Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
710/11.7TBCTB-A.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 46º, Nº 1, AL. C) DO CPC E 442º, Nº 2, 2ª PARTE DO C. CIVIL
Sumário: O contrato promessa de compra e venda de imóvel não constitui título executivo susceptível de servir de base a execução em que, com a alegação de que os executados (promitentes vendedores) não querem cumprir as obrigações assumidas, se visa a cobrança coerciva de uma quantia correspondente ao dobro do sinal que oportunamente lhes havia sido entregue.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO

         R…, casado, residente na Rua …, instaurou, em 2011/04/27, contra B…, Lda, com sede na Rua … e E…, casado, com domicílio na Rua, a execução comum nº 710/11.7TBCTB, a correr termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, visando a cobrança coerciva da quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros).

Apresentou como título executivo um contrato promessa de compra e venda de um imóvel e uma “certidão de citação” do conteúdo de uma notificação judicial avulsa e alegou que “os executados demonstram não querer cumprir com as obrigações assumidas”.

         Os executados deduziram oposição arguindo a ilegitimidade do executado E…, a inexequibilidade do título executivo e o excesso da penhora e pediram a condenação do exequente como litigante de má fé e ainda no pagamento da multa e indemnização a que alude o artº 819º do Cód. Proc. Civil.

         O exequente contestou pugnando pela improcedência total da oposição.

         Foi proferido despacho saneador em que: (1) se absolveu da instância o executado E…, por ilegitimidade; (2) se entendeu que a execução não pode prosseguir por inexequibilidade do título, absolvendo-se também da instância a executada B…, Lda; (3) se consideraram prejudicadas as demais questões suscitadas na oposição.

         Irresignado, o exequente recorreu, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

         A executada B…da respondeu, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

         O recurso foi admitido.

         Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada a questão de saber se o contrato promessa de compra e venda de imóvel, complementado pela “certidão de citação” com ele junta, constitui título executivo capaz de basear a execução instaurada.

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que resulta do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido, e ainda a seguinte:

         a) O contrato promessa de compra e venda de imóvel apresentado como título executivo é o que consta de fls. 5 a 7 dos autos de execução, celebrado em 2 de Fevereiro de 2007, em que figura como promitente vendedora a executada B…da, representada pelo executado E…como promitente comprador o exequente R…

         b) Tal contrato mostra-se subscrito por E…R…tem como objecto mediato a fracção autónoma …

         c) O preço acordado para a prometida compra e venda foi de € 77.500,00;

         d) Da cláusula 3ª do mencionado contrato consta que os primeiros contraentes – B…da representada por E…declaram ter já recebido, a título de sinal, as quantias de vinte e sete mil e quinhentos euros (€ 27.500,00), com o reforço de sinal efectuado nesta data no montante de vinte e cinco mil euros (€ 25.000,00), totalizando a quantia global, entregue a título de sinal, de cinquenta e dois mil e quinhentos euros (€ 52.500,00), de que os primeiros contraentes dão, desde já, a respectiva quitação;

         e) E da cláusula 4ª consta que a escritura se realizará no prazo de cento e vinte (120) dias a contar desta data (02/02/2007), devendo os primeiros outorgantes notificar por escrito o segundo outorgante da data da celebração da mesma com uma antecedência de dez (10) dias;

         f) Com o requerimento inicial foi também junto o documento que faz fls. 8 dos autos de execução, aqui dado por reproduzido, elaborado em papel timbrado do Tribunal Judicial de Castelo Branco – Serviço Externo, intitulado “Certidão de Citação”, datado de 13/01/2010, de acordo com o qual o oficial de justiça que o subscreve certifica que, nos termos do disposto no artº 239º, nº 1 do Código de Processo Civil, notificou o requerido E…), também na qualidade de legal representante da requerida B…da, (…), “de todo o conteúdo da notificação judicial avulsa, que lhe li e expliquei, entregando-lhe de tudo nota legal devidamente descriminada”[2].

         g) Com data de 05/05/2010, o ilustre mandatário do exequente, em representação deste, enviou a E…B…da, a carta junta por fotocópia a fls. 43 dos autos de oposição, da mesma constando o seguinte: “No seguimento da notificação judicial avulsa de que V. Exa. foi devidamente notificado, e face ao seu silêncio, serve a presente para lhe indicar a data de 25 de Maio de 2010, pelas 11 horas e 30 minutos, no cartório notarial sito na Rua …, para a CELEBRAÇÃO DE CONTRATO PROMESSA COM EFICÁCIA REAL sobre o prédio identificado em anteriores comunicações e na notificação judicial avulsa”.

         h) De acordo com o documento junto a fls. 46 dos autos de oposição, subscrito pela Ex.ma Notária do Cartório Notarial de …, escritura referida na alínea anterior não foi realizada por não se encontrar presente à hora marcada a promitente vendedora.

         2.2. De direito

Subjacente à instauração da execução está o entendimento do exequente de que o contrato promessa de compra e venda de imóvel junto com o requerimento inicial, complementado pela “certidão de citação” também junta, importa a constituição ou o reconhecimento, por parte dos executados, da obrigação pecuniária de € 105.000,00, correspondente ao dobro do sinal entregue (€ 52.500,00) – artº 442º, nº 2, 2ª parte, do Cód. Civil – e, consequentemente, constitui título executivo bastante para servir de base à execução instaurada – artº 46º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil.

Os oponentes combatem a execução alegando, entre outras razões, que o título apresentado não importa a constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária exequenda, carecendo de exequibilidade, o que integra fundamento de oposição que se enquadra na al. a) do nº 1 do artº 814º, aplicável por força do artº 816º.

Como se diz no Ac. desta Relação de 22/11/2011[3], “o legislador, atenta a ratio da acção executiva - que, em regra, exclui a decisão sobre a existência e/ou a configuração do direito exequendo - condicionou a exequibilidade do direito à prestação à verificação de dois pressupostos:

a) por um lado, a existência de título executivo com as características formais legalmente exigíveis, vg. constituição ou reconhecimento de obrigação, montante, prazo, assinatura, etc. (exequibilidade extrínseca);

b) por outro, a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (exequibilidade intrínseca).

O fundamento de oposição à execução invocado pelos oponentes e aqui em análise situa-se, portanto, no domínio da exequibilidade extrínseca, questão, aliás, logicamente anterior à da exequibilidade intrínseca. Isto é, só reconhecendo ao título exequibilidade extrínseca se justificará apurar da exequibilidade intrínseca.

No saneador-sentença sob recurso entendeu-se que “o contrato promessa, como documento particular apresentado como título executivo, face às obrigações que nele a executada assumiu, quando no confronto com a obrigação que se quer executar, não vale por si próprio e extrinsecamente como título executivo, pois que dele, quando visto na sua individualidade, não flui a constituição ou reconhecimento daquela obrigação pecuniária exequenda, de acordo com o citado artº 46º-c do CPC”.

E, coerentemente, concluiu-se que a execução não pode prosseguir por inexequibilidade do título.

Nestas circunstâncias, mal se compreendem as alusões feitas pelo recorrente ao artº 812º-E, nº 1, al. c), norma que respeita ao indeferimento liminar e que não foi convocada nem invocada na decisão recorrida.

Igualmente nos deparamos com grande dificuldade em seguir o raciocínio do recorrente subjacente às conclusões 1) e 6). Com efeito, tendo o título executivo sido por si junto ao instaurar a execução e alegando os oponentes que o mesmo é inexequível por, tratando-se de documento particular, não importar a constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária exequenda, não se vislumbra que factos deveriam ter sido alegados e não foram, nem que ónus deixaram os oponentes de cumprir.

Também não descortinamos razão para imputar nulidade à decisão sob recurso porquanto, como do pequeno extracto atrás transcrito suficientemente decorre, foi na mesma entendido que o contrato promessa apresentado como título executivo não importava a constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária exequenda por parte dos executados e, consequentemente, que não reunia requisitos para integrar qualquer das espécies de títulos executivos previstas no nº 1 do artº 46º, nomeadamente, na sua alínea c). Aquele saneador-sentença especifica, pois, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [artº 668º, nº 1, al. b)], não há qualquer oposição entre uns e outra [artº 668º, nº 1, al. c)] e conheceu de todas as questões – e só delas – de que havia que tomar conhecimento [artº 668º, nº 1, al. d)]. Não padece tal peça processual, portanto, de qualquer nulidade, designadamente das que o recorrente lhe aponta.

Permanece, contudo, a questão substancial de saber se o contrato promessa junto pelo exequente com o requerimento inicial da execução, acompanhado da “certidão de citação” também junta, integra qualquer das espécies de títulos executivos taxativamente previstas nas quatro alíneas do nº 1 do artº 46º.

A única espécie em que, abstracta e teoricamente, poderia enquadrar-se é a prevista na alínea c)[4].

Com efeito, nos termos do artº 46º, nº 1, al. c) podem servir de base à execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

A questão que se coloca no caso que nos ocupa é a de saber se o contrato promessa de compra e venda de imóvel subscrito pelo E… representação da executada B…da, sendo indiscutivelmente um documento particular subscrito pelo devedor, importa a constituição ou reconhecimento por parte dos executados, maxime, da executada B…L.da, de obrigação pecuniária, nomeadamente, da obrigação de pagar ao exequente a quantia de € 105.000,00.

A obrigação assumida nos contratos promessa de compra e venda pelo promitente vendedor é, naturalmente, a de vender o bem objecto mediato do contrato. Tal como a assumida pelo promitente comprador é a de comprar esse mesmo bem.

Não se exclui que, dentro da liberdade contratual conferida às partes pelo artº 405º do Cód. Civil, possa, a par da obrigação principal de vender/comprar, resultar do clausulado de um contrato promessa de compra e venda a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias[5].

Embora na 2ª parte do nº 2 do artº 442º do Cód. Civil se estabeleça que, sendo o incumprimento do contrato devido ao contraente que recebeu o sinal, tem o outro a faculdade de exigir o dobro do que prestou, daí não decorre que ao outorgar o contrato promessa o promitente vendedor esteja a assumir automaticamente essa obrigação de restituição.

Para que nasça essa obrigação tem de haver incumprimento definitivo e culposo por parte do contraente que recebeu o sinal. E, a não ser que o próprio, em documento por si assinado, os reconheça – caso em que, verdadeiramente, o título executivo seria esse documento, ainda que coadjuvado pelo contrato promessa – o reconhecimento do incumprimento definitivo e da culpa passa necessariamente pela intervenção do tribunal, em acção declarativa de condenação [artº 4º, nºs 1 e 2, al. c)], vindo o título executivo a ser integrado pela sentença condenatória proferida.

Com efeito, do contrato promessa subscrito pela executada B…, Lda, bem como da “certidão de citação” junta com o mesmo, não resulta que por ela tenha sido assumida ou reconhecida qualquer obrigação pecuniária, designadamente a exequenda. Os demais documentos posteriormente juntos pelo exequente [cfr. als. g) e h) do item 2.1.] não se mostram subscritos pela executada, não a vinculando e, embora indiciem incumprimento da sua parte, não provam inequivocamente tal incumprimento nem, sobretudo, o carácter definitivo do mesmo e a culpa.

Concorda-se, portanto, com a decisão sob recurso, entendendo-se que o título apresentado pelo exequente carece, relativamente à obrigação exequenda, de exequibilidade, o que integra fundamento válido e relevante de oposição à execução [artºs 814º, nº 1, al. a) e 816º] e importa a extinção da mesma.

Soçobram, pois, as conclusões da alegação do recorrente, o que implica a improcedência da apelação e a manutenção da decisão recorrida.

Sumário (artº 713º, nº 7):

O contrato promessa de compra e venda de imóvel não constitui título executivo susceptível de servir de base a execução em que, com a alegação de que os executados (promitentes vendedores) não querem cumprir as obrigações assumidas, se visa a cobrança coerciva de uma quantia correspondente ao dobro do sinal que oportunamente lhes havia sido entregue.

         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.

         As custas são a cargo do recorrente.


Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo


[1] Na versão resultante, no tocante aos recursos, do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08 e, no tocante às execuções, do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11. São desse diploma, nessa versão, as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Não foi junta cópia da notificação judicial avulsa em causa, pelo que o seu exacto conteúdo é desconhecido. No entanto o mesmo depreende-se da carta a que se faz referência na alínea subsequente.
[3] Proc. 1203/07.2TBTMR-A.C1, relatado pelo Des. Carlos Moreira, consultável em www.dgsi.pt.
[4] Efectivamente, não se trata de sentença condenatória [al. a)], de documento elaborado ou autenticado por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal [al. b)], ou de documento a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva [al. d)].
[5] Ac. STJ de 16/09/2008 (Proc. 08B2427, relatado pelo Cons. Salvador da Costa), in www.dgsi.pt.