Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1264/08.7TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
FUNDO DE GARANTIA
RENDIMENTO
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.181, 189 OTM, LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5, DL Nº 70/2010 DE 16/6
Sumário: 1. O Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, iniciou a sua vigência no dia 1 de Agosto de 2010, estando expressamente prevista a sua aplicação às prestações e apoios sociais em curso [art.º 25/1], nelas se incluindo as prestações de alimentos suportadas pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores [art.º 1.º, n.º 2, c)].

2. Apesar de o incumprimento se reportar a 19.11.2008, tendo sido proferida em 16.09.2011 a sentença que deferiu a intervenção do FGAM, revelam-se aplicáveis as novas regras de capitação previstas no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

3. Sendo o agregado familiar da menor, composto pela menor, pela progenitora (requerente) e por um irmão maior, e auferindo a requerente a quantia global mensal líquida de € 2.100,00, face às regras de capitação previstas no art. 5.º do DL 70/2010, de 16 de Junho [que atribuiu os seguintes “pesos” proporcionais: requerente = 1; filho maior = 0,7; filha menor = 0,5], não se verifica um dos requisitos imperativamente previstos na Lei n.º 75/98 de 19/11: a inexistência de rendimentos líquidos da menor, superiores ao salário mínimo nacional.

4. Quando o legislador refere “rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional” (art. 1.º Lei n.º 75/98 de 19.11), o que está em causa é o conceito de “retribuição [ou outra prestação mensal] líquida”, correspondente ao valor que resta após a dedução dos descontos de natureza fiscal e social à retribuição mensal integral (ou bruta), não relevando as despesas do agregado familiar na definição do “rendimento líquido”.

5. Não faria qualquer sentido, considerar “rendimento líquido” dum agregado familiar, a “quantia sobrante” no fim de cada mês, depois de pagas todas as despesas desse agregado, a qual se poderá qualificar como valor de aforro, economia ou poupança familiar, mas nunca como “rendimento líquido”.

Decisão Texto Integral: I. Relatório
E (…), veio ao abrigo do disposto no art. 181.º da O.T.M. propor contra F (…), incidente de incumprimento ao decidido no âmbito dos autos de regulação do exercício do poder paternal relativo à menor M (…), filha de ambos
Alega, para tanto e em síntese que o requerido, apesar de a isso estar obrigado, não efectuou o pagamento da pensão de alimentos devida à filha de ambos no montante mensal de € 150.00, desde Setembro de 2006.
Realizou-se a conferência de pais, na qual o requerido confirmou o não pagamento das prestações, alegando não dispor de meios para o efeito.
Foi solicitada a elaboração de relatórios sociais nos termos do disposto no n.º 4 do art. 181º da O.T.M., relativamente à requerente e ao requerido.
Juntos os relatórios sociais, foi proferida sentença, onde se conclui com o seguinte dispositivo:

«Resulta da factualidade assente que o requerido, a isso estando obrigado por decisão transitada em julgado, não efectuou o pagamento da quantia por si devida a título de alimentos à menor desde Setembro de 2006 e até à presente data. Cumpre por isso julgar verificado o incidente suscitado nos autos, sendo que à requerente assiste legitimidade para suscitar o mesmo atenta a menoridade da sua filha.

Termos em que, face ao exposto e decidindo, julgando verificado o incumprimento suscitado nos autos condeno o requerido a pagar à requerida o montante em dívida de 4.800,00 euros.

Mais se determina o pagamento da quantia em dívida mediante desconto a efectuar sobre o vencimento auferido pelo requerido à razão de 75,00 euros por mês a que acrescerá o desconto do montante devido a título de alimentos, à razão de 150,00 euros mensais, devendo oficiar-se à entidade patronal do requerido em conformidade com o sobredito e promovido a fls. 77.»
Na douta promoção de 2.09.2011, a Digna Magistrada do MP promove a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, nestes termos: “Considerando o teor da douta sentença de fls. 78 a 81 e dos relatórios de fls. 109 a 112 e 150 a 152 entendemos estarem reunidos os pressupostos para que se determine o pagamento da pensão de alimentos da menor pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.”
Na sequência da referida promoção, foi proferida decisão em 16.09.2011, com o seguinte dispositivo:
«Termos em que, face ao exposto e decidindo, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19.11 e, bem assim, nos artigos 2.º, n.º 2, 3.º, 4.º e 9.º, todos do Decreto Lei n.º 164/99, de 13.05 determino seja o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor obrigado doravante a suportar a prestação de alimentos mensal no montante de 150,00 euros, que o requerido F (…) está obrigado, e isto enquanto se verificarem as circunstâncias aludidas supra.»
Não se conformando com a decisão, veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, interpor recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formaliza as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão a fls..., de 16/09/20111 na qual o Mm.º Juiz do Tribunal Judicial de Ourém condena o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) a assegurar a prestação de alimentos relativa à menor M (…), no montante mensal de € 150,00, com início no mês seguinte à notificação da citada decisão.

2. Nos termos do preceituado no art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e no art.º 3.º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio, os pressupostos para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional são os seguintes:

- que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;

- a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art.º 189.º da OTM;

- que o alimentado não tenha rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;

3. O douto despacho proferido considera que se encontram preenchidos os pressupostos e requisitos legais para que o FGADM se substitua ao devedor incumpridor. Salvo o devido respeito, não o entende assim o ora recorrente.

4. O despacho recorrido não refere expressamente qual a composição do agregado familiar, em que se insere a menor (art.º 4.º do DL n.º 70/2010 de 16 de Junho), a qual é um elemento fundamental e inultrapassável, quer em sede de atribuição da prestação, quer em sede de renovação da prova, dada a relevância que assume no apuramento da capitação dos rendimentos do próprio agregado (art.º 5.º do DL n.º 70/2010 de 16 de Junho ).

5. Do douto despacho proferido apenas se poderá concluir que o agregado familiar é composto pela requerente e pela menor.

6. O douto despacho recorrido não teve em conta o DL n.º 70/2010 de 16 de Junho, cuja entrada em vigor se reporta a 01 de Agosto de 2010, aplicável ao FGADM por força do disposto no art.º 1.º n.º 2 alínea c) e art.º 16.º

7. Os artigos mencionados do DL 70/2010 de 16 de Junho referem expressamente a sua aplicação ao FGADM e introduzem nova redacção do art.º 3.º do DL 164/99 de 13 de Maio, definindo o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos.

8. O salário mínimo nacional fixado para o ano de 2011 é de € 485,00, nos termos do preceituado no DL n.º 143/2010 de 31 de Dezembro. Sendo que os rendimentos do agregado familiar, em que se insere o menor (composto por esta e pela progenitura), ascendem ao montante mensal total de € 2.100,00.

9. Acresce precisar que, nos termos do entendimento jurisprudencial, o rendimento liquido a considerar para efeitos de aplicação dos diplomas do FGADM .é o que efectivamente se recebe, e no momento em que tal se verifica (...), independentemente das despesas que, mensalmente, cada um efectue (vide Ac. Da Relação de Lisboa de 21/02/2008, R 10565/07-2).

10. Atendendo ao rendimento mensal do agregado familiar, em que se insere a menor, no montante de € 2.100,00 e à escala de ponderação de cada elemento do agregado introduzida pelo art.º 5.º do DL 70/2010 de 16 de Junho (aplicável por força do disposto nos art.ºs 1.º n.º 2 alínea c) e n.º 3 e 16.º), o rendimento per capita apurado no valor de € 1.400,00 é manifestamente superior ao salário mínimo nacional.

11. Ainda que, ao rendimento mensal do agregado familiar (no montante de € 2.100,00), se descontassem as despesas mensais da requerente, (no valor de € 1.330,00) - o que não se concebe - tal implicaria, para efeitos de cálculo, um rendimento no valor de € 770,00, ou seja, atendendo à escala de ponderação aplicável (1,5) o rendimento per capita apurado, no valor de € 513,33 continuaria a ser superior ao salário mínimo nacional.

12. A obrigação do Fundo é meramente subsidiária face à obrigação do devedor.

13. A prestação a assegurar pelo Fundo não é, pois, incondicional, dependendo da existência e da manutenção dos pressupostos e requisitos exigidos por lei para a sua atribuição (arts. 1.º e 3.º n.º 1 da Lei 75/98; arts. 2.º n.º 2, 3.º n.ºs 1 e 2 e 4.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 164/99).

14. Não consta do douto despacho recorrido a verificação de um dos requisitos cumulativos que a Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro em conjugação com o DL 164/99 -com a redacção introduzida pelo DL 70/2010 de 16 de Junho - exige para que as prestações de alimentos possam ser atribuídas nos termos que preconiza,

15. O recorrente considera, pois, não preenchido in casu um dos pressupostos necessários e subjacentes ao pagamento da prestação de alimentos pelo FGADM em substituição do devedor: “que o alimentado não tenha rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre”.

16. A decisão recorrida violou o disposto no art.º 1.º in fine da Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro; no art.º 3.º n.º 1 alínea b), n.º 2 e n.º 3 do DL 164/99 de 13 de Maio; art.º 1.º n.º 2 alínea c), n.º 3, art.º 5.º e art.º 16.º do DL n.º 70/2010 de 16 de Junho,
A Digna Magistrada do MP apresentou resposta às alegações de recurso, onde preconiza o seu deferimento, nestes termos:

«O agregado familiar onde a menor se insere é composto por três elementos, tal como se encontra descrito e caracterizado no relatório social elaborado pelo ISS e que consta dos autos – a menor, a sua progenitora e o seu irmão maior. 

Considerando o disposto no DL 70/2010, de 16 de Junho entendemos assistir razão ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P, não se verificando os pressupostos legais para que seja o FGADM a pagar a pensão de alimentos da menor, por via de, em face do número de elementos que compõem o agregado familiar, se verificar uma capitação de € 954,50, a qual é superior ao ordenado mínimo nacional, conforme se refere no artigo 3.º, n.º 2 do DL 164/99, de 13 de Maio. 

Face ao exposto, nada opomos se revogue a douta sentença recorrida.»
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se se verificam os requisitos que permitem a intervenção do FGADM.

2. Fundamentos de facto
Está provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
2.1. M (…)nasceu no dia 31.10.1998 e é filha de F (…) e de E (…).
2.2. Mediante acordo homologado por decisão proferida pelo Conservador do Registo Civil de Ourém o requerido obrigou-se a entregar mensalmente à requerente a quantia mensal 150,00 euros a título de pensão de alimentos para a menor.
2.3. O requerido nunca procedeu ao pagamento da pensão de alimentos à menor no montante aludido em “2.2”, tendo admitido o incumprimento em conferência de pais, em 19.11.2008 (vide acta respectiva).
2.4. O requerido não aufere quaisquer rendimentos.
2.5. O requerido encontra-se desempregado desde 04.11.2010.
2.6. A requerente aufere mensalmente a quantia líquida[1] de 1.200,00 euros a que acresce a renda de € 900,00 proveniente da casa de morada de família que se encontra arrendada, perfazendo o rendimento mensal global, a quantia de € 2.100,00.
2.7. O agregado familiar da requerente é composto por três pessoas: a requerente, a menor M (…) e um irmão maior desta.
2.8. Apresenta despesas mensais no montante de 1.330,00 euros.
2.9. A requerida é o único suporte do agregado familiar.

3. Fundamentos de direito
3.1. O regime aplicável
O Decreto-Lei n.º 70/2010 de 16 de Junho prevê o início da sua vigência, no artigo 26.º, desta forma: «O presente decreto-lei entra em vigor no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da sua publicação
Decorre do exposto que o referido diploma entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 2010.
Sob a epígrafe “produção de efeitos”, prescreve o n.º 1 do artigo 25.º do citado decreto-lei: «O regime estabelecido no presente decreto-lei aplica-se às prestações e apoios sociais em curso e determina, após a data da sua entrada em vigor, a reavaliação extraordinária da condição de recursos.»
De acordo com o n.º 2, alínea c), do artigo 1.º do mesmo diploma, as regras nele previstas são aplicáveis ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.
Do exposto se conclui que o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 70/2010 de 16 de Junho se aplica ao pagamento das prestações de alimentos em curso.
Decorre do exposto que, quando entrou em vigor – no dia 1 de Agosto de 2010[2], o diploma em causa se passou a aplicar a todas as pensões de alimentos fixadas posteriormente (vocação normal da lei., nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do art. 12.º do CC), e também às pensões de alimentos “em curso” (possibilidade prevista na 2.ª parte do citado normativo).
In casu, a determinação de pagamento pelo Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, da prestação alimentar devida à menor M (...), ocorreu por decisão judicial de 16 de Setembro de 2011, já na plena vigência do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, revelando-se manifestamente aplicável tal diploma[3].

3.2. A não verificação de um requisito imperativo
São os seguintes os requisitos cumulativos exigidos para a atribuição de prestações de alimentos nos termos da Lei n.º 75/98 de 19/11, face às alterações introduzidas no DL 164/99 de 13/05, pelo citado DL 70/2010 de 16/06: i) a existência de uma decisão judicial que tenha fixado os alimentos devidos a menores (nos termos do disposto na 1.ª parte da alínea a) do n.º 1 do art.º 3° do DL n.º 164/99 de 13 de Maio); ii) que o menor beneficiário resida em território nacional; iii) que não seja possível a satisfação pelo devedor das quantias em dívida, pelas formas previstas no art.º 189° da OTM (2.ª parte da alínea a) do n.º 1 do art.º 3° do DL 164/99 de 13 de Maio); iv) a inexistência de rendimentos líquidos dos menores superiores ao salário mínimo nacional e que estes não beneficiem na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontrem.
Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13/05, entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
Dispõe o n.º 3 do mesmo artigo: «O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho
Tal norma remete-nos para o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, onde se estabelecem as regras para o apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, atribuindo “pesos” proporcionais nestes termos: requerente = 1; por cada indivíduo maior = 0,7; por cada indivíduo menor = 0,5.
Face às regras de capitação previstas no Decreto-Lei n.º 70/210 de 16 de Junho, e aplicáveis in casu, não se encontra preenchido o último requisito enunciado supra – de que a capitação de rendimentos do agregado familiar da menor não seja superior ao salário mínimo nacional.
Vejamos.
A menor M (…) está integrada num agregado familiar composto pela progenitora, por ela própria e por um irmão maior.
Os rendimentos mensais do agregado familiar onde está inserida a menor são: rendimentos de trabalho da progenitora no valor mensal líquido de 1.200,00 euros a que acresce uma renda de € 900,00, perfazendo o rendimento mensal global, a quantia de € 2.100,00.
Antes da entrada em vigor do referido DL 70/2010, o rendimento que haveria que considerar, para chegar à capitação prevista no n.º 2 do art.º 3.º do DL 164/99 era a soma dos rendimentos da mãe e da menor (€ 2.100,00), dividindo esse rendimento somado, pelos três membros do agregado.
Sendo o rendimento global de € 2.100,00, o rendimento per capita seria de € 700,00, valor este superior ao salário mínimo nacional, o qual está fixado para o ano de 2011 em € 485,00[4].
Com a entrada em vigor do DL 70/2010, de 16 de Junho, face ao critério previsto no seu artigo 5.º [que atribuiu os seguintes “pesos” proporcionais: requerente = 1; filho maior = 0,7; filha menor = 0,5], o rendimento per capita do agregado familiar onde se integra a menor, passou a ser de € 954,55 (€ 2.100,00 : 2.2 = € 954,55).
Poderá questionar-se se o rendimento per capita do agregado familiar se define em função da “retribuição mensal líquida”, correspondente à retribuição mensal bruta após a dedução dos descontos legais, ou se a sua definição se faz em função da retribuição mensal após dedução de todas as despesas do agregado[5].
Decidiu esta Relação, em acórdão de 25.05.2010[6], que por rendimento líquido se entende “o que se recebe, depois dos legais descontos que incidem sobre o rendimento bruto, independentemente das despesas que cada agregado familiar efectue”.
Argumenta-se no aresto citado, que se compreende que assim seja pois, de contrário, careceríamos de critério válido para qualificar as despesas relevantes para tal efeito, pois que não se pode o Estado substituir, de modo vago e impreciso, às obrigações que, em primeira linha, cabem ao agregado familiar em que se insere a criança carente de alimentos.
Conclui-se que o critério a ter em conta é o da capitação dos rendimentos do agregado familiar, tendo por referência o limiar mínimo do salário mínimo nacional, independentemente das despesas efectuadas, as quais variam de agregado familiar, consoante uma gestão mais ou menos prudente que de tais rendimentos façam e a considerar tais despesas ficaríamos numa situação de grande diversidade, que se afastaria do critério utilizado pelo legislador.
No acórdão citado faz-se referência ao aresto que o recorrente invoca na conclusão 9.ª do seu recurso (acórdão da Relação de Lisboa, de 21.02.2008, publicado na Colectânea de Jurisprudência online (Ref.4012/2008).
Tem sido este o entendimento maioritariamente perfilhado na jurisprudência[7], e estamos de acordo com ele.
Quando o legislador refere “rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional” (art. 1.º Lei n.º 75/98 de 19.11), o que está em causa é o conceito de “retribuição [ou outra prestação mensal] líquida”, correspondente ao valor que resta após a dedução dos descontos de natureza fiscal e social à retribuição mensal integral (ou bruta).
As despesas do agregado familiar não contam na definição do “rendimento líquido”.
Não faria qualquer sentido, considerar “rendimento líquido” dum agregado familiar, a “quantia sobrante” no fim de cada mês, depois de pagas todas as despesas desse agregado[8].
Em conclusão e como já se referiu, na situação sub judice o valor a considerar para definir a base de capitação é o rendimento líquido do agregado onde a menor está integrada [€ 2.100,00], dividido pelo factor previsto no artigo 5.º do DL 70/2010, de 16 de Junho [que atribuiu os seguintes “pesos” proporcionais: requerente = 1; filho maior = 0,7; filha menor = 0,5], sendo o rendimento per capita de € 954,55 (€ 2.100,00 : 2.2 = € 954,55).
Decorre do exposto, salvo o devido respeito, a manifesta procedência do recurso, por inverificação do requisito imperativamente exigido pelo art. 1.º Lei n.º 75/98 de 19.11.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, julgo procedente o recurso e, em consequência, revogo a decisão recorrida.
Sem custas ( a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a menores foi promovida pela Digna Magistrada do MP )
                                                         *

Carlos Querido ( Relator

[1] Na factualidade provada não se refere expressamente a natureza desta quantia, verificando-se, no entanto, no Relatório da Segurança Social junto aos autos, datado de 16 de Dezembro de 2008, que a requerente aufere a retribuição mensal de € 1.474,00, a que corresponde a retribuição líquida de 1.200,00, recebendo a menor, de abono de família, a quantia de € 30,95.
[2] Como se referiu, foi publicado no dia 16 de Junho de 2010, prevendo o seu artigo 26.º a entrada em vigor “no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da sua publicação”
[3] No sentido aqui defendido, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães, de 28.04.2011, proferido no Processo n.º 5890/06.0TBSTS-C.P1, acessível em http://www.dgsi.pt .
[4] Decreto-Lei n.º 143/2010 de 31 de Dezembro.
[5] Esta questão não se coloca no recurso, considerando que a Digna Magistrada do MP manifestou a sua total concordância com o recorrente, preconizando o deferimento do recurso. Apenas o recorrente, na conclusão 9.ª, a refere lateralmente, invocando um acórdão da Relação de Lisboa e concluindo que o rendimento líquido a considerar é o que o agregado aufere, independentemente das despesas mensais. 
[6] Proferido no Processo n.º 2215/05.6TBMGR-A.C1, acessível em http://www.dgsi.pt
[7] Vide, sobre a questão, os seguintes arestos: da Relação do Porto, de 24.02.2005, proferido no Proc. 0530542: «Para o cálculo da capitação de rendimentos do agregado familiar do menor, referida no artº 3º do Dec.-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, há que atender ao rendimento efectivamente auferido independentemente do montante das despesas suportadas pelo agregado em causa consideradas normais e inerentes à vida familiar.»; da Relação do Porto, de 13.09.2011, proferido no Proc. 2507/09.5TMPRT-A.P1: “I - O cálculo da capitação de rendimentos do agregado familiar em que o menor se integra, a que alude o art. 3º do Dec. Lei n° 164/99, de 13.5, é feito nos termos do Dec. Lei nº 70/2010, de 16.6; II - Neste diploma, no qual se procede à caracterização detalhada das diversas categorias de rendimentos do agregado familiar, não se faz qualquer referência à dedução de despesas, pelo que no cálculo da capitação de rendimentos se deverá atender ao rendimento efectivamente auferido independentemente do montante das despesas suportadas por esse agregado.”; e da Relação de Évora, de 25.01.2007, proferido no Proc. 1914/06-3, onde se estabelece um paralelismo com o regime de concessão de protecção jurídica Lei nº 34/2004, de 29 Julho e  Portaria n.º l085-A/2004, de 31 Agosto, para concluir que “rendimento líquido” é um conceito normativo que corresponde ao resultado da dedução dos descontos legais à retribuição mensal bruta.
[8] Esse poderia ser, quanto muito, um valor de aforro, economia ou poupança familiar.