requerente não é violento. Por sua vez, invocando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12—2021, no processo n.º 531/20.6T8FIG.C1, sustentam que não está demonstrado o periculum in mora, ou seja, que seja fundado o receio de lesão do direito, não bastando a possibilidade remota de os pés de videira nascerem tortos.

Se a requerente tivesse pedido a restituição provisória da posse, era de reconhecer razão aos recorrentes quando alegam que, face aos elementos apurados, não se podia afirmar que a requerente havia sido privada com violência do exercício do direito de servidão.  Vejamos.

A decisão sob recurso seguiu, na interpretação do artigo 377.º do CPC, na parte em que se refere à violência, o seguinte entendimento afirmado no acórdão do STJ proferido em 19-10-2016, no processo n.º 487/14.4T2STC.E2.S1, publicado em www.dgsi.pt.: “a violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da sua posse como até então a exercia” e que “uma interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, atuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.”

Seguindo este entendimento, considerou que os factos a seguir indicados configuravam uma posição de manifesta violência através de coacção moral, dirigida pelos requeridos contra a requerente com a intenção de impedir o livre acesso e utilização do dito caminho até ao seu prédio e por conseguinte ao próprio prédio e ao interior deste:
· O facto de os requeridos terem colocado em finais de 2022 e início de 2023, de forma atravessada, no caminho, pedras de xisto, junto do acesso ao prédio da requerente;
· O facto de mais tarde, em Fevereiro de 2023, terem colocado um amontoado de pedras;
· O facto de terem desfeito o caminho, numa extensão de cerca de 60 metros e em Março de 2023 terem concluído a edificação de um muro em pedra, junto ao limite do prédio da requerente.

Os recorrentes, como se escreveu acima, apoiando-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em que se escreveu que a violência exercida sobre coisas só é relevante na medida em que influir na liberdade de determinação das pessoas em causa e que não era violento o esbulho se os donos onerados com uma servidão e passagem, na ausência do dono do prédio dominante colocam no trajecto da servidão obstáculos impeditivos da passagem, sustentam que os factos que lhe são imputados não configuram esbulho violento.

A posição deste tribunal sobre a questão do sentido a dar à violência pressuposta nos artigos 377.º e 378.º, ambos do CPC, é a seguinte. Nem estes preceitos nem o Código Civil quando se refere ao esbulho violento (artigo 1279.º) dão a noção de violência. Como é sabido, na interpretação da lei importa ter em conta a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), ou seja, socorrendo-nos das palavras de Manuel de Andrade, “cada texto legal deve estar relacionado com aqueles que lhe estão conexos por contiguidade ou por outra causa, tomando o seu lugar no encadeamento de que faz parte” [Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 28]. 

Um dos textos que deve ser relacionado com os artigos 377.º e 378.º do CPC, na parte em que se refere à violência, é o n.º 2 do artigo 1261.º do Código Civil, que contém a noção de posse violenta. Segundo este preceito “considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255.º”. Sabendo-se que a coacção moral consiste na ameaça ilícita de um mal (n.º 1 do artigo 255.º do Código Civil) e que, nos termos do n.º 2 deste preceito “a ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda” do destinatário da ameaça, pode afirmar-se que a violência relevante para efeitos de restituição provisória da posse tanto abrange a que tem por alvo as pessoas como a que é exercida contra as coisas. Porém, neste último caso, a violência só é relevante se, socorrendo-nos das palavras de Orlando Carvalho, “com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor” [Introdução à Posse, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122, página 293]. Além de Orlando de Carvalho, podem citar-se a favor desta interpretação outros autores como António Santos Abrantes Geraldes, [Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 6. Procedimentos Cautelares Especificados Almedina, página 45] José Alberto Vieira, [Direitos Reais, Coimbra Editora, página 622]. Na jurisprudência podem citar-se a favor desta interpretação, a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-05-2014, proferido no processo n.º 84/14.4TBNLS e o acórdão proferido pela mesma Relação em 24-01-2017, no processo n.º 1350/16.0T8GRD, ambos publicados em www.dgsi.pt.

Interpretando o conceito de violência, relevante para efeitos de restituição provisória da posse, com o sentido e alcance acima expostos, este tribunal entende que as acções levadas a cabo pelos requeridos não configuram acções violentas. Com efeito, as mesmas incidiram apenas sobre o caminho e sobre o prédio objecto da servidão e não resulta da matéria de facto que a intenção dos requeridos, ao realizarem as mencionadas acções, tenha sido a de intimidar, directa ou indirectamente, a requerente.

Segue-se do exposto que, caso a providência fosse a da restituição provisória da posse, ela não estava em condições de ser decretada. A verdade é que a providência requerida era uma providência cautelar não especificada para cujo decretamento era irrelevante a questão de saber se a requerente havia sido privada com violência da posse do exercício do direito de servidão de passagem.


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A alegação dos recorrentes segundo a qual não estavam demonstrados factos concretos que se mostrassem que o receio que invocava era fundado já é pertinente no âmbito das providências cautelares não especificadas. Com efeito, como já se escreveu acima decorre do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, combinado com o n.º 1 do artigo 368.º do mesmo diploma, que as providências cautelares não especificadas são decretadas desde que se mostre suficientemente fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar.

É certo que a sentença sob recurso não se pronunciou sobre este requisito, o que se compreende. Com efeito, uma vez que a decisão sob recurso laborou no pressuposto de que a providência requerida consistiu na restituição provisória da posse do caminho, não era pertinente conhecer da questão do periculum in mora, visto que resulta da combinação dos artigos 377.º e 378.º, ambos do CPC, que a verificação deste perigo não é necessário para o decretamento de tal procedimento. De tais preceitos decorre que os requisitos são os seguintes: a posse, o esbulho e a violência. Esta interpretação é afirmada há muito. Cita-se a título de exemplo Alberto dos Reis, que a propósito da restituição provisória no CPC de 1939, escrevia: “Para obter a restituição o requerente não precisa de alegar e provar que corre um risco, que a demora na decisão definitiva na acção possessória o expõe à ameaça de dano jurídico, basta, …, que alegue e prove a posse, o esbulho, a violência. O benefício da providência é concedido, não em atenção a um perigo de dano iminente, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima” [Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, página 670].

Já não é exacta a alegação dos recorrentes de que não se demonstraram factos que mostrassem que era suficientemente fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito de servidão de passagem.

Na verdade, a hipótese de a requerente ficar privada do exercício do direito de passagem até que seja proferida decisão na acção principal, é susceptível de configurar o receio de uma lesão grave e dificilmente reparável do seu direito de propriedade sobre o imóvel.

Quanto à dificuldade da reparação da ofensa, ela resulta do seguinte.

Se não for ordenada a colocação do caminho no estado em que ele se encontrava antes das acções dos requeridos, a requerente, apesar de beneficiar da servidão e passagem não a poderá exercer enquanto não for proferida a decisão definitiva na acção principal. E assim, quando for proferida a decisão final da causa e na hipótese de esta lhe ser favorável, o mais que a requerente poderá aspirar é a uma indemnização do ou dos prejuízos causados pelo facto de não ter podido exercer o direito de passagem. Sucede que a indemnização reparará ou compensará os prejuízos emergentes da privação do exercício do direito, mas não tornará efectivo o direito que a requerente tinha de passar pelo prédio dos requeridos. Só depois do trânsito em julgado da decisão final – na hipótese de ela ser favorável à requerente e de ela ser cumprida voluntária ou coercivamente pela requerida – é que o direito de servidão de passagem se tornará efectivo. Só nessa altura é que ela poderá efectivamente passar pelo caminho em questão. Até esse momento, a requerente não o poderá fazer.

Ora, perante o receio fundado de que outrem cause lesão ao seu direito, assiste ao seu titular a faculdade de requerer a providência adequada a assegurar a efectividade de tal direito, ou seja, assegurar que tal lesão não se concretize e que o continue a exercer com o conteúdo que lhe cabe. É o que resulta do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, na parte que dispõe que a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, correspondem os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção, e é ainda o que resulta do n.º 1 do artigo 362.º, do mesmo diploma, que refere expressamente, como objectivo das providências aí previstas, o assegurar da efectividade do direito ameaçado, e é ainda o que resulta do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, na parte em que dispõe que “para defesa dos direitos, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

Ora, no caso, só se conseguirá garantir que a requerente continue a exercer efectivamente o seu direito com o conteúdo, se o puder fazer enquanto aguarda a decisão a proferir na acção principal.

Pelo exposto é de considerar suficientemente fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito.


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Por último, para a hipótese de a sentença não ser revogada na totalidade, os recorrentes pediram que se revogasse a decisão na parte em que ela ordenou aos requeridos que facultassem à requerente a possibilidade de passar do prédio dos requeridos para o dela mediante carrinhas, tractores e máquinas agrícolas e que se substitua essa aparte da decisão por outra que faculte à requerente e aos seus trabalhadores passar do prédio dos requeridos para o dela a pé ou apeada e nos termos e forma descritos nos factos dados como provados nos artigos 16.º, 17.º, e 18.º. 

Esta pretensão dos recorrentes é fundada como resulta do exposto ao apreciar-se a alegação dos recorrentes de que não estava indiciado que o direito de servidão da requerente compreendesse a faculdade de passar do prédio dos requeridos para o seu prédio mediante carrinhas, tractores e máquinas agrícolas.


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Decisão:

Julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se e substituiu-se a decisão recorrida pela seguinte decisão: ordena-se aos requeridos que coloquem o caminho identificado em 13.º, do elenco dos factos provados, situado no prédio dos requeridos, que permite a ligação entre o denominado “Caminho ...” e o prédio da requerente, com uma extensão de 100 metros e uma largura média de 3,5 metros, desenvolvendo-se em curva, de nascente para sul, até à estrema do prédio da requerente, junto à estrema deste com o prédio de DD, no estado em que se encontrava antes das acções dos requeridos, alisando e compactando o seu leito de passagem e dele removendo as pedras e o muro que aí colocaram, de modo que pelo mesmo a requerente possa circular com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas até ao largo onde eram deixados estacionados tais veículos e a partir daí entrar a pé para o seu prédio.


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Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.º parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de os recorrentes e a recorrida terem ficado vencidos no recurso condena-se cada uma das partes em 50% das custas do recurso.

Coimbra, 27-06-2023