Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85/12.7TBLMG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INSTÂNCIA CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 577.º, AL. F), 580.º, N.ºS 1 E 2 E 581.º DO CPC
Sumário: I. A excepção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e tem por fim, no dizer claro da lei, evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr. art.ºs 577.º, al. f) e 580.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

II. Ocorre necessariamente repetição de uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cf. art.º 581.º).

III. No que respeita à identidade das partes, há muito vem sendo entendido que o que está em causa é a identidade da qualidade jurídica dos intervenientes, que pode não corresponder à identidade física, verificando-se o apontado requisito quando é parte na nova acção quem sucedeu na relação ou posição jurídica da parte primitiva.

IV. Não obsta à identidade do pedido a formulação de pedido complementar quantitativamente diverso do formulado na acção precedente.

V. Não existe identidade de causa de pedir, obstando à procedência da excepção dilatória do caso julgado, se na acção originária o autor pediu o reconhecimento do seu direito de propriedade alegando para tanto a prática, por si e antepossuidores, de actos de posse pública, pacífica e de boa-fé conducente à aquisição originária por usucapião, e na acção subsequente formula idêntica pretensão, mas mediante a invocação da presunção registral decorrente da inscrição definitiva a seu favor do aludido direito.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório

A... , casado, residente na Rua (...) , em Santa Iria da Azóia, instaurou acção declarativa que disse ser de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, contra:

B... e marido, C... ;

D... e marido, E... ;

F... e marido, G... ;

H... e marido, I... ;

J... e marido, L... ;

M... e mulher, N... ;

O... e marido, P... ;

Q... ;

R... ; e

S... ; pedindo a final:

a) fosse declarado que o autor é, em exclusivo, dono e legítimo proprietário e também possuidor do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial [misto composto de terra de cultura e pinhal, com a área de 11 200 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 6668 e casa de habitação de dois pisos, com a SC de 120 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 818, sito no Alto da Costa, freguesia de (...) , concelho de (...) , a confrontar do todo do lado norte com CC... , do sul com caminho, de nascente com K... e do poente com W... , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1109/2010/05/27 e aí inscrito a seu favor pela inscrição Ap. 3451 de 2010/05/27], nele se incluindo a parcela de terreno composta por cinco mil metros de logradouro e trinta e nove metros de superfície coberta da casa de arrumações nela implantada e que os Réus e sua falecida mãe participaram à matriz como prédio urbano e autónomo, aí inscrito sob o artigo 1090 urbano de (...) , do concelho de (...) ;

b) fossem os RR condenados a reconhecerem os direitos do Autor sobre o prédio identificado em a) e, consequentemente, a absterem-se de praticar sobre o mesmo quaisquer actos de turbação desses seus direitos;

c) fosse ordenado o cancelamento do registo efectuado pela mãe dos Réus, X... e a seu favor na Conservatória do Registo Predial de (...) , do citado prédio inscrito sob ao art.º 1090, por ser nulo e de nenhuns efeitos, já que o prédio não tem existência autónoma do descrito no artigo 1.º da petição inicial, e também não tem existência física;

d) fossem os RR ainda condenados no pagamento ao A. da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença por danos emergentes e por lucros cessantes face à impossibilidade de uso do prédio e que, no mínimo, ascenderão a 25.000,00;

Para tanto alegou, em síntese ser dono e possuidor do prédio misto composto de terra de cultura e pinhal, com a área de 11 200 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 6668.º, e casa de habitação de dois pisos, com a SC de 120 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 818.º, sito no Alto da Costa, freguesia de (...) , concelho de (...) , a confrontar do todo do lado norte com CC... , do sul com caminho, de nascente com K... e do poente com W... , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1109/2010/05/27 e aí inscrito a seu favor pela inscrição Ap. 3451 de 2010/05/27, por lhe ter sido adjudicado na partilha a que se procedeu na sequência do divórcio que dissolveu o casamento celebrado com sua primeira mulher, Z... .

Tal prédio encontra-se inscrito a seu favor, pelo que goza da presunção legal que daí decorre.

Mais alegou que, por si e ante possuidores, vem usando e fruindo o aludido prédio, recolhendo centeio, castanhas, mato, lenha e caruma, nele tendo edificado uma casa de habitação, que vem reparando e melhorando, actos que se verificam desde há mais de 30 e 40 anos, de forma pública, pacífica e de boa-fé, de modo que sempre tal direito de propriedade teria sido adquirido por usucapião, que expressamente invocou.

Sucede que cerca dos meses de Agosto/Setembro de 2003, a mãe dos RR, entretanto falecida, de nome X... , e a ré D... , mandaram lavrar parte do prédio acima identificado, tendo-se posteriormente dirigido ao mesmo para recolher castanhas. Aproveitando-se ainda do facto do autor se encontrar ausente em Loures, começaram a frequentar parte do prédio, nomeadamente para continuarem a recolher as castanhas dos castanheiros ali implantados.

Tomou o autor conhecimento, em precedentes acções que correram termos no mesmo Tribunal Judicial de Lamego, que a referida X... , conjuntamente com os aqui demandados, na qualidade de herdeiros de V... , falecido a 20 de Junho de 1987, procederam à partilha, por meio de escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Armamar em 4 de Junho de 2002, de parte dos bens que constituíam a herança do falecido, tendo relacionado como tal o prédio urbano, composto por casa de arrumações com dois pavimentos, sito no lugar da Costa, com a superfície coberta de 39 m2 e logradouro com 5000 m2, a confrontar do norte com o autor, A... , do sul com caminho público e do nascente e poente com K... -verba n.º 3 do documento complementar-, o qual viria a ser adjudicado à viúva.

Tal prédio foi depois participado no Serviço de Finanças de (...) como se de um prédio novo se tratasse, sob a alegação de que há muito se encontrava omisso, tendo ficado inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) do concelho de (...) sob o artigo 1090, logrando a referida X... , munida da escritura de partilha, descrevê-lo na CRPredial, correspondendo-lhe a descrição n.º 314/031002, e obter registo a seu favor, sendo título aquisitivo a partilha extrajudicial a que se procedeu por óbito do cônjuge marido, com quem fora casada sob o regime da comunhão geral de bens.

O prédio assim descrito não tem, nem nunca teve, existência autónoma, fazendo parte integrante do prédio adquirido pelo autor, conforme a X... reconheceu na acção que correu termos pela 1.ª secção do mesmo Tribunal sob o n.º 47/77, a qual findou mediante sentença homologatória do acordo das partes.

A conduta dos RR viola o direito de propriedade do autor sobre o prédio reivindicado, devendo pois ser proferida decisão que aqueles condene no reconhecimento de tal direito e a absterem-se da prática de actos que o possam turbar ou perturbar, e isto porque o mesmo resulta “presumido a favor do autor e de igual presunção não beneficiam os RR, quer por o não haverem registado em seu nome, quer porque, atento o valor de caso julgado formal  formado no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 934/03.0 TBLMG, acção na qual os RR não lograram fazer prova da posse sobre o mencionado prédio, o registo a favor daquela X... do prédio inscrito na matriz sob o art.º 1090 é nulo e de nenhum efeito”.

Alegou finalmente que, em razão da descrita conduta dos RR, tem sido privado do bom uso e fruição do prédio que lhe pertence, do que resultam prejuízos que ainda não é possível contabilizar em toda a sua extensão, relegando o seu apuramento para liquidação posterior, mas que nunca serão inferiores a €25 000,00.

*

Citados os RR, defenderam-se por excepção, invocando o caso julgado formado na acção que correu termos entre as mesmas partes sob o art.º 934/03.0 TBLMG, na qual era idêntico o pedido formulado pelo autor e que culminou com a prolação de sentença absolutória, depois confirmada pelo V. Tribunal da Relação do Porto, tendo transitado em julgado.

Respondeu o autor, defendendo serem diversas as partes e também a causa de pedir numa e noutra acções. Mais alegou que na referida acção n.º 934/03.0 TBLMG não foi decidida a questão da propriedade do prédio. Daí que, em seu entender, nada obste a que faça valer nos autos o pedido atinente ao reconhecimento do seu direito de propriedade, sem beliscar o caso julgado.

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Teve lugar audiência preliminar e nela a Mm.ª juiz, conhecendo da excepção, julgou-a procedente, absolvendo em consequência os RR da instância.

Inconformado, apelou o autor e, tendo exposto nas alegações os fundamentos da sua discordância com o decidido, intentou sintetizá-los nas seguintes proposições conclusivas:

“1.ª A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não procedeu a uma decisão justa e legal no processo em epígrafe, ao proferir o Saneador-sentença recorrido na parte em que julgou procedente a exceção de caso julgado e decretou a absolvição da instância dos Réus.

2.ª Aceita o Autor ter intentado uma ação judicial que correu termos no mesmo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, ação esta que decorreu sob o nº 934/03.0TBLMG, na qual o Autor pugnava pelo reconhecimento do direito de propriedade sobre o mesmo prédio que se discute na ação que serve de pano de fundo a este recurso.

3.ª Sucede que, apesar da similitude, tal não é por si só suficiente para que o Tribunal a quo decida, sem mais, pela verificação do caso julgado e assim absolva os Réus do pedido.

4.ª Pois que, para que o Tribunal considerasse existir caso julgado, torna-se imposição que se verifique uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o que entende o recorrente que não se verifica.

5.ª Desde logo não há identidade de sujeitos pois que, como facilmente se denota, uma das Rés da referida ação já faleceu, não figurando na presente ação, tendo necessariamente de improceder a exceção de caso julgado invocada pelos Réus.

6.ª Também ao contrário do decidido, quer no processo n.º 934/03.0TBLMG, quer nos autos em apreço, não há identidade de pedidos.

7.ª Na presente ação o que se pretende é o reconhecimento do direito de propriedade do Autor sobre o imóvel objecto de litígio com base no direito tutelado pelo registo, e nessa sequência que se ordenasse o registo efetuado pela mãe dos Réus em virtude de o referido prédio que registou abusivamente não ter existência autónoma.

8.ª Destarte, na outra ação o pedido assentou na invocação da usucapião, existindo assim pedidos diferentes e igualmente a causa de pedir é distinta.

9.ª Falhando assim também o requisito da identidade dos pedidos no qual a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido assentou a sua decisão.

10.ª Sem prescindir, por fim, e aqui de forma clara e inequívoca, resulta a olha nu que em ambos os processos não há identidade de causa de pedir, quanto ao facto jurídico em que o Autor se estriba para formular a sua pretensão.

11.ª A causa de pedir numa e outra ações são diferentes, desde logo pela diferença dos títulos nos quais o Autor/recorrente assentou a sua pretensão naquela ação e assenta nesta agora.

12. ª A primeira decisão foi assente na alegação e na prova por parte do Autor do direito sobre o prédio assente na posse, uma vez que tentou demonstrar o direito que lhe assiste pela prova dos pressupostos da usucapião – aquisição originária -.

13.ª Sendo que agora assenta a sua causa de pedir no título de registo que tem sobre o prédio em causa – aquisição derivada -.

14.ª Devendo assim considerar-se que a causa de pedir é nova, não tendo naquela ação sido conhecido o seu objecto, nem foram conhecidos enquanto “provados” ou “não provados”, os factos que ora subjazem ao pedido do recorrente, nem, a partir deles, operada ou tentada operar a subsunção jurídica em ordem à verificação e decisão sobre se, com base neles, efetivamente existia, na titularidade do Autor o pretenso direito de propriedade.

15.ª A primeira sentença não conheceu da pretensão do Autor à luz do título assente no registo ora apresentado e do qual resulta a presunção legal de ser dono e proprietário do prédio em causa, existindo assim dois fundamentos distintos para análise, um com base na usucapião defendido na primeira ação e outro derivante do registo alegado na ação ora em crise.

16.ª Assim, o Tribunal a quo apenas poderia decidir pela verificação do caso julgado caso em ambas as ações o Autor usasse o mesmo fundamento como causa de pedir em abono da sua pretensão, o que não sucedeu.

17.ª Assim, ao contrário do decidido na decisão recorrida não se verifica a exceção de caso julgado nos presentes autos, note-se desde logo que como também resulta do confronto de ambas as ações, e nomeadamente para a invocada pelos Réus, a mesma findou sem que se conhecesse do respetivo mérito, nomeadamente quem era possuidor/proprietário do prédio em causa.

18.ª E por isso, se efetivamente a figura do caso julgado existe para evitar uma decisão inútil e em respeito pelo princípio da economia processual, o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido, tal já não se impõe se na ação julgada em primeiro lugar não se decidiu do mérito da causa e assim não aferiu das pretensões dos sujeitos processuais.

19.ª Além do que, frise-se, as referidas ações, em relação às quais o caso julgado se discute, são assentes em duas causas de pedir completamente distintas e antagónicas entre si.

20.ª Não tendo o Autor, em função da referida ação, uma decisão de mérito sobre a sua pretensão, não se poderia considerar esgotado o thema decidendum, e por isso não poderia o Tribunal considerar procedente a exceção do caso julgado, como fez.

21.ª Ademais, pela simples leitura da Petição Inicial se verifica que o Autor fundamenta o seu pedido de condenação dos Réus em indemnização por impossibilidade do uso do prédio em factos presentes e não passados, isto é, por factos novos e ocorridos em data posterior à prolação da sentença da 1ª acção interposta.

22.ª E, sendo que, na 1.ª das acções, fruto da improcedência declarada dos anteriores pedidos, o pedido de indemnização então formulado nem sequer foi objecto de qualquer pronúncia.

23.ª O que significa que, neste pedido, é ainda mais evidente o erro de apreciação e subsunção do direito aos factos constante da Decisão de que se recorre.

24.ª Mais: a decisão recorrida configura ainda uma decisão injusta na medida em que, como se denota do despacho recorrido, a Meritíssima Juiz fez soçobrar a pretensão do Autor – pela procedência do caso julgado – mantendo incólume a decisão da pretensão do pedido reconvencional apresentado pelos Réus, pedido este que surge na dependência do pedido formulado pelo Autor.

25.ª E por isso entende o recorrente que existe erro na decisão recorrida, pois que, como se esgrimiu neste articulado, não se verifica a exceção do caso julgado na comparação entre a presente ação e aquela invocada pelos Réus, o que se espera ver reconhecido nesta sede.

26.ª E por todos os fundamentos supra elencados, temos que a decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, não convenceu o recorrente, sendo uma decisão errada por violação, entre outros, do disposto nos art.ºs 595.º, 577.º alínea i) do CPC, sendo assim uma decisão errada e desconforme à jurisprudência dominante nos nossos Tribunais, esperando ter a douta retificação de V.ªs Ex.ªs nos termos supra sugeridos”.

Com os referidos fundamentos requer a revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos no que se refere à pretensão por si formulada.

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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal é indagar da verificação da excepção dilatória do caso julgado.

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II Fundamentação

Para além dos factos relatados em I), importam ainda à decisão da questão enunciada os seguintes, os quais resultam dos documentos juntos:

1. O Autor A... instaurou acção, que denominou “de reivindicação, declarativa de condenação, com processo comum sob a forma sumária”, contra:

- X... , que também usa e é conhecida por XX... , viúva;

- B... e marido, C... ;

- D... e marido, E... ;

- F... e marido, G... ;

- H... e marido, I... ;

- J... e marido, L... ;

- M... e mulher, N... ;

- O... e marido, P... ;

- Q... ;

- R... ; e

- S... ; tendo pedido a final:

a) fosse declarado que o autor é, em exclusivo, dono e legítimo proprietário do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial [rústico, composto de cultura e pinhal, sito no Anto a Costa, freguesia da (...) , concelho de (...) , com a área de 11 200 m2, a confrontar do norte com CC... , de nascente com K... , sul com caminho e do poente com W... , inscrito na respectiva matriz da referida freguesia sob o artigo 6688 e omisso na Conservatória do Registo Predial], nele se incluindo a parcela de terreno composta por 5000 m2 de logradouro e 39 m2 de superfície coberta da casa de arrumações nela implantada e que os RR participaram à matriz como urbana e autónoma;

b) fosse declarado que a posse sobre a aludida parcela, a que os RR chamaram de urbano e fizeram inscrever na matriz respectiva, onde se encontra inscrito sob o artigo 1090, que vêm exercendo desde finais de Agosto/inícios de Setembro de 2003, é insubsistente e de má-fé;

c) fossem os RR condenados a reconhecerem o direito do autor sobre o prédio identificado em a) e a restituírem-no a sua posse;

d) fosse ordenado o cancelamento do registo efectuado pela primeira ré a seu favor na CRP de (...) ;

e) fossem os RR condenados a pagar ao autor a quantia de €55000,00, sendo € 5 000,00 para reparação de danos emergentes e o restante a título de indemnização por lucros cessantes.

2. Na referida acção, distribuída em 27/11/2003 ao então 2.º Juízo do TJ da comarca de Lamego, tendo-lhe sido atribuído o n.º 934/03.0 TBLMG, alegou, em síntese:

- ser dono do aludido prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 6688, omisso na Conservatória do Registo Predial, por o ter adquirido a T... e mulher, U... , mediante negócio de compra formalizado em escritura pública outorgada no dia 21 de Março de 2003;

- ocorre, porém, que há muito estava na posse do mesmo prédio, por o ter adquirido verbalmente, junto com sua ex-mulher, Z... , aos restantes interessados na herança aberta por óbito dos seus pais[1];

- o mesmo prédio foi transmitido no ano de 1981 ao referido T... , a título de dação em pagamento de uma dívida por si (autor) assumida e, paga a dívida, readquiriu-o àquele;

- deste modo, por si e antecessores, desde há mais de 20, 30, 40 e até 70 anos que vem fruindo o prédio como coisa sua, dele recolhendo lenha, mato e castanhas, pagando os impostos respectivos, actos de posse pública, pacífica e de boa-fé, conducente à aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo por usucapião, que expressamente invoca;

- em finais de Agosto/inícios de Setembro do ano de 2003, a ré X... , juntamente com sua filha D... , mandaram lavrar parte do prédio, tendo-se dirigido posteriormente ao mesmo para ali recolherem as castanhas, como se dele fossem donas;

- nos dias seguintes, aproveitando-se da ausência do autor em Loures, passaram a frequentar aquela parte do prédio, nomeadamente para ali colherem as castanhas que brotavam dos castanheiros nele implantados, com tudo tentando apropriar-se de uma parcela do prédio, intenção igualmente revelada na acção que instauraram contra o referido T... visando impugnar a escritura mediante a qual aquele justificou a seu favor o direito de propriedade sobre o mencionado prédio e que corre termos pelo 2.º juízo do TJ de Lamego sob o n.º 533/03.7 TBLMG;

- tomou então conhecimento, através da referida acção, que os RR, na qualidade de únicos e exclusivos herdeiros de V... , marido da 1.ª ré X... e falecido a 20 de Junho de 1987, procederam à partilha extra judicial dos bens que pertenceram ao dissolvido casal mediante escritura pública outorgada no dia 4 de Junho de 2002, no Cartório Notarial de Armamar, ali tendo relacionado como prédio pertença da herança o urbano composto por casa de arrumações com dois pavimentos, sito no lugar da Costa, com a superfície coberta de 39 m2 e logradouro com 5 000 m2, a confrontar do norte com A... , do sul com caminho público, do nascente e poente com K... , que veio a ser adjudicado ao cônjuge sobrevivo;

- posteriormente, a ré adjudicatária procedeu ao registo do prédio, dando origem à descrição n.º 00314/03102002, fazendo inscrever a seu favor o direito de propriedade respectivo, sendo título aquisitivo a partilha extrajudicial;

- o prédio assim identificado veio finalmente a ser participado no Serviço de Finanças competente, encontrando-se actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia da (...) do concelho de (...) sob o art.º 1090;

- tal prédio não existe, nem nunca existiu, como prédio autónomo, correspondendo a reprodução e duplicação de parte do prédio inscrito na matriz sob o art.º 6688, conforme todos os RR bem sabiam, em tudo tendo actuado de má-fé;

- correu termos pela então 1.ª secção do mesmo TJ de Lamego sob o n.º 47/1977, acção declarativa de reivindicação, a qual terminou por acordo, nos termos do qual a 1.ª ré e seu falecido marido expressamente reconheceram o direito exclusivo de propriedade do autor e de sua ex-mulher sobre o prédio em causa, transacção homologada por sentença transitada em julgado, donde serem manifestos o abuso e a má-fé dos demandados;

- a descrita actuação dos RR tem inviabilizado o bom uso e fruição do prédio, do que decorreram para si diversos prejuízos, quer na modalidade de danos emergentes, quer na de lucros cessantes, cujo ressarcimento reclama.

3. Tendo os RR contestado a dita acção, teve lugar audiência de discussão e julgamento, vindo a final a ser proferida douta sentença, transitada em julgado, que decretou a improcedência da mesma, com absolvição dos RR do pedido.

4. Na aludida acção foram dados como assentes os seguintes factos:

i. A aquisição por partilha extrajudicial por morte de V... , do direito real de propriedade sobre o prédio urbano constituído por casa de arrumações de 2 pavimentos, com a superfície coberta de 39 m2 e logradouro de 5 000 m2, sito na Costa, (...) , (...) , que confronta do nascente com K... , do poente com K... , do norte com A... e do sul com cainho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00314031002, omisso na matriz, encontra-se inscrita desde 03.10.2002 a favor de X... ou XX... .

ii. Encontra-se inscrito na matriz predial da Repartição de Finanças de (...) sob o artigo 6688 o prédio composto de terra de cultura e pinhal, sito no Alto da Costa, freguesia de (...) , concelho de (...) , com a área de 11 200 m2, a confrontar do norte com CC... , nascente com K... , do sul com caminho e do poente com W... , omisso na conservatória, constando como titular do respectivo rendimento A... ;

iii. X... ; B... e marido, C... ; D... (por si e na qualidade de procuradora de F... e marido, G... ) e marido, E... ; H... e marido, I... ; J... e marido, L... ; M... (por si e na qualidade de procurador de Q... ) e mulher, N... ; O... e marido, P... ; Q... ; R... ; e S... , declararam, por escritura pública outorgada no dia 4 de Junho de 2002, serem os únicos interessados na partilha dos bens que pertenceram ao dissolvido casal de X... e V... , falecido este no dia 20 de Junho de 1987, no estado de casado em primeiras e únicas núpcias, sob o regime da comunhão geral de bens, com X... , e estarem todos de acordo em efectuar a partilha de parte dos bens da herança, tendo as tornas sido pagas durante as negociações que conduziram ao aludido acordo, por força do que à primeira outorgante, a referida X... foi adjudicado, além do mais, o prédio urbano composto de casa d arrumações com dois pavimentos, sito no lugar da Costa, com a superfície coberta de 39 m2, a confrontar do norte com A... , sul caminho público, do nascente e poente com K... , omisso na matriz e na Conservatória do registo predial de (...) , com o valor atribuído de €49,48, tudo conforme consta da aludida escritura;

iv. Correu termos neste Tribunal Judicial de Lamego acção com processo sumário sob o n.º 47/77, em que eram AA A... e mulher, Z... , e RR V... e mulher, X... , no âmbito da qual aqueles pediam que se reconhecesse que eram os donos de um prédio com a área de 10 000 m2, de terra e mato, sito no lugar do Alto da Forca, freguesia de (...) , a confrontar do norte com a gleba 109, do sul com caminho, do nascente com a gleba 114 e do poente com a gleba 112, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 9848, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o n.º 44640, e fossem os RR condenados a desocupar tal prédio, sendo que aos 16.12.1977 foi proferida sentença homologatória que condenou os RR a desocupar imediatamente a parcela de terreno objecto da acção, mais homologando as declarações por estes proferidas de que renunciavam a quaisquer direitos sobre a referida parcela, tudo como flui do teor da certidão extraída daqueles autos.

v. T... e U... , por um lado, e A... , por outro, declararam em escritura pública outorgada no dia 21.03.2003, aqueles que o primeiro é dono, com exclusão d outrem, de determinados prédios, entre os quais o rústico de cultura e pinhal, sito no lugar de Alto da Costa, com a área de 11200 m2, que confronta do norte com CC... , do sul com caminho, do nascente com K... e do poente com W... , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6688, omisso na Conservatória do registo Predial, prédio esse que veio á sua posse no estado de divorciado, por compra verbal que fez a AA... e mulher, BB... , no mês de Agosto de 1981, data a partir da qual ininterrupta e ostensivamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convencido que lhe assiste tal direito e de que não lesa direito de outrem, em face do que adquiriu tal prédio por usucapião, não tendo todavia documento que lhe permitam fazer prova do seu direito de propriedade perfeita para fins de registo predial, mais declarando, aquele primeiro, que vende ao segundo, pelo preço de €11200,00 já recebido, os descritos prédios, tudo conforme consta da aludida escritura.

vi. Correu termos no 2.º juízo deste tribunal a acção com processo sumário com o n.º 533/03.7 TBLMG, entrada na secretaria Judicial em 12 de Junho de 2003, em que figurava como autora X... e como RR T... e U... , no âmbito da qual pedia que se declarasse nulo e de nenhum efeito o facto justificado na escritura referida em v., por referência ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 6688 da freguesia de (...) , alegando que as declarações ali prestadas são falsas e que parte do aludido prédio havia já sido adquirido por usucapião pelo seu marido V... , entretanto falecido, sendo que por sentença homologatória proferida em 28 de Abril de 2005, foram as partes condenada e absolvidas nos precisos termos do acordo que formaram, no qual assentaram que o direito de propriedade sobre o aludido prédio seria discutido no âmbito da presente acção, mais tendo sido acordado que a escritura que era objecto de impugnação se considerasse nula e sem qualquer efeito, face ao desfecho que também havia sido conferido à acção que correu termos no 1.º juízo sob o n.º 487/03.0 TBLMG, tudo conforme consta da certidão extraída daqueles autos.

vii. AA... faleceu aos 23 de Março de 1968, no estado de casado com BB... tendo esta falecido aos 9 de Setembro de 1976, no estado de viúva daquele.

viii. O prédio descrito em 2., tal como se encontra inscrito na matriz, engloba a área de terreno integrada pelo prédio referido em 1) e na qual este se edifica.

ix. O autor prometeu vender parte do prédio referido em 2. tendo, posteriormente, desfeito o negócio, devolvendo o sinal.

5. À luz da factualidade descrita no ponto anterior, e tendo a acção sido qualificada como de reivindicação, ponderou-se na sentença não beneficiar o autor de qualquer presunção registral e ainda que não lograra provar a prática de quaisquer actos de posse em relação ao prédio reivindicado, o que conduziu a um julgamento de improcedência, com a consequente absolvição dos RR dos pedidos formulados.

6. A aludida sentença, proferida no dia 23 de Fevereiro de 2010, transitou em julgado.

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De Direito

Da repetição da causa

A excepção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e tem por fim, no dizer claro da lei, evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior -cfr. art.ºs 577.º, al. f) e 580.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

A razão da força e autoridade do caso julgado, conforme ensinava já o Prof. Alberto dos Reis[2] é a necessidade da certeza do direito, da segurança das relações jurídicas. E é essa necessidade de segurança que faz admitir o princípio da irrevogabilidade do caso julgado. A sentença, uma vez passada em julgado, define de modo irrefragável a relação jurídica sobre que recaiu.

Com o caso julgado visa-se, portanto, evitar a repetição de uma causa, do que decorre a importância de se recortar com nitidez o conceito de repetição.

Diz-nos o art.º 581.º que se repete a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cf. n.º 1 do preceito), sendo que, para este efeito, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; existe identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; finalmente, verifica-se identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, sendo que nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, conforme expressam os n.ºs 2, 3 e 4 do preceito que vimos analisando.

A presente acção perfila-se, em nosso entender, como uma acção de apreciação positiva, e não exactamente como uma típica acção de reivindicação, que pressupõe, para lá do pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a coisa, ainda a formulação da pretensão restitutória -cfr. art.º 1311.º do CC-  que neste caso foi omitida.

De todo o modo, considerou a Mm.ª juíza que a acção era uma repetição daquela que correra termos pelo mesmo Tribunal sob o n.º 934/03.0 TBLMG, tendo, em conformidade, julgado procedente a excepção do caso julgado; o A., como vimos, pugnam pela revogação da decisão, defendendo que estamos perante diversidade de partes, de pedido e de causa de pedir, o que obsta à verificação da aludida excepção.

Antes de mais, cumpre precisar que, contrariamente ao que o apelante defende nas suas alegações, não é correcta a afirmação de que a sentença proferida na acção precedente não decidiu de mérito pois a verdade é que decidiu, denegando a providência que aí requerera. E tendo transitado em julgado, formou-se caso julgado material -cfr. art.º 619.º n.º 1 do CPC- importando à decisão agora a proferir em sede de recurso a sua função negativa, ou seja, o seu funcionamento como excepção dilatória, enquanto obstativa de nova apreciação de mérito.

Importa ainda ter presente que, conforme vem sendo comummente entendido, a força do caso julgado material abrange, para além das questões decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão desse comando decisório[3].

Vejamos, pois, se estão reunidos os requisitos legais de verificação da apontada excepção.

No que respeita à identidade das partes, há muito vem sendo entendido que o que está em causa é a identidade da qualidade jurídica dos intervenientes, que pode não corresponder à identidade física. Assim, e como exemplos por excelência de situações em que se verifica identidade jurídica, ainda que desacompanhada de identidade física, temos os casos de sucessão em determinada relação ou posição jurídica, por morte da parte primitiva, conforme ocorreu no caso em apreço, ou mediante celebração de negócio transmissivo.

No caso dos autos, conforme o recorrente reconhece, a única diferença entre os originariamente demandados e os RR nesta acção é a ausência da ré X... , entretanto falecida, sendo certo que os restantes são daquela os únicos herdeiros, resultando verificado, de modo claro, o requisito da identidade jurídica das partes.

No que se refere à identidade do pedido, a despeito da diversidade, essencialmente quantitativa, do pedido complementar de indemnização formulado, que temos por irrelevante[4], está a mesma presente. Com efeito, a procedência deste pedido complementar depende naturalmente da procedência do primeiro, não iludindo o caso julgado a mera circunstância de se aumentar ou diminuir este último, acrescentando ou retirando alguns factos fundamentadores, pois o efeito jurídico pretendido ou providência jurisdicional requerida pelo autor é, sem dúvida, a mesma: reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que identifica e a condenação dos RR a absterem-se da prática de actos que o perturbem, mais tendo peticionado em ambas as acções a destruição do registo existente sobre parte do mesmo prédio que favorece a falecida mãe dos RR, X... .

Debrucemo-nos finalmente sobre a causa de pedir.

Verifica-se identidade da causa de pedir quando a pretensão formulada numa e noutra acções emergem do mesmo facto jurídico.

Nas acções reais, conforme resulta expressamente do citado artigo 581.º, a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge o direito real. No entanto, não quer a lei referir-se à categoria legal invocada ou facto abstracto configurado na norma jurídica, importando antes os factos concretizadores da previsão legal, os factos da vida aos quais, uma vez demonstrados, será reconhecida força jurídica para desencadear o efeito pretendido pelo autor.

Nas acções de reivindicação o autor há-de alegar factos concretizadores de uma aquisição originária ou, caso invoque um facto meramente translativo, próprio da aquisição derivada, torna-se necessário provar que o direito já existia no transmitente, formando uma cadeia ininterrupta que acaba por conduzir à aquisição originária do direito. E tal exigência é válida ainda nos casos em que se limita a pedir o reconhecimento do direito de propriedade – acção de simples apreciação positiva.

Sendo difícil a prova da aquisição originária nos termos precedentemente expostos, o reivindicante vê a sua tarefa facilitada pela consagração de um conjunto de presunções legais, importando ao caso a derivada da inscrição registral a seu favor, que dispensa o titular de provar a aquisição originária e, bem assim, a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores àquela que conseguiu fazer inscrever, já que deriva do registo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito - presunção legal relativa ou juris tantum - (cf. art.ºs 5.º, n.º 1 e 7.º do CRPredial)[5].

No caso vertente, na acção que correu termos sob o n.º 934/03.0 TBLMG, a par da aquisição derivada decorrente da realização de negócio de compra e venda alegadamente celebrado com o justificante T... , invocou o autor a seu favor a aquisição originária por usucapião, tendo para tanto alegado a prática, por si e antepossuidores, de actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade -colher lenha, mato e castanhas, pagar os impostos devidos- os quais perduraram por décadas, de modo que disse ser público, pacífico e de boa-fé.

Factualidade em tudo idêntica foi invocada também nesta acção, na qual foi igualmente convocada, de forma expressa, a aquisição originária por usucapião (cfr. art.º 5.º do articulado inicial).

Todavia, como decorre do que vem de se expor, quanto a esta causa de pedir, a sentença proferida na acção anterior, que a apreciou e desatendeu, formou caso julgado material, impondo-se naquele processo e fora dele, conforme expressa o já citado n.º 1 do art.º 619.º do CPC, de modo que não mais pode ser objecto de decisão de mérito, procedendo, quanto a ela, a excepção do caso julgado, tal como se considerou na decisão recorrida.

Não obstante, e conforme resulta do relato feito em I), o autor invocou ainda em suporte do pedido formulado uma aquisição derivada -adjudicação em inventário que correu termos na sequência do divórcio que dissolveu o casamento celebrado com Z... , sua primeira mulher- em razão da qual logrou inscrever definitivamente a seu favor o direito de propriedade sobre o mesmo prédio, fundamento ou causa de pedir que não alegara naquela outra acção. E quem tem a seu favor uma presunção legal está dispensado de provar o facto a que ela conduz, consoante dispõe o n.º 1 do art.º 350.º do CC, tornando tal presunção irrelevante, se não ilidida nem afastada por presunção prevalecente, a falta de prova dos actos de posse conducentes à aquisição originária.

É óbvio que a posição assim sustentada pelo apelante apenas na presunção registral é muito vulnerável, não só no confronto com a inscrição registral em favor da antecessora dos RR, a entretanto falecida X... (ainda que também aqui uma primeira inscrição, sendo título aquisitivo a partilha extrajudicial da herança aberta por óbito de seu falecido marido e pai dos ora demandados), mas ainda e sobretudo face à invocação pelos apelados, em sede de reconvenção, da aquisição originária por usucapião, contexto em que, no entanto, hão-de ser considerados os termos da transacção que teve lugar no processo 47/77[6], homologada por sentença, também ela há muito transitada em julgado. Não obstante, prevalecendo tal presunção, é ela suficiente para sustentar o efeito jurídico pretendido pelo autor, a saber, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio descrito.

Deste modo, encontrando-se tal causa de pedir subtraída ao efeito do caso julgado que se formou na acção 934/03.0, não pode subsistir a decretada absolvição dos RR da instância, sem embargo, repete-se, de já não poder ser discutida no âmbito dos presentes autos a aquisição originária assente em actos de posse conducentes à usucapião, em relação à qual se verifica a aludida excepção.

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III Decisão

Em face do exposto, e na procedência parcial do recurso, acordam os juízes da 1.ª secção cível em revogar a decisão proferida, determinando o prosseguimento dos autos também para apreciação da pretensão formulada pelo autor tendo em conta a invocação, como causa de pedir, da aquisição derivada e inscrição registral do direito a seu favor, mantendo-se na parte em que julgou verificada a excepção do caso julgado no que respeita à invocação da usucapião.

As custas do recurso ficam a cargo de apelante e apelados, na proporção de metade para cada.

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Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Incorre aqui o autor em erro, uma vez que, ao que resulta dos documentos juntos, nomeadamente da escritura de habilitação lavrada no Cartório Notarial de Lamego no dia 7 de Abril de 1977, o falecido Agostinho Monteiro era pai da sua ex-mulher, Z... .
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. III, págs. 91 e seguintes, maxime pág. 94.
[3] Do acórdão da relação de Lx de 25/2/2014, processo n.º 147/11.8 TVLSB e, no mesmo sentido, a título meramente exemplificativo, desta Relação de Coimbra de 28/9/2010, processo n.º 138/08.6 TBCTB.C1.

[4] Cf., em sentido idêntico, acórdãos do STJ de 15 de Março de 2001, na CJ tomo 1.º, pág. 168 e, mais recentemente, de 2 de Novembro de 2006 (processo n.º 06B3027), acessível em www.dgsi.pt, ainda que proferido a propósito da litispendência, de que se destaca o seguinte ponto do sumário “II - Para haver identidade de pedido como pressuposto da litispendência, tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do prescrito no art. 498.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das acções”.

[5] Conforme decidiu o STJ em aresto de 14/1/2003, processo n.º 02 A 4122, para a procedência da acção de reivindicação, basta aos AA invocar, a seu favor, a presunção legal que resulta do registo definitivo da coisa em seu nome.
[6] No âmbito desta acção o autor alegou e fez prova de que o prédio, ao tempo inscrito na matriz sob o artigo 9848, encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 44640 e aí definitivamente inscrito a favor de Agostinho Monteiro, pai da ex-mulher, não se compreendendo a razão pela qual foi indicado como omisso na Conservatória na acção 934/03.0 TBLMG, tendo agora sido aberta nova descrição na sequência da partilha no inventário para separação de meações, facto que concerteza valerá a pena apurar.