Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE FRANÇA | ||
Descritores: | SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO INJUNÇÃO CUMPRIMENTO ACUSAÇÃO JULGAMENTO EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO DA INSTÂNCIA PENAL | ||
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Data do Acordão: | 09/13/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J2) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 281.º, 282.º E 383.º, N.º 4, DO CPP | ||
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Sumário: | I – Antes de proferir acusação e, assim, introduzir o processo na fase de julgamento, o Ministério Público deve diligenciar cabalmente no sentido de determinar se as injunções condicionantes da suspensão provisória do processo foram (in)cumpridas. II – Se, não obstante estarem cumpridas as injunções, o Ministério Público deduziu acusação, na fase de julgamento, esse cumprimento, consubstanciador de uma excepção dilatória inominada, determina a absolvição do arguido da instância penal. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Na Secção Criminal, da Instância Local de Coimbra, Comarca de Coimbra, no Processo Abreviado que aí correu termos sob o nº 81/14.0GTCBR, ainda na fase de inquérito - após ter entendido resultar suficientemente indiciada a prática pelo arguido de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal - considerou o Ministério Público, mostrarem-se verificados os pressupostos enunciados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 281.º do CPP, propondo, assim, a suspensão provisória do processo mediante a imposição de injunções, entre as quais a inibição do arguido «de conduzir veículos com motor pelo período de três meses, entregando a sua carta de condução, no prazo de dez dias, após a notificação» - [cf. fls. 13 a 26], proposta, essa, que, em toda a sua extensão, maxime quanto às injunções - mereceu a concordância do juiz de instrução criminal, conforme decorre do despacho de 19.11.2014 [cf. fls. 21]. Para cumprimento da injunção de proibição de conduzir, o arguido/recorrente entregou nos autos a sua carta de condução em 06.01.2015, a qual veio a ser levantada em 06.04.2015 [cf., respetivamente o termo de entrega e recebimento de fls. 28 a 31 e 43]. A outra injunção a que o ora arguido/recorrente foi sujeito foi “Entregar a quantia de €280,00 á Comissão de Proteção de Vitimas de Crimes, fazendo prova nos autos em 60 dias”, sendo que posteriormente por despacho proferido pela Procuradora Adjunta do Ministério Público, proferiu que poderia fazer prova até a cessão da suspensão provisória, fls 42. Considerada que foi a inobservância da falta de comprovação nos autos - da injunção da entrega dos 280,00€ à CPVT, que lhe foi imposta, os autos prosseguiram para julgamento, sob a forma de processo especial abreviado, sendo, então, imputada ao arguido a prática do já identificado crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julgo procedente por provada a acusação e, consequentemente, condeno o arguido, A... , solteiro, distribuidor logístico, filho de (...) e de (...) , nascido em 28-10-1985, na freguesia de (...) , concelho de Soure, residente na (...) (...) , em Soure, pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 560,00 (quinhentos e sessenta euros). Mais condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, nos termos do art.º 69.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Penal, com referência ao art.º 292.º, n.º 1, do mesmo código, pelo período de 4 (quatro) meses. Haverá que proceder ao desconto, na pena de multa, nos termos do art.º 80.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, de 1 (um) dia de detenção. Custas a cargo do arguido, com taxa de justiça que, ponderada a “complexidade da causa”, se fixa em 1 e ¾ UC – e que se reduzirá a ½ por força da confissão – compreendendo, ainda, os respectivos encargos (art.ºs 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal, 8.º, n.º 9, e Tabela Anexa III, do Regulamento das Custas Processuais). Após trânsito em julgado: a) Remeta boletim ao registo criminal; b) Comunique à ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) e ao IMT, IP (Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP). Proceda-se ao depósito da presente sentença. Neste momento, foi o arguido advertido, pelo Mmo. Juiz de Direito, para entregar a sua carta de condução, no prazo de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
A este recurso respondeu o MP em primeira instância, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:
O recurso não merece provimento. O despacho de recebimento da acusação, o julgamento e a sentença não enfermam de qualquer vício. Foram observados todos os preceitos legais exigíveis. Não se mostra qualquer afronta ao princípio constitucional consagrado no art. 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa. A injunção cumprida pelo arguido, não sendo uma pena nem uma obrigação imposta sem a sua anuência, não é de descontar na pena acessória a que foi condenado. Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, negando provimento ao presente recurso, farão JUSTIÇA
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer no sentido de ser declarada a nulidade da sentença e reenviado o processo para que seja apreciada e decidida a questão que identifica.
Ainda respondeu o recorrente, mostrando concordância com o referido parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
QUESTÃO PRÉVIA:
Nos presentes autos com processo especial abreviado, com a concordância do juiz, foi decidida a suspensão do processo pelo período de 8 meses, mediante a obrigação de o arguido entrega 280 euros à CPVC, a que acresce a proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses (v. fls. 24). O arguido cumpriu esta proibição, pois que entregou no tribunal a sua carta de condução a 6/1/2015 (v. fls. 29), tendo procedido ao seu levantamento em 6/4/2015 (v. fls. 43). Cumpriu também a imposição de entrega daquela quantia de 280 euros à CPVC dentro do prazo da suspensão, pois que o fez em 17/12/2014 (v. fls. 69). No despacho de fls. 31, datado de 13/1/2015, a magistrada do MP alerta o arguido para o cumprimento da injunção pecuniária (a qual havia sido já satisfeita). Novamente, por despacho de fls. 47, e tendo terminado o prazo já o prazo da SPP, foi ordenada a notificação do arguido para que, em 10 dias, comprovasse a entrega daquela quantia, sob pena de prosseguir o processo para julgamento. Face ao silêncio do arguido, o processo prosseguiu para julgamento, sendo ele aí condenado nos termos já referidos. A questão que se põe agora é a de saber se, face a tal estado de coisas, deveria ter ocorrido o julgamento e a posterior condenação do arguido. Cremos que não. Com efeito, embora após a designação de data para a audiência de julgamento (despacho datado de 14/11/2016), por expediente remetido a 19/1/2017 - v. fls. 67 a 69) a CPVC comunicou ao MP que o arguido havia procedido ao depósito, na conta dessa comissão, da quantia de 280 euros, relativa à injunção do presente processo, em 17/4/2014. Não obstante esse conhecimento, manteve-se o julgamento agendado, tendo mesmo ocorrido a condenação do recorrente. A injunção em causa foi cumprida dentro do prazo estabelecido na decisão que decretou a SPP; o que não fez o arguido, não obstante os convites que para o efeito lhe foram endereçados, foi a prova de que havia procedido a tal pagamento, não obstante o ter realizado. Que ilações daqui retirar? Se é verdade que o arguido não fez oportuna prova de que cumpriu também essa injunção, o certo é que, ainda no decurso do inquérito, nem a CPVC comunicou ao processo que tal havia ocorrido, nem o MP, de forma oficiosa, e dentro do seu dever legal de investigação, se lembrou de averiguar, junto daquela comissão se tal havia sucedido (do teor da notificação a que se procedeu, na sequência do despacho de fls. 24, 2ª parte, resulta que o depósito identifica a causa respectiva). Quando o processo é remetido a juízo, tal cumprimento é desconhecido, mas antes da realização do julgamento o mesmo vem a revelar-se. Será que se pode fazer prevalecer as normas de cariz adjectivo, relativas à demonstração da ocorrência do facto, sobre o próprio facto, que efectivamente ocorreu? Cremos que não! O MP, para além da omissão investigatória a que fizemos referência, poderia ter determinado, previamente à formulação da acusação, que se procedesse à audição do arguido, com vista ao esclarecimento da questão. Mas também o não fez. Face a este estado de coisas, e recebidos os autos em juízo, a partir do momento em que se toma conhecimento de que aquela injunção, que se julgava incumprida, se mostra afinal atempadamente cumprida, o que fazer? Segundo o princípio constitucional e processual penal ‘non bis in idem’, é interdita aos Tribunais a condenação de um agente que, relativamente aos mesmos factos, haja já sido objecto de julgamento penal. Como escreveu o Prof. Eduardo Correia (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, 1983, pag. 302, «o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias». Inexistindo, no âmbito da lei processual penal, norma regulamentadora deste instituto e dos respectivos efeitos jurídicos, e verificada a ocorrência de tal lacuna, o respectivo regime integrador há-de ser o que resulta das normas do processo civil «que se harmonizem com o processo penal», e, na falta delas, os princípios gerais do processo penal (artº 4º, CPP). Assim, esta excepção, que pressupõe a repetição de uma causa idêntica a uma outra anteriormente julgada e transitada em julgado (artº 580º, 1, CPC), visa evitar que o tribunal «seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (nº 2). Ora, analisado assim o regime legal do instituto do caso julgado, logo se constata que não ocorreu, no caso presente, tal figura de excepção processual; com efeito, não ocorreu ainda uma qualquer condenação penal que possa servir de excepção relativamente a uma segunda condenação. Por isso, não ocorre a pretendida violação de caso julgado anterior, na perspectiva em que a analisamos (nem, reflexamente, ocorre qualquer violação da garantia constitucional ínsita no artº 29º, 5, da CRP). O que ocorre, isso sim, é uma excepção dilatória inominada, que obstará a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (v. o subsidiário artº 576º, 2, do CPC). Com efeito, verificado, embora em momento tardio, que o arguido cumprira atempadamente as injunções a que havia sido sujeito aquando da SPP, deveria o tribunal ter proferido despacho declarando tal e absolvendo-o da instância. Nos termos do disposto no artº 282º, 4, a) do CPP, o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas «se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta» e, nos termos do disposto no nº 4 do artº 383º do mesmo CPP, o MP deduz acusação no prazo de 90 dias «a contar da verificação do incumprimento». O prosseguimento do processo, está bom de ver, só acontecerá face ao incumprimento das injunções e regras de conduta e não de um qualquer prazo a que seja concedida natureza peremptória, sem o devido apoio legal. Seu pressuposto legal é, nos termos estritos da lei, aquele incumprimento. No nosso caso, o arguido cumpriu as injunções que lhe foram fixadas e só não demonstrou postura colaborante para fazer prova de que o fizera, quando convidado para o efeito. E daí, poderia o MP considerar que, face a tal postura, incumprira ele as injunções? Cremos que não. O que deveria ter feito era, ‘motu próprio’ e impulsionado pelo seu dever de investigação, ter solicitado a necessária informação à entidade beneficiária do pagamento u proceder à audição do arguido. Mas não o fez. Não podemos, deste modo, deixar que as questões de ordem formal se sobreponham às questões de fundo, de modo a fazer prevalecer a justiça material. Verificando que o arguido cumprira as injunções que lhe haviam sido fixadas para a SPP, o juiz de julgamento deveria ter proferido despacho em que, julgando esgotado o objecto do presente processo especial, desse sem efeito a audiência de julgamento designada, absolvendo o arguido da respectiva instância. Não poderia o MP, sem previamente se certificar de que a injunção em causa fora incumprida, proferir acusação e remeter os autos a juízo.
Termos em que, nesta Relação, se acorda em conceder provimento ao recurso, ainda que por razões diversas, revogando a sentença recorrida e absolvendo o arguido. Recurso sem tributação.
Coimbra, 13 de Setembro de 2107
(Jorge França – relator)
(Elisa Sales – adjunta) |