Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
506/10.3GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
VÍCIOS DE INSUFICIÊNCIA E DE CONTRADIÇÃO
Data do Acordão: 03/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DA LOUSÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 374.º, 379.º E 410.º, DO CPP
Sumário: I - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

II - A falta de fundamentação específica acerca dos motivos que levaram à denegação da suspensão da pena de prisão, traduz uma clara omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar.

III - Tendo-se pronunciado a sentença recorrida sobre a concreta questão da suspensão da execução da pena, afastando a substituição da pena de prisão por esta pena não detentiva, embora possa padecer de falta de fundamentação ou de erro de subsunção, não padece seguramente de omissão de pronúncia.

IV - Faltando elementos de facto, designadamente, os relativos à personalidade do arguido e condições da sua vida, que permitam determinar com objetividade e justiça a medida concreta da pena e decidir da suspensão ou não da execução da pena de prisão, e resultando do texto da sentença recorrida que ficaram por realizar diligências por parte do tribunal, que poderiam completar ou melhorar a factualidade apurada, é de concluir que a decisão recorrida enferma do vício a que alude a alínea a), n.º2, do art.410.º do C.P.P..

V - Existe uma notória contradição entre a factualidade dada como provada e aquela que foi tomada em consideração na subsunção ao direito, pois foi dado como provado que o arguido tinha como antecedentes criminais a condenação em duas penas de multa, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal e, foi ponderado erradamente e com evidente relevo para a recusa da suspensão da execução da pena de prisão, que o arguido tinha “ uma pena suspensa à data dos factos” em apreciação neste processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Lousã ( atual Comarca de Coimbra – Instância Local da Lousã, Secção de Competência Genérica – Juiz 2), sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos

            A... , solteiro, pintor industrial, filho de (...) e de (...) , nascido a 7/11/1987, natural de (...) , Vila Nova de Poiares, titular do cartão de cidadão n.º (...) e residente na Rua (...) Lousã; e

B..., divorciada, sem profissão conhecida, filha de (...) e de (...) , nascida a 20/07/1979, natural da (...) , Coimbra, titular do Bilhete de Identidade n.º (...) e residente na Rua (...) Lousã,

imputando-se-lhes a prática de factos pelos quais teriam cometido, em co-autoria material e  forma consumada, um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do mesmo Código.

A demandante C... deduziu a fls. 125, contra os arguidos A... e B... , um pedido de indemnização civil, pelos factos constantes da acusação pública, no valor total de € 1.000,00, por danos patrimoniais e não pantominais.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 20 de março de 2012, decidiu:

- Condenar o arguido A... pela prática do crime de roubo, previsto e punido pelo art.210º, n.º1 do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão;

- Condenar a arguida B... , pela prática do crime de roubo, previsto e punido pelo art.210º, n.º1 do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 12 meses (art.º 50º, n.º1 e 5 do Código Penal), sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP visando evitar a repetição de comportamentos semelhantes e a permitir a consciencialização do arguido da gravidade dos seus comportamento, permitindo deste modo a sua inserção social; e

- Condenar solidariamente os demandados B... e A... no pagamento à demandante C... da quantia de € 500,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora á taxa legal desde a notificação do pedido cível e até integral pagamento e a quantia de € 500,00 a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente decisão e até integral pagamento.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Verifica-se a existência de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na alínea a) do n.°2 do art.410.º do Código de Processo Penal; Violação dos arts. 71.º, n.º2, al.d) e 50.º n° 1 do Código Penal e 369.º e 379.º do Código de Processo Penal; Nulidade da Decisão recorrida para os efeitos da alínea c) do n° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal e Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, prevista no art. 410.º, n° 2, alínea b) do Código de Processo Penal.

2. Conforme se pode verificar no texto da douta Sentença ora recorrida nenhuma prova existe acerca das condições pessoais e da situação económica do arguido.

3. Prescreve a alínea d) do n° 2 do art. 71° do C.P. que “Na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica” e o n° 1 do art. 50° do C.P. que “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida...”

4. As condições pessoais e económicas do arguido são fatores essenciais para a determinação da pena (art.71° n° 2 al. d) do Código Penal), bem como para a decisão de suspensão ou não de pena de prisão aplicada (art. 50° n° 1 do Código Penal), sendo que, no caso em apreço, nenhuma prova existe acerca delas.

5. Pese embora o arguido não tenha estado presente na audiência de discussão e julgamento  e, por via disso, não tenha “ajudado” na produção desta prova, a verdade é que competia ao Tribunal a quo e tal como refere, e bem, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-11-2008, “investigar, independentemente da acusação e da defesa, com os limites previstos na lei, os factos sujeitos a julgamento, de forma a criar as bases necessárias para a decisão.”

6. O Tribunal a quo deveria ter ordenado a realização de relatório social, de acordo com o previsto nos arts. 369° e 370° do C.P.P.

7. Não tendo diligenciado pela obtenção de tais dados, a douta Sentença acabou por ser proferida fora dos seus parâmetros legais, quer quanto à pena em si, quer quanto à possibilidade ou não de suspensão da pena de prisão aplicada, pois, em ambas as situações deve sempre ter-se em conta a situação pessoal e económica do arguido.

8. Assim, os factos dados como provados na sentença são insuficientes para fundamentar a  solução de direito e, para além disso, o Tribunal a quo não realizou todas as diligências necessárias para apurar toda a matéria de facto relevante para ser proferida a decisão, o que configura o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na alínea a) do n° 2 do art. 410° do Código de Processo Penal.

9. Violou, assim, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 71°, n° 2 al. d) e 50° n° 1 do Código Penal, bem como os artigos 369° e 370° do Código de Processo Penal,

10. Pelo que, deve ser revogada a douta Sentença aqui em apreço.

SEM PRESCINDIR: caso assim se não entenda, o que não se admite e se equaciona apenas por mera cautela de patrocínio, então:

11. O arguido foi condenado na pena efetiva de prisão de 18 meses.

12. O Tribunal a quo não podia deixar de se pronunciar sobre a possibilidade de suspensão da

execução da pena. Aliás, pronunciou-se, mas fê-lo de forma ligeira e vaga, sem a justificação concreta e especifica que lhe é exigível, sendo que a (pouca) justificação que é dada assenta em factos incorretos.

13. A denegação da suspensão da execução da pena de prisão tem de ser expressa e especialmente fundamentada com referência a: a) ao carácter desfavorável da prognose — de que a censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; b) às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

14. Tribunal a quo limitou-se a referir o seguinte: “Relativamente ao arguido A... o total alheamento do arguido não permite formular qualquer juízo de prognose futura favorável. As supra referidas considerações, induzem o Tribunal a concluir que não estão verificados os pressupostos do art. 50° do Código Penal, uma vez que o arguido não obstante ter uma pena suspensa à data dos factos não se coibiu de praticar tais factos e a sua total ausência neste processo demonstrará que o mesmo é indiferente a qualquer outra pena que não seja a pena de prisão com cumprimento efetivo da mesma. ”

15. Ora, conforme se verifica, o Tribunal a quo não fundamentou especificadamente a razão da denegação da suspensão da execução da pena de prisão, sendo que, inclusive, repete-se, a (pouca) fundamentação existente está incorreta.

16. O Tribunal a quo não fez um juízo de prognose de onde resulte concreta e fundadamente a razão pela qual a ameaça da pena de prisão não é bastante para afastar o arguido da prática de novos crimes - limita-se, simplesmente, a concluir tal facto sem o fundamentar.

17. Não especificou, por referência às particulares características do arguido, do seu comportamento, da sua maneira e ser e de estar e da sua personalidade que o mesmo não se absterá da prática de novos crimes pela simples aplicação da suspensão da pena de prisão - aliás, nesta concreta situação o Tribunal a quo não tinha como o fazer por não existir qualquer prova quanto a este fatores, conforme referido no primeiro ponto do presente recurso, sendo as alegações ali tecidas válidas também para esta parte.

18. Nem se referiu e/ou fundamentou as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico - em ponto algum se refere o porquê de, na concreta situação, serem postas em causa as exigências de prevenção geral e especial pela aplicação da suspensão da pena de prisão.

19. Não é suscetível de justificar a concessão ou denegação da suspensão da execução da pena

o facto de o arguido não ter comparecido em audiência de discussão e julgamento — efetivamente, o arguido poderia ter comparecido e ter exercido o seu direito ao silêncio e o resultado, em bom rigor, seria o mesmo...

20. Por outro lado, e pese embora o Tribunal a quo tenha dado como provado, e bem, que o arguido, tinha averbado no seu registo criminal apenas duas condenações, a saber: uma condenação na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros pela prática, em 24.12.2006, de crime p.p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei 2/98, de 3.01 e uma condenação na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 6,50 euros pela prática, em 17.03.2009, do mesmo tipo de crime, acaba por referir, na sua fundamentação e como “justificação” para a denegação da suspensão da pena de prisão que o arguido “não obstante ter uma pena suspensa à data dos factos não se coibiu de praticar tais factos”.

21. Esta situação configura uma contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, prevista no art. 410°, n° 2, alínea b) do Código de Processo Penal.

22. Andou mal o Tribunal a quo. Efetivamente, o arguido não tinha qualquer pena suspensa à data dos factos - o arguido apenas tinha averbadas no seu registo criminal as duas condenações supra referidas, condenações essas apenas em penas de multa.

23. Assim, e de acordo com o supra exposto e a falta de fundamentação específica acerca dos motivos que levaram à denegação da suspensão da pena de prisão, existe uma clara omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar.

24. Pelo que, a decisão é NULA, nos termos do disposto no art. 379° n° 1 alínea c) do C.P.P., nulidade que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

SEM PRESCINDIR: caso se entenda que o Tribunal a quo, de algum modo, fundamentou a sua decisão e que a mesma não é nula, então:

25. O Tribunal a quo deveria ter optado pela suspensão da execução da pena.

26. A suspensão da execução da pena de prisão trata-se não de um simples “poder”, mas de um “poder-dever”, só afastável quando os juízos de prognose concretos e as razões de prevenção exigidas demonstrem, clara e inequivocamente, a inaplicabilidade da suspensão da execução da pena de prisão.

27. Para a concessão da suspensão da pena deve partir-se de um juízo de prognose social favorável ao arguido, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de vida futura ordenada e conforme à Lei.

28. Aqui chegados, voltamos à mesma questão que vem alegada no primeiro ponto do presente recurso - não existem quaisquer provas acerca da situação pessoal e económica do arguido, situação que obsta ao exigido juízo de prognose, mantendo-se, portanto, também aqui válidas as alegações tecidas supra.

No entanto, e caso se considere que, ainda assim, o Tribunal a quo estava em condições de decidir acerca da suspensão da pena de prisão aplicada:

29. O arguido era à data da prática dos factos um jovem de 23 anos;

30. Não tinha quaisquer antecedentes criminais por crimes da mesma natureza — apenas foi condenado por crimes estradais, sendo que ambas as condenações foram apenas em penas de multa;

31. Desde a data da prática dos factos até hoje decorreram cerca de 5 anos, sem que exista qualquer notícia do cometimento por parte do arguido de qualquer outro ato ilícito.

32. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, devendo ser estes a determinar, em último termo, a medida da pena.

33. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/5/1995, in CJSTJ, Tomo II, p.214).

34. No caso concreto, considera-se que a simples censura do facto e a ameaça daquela pena são o bastante para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

35. A reintegração na sociedade é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva), logo, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a pena que mais se adequa ao caso concreto.

36. Assim, no caso concreto, deveria o Tribunal a quo ter dado preferência à aplicação de uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, isto é, ter dado preferência à suspensão da pena.

37. Não estão aqui em causa considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de (re)integração.

38. Devem também ter-se conta em as necessidades de prevenção geral, não na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém.

39. No caso em apreço, ficou comprovado que o arguido não tinha quaisquer antecedentes criminais por crimes da mesma natureza e apenas teve condenações em pena de multa.

40. Consideramos que o arguido alterou os seus comportamentos, sendo os mesmos condizentes com o direito, pois não há conhecimento da prática de qualquer outro ilícito desde a data da prática do crime aqui em apreço.

41. O Tribunal a quo decidiu a priori que só o efetivo cumprimento de pena de prisão afastaria o arguido do cometimento de novos crimes, sem lhe dar a oportunidade de demonstrar que a censura do facto e a ameaça daquela pena seriam o bastante para afastar o arguido da criminalidade.

42. Também a suspensão da execução da pena de prisão cumpre, ela própria, as exigências de prevenção geral e especial, pois tem subjacente uma censura ou repreensão a que acrescerá a consumação da ameaça de cumprimento efetivo da pena de prisão se, posteriormente, vier a caber a revogação pelo cometimento de outro crime.

43. Por último, não pode o Tribunal a quo deixar de ter em conta o corolário máximo do nosso Direito, nos termos do qual a pena de prisão é, no nosso ordenamento jurídico, atentas as suas consabidas consequências nefastas, a ultima ratio.

44. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão.

45. Não o tendo feito, violou o disposto no art.50° do Código Penal.

46. Termos em deve ser, nesta última hipótese, suspensa a pena de prisão aplicada ao arguido.

Termos em que se requer. Assim, se fazendo Justiça.

O Ministério Público na Comarca de Coimbra, Instância Local da Lousã, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo parcial provimento do recurso, reenviando-se o processo para novo julgamento com vista à realização das diligências necessárias à averiguação da situação pessoal do arguido nos termos supra referidos, ponderando-se depois, face a esses novos elementos, a eventual suspensão da execução da pena de prisão aplicada, assim se fazendo Justiça.

 

A Ex.ma Juíza pronunciou-se sobre a arguição da nulidade da sentença, por despacho de 29 de Outubro de 2015, tendo decidido que a questão não adquire autonomia em face dos vícios das alíneas a) e b) do art.410.º do C.P.P., relativamente aos quais foi interposto recurso, acrescentado que, ainda assim , se lhe afigura inexistir nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve dar-se provimento ao recurso do arguido, declarando-se a nulidade da sentença, reenviando-se o processo para seja reparada a omissão da(s) diligência(s) referida(s), com as legais consequências na determinação da medida concreta da pena e apreciação e na decisão a proferir sobre a eventual suspensão da execução da pena de prisão.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não tendo o arguido respondido ao douto parecer.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

            Factos provados

No dia 23 de Dezembro de 2010, entre as 11:00 e 11:30 horas, os arguidos A... e B... , que à data viviam em união de facto, dirigiram-se à agência da Caixa Geral de Depósitos da Lousã, local onde se encontrava a ofendida C... a proceder ao levantamento de € 1.000,00 em dinheiro, da sua conta bancária n.º (...) da CGD, na caixa automática ali colocada e com o apoio de uma funcionária daquela Instituição Bancária.

Decidiram então os arguidos aproveitar a oportunidade de se apoderarem do dinheiro que a ofendida viesse a transportar consigo, pelo que encetaram uma estratégia que consistiu em o arguido se ausentar para o exterior, para não levantar suspeitas, aguardando pela saída da ofendida, enquanto a arguida permaneceu nas instalações bancárias acima identificadas durante mais algum tempo, confirmando a realização de quatro movimentos sucessivos, três de € 300,00 e um de € 100,00, que guardou na mala que trazia ao ombro, disso dando conta, via telemóvel, para o arguido.

Quando a ofendida saiu do Banco, na posse dos referidos € 1.000,00, que colocou na mala de mão, e de mais € 100,00 que já tinha anteriormente consigo, o arguido seguiu-a, discretamente, procurando a melhor oportunidade para se apoderar das quantias acima identificadas.

Assim, seguiu a ofendida no seu percurso, pela Praceta do Mercado, onde foi ao talho, pela Rua Dr. Francisco Fernandes Costa, onde foi ao Intermarché, pela Rua Eugénio Sanches da Gama, onde conversou com uma pessoa sua conhecida e depois pela Rua Dr. Pedro Lemos, tudo na Lousã, vindo a intercepta-la pelas 12 horas e 50 minutos, quando esta já se encontrava a contornar o n.º 39 desta última Rua, onde reside.

Nesse instante o arguido surgiu por trás da ofendida e, de forma brusca e repentina, puxou para si a mala que a mesma trazia ao ombro e que de imediato tentou segurar, agarrando-a contra si, mas que não conseguiu face à violência da acção daquele, que a puxou para trás com violência e lhe provocou a queda ao solo.

A mala, de cor creme e da marca Lacoste, continha no seu interior, para além dos mencionados € 1.000,00 e de € 100,00 que já tinha antes do levantamento acima descrito, uma

carteira tipo porta documentos da marca Calvin Klein com vários documentos pessoais, cartões de débito e de crédito, três cadernetas da CGD e um telemóvel da marca Nokia.

Tal mala foi encontrada pela GNR no mesmo dia, junto das garagens dos apartamentos do n.º 3 da Rua Vila de Prades, também nesta cidade, com todo o seu conteúdo, à excepção dos € 1.100,00.

Ainda no mesmo dia a arguida entregou € 500,00 dos € 1.100,00 euros subtraídos.

Por força do plano elaborado por ambos os arguidos e como consequência directa e necessária da acção do arguido sofreu a ofendida C... dores nas costas e no quarto dedo da mão direita, equimose com 3,5 cm de comprimento por 3,5 cm de largura no bordo ulnar (cubital) do terço distal do antebraço direito, edema e equimose com 4 cm de comprimento por 4 cm de largura na porção distal do 4º dedo da mão direita, área equimótica avermelhada com 5 mm de comprimento por 3 mm de largura ao nível da face dorsal da falange proximal do 4º dedo da mesma mão e limitação nos últimos graus de flexão deste dedo, área equimótica com 1 cm de comprimento e 0,5 cm de largura, com várias escoriações com crostas milimétricas ao nível da face dorsal da base do 4º e 5º dedos da mão esquerda, equimose com 1 cm de comprimento por 0,5 cm de largura no terço superior da face lateral da coxa direita e outra equimose com 2 cm de comprimento por 1,5 cm de largura, situada num plano inferior a esta.

Tais dores e lesões determinaram um período de doença de 7 dias com afectação da capacidade de trabalho geral em 3 dias e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

Os arguidos actuaram em comunhão de esforços, de forma concertada e previamente planeada, repartindo tarefas como assinalado, com o firme propósito de se apoderarem do dinheiro levantado pela ofendida, fazendo-o seu, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade da sua legítima dona e detentora.

Para tanto, não se absteve o arguido de sobre esta exercer violência, ofendendo-a no seu corpo e na sua saúde, conduta que a arguida sabia ser necessariamente decorrente do projecto criminoso que elaboraram.

Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei como ilícitos criminais.

A arguida está a tirar um curso na ARCIL, auferindo um rendimento de 209,00 Euros.

Vive sozinha numa casa arrendada, pagando de renda a quantia mensal de 180,00 Euros.

Tem o 2º ano de escolaridade.

A arguida não tem antecedentes criminais.

O arguido foi condenado:

Por sentença datada de 6.11.2007 transitada em julgado em 26.11.2007, foi o arguido condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros pela prática em 24.12.2006 de um crime p. e p. pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo n.º 17/07.4GBLSA).

Por sentença datada de 4.3.2011 transitada em julgado em 24.3.2011, foi o arguido condenado na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 6,50 Euros pela prática em 17.3.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo n.º 94/09.3GDCBR).

Factos Não Provados:

            Não há.

Convicção do tribunal:

A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana, - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.

Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).

No caso em apreço o tribunal atendeu desde logo ao depoimento da demandante. Por esta foi dito que no dia referido na acusação estava na agência da CGD da Lousã a levantar dinheiro (1.000,00 Euros) e viu a arguida à sua frente na fila para a máquina automática aí existente. Mais referiu que não obstante ela estar à sua frente não saiu antes de si, tendo ficado ainda lá dentro da agência CGD após a sua saída. Mais refere que foi embora, fazendo o trajecto referido na acusação. Só quando entrou no terraço da sua casa é que se apercebeu de alguém atrás de si a correr e sentiu puxar a carteira. Resistiu e ao segundo puxão caiu e o arguido levou a carteira. Reconheceu o agressor como sendo o arguido A... conforme auto de reconhecimento a fls. 8/9 e confirmado na audiência de julgamento. Ficou com lesões, tendo dores na coluna e na mão, tendo recebido tratamento médico.

Sendo certo que o arguido foi interceptado já perto da residência de ambos os arguidos, que na altura viviam juntos, e tendo os agentes da autoridade ouvidos sido peremptórios ao referir que após a sua detenção o arguido nunca saiu do posto da GNR, a verdade é que quando o mesmo ainda lá estava a arguida foi ao posto entregar 500,00 Euros à ofendida. Ora, sendo certo que a mesma dadas as suas condições económicas não tinha esse dinheiro consigo como a mesma admitiu, apresentando como justificação para tal facto uma versão inverosímil de que o arguido havia saído do posto por algum tempo a fim de mudar de roupa tendo ido a casa deixando lá esses 500 Euro, entende o tribunal que tal só era possível de ocorrer se a arguida se tivesse encontrado com o arguido antes da sua detenção. A versão apresentada pela arguida não é compatível com a situação de detenção do arguido, uma vez que só após a entrega desses 500 Euros é que o arguido saiu do posto. A única justificação para tal facto é que a arguida antes da detenção do arguido encontrou-se com este e recebeu os 500 Euros que mais tarde veio a devolver.

Aliás, ficou o tribunal convencido que a mesma estando na agência da CGD da Lousã e ao ter reparado que a ofendida havia tirado da máquina automática os 1.000 Euros contactou o arguido que lá não se encontrava alertando-o para esse facto. Após, e sabendo do que o arguido iria fazer esperou por ele tendo o mesmo lhe entregue 500 Euros antes de ser detido.

Só esta actuação conjunta podia permitir, por um lado, que o arguido A... soubesse que a ofendida transportava consigo na sua carteira tal montante em numerário, como, por outro lado, que a arguida B... tivesse na sua posse 500 Euros logo após a detenção do arguido A... que a mesma admite ter sido resultado do roubo.

Mais se atendeu ao teor de fls. 10, termo de entrega da carteira da ofendida com todos os seus pertences à excepção do dinheiro; fls. 13 termo de recebimento dos 500 Euros, entregues pela arguida B... .; fls. 14 termo de entrega de tal quantia à ofendida.; 26 a 28 exame médico efectuado a C... , fls. 101/103 descrição dos levantamentos efectuados pela ofendida naquele dia na agência da CGD da Lousã no total de 1.000,00 Euros.

Quanto às condições económicas da arguida, foram por si relatadas.

 No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor de fls. 138, 151/152..

                                                                          *

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96  e de 24-3-1999   e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente arguido A... são quatro as questões suscitadas, que se conhecerão pela ordem seguinte:

1.ª- se a sentença recorrida é nula nos termos da alínea c), n.°1, do art.379° do Código de Processo Penal

2.ª - se existe o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.410.º do CPP; 

3.º - se existe o vício da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, a que alude a alínea b), n.º 2 do art.410.º do CPP;   e

4.º - assim , não se entendendo, se foi violado o disposto no n.º 1 do art.50.°, do Código Penal, ao não suspender ao ora recorrente a execução da pena de prisão.


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            Primeira questão

Importa antes do mais decidir se a sentença recorrida está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º n.º l alínea c) do Código de Processo Penal, pois, a verificar-se, impõe-se devolver o processo ao Tribunal que elaborou a decisão a fim de suprir a nulidade.

O art.379.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal, estatui que é nula a sentença « Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».  

É fundamental aqui realçar que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”.[1]

É pacífico, também na jurisprudência, que esta nulidade não resulta da omissão de conhecimento de razões, mas sim de questões, conforme resulta , entre outros, dos acórdãos do STJ, de 9-3-2006, proc. n.º 06P461, (in www.stj.pt ), de 11-1-2000 ( BMJ n.º 493, pág. 385) e de 27-4-2011, proc. n.º 20/10.7S5LSB.S1 (in www.stj.pt ).

No caso em apreciação, o recorrente A... sustenta que a decisão recorrida é nula nos termos do disposto no art.379° n° 1 alínea c) do C.P.P., porquanto , e em síntese, tendo sido condenado na pena efetiva de prisão de 18 meses, o Tribunal a quo, pronunciou-se de forma ligeira e vaga sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena, sem a justificação concreta e especifica que lhe é exigível, sendo que a (pouca) justificação que é dada assenta em factos incorretos. O Tribunal a quo limitou-se a referir o seguinte: “Relativamente ao arguido A... o total alheamento do arguido não permite formular qualquer juízo de prognose futura favorável. As supra referidas considerações, induzem o Tribunal a concluir que não estão verificados os pressupostos do art. 50° do Código Penal, uma vez que o arguido não obstante ter uma pena suspensa à data dos factos não se coibiu de praticar tais factos e a sua total ausência neste processo demonstrará que o mesmo é indiferente a qualquer outra pena que não seja a pena de prisão com cumprimento efetivo da mesma. ”

A falta de fundamentação específica acerca dos motivos que levaram à denegação da suspensão da pena de prisão, traduz uma clara omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar.

Vejamos.

O recorrente A... ao dizer que o Tribunal a quo se pronunciou, na sentença recorrida, de forma ligeira e vaga sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena, apontando-lhe como deficiências a falta de a justificação concreta e especifica que é exigível legalmente, assentando ainda em factos incorretos, reconhece que a sentença não padece de omissão de pronúncia. A omissão de pronúncia significa, no essencial, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei impõe que tome posição expressa, ou seja, sobre as questões que os sujeitos processuais lhe submetem e aquelas de que deve conhecer oficiosamente. 

Tendo-se a sentença recorrida se pronunciado sobre a concreta questão da suspensão da execução da pena, afastando a substituição da pena de prisão por esta pena não detentiva, embora possa padecer de falta de fundamentação ou de erro de subsunção, não padece seguramente de omissão de pronúncia.

Assim, não se reconhecendo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art.379.º, n.º1, al. c), do C.P.P., improcede esta questão.


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            Segunda questão

O recorrente A... defende que a decisão recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.410.º do Código de Processo Penal. 

Alega para o efeito, no essencial, que as condições pessoais e económicas do arguido são fatores essenciais para a determinação da pena (art.71° n° 2 al. d) do Código Penal), bem como para a decisão de suspensão ou não de pena de prisão aplicada (art. 50° n° 1 do Código Penal), sendo que, no caso em apreço, nenhuma prova existe acerca delas.

Não tendo o arguido estado presente na audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo deveria ter ordenado a realização de relatório social, de acordo com o previsto nos arts. 369° e 370° do C.P.P.

Ao determinar a medida da pena e a não suspensão da execução da pena de prisão sem ter em conta a situação pessoal e económica do arguido, por não ter averiguado os factos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 71.°, n.º 2 al. d) e 50.° n.º 1, do Código Penal e os artigos 369.º e 370.º do Código de Processo Penal, padecendo a sentença de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Avançamos desde já que o recorrente tem razão.

O atual Código de Processo Penal consagra um sistema mitigado de cisão ( “cesure”) na fase decisória do processo, que se desdobra em duas fases: a da «questão da culpabilidade» ( art.368.º do C.P.P.), em que se fixam os factos relativos ao tipo penal, e a da «questão da determinação da pena» ( art.369.º do C.P.P.), em que se procede a esta operação, se for caso disso.

Resultando da deliberação sobre a culpabilidade ( art.368.º do C.P.P.) que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou medida de segurança, «o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social» (art.369.º, n.º1 do C.P.P) e, sendo necessária a produção de prova suplementar exclusivamente para a determinação da espécie e medida da sanção a aplicar, é reaberta a audiência, nos termos do artigo 371.º (art.369.º, n.º 2, primeiro segmento). Não sendo necessária a produção de prova suplementar ou após a produção de prova nos termos do artigo 371.º, «o tribunal delibera e vota sobre a espécie e determinação da sanção a aplicar»

Nos termos do art.71.º do Código Penal a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção ( n.º1), devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele (n.º2).

As alíneas a), b), c) e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, agrupam os «fatores relativos à execução do facto»; as alíneas d) e f), agrupam os «fatores relativos à personalidade do agente»; e a alínea e), respeita aos «fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto». 

Seguindo a lição do Prof. Figueiredo Dias, nos “Fatores relativos à personalidade do agente” incluem-se: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto. Já os “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto” incluem a conduta anterior ao facto – haverá que ponderar se o ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderão atenuar a pena. Como contrapartida haverá igualmente que ponderar a existência de condenações anteriores, que, como contraponto, poderão servir para agravar a medida da pena – e a conduta posterior ao facto – haverá que ponderar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime, e qual o seu comportamento processual.[2]

Determinada a medida da pena e tendo-se optado pela pena de prisão importa em seguida ponderar a sua substituição, nomeadamente por penas de substituição em sentido próprio , em que tem primacial relevância a suspensão da execução da pena ( art.50.º do Código Penal).
Se o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos, bem mais complexo é seu o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão: que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente ( designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida ( insersão social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime ( ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime ( como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

A prognose exige, pois, a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.[3]

Posto isto, importa agora referir que o art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 
     c) O erro notório na apreciação da prova.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto naquela al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P., existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam determinar uma alteração de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.[4]

O recorrente A... invoca a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a partir do texto da sentença, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e da matéria de facto dada como provada resulta, efetivamente, que nenhum facto foi averiguado em julgamento, sobre a personalidade do arguido e condições da sua vida.

Não tendo o arguido comparecido à audiencia de julgamento, nem tendo sido encontrado, é razoavel concluir que várias circunstâncias, como a motivação que o poderá ter levado agir e outras anteriores ou posteriores ao crime, não fossem apuradas.

Mas tendo estado presente na audiência de julgamento, como co-arguida, a B... , sua companheira, sempre o Tribunal a quo poderia, oficiosamente, procurar obter desta as informações necessárias ao conhecimento, pelo menos, da personalidade do arguido A... e condições da sua vida.

Independentemente da contribuição da co-arguida B... , sempre o Tribunal a quo poderia solicitar relatório social para efeitos do art.370.º do Código de Processo Penal, uma vez que , regra geral, se o arguido não é encontrado ou não quer colaborar, hà informações que podem ser obtidas junto de familiares e vizinhos do arguido.

A averiguação deve ser determinada, mesmo que os resultados não venham a ser os mais relevantes em termos de factualidade apurada.     

Faltando elementos de facto, designadamente, os relativos à personalidade do arguido e condições da sua vida, que permitam determinar com objetividade e justiça a medida concreta da pena e decidir da suspensão ou não da execução da pena de prisão, e resultando do texto da sentença recorrida que ficaram por realizar diligências por parte do tribunal, que poderiam completar ou melhorar a factualidade apurada, é de concluir que a decisão recorrida enferma do vício a que alude a alínea a), n.º2, do art.410.º do C.P.P..

Uma vez que o Tribunal da Relação não dispõe dos elementos necessários para poder superar a lacuna relativa à matéria de facto, impõe-se determinar o reenvio do processo, nos termos do artigos 426.º, n.º1 e  426-A do Código de Processo Penal, limitado à questão concretamente ora identificada.  

Procede, assim, este objeto de recurso.


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            Terceira questão

Para além do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o recorrente A... aponta à sentença o vício da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, a que alude a alínea b), n.º 2 do art.410.º do Código de Processo Penal.

Alega neste sentido que, pese embora o Tribunal a quo tenha dado como provado, e bem, que o arguido tinha averbado no seu registo criminal apenas duas condenações, a saber, uma condenação na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 24.12.2006, de crime p. e p. pelo art.3.º do Decreto-Lei 2/98, de 3.01, e uma condenação na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, pela prática, em 17.03.2009, do mesmo tipo de crime, acaba por referir, na fundamentação da sentença, e como justificação para a denegação da suspensão da pena de prisão, que o arguido “não obstante ter uma pena suspensa à data dos factos não se coibiu de praticar tais factos”.

Vejamos.

Partindo diretamente para a definição do que se deverá entender por “contradição insanável da fundamentação”, a que alude a alínea b), n.º 2 do art.410.º do C.P.P., diremos que ele existirá quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa. Uma proposição não pode ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa.

Como assertivamente esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, existe « contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados[5].

Ocorrerá este vício, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. A oposição entre a fundamentação e a decisão, existirá quando a fundamentação de facto e/ou de direito aponta para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso.

No caso em apreciação existe uma notória contradição entre a factualidade dada como provada e aquela que foi tomada em consideração na subsunção ao direito, pois se foi dado como provado – e bem face ao CRC junto aos autos – que o arguido A... tinha como antecedentes criminais a condenação em duas penas de multa, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, foi ponderada erradamente e com evidente relevo para a recusa da suspensão da execução da pena de prisão, que o arguido A... tinha “ uma pena suspensa à data dos factos” em apreciação neste processo.

Esta oposição entre a fundamentação de facto e de direito, embora insanável, poderia ser superada, sem dificuldades, pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no art.426.º, n.º1 do Código de Processo Penal, mas tendo-se já decidido anteriormente que o processo terá de ser reenviado e que do reenvio resultará a prolação de nova decisão relativamente à determinação da medida da pena e à eventual suspensão ou não de execução da pena, fica prejudicada a superação deste vício por parte do tribunal de recurso. 


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Quarta questão

Por fim, em termos subsidiários, caso se entenda que não se verificam os apontados vícios dirigidos à sentença, defende o recorrente A... que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do art.50.°, do Código Penal, ao não lhe suspender a execução da pena de prisão.

Esta questão mostra-se prejudicada uma vez que foi ordenado o reenvio parcial do processo para novo julgamento, que abarca esta questão.

       Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, nos termos dos artigos 426.º, n.º1 e  426-A do Código de Processo Penal, limitado à questão atrás concretamente identificada (que se prende essencialmente com a averiguação de factos respeitantes aos fatores relativos à personalidade do arguido e sua conduta anterior e posterior aos factos, que permitam efetuar as operações relativas à determinação concreta da pena e eventual aplicação de penas de substituição), proferindo-se, a final, nova sentença.

Sem custas (artigos 513.º e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                        *

Coimbra, 09 de março de 2016

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)

[1]  “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 143.
 
[2]  Cf. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 210 e 245 e seguintes.

[3] Cfr., na doutrina, Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pág. 337 e ss, e Prof. Jescheck, “Tratado de Derecho Penal”, vol. I, Bosch, 1981, págs. 1154 e 1155. 
[4] – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”,  vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.

[5] Cfr. “Código de Processo Penal anotado” ,  2.º Vol.,  2ª ed., pág. 739.