Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
417/12.8T2ILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTO-ESTRADA
TAXA
PAGAMENTO
RESPONSABILIDADE
ACESSO
DADOS PESSOAIS
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
DIREITO DE DEFESA
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO (COMARCA DO BAIXO VOUGA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, N.º 10, DA CRP; ARTIGOS 5.º, ALÍNEA A), 10.º, 11.º, 12.º E 14.º DA LEI N.º 25/2006, DE 30-06, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL N.º 113/2009, DE 18-05, E DA LEI N.º 46/2010, DE 07-09
Sumário: I - O facto de a morada obtida na Conservatória do Registo Automóvel já não corresponder à morada da arguida não prejudica, em princípio e por si só, a validade das notificações que lhe foram dirigidas, pela autoridade administrativa, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, 11.º e 12.º do mesmo diploma, na redacção que lhes foi dada pelo DL n.º 113/2009, de 18 de Maio, e pela Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, desde que, perante as disposições conjugadas dos artigos 29.º do Código de Registo Automóvel (CRA) e 7.º do Código de Registo Predial (CRP), se possa afirmar a inércia daquela.

II - Efectivamente, em face da previsão dos artigos 5.º do CRA e 7.º do CRP, cabe ao proprietário do veículo automóvel, caso mude de residência, providenciar pela respectiva actualização, de modo a que fique assegurado o efectivo conhecimento de notificações que lhe sejam destinadas, relativas à titularidade da viatura automóvel e a implicações daí decorrentes.

III - Assim, a presunção de notificação, ocorrendo o cumprimento das obrigações que recaem sobre o proprietário do veículo, não põe em causa o direito de defesa do visado e, nessa medida, não contraria a norma do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

IV - O entendimento que se vem expressando pressupõe que, no registo, subsiste a inscrição do proprietário do veículo. Cessando essa realidade, mostrando-se inscrito outro proprietário, deixam de relevar as exigências antes enunciadas. Ou seja, quando no registo já é outro o titular inscrito, não é exigível que o ex-proprietário da viatura proceda à actualização dos respectivos dados, nomeadamente, a sua morada; neste contexto, ficam sem validade os dados até então registados, com particular destaque, justamente, para o local de residência indicado.

V - Neste circunstancialismo, se a informação prestada pela CRA continua a ser pertinente em relação à identificação do titular inscrito à data dos factos em causa, já a actualidade da respectiva morada/sede não decorre de presunção do registo; antes cabe à titular da fase administrativa do processo diligenciar pela obtenção de informação relativa ao efectivo domicílio da arguida, de modo a que, realizadas as legais notificações, lhe seja assegurado o direito de defesa.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.         A Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S.A., na qualidade de concessionária da A1, Auto-Estrada do Norte, e através dos respectivos agentes de fiscalização, lavrou dois autos de notícia à arguida, A..., L.da, melhor identificada nos autos, com fundamento em infracções ao disposto no artigo 5.º, alínea a), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, dando origem ao processo de contra-ordenação n.º 100124315 (resultando do concurso dos processos de contra-ordenação n.º 100504499 e n.º 100661285) e que correu termos no Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P.

A arguida não efectuou o pagamento voluntário das coimas, nem das taxas de portagem; também não apresentou defesa escrita.

No prosseguimento do processo, a entidade administrativa – Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P. – proferiu decisão, em 17 de Novembro de 2009; aí, considerando que a arguida, no dia 28 de Junho de 2008, pelas 13 horas e 1 minuto, e no dia 9 de Setembro de 2008, pelas 18 horas e 56 minutos, praticou a contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 5.º, alínea a) e 7.º, ambos da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, condenou a mesma no pagamento da quantia global de € 892,80.

A arguida interpôs recurso de impugnação judicial desta decisão, por requerimento que deu entrada em 23 de Fevereiro de 2012, dando origem ao processo n.º 417/12.8T2ILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, Comarca do Baixo Vouga.

O recurso foi admitido, determinando-se a notificação da recorrente e do Ministério Público para declararem a sua eventual oposição à prolação de decisão por despacho, nos termos do artigo 64.º do regime geral das contra-ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com subsequentes alterações, por se julgar desnecessária a realização da audiência de julgamento; ambos vieram declarar nada ter a opor à decisão por despacho.

Foi então proferida decisão que, julgando o recurso improcedente, manteve a decisão recorrida.

2.         A arguida, não se conformando também com esta decisão, interpôs o presente recurso.

Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:

«1.ª     No passado dia 22 de Fevereiro de 2012 a Recorrente tomou conhecimento da instauração contra si dos processos de contra-ordenação n.ºs 100504499 e 100661285, relativos à transposição, no ano de 2008, de barreira de portagem através de via reservada a aderentes via verde por veículos automóveis de que havia sido proprietária e que não se encontravam associados ao respectivo sistema, por contrato de adesão.

2.ª        A Recorrente nunca foi notificada dos processos de contra-ordenação acima identificados, uma vez que o endereço para o qual foram enviadas as cartas registadas com a notificação da contra-ordenação (Av. da Liberdade, 190 5 A, 1250-147 Lisboa) nunca correspondeu à sede da Recorrente, para onde deveria ter sido remetida a notificação, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 14 da referida lei (conforme resulta da motivação, a recorrente reporta-se à Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho), sendo que também nunca recebeu a segunda notificação, que se supõe ter sido enviada por correio simples para o mesmo endereço incorrecto, e que deveria igualmente ter sido dirigida à sede da Recorrente, nos termos do disposto no n.º 2 do referido art.º 14.

3.ª        Erro que se torna ainda mais incompreensível ao observar-se que da carta registada devolvida aos correios contendo a primeira notificação consta a menção “mudou-se” (ainda que a sede nunca tenha estado situada em tal local), o que deveria ter imediatamente determinado a procura, por parte da autoridade administrativa, da morada correcta da sede da ora recorrente, que se situa na Quinta da Fonte, Edifício D. Amélia, Rua Vítor Câmara, n.º 2, 1.º andar, letra A, em Oeiras, desde Agosto de 2008.

4.ª        Ao não ter sido notificada nos termos da lei, não pôde a Recorrente exercer o seu direito de audição e defesa, tendo sido violado o disposto no art.º 50.º do Regime das Contra-ordenações, aplicável ex vi do disposto no art.º 18.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho, o que configura nulidade insanável por violação do disposto no n.º 10 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, em consequência, nulo todo o processado após o auto de notícia.

5.ª        O procedimento, em razão da falta de notificação da Recorrente, encontra-se extinto por prescrição, nos termos do disposto no art.º 16.º-A da Lei 25/2006, de 30 de Junho.

6.ª        Não se compreende a decisão de não admissão do recurso por extemporâneo, dado não ter sido interposto nos 20 dias seguintes à tomada de conhecimento da decisão administrativa através dos mecanismos de notificação legalmente previstos, pelo que terá a decisão “transitado em julgado”, uma vez que o que está em causa é – precisamente – a não notificação da ora Recorrente, o que impediu que a mesma tivesse tomado conhecimento da decisão administrativa em questão (o que teve lugar apenas em sede de processo de execução, já no ano de 2012).

7.         O facto de a morada constante da Conservatória do Registo Automóvel não corresponder à sede efectiva da Recorrente, sendo que foi a esse registo que a entidade administrativa terá recorrido para se informar sobre a morada da sede da ora Recorrente, para a qual deveria enviar as notificações, é algo a que a Recorrente é alheia, uma vez que procedeu ao registo nessa Conservatória de forma correcta e atempada, através do Requerimento para registo inicial de propriedade – Registo inicial de propriedade (Modelo 1) apresentado, do qual consta a morada: “Q. FONTE – EDIF.D. AMÉLIA – R. VICTOR CAMARA, 2-1|A, 2770 PAÇO DE ARCOS”.

8.         Apesar de a Recorrente haver procedido ao registo correcto da sua sede na Conservatória do Registo Automóvel, o Regime Geral das Contra-Ordenações obriga a que a pessoa colectiva seja notificada para a sua sede, cuja morada consta, como é sabido, da Conservatória do Registo Comercial. A este propósito, julga-se inteiramente pertinente convocar o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Maio de 2012 (processo n.º 7392/11.4TAVNG.P1), in www.dgsi.pt, assim como o Acórdão do Tribunal Constitucional 442/03, de 7 de Outubro de 2003 (proc. n.º 593/03), in www.tribunalconstitucional.pt, que, em casos semelhantes, consideram que a notificação do arguido deve ser feita, tratando-se de sociedade comercial, para a sede legal da mesma, nos termos das disposições do C.P.C. (art.º 236, n.º 1).

9.         A ora Recorrente interpôs o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa no Tribunal Judicial de Ílhavo em conformidade com o disposto no art.º 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, assim que teve conhecimento da existência do mesmo e do facto de não ter sido notificada legalmente. O recurso que foi interposto destinou-se a obter um efeito jurídico que é o da declaração de nulidade da decisão que aplicou a coima à ora Recorrente, efeito jurídico esse que só se lograria alcançar através deste meio de tutela jurisdicional.»

Termina afirmando que deverá ser concedido integral provimento ao recurso e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido, que não admitiu o recurso interposto pelo recorrente por extemporaneidade, substituindo-se por decisão que determine a admissibilidade do recurso interposto, por legal e tempestivo.

3.1       O Ministério Público apresentou resposta, expressando o seguinte entendimento:

«Do teor das conclusões acima elencadas, conjugando com o teor do douto despacho ora em crise – sendo jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VIl-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.ºs 403.º e 412.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95) – conclui-se que o presente recurso importa uma única questão a apreciar: saber se as questões invocadas pelo arguido na sua impugnação judicial poderiam ser conhecidas pelo Tribunal a quo.

E, desde se avança que, como bem refere a Mma. Juiz a quo, aquelas questões – a declaração da nulidade da decisão administrativa, por alegada omissão da sua notificação no âmbito do processo de contra-ordenação, nos termos do art.º 50.º, do RGCO, bem como a prescrição da contra-ordenação, não poderiam, de facto, ser agora conhecidas em sede de impugnação judicial, nos termos do art.º 59.º e ss., do RGCO, atendendo ao momento em que se encontra já o procedimento contra-ordenacional – na fase executiva. Isto é, quando aquela decisão, acertadamente ou não, transitou já em julgado, correndo o respectivo processo de execução fiscal, nos serviços de finanças locais territorialmente competentes, nos termos do art.º 15.º, da L. n.º 25/2006, de 30/6.

Aqueles fundamentos poderão ser invocados sim, mas em sede de oposição à execução, nos termos gerais previstos no CPPT, face ao carácter definitivo daquela decisão que aplicou a coima à arguida. Carácter definitivo esse, não obstante o facto da notificação ter sido devidamente efectuada ou não.

Pelo que, não obstante aqueles motivos poderem ser atendíveis, não será no âmbito deste processo que o seu mérito poderá ser apreciado.»

Termina afirmando que deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

3.2       Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, em total concordância com a resposta em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sendo de confirmar, por válida e eficaz, a sentença recorrida.

Notificada, a arguida nada disse.

4.         Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

É pacífico – à luz do disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal – que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, nomeadamente as que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Face às conclusões da motivação do recurso, importa apreciar, essencialmente, a seguinte questão:
§ Determinar se deve considerar-se admissível o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida e, nessa medida, se devem conhecer-se os fundamentos de impugnação aí enunciados.

II)

Fundamentação

1.         Factos relevantes.

Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os seguintes factos:

A recorrente está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, correspondendo à anterior matrícula n.º ... na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 4.ª Secção, nos termos documentados na certidão permanente cuja cópia faz fls. 34 a 39.

Aí, na inscrição 1, “Ap. 57/20031229 – Contrato de sociedade, designação de membro(s) de órgão(s) social(ais) e designação do secretário”, constava como sede: Praça Marquês de Pombal, n.º 1, 8.º, 1250-160 Lisboa – teor da aludida certidão, a fls. 34.

Pela inscrição 5, “Ap. 6/20080821 11:22:06 UTC – Alterações ao contrato de sociedade e designação de membro(s) de órgão(s) social(ais)”, registou-se como sede da arguida: Quinta da Fonte, Edifício D. Amélia, Rua Vítor Câmara, n.º 2, 1.º, letra A, 2770-169 Paço de Arcos – teor da mesma certidão, a fls. 34 e 37.

Nos autos de notícia que deram origem ao presente processo é imputada à arguida, A... , L.da, a prática de infracção ao disposto no artigo 5.º, alínea a), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na redacção então vigente, sancionada como contra-ordenação nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma legal, aí se lavrando os seguintes fundamentos: a viatura com a matrícula 18-EQ-81, no dia 28 de Junho de 2008, pelas 13 horas e 01 minutos (auto de notícia n.º 010018368324), e a viatura com a matrícula 53-DB-07, no dia 9 de Setembro de 2008, pelas 18 horas e 56 minutos (auto de notícia n.º 010022643932), transpuseram a barreira da portagem de Aveiro Sul, integrada na A1, Auto-Estrada do Norte, através de uma via reservada a aderentes via verde para cobrança de portagens, sem que os mesmos se encontrassem associados, por força de contratos de adesão, ao respectivo sistema, não tendo por isso efectuado o pagamento das taxas de portagem devidas.

Lavrados os autos de notícia, foram expedidas pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., notificações das contra-ordenações por cartas registadas; relativamente ao auto de notícia n.º 010018368324 (que deu origem ao processo CO100504499), carta registada com data de 24 de Março de 2009, nos termos que estão documentados a fls. 11 e 15 verso; relativamente ao auto de notícia n.º 010022643932 (processo CO100661285), carta registada com data de 22 de Junho de 2009, nos termos documentados a fls. 13 e 14, dando-se aqui por reproduzido, em ambos os casos, o respectivo teor.

As aludidas cartas, tendo como destinatária a arguida, foram remetidas para a seguinte morada: Avenida da Liberdade, 190, 5-A, 1250-147 Lisboa, justificada pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., a fls. 4 dos presentes autos, como sendo a que constava na Conservatória do Registo Automóvel.

As mesmas foram devolvidas ao remetente, assinalando-se para o efeito as referências “Desconhecido” e “Mudou-se”, conforme teor de fls. 11, 11 verso, 13 e 13 verso.

Perante isso, foram expedidas pelo referido instituto, para a mesma morada e tendo como destinatária a arguida, novas notificações, agora por cartas simples de idêntico teor, com datas de 28 de Abril e de 16 de Julho de 2009, relativas aos processos CO100504499 e CO100661285, respectivamente, nos termos documentados a fls. 17 e 18 verso.

No processo foram então lavradas cotas consignando que, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, foram em 28 de Abril de 2009 e 16 de Julho de 2009, enviadas para os CTT para expedição por correio simples notificações para o seguinte domicílio: AV DA LIBERDADE 190 5 A, 1250-147 LISBOA Portugal” – cf. fls. 26 e 26 verso.

A arguida não efectuou entretanto o pagamento voluntário das coimas, nem das taxas de portagem; também não apresentou defesa escrita.

No prosseguimento do processo, a entidade administrativa – Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P. – proferiu decisão, em 17 de Novembro de 2009, reportando-se a ambos os processos antes referidos, conforme teor de fls. 21 e 22; aí, considerando que a arguida, nas datas e horas constantes na relação anexa, transpôs as barreiras de portagem ali discriminadas, através de via reservada a aderentes ao sistema electrónico de cobrança de portagem da Via Verde sem que o veículo utilizado estivesse associado a esse sistema, por meio de contrato de adesão válido, e que agiu assim dolosa e conscientemente, bem sabendo que a sua actuação era ilícita, condenou a mesma, pela prática de contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 5.º, alínea a) e 7.º, ambos da citada Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, no pagamento da quantia global de € 892,80, aí se incluindo os valores de portagem (€ 41,30), da coima aplicada (€ 826,00) e das custas (€ 25,50).

Por carta registada, datada de 3 de Dezembro de 2009, foi expedida notificação da decisão condenatória, para a mesma morada e tendo como destinatária a arguida, nos termos documentados a fls. 20, 23 e 24.

A mesma foi devolvida ao remetente, assinalando-se também aqui, como justificação, a referência “Mudou-se”, conforme teor de fls. 20 e 20 verso.

Perante isso, foi expedida para a mesma morada e tendo como destinatária a arguida, nova notificação da decisão condenatória, por carta simples de idêntico teor, com data de 29 de Dezembro de 2009, nos termos documentados a fls. 24 verso a 25 verso.

No processo foi então de novo lavrada cota com o seguinte teor: “Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, foi em 29-12-2009, enviada para os CTT para expedição por correio simples notificação para o seguinte domicílio: AV DA LIBERDADE 190 5 A, 1250-147 LISBOA Portugal” – cf. fls. 27.

Em 3 de Janeiro de 2012, o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., emitiu certidão referente a execução instaurada à arguida, para cobrança do valor fixado na decisão antes mencionada, e expediu carta precatória dirigida ao Serviço de Finanças de Oeiras, tendo em vista a realização das diligências necessárias para a pretendida cobrança, mencionando como morada do executado a supra referida, AV DA LIBERDADE 190 5 A, 1250-147 LISBOA (teor de fls. 8 e 9).

Em 22 de Fevereiro de 2012, no âmbito deste procedimento, a recorrente tomou conhecimento da decisão de aplicação da coima a que se reportam os presentes autos.

Em 22 de Março de 2012, deu entrada no Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., requerimento da arguida e documentos anexos, dirigidos ao Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Aveiro, de impugnação judicial da decisão proferida pela autoridade administrativa, invocando para o efeito o disposto no artigo 59.º do RGCO e afirmando ter tomado conhecimento da decisão de aplicação da coima no dia 22 de Fevereiro de 2012 (teor de fls. 28 a 67).

No aludido requerimento, a arguida/recorrente afirma que nunca foi notificada dos referidos processos de contra-ordenação e que a morada para a qual foram enviadas as cartas nunca correspondeu à sua sede, sendo esta na Quinta da Fonte, Edifício D. Amélia, Rua Vítor Câmara, n.º 2, 1.º andar, letra A, em Oeiras, desde Agosto de 2008, pretendendo que para ela deveriam ter sido remetidas as notificações, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho; afirma ainda que, ao não ter sido notificada nos termos da lei, não pôde exercer o direito de audição e defesa, tendo sido violado o disposto no artigo 50.º do RGCO, aplicável por força do disposto no artigo 18.º da aludida Lei n.º 25/2006, o que configura nulidade insanável por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, sendo nulo todo o processado posterior ao auto de notícia; invoca também a prescrição, com referência ao disposto no artigo 16.º-A da Lei n.º 25/2006.

Termina pedindo que se declare nula a decisão de aplicação de coima ora recorrida e que se declarem prescritas as contra-ordenações, com as legais consequências.

Os autos foram remetidos à Comarca do Baixo Vouga, Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, onde o recurso foi admitido (teor de fls. 70), por se considerar tempestivamente apresentado e fundamentado, alegado e concluído, determinando-se a notificação da recorrente e do Ministério Público para declararem a sua eventual oposição à prolação de decisão por despacho, nos termos do artigo 64.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com subsequentes alterações, por se julgar desnecessária a realização da audiência de julgamento; ambos vieram declarar nada ter a opor à decisão por despacho.

Solicitado entretanto pelo Tribunal à Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa o envio de certidão do registo automóvel do veículo de matrícula 18-EQ-81, nesta certifica-se narrativamente – fls. 75 dos autos – que a propriedade do referido veículo, à data dos factos (28 de Junho de 2008) e desde 20 de Novembro de 2007, com a ap. 00704, estava registada a favor da arguida, A... , L.da, consignando-se no registo a seguinte morada: Avenida da Liberdade, 190, 5 A, 1250-147 Lisboa.

Mais se certifica que, com a ap. 06648, em 29 de Outubro de 2008, a propriedade do veículo foi entretanto registada a favor de Calor Alberto (…), com morada diversa.

Depois do processo aguardar a junção de documento por parte da recorrente, foi proferida a decisão recorrida, nos termos documentados a fls. 107 a 109, com o seguinte teor (transcrição integral):

«“ .A... L.da”, pessoa colectiva n.º 506824241, com sede na Quinta da Fonte, Edifício D. Amélia, Rua Vítor Câmara, n.º 2, 1.º andar, Letra A, Paço de Arcos, Oeiras, arguida nos presentes autos de recurso de contra-ordenação, foi condenada no pagamento de uma coima de 826,00€, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 5.º, al. a), e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

Inconformada, vem impugnar judicialmente a decisão administrativa, pedindo que se declare a nulidade da decisão administrativa e a prescrição da contra-ordenação.

Alega, em suma, que nunca foi notificada no âmbito do processo de contra-ordenação.

Perante a não oposição do recorrente e do Ministério Público, cumpre decidir por mero despacho, nos termos do art. 64.º do DL n.º 433/82, de 27/10, com as subsequentes alterações do DL n.º 356/89, de 17/10 e DL n.º 244/95, de 14/9.

*

A recorrente invoca, como fundamento primeiro do seu recurso, a nulidade decorrente da omissão de notificação, quer para exercício do direito de defesa, nos termos do art. 50.º do RGCO, quer da decisão administrativa condenatória.

Independentemente do mérito ou demérito da sua pretensão – isto é, da invalidade do procedimento decorrente do cumprimento das notificações procedimentais para morada que, sendo a que consta da certidão do registo automóvel, não corresponde à indicada na requisição desse registo –, cumpre evidenciar que, tendo sido cumprida tal notificação, a decisão administrativa tornou-se definitiva, por força do disposto nos arts. 59.º e 60.º do RGCO.

De facto, a notificação da decisão final foi cumprida para a morada que consta como a do titular do veículo no Registo Automóvel, em observância do disposto no art. 11.º e 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

Nesta medida, a questão que se coloca é a de saber se a arguição da nulidade por esta via da impugnação judicial é o meio próprio para pôr em causa a decisão administrativa.

Ora, correspondendo a definitividade da decisão administrativa ao seu “trânsito em julgado”, a mesma já não pode ser objecto de impugnação judicial, uma vez que tal mecanismo processual corresponde a um recurso ordinário.

Pode-se dizer que “transitou mal em julgado”, porque o procedimento correu sempre à revelia do visado, mas ainda assim tornou-se definitiva. É, aliás, o que acontece na situação de preterição do acto de citação em processo civil: a sentença transita em julgado e não pode ser posta em causa pela via do recurso ordinário. Os meios próprios serão o recurso extraordinário de revisão ou a oposição à execução [ut arts. 771.º, al. e), e 814.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil].

Aqui, sendo aplicável subsidiariamente o Código de Processo Penal e, por força do disposto no art. 17.º-A, n.º 1, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, o Código de Procedimento e Processo Tributário, considerando a fase processual executiva em curso, o meio próprio para expor este fundamento de defesa será a oposição à execução em processo executivo fiscal [ut art. 204.º, n.º 1, al. i), do CPPT].

O mesmo vale para o conhecimento da prescrição da coima.

Independentemente do alegado, tal prescrição não pode já ser conhecida em sede de recurso ordinário porque a decisão tornou-se definitiva. Também este fundamento de defesa terá de ser invocado no processo executivo fiscal.

Dito isto, a conclusão que se impõe é de que o presente recurso não deveria ter sequer sido recebido, por ser intempestivo. Tendo-o sido e perante o exposto, cumpre julgar o recurso improcedente.


***

Pelo exposto, julgo o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida. (…)»

2.         Enquadramento legal.

No âmbito das contra-ordenações, o respectivo regime geral, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e subsequentes alterações, estabelece como princípio, no seu artigo 50.º, sob a epígrafe “direito de audição e defesa do arguido”, que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre, dando expressão às garantias afirmadas no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição.

Todas as decisões tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem; tratando-se de medida que admita impugnação, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação – artigo 46.º do mesmo diploma.

As notificações efectuam-se mediante contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado, por via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, por via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos, ou por editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir; quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação; quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação – artigo 113.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal, em princípio aplicável às contra-ordenações, nos termos do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial; o recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados – artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

No caso específico de infracções em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, o respectivo regime sancionatório é estabelecido pela Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho. Nos termos do seu artigo 5.º, alínea a), redacção inicial, constitui contra-ordenação, punível com coima, nos termos da aludida lei, o não pagamento de taxas de portagem resultante da transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens sem que o veículo em causa se encontre associado, por força de um contrato de adesão, ao respectivo sistema. O diploma em causa foi entretanto alterado, nomeadamente, pelo Decreto-lei n.º 113/2009, de 18 de Maio e pela Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, correspondendo a norma antes enunciada, nos seus precisos termos, ao artigo 5.º, n.º 1, alínea a), na redacção actualmente vigente.

Sempre que não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação, é notificado o titular do documento de identificação do veículo para que este proceda a essa identificação; para o efeito, as concessionárias e as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens podem solicitar, com base na matrícula dos veículos, à Guarda Nacional Republicana a identificação do proprietário ou do locatário em regime de locação financeira – artigos 10.º e 11.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho; o arguido, sendo notificado, pode então efectuar o pagamento voluntário da coima ou apresentar defesa por escrito – artigos 12.º e 13.º.

De acordo com as alterações entretanto introduzidas na redacção do artigo 11.º, pelo Decreto-lei n.º 113/2009, de 18 de Maio e pela Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, a solicitação a efectuar com base na matrícula dos veículos, relativamente à identificação do proprietário ou do locatário em regime de locação financeira, passou a ser directamente dirigida à Conservatória do Registo Automóvel. A identificação em causa inclui a indicação do respectivo domicílio.

O direito de propriedade relativamente ao automóvel, com inscrição do nome e residência habitual, a sua transmissão, tal como a alteração da morada ou sede do proprietário, do adquirente com reserva de propriedade, do usufrutuário, do locatário em regime de locação financeira ou do detentor do veículo estão sujeitos a registo obrigatório, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alíneas a), g) e j), e n.º 2, e 27.º-B, do Código do Registo Automóvel.

O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular, nos precisos termos em que o registo os define, onde se inclui a respectiva morada – artigo 7.º do Código de Registo Predial, aplicável por força do artigo 29.º do Código do Registo Automóvel.

A indicação da morada tem implicações e consequências jurídicas, cabendo ao titular providenciar pela sua actualização, nomeadamente no que se refere ao registo, sob pena de operarem as presunções decorrentes do registo.

Os dados pessoais referentes à situação jurídica de qualquer veículo automóvel constantes da base de dados podem ser comunicados aos organismos e serviços do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, para prossecução das respectivas atribuições legais e estatutárias, bem como às entidades a quem incumba a fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada e legislação complementar, para prossecução das respectivas atribuições – artigo 27.º-D, do Código do Registo Automóvel.

Ainda no âmbito do regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem e no que concerne às notificações, o artigo 14.º – que mantém a redacção originária da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho – estabelece que as mesmas se efectuam por carta registada com aviso de recepção, expedida para o domicílio ou sede do notificando. Se, por qualquer motivo, as cartas forem devolvidas à entidade remetente, as notificações são reenviadas para o domicílio ou sede do notificado através de carta simples; neste caso, o funcionário da entidade competente lavra uma cota no processo com a indicação da data de expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviada, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada, cominação que deverá constar do acto de notificação.

À luz do quadro legal que se deixa sumariamente enunciado será apreciada a pretensão do recorrente.

3.         A admissibilidade da impugnação.

Está em causa a imputação à arguida da prática de infracções ao disposto no artigo 5.º, alínea a), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, pretendendo esta que não foi notificada, quer dos autos de infracção, quer da decisão condenatória, proferida pela autoridade administrativa, por alegada falta de observância dos requisitos que a lei impõe.

A aludida infracção consubstancia-se na passagem das viaturas com as matrículas 18-EQ-81 e 53-DB-07 através de vias reservadas a aderentes via verde para cobrança de portagens em auto-estrada, sem que as mesmas se encontrem associadas, por força de contratos de adesão, ao respectivo sistema, não tendo por isso efectuado o pagamento das taxas de portagem devidas.

Conforme resulta dos autos, não foram identificados os condutores das viaturas no momento em que as mesmas transpuseram a barreira da portagem.

A autoridade administrativa obteve junto da Conservatória do Registo Automóvel a identificação da proprietária das viaturas aí registadas, à data dos factos, com a respectiva morada (entenda-se, a morada que aí constava); para esta foram remetidas as notificações, nos termos que antes se deixaram mencionados, quer em relação aos autos de notícia, através de cartas expedidas em 24 de Março e 22 de Junho de 2009 (cartas registadas) e 28 de Abril e 16 de Julho de 2009 (cartas simples), quer em relação à decisão proferida, através de cartas expedidas nas datas de 3 (carta registada) e de 29 de Dezembro de 2009 (carta simples).

Este procedimento mostra-se formalmente conforme ao que dispõem os artigos 10.º e 11.º da aludida Lei 25/2006.

O facto da morada obtida na conservatória poder já não corresponder à morada efectiva da arguida não prejudicaria, em princípio e por si só, a validade das notificações efectuadas, desde que se pudesse afirmar a inércia da recorrente e perante as disposições conjugadas dos artigos 29.º do Código do Registo Automóvel e 7.º do Código de Registo Predial e dos artigos 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho e 113.º do Código de Processo Penal.

Atendendo a tais regras e especificamente no que diz respeito à notificação da decisão da autoridade administrativa, a partir da qual se inicia o prazo para impugnação judicial, logo avulta que, no caso dos autos, tendo-se a arguida por notificada no quinto dia posterior à data em que foi expedida a comunicação, através de carta simples, e assinalando-se na cota documentada a fls. 27 que tal ocorreu em 29 de Dezembro de 2009, a notificação se teria concretizado em 4 de Janeiro de 2010 – culminando o prazo para a impugnação no vigésimo dia útil posterior. Na data em que o requerimento da arguida/recorrente foi expedido estava há muito ultrapassado o termo do prazo cujo início se reportava à aludida data de Janeiro.

Tem-se defendido este entendimento e continua a entender-se assim, sem prejuízo de se conhecer que o mesmo não é pacífico, pronunciando-se em sentido diverso, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2 de Maio de 2012, processo 7392/11.4TAVNG.P1, disponível na base de dados do IGFEJ e citado pela recorrente.

Pode questionar-se a conformidade deste entendimento com o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição – que, consagrando as garantias de processo criminal, estabelece que, nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

Como se vê da transcrição anteriormente efectuada, o artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, determina que, devolvida a carta registada para notificação e remetida, perante isso, carta simples com cota lavrada no processo, considera-se a notificação efectuada no quinto dia posterior à data indicada como de expedição.

Este procedimento visa assegurar uma maior celeridade processual, assentando para o efeito na credibilidade decorrente do registo e no pressuposto da sua actualidade.

A exigência do registo, as suas implicações e a importância que daí decorre quanto ao exercício dos seus direitos processuais de defesa são de conhecimento geral, recaindo sobre o titular do veículo a obrigação de providenciar pela respectiva actualização, face ao disposto nos artigos 5.º do Código do Registo Automóvel e 7.º do Código de Registo Predial, antes transcritos.

Em face disso, cabe ao proprietário do veículo, mudando de residência, providenciar pelo cumprimento da exigência legal antes mencionada, de modo a assegurar o efectivo conhecimento de notificações que lhe possam ser feitas, com referência à titularidade do veículo e às implicações daí decorrentes.

Assim, a presunção em causa, ocorrendo o cumprimento das obrigações que recaem sobre o proprietário do veículo, não põe em causa o seu direito de defesa e, nessa medida, não contraria o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição.

Acresce que a presunção referente à notificação admite prova em contrário; impõe-se no entanto que se evidencie que não ocorreu a entrega da notificação expedida em carta simples por facto a que o respectivo destinatário é estranho.

Obviamente, o entendimento que se vem expressando pressupõe que, no registo, subsiste a inscrição do proprietário do veículo; na verdade, cessando essa qualidade, mostrando-se inscrito outro proprietário, deixam de relevar as exigências antes enunciadas; na parte que aqui interessa, quando no próprio registo já é outro o titular inscrito, deixa de se exigir que o ex-proprietário do veículo proceda à actualização dos respectivos dados, nomeadamente, a sua morada, deixando de valer os dados aí registados enquanto elementos actuais, com particular destaque, justamente, para a morada indicada.

Esta situação não se confunde com a que resulta do facto de se manter como titular inscrito, em sede de registo, pessoa que já não é proprietária da viatura, nomeadamente porque a cedeu a título definitivo a outra pessoa.

No caso dos autos, conforme resulta dos factos que se deixaram expostos, tendo as infracções ocorrido em 28 de Junho e 9 de Setembro de 2008, é certo que apenas nas datas de 24 de Março e 22 de Junho de 2009 se desencadearam pela autoridade administrativa os procedimentos legalmente estabelecidos, de audição da proprietária dos veículos envolvidos.

Ora, em qualquer destas datas e desde 29 de Outubro de 2008, a arguida já não era proprietária inscrita do veículo com a matrícula 18-EQ-81, em causa nos presentes autos.

Em tais circunstâncias, se a informação prestada pela Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa continua a ser pertinente no que concerne à identificação do titular inscrito à data dos factos, já a actualidade da respectiva morada/sede não pode ser assegurada por essa via. Dito de outro modo, deixa de operar a presunção derivada do registo.

Ora, não operando a presunção, não podem considerar-se consequências que dela decorrem; no que aqui interessa, não pode presumir-se a correcção da respectiva morada em função do que consta do registo. Daí que à entidade titular da fase administrativa do processo, sabendo que a morada constante do registo automóvel não correspondia ao domicílio da arguida (sendo essa era a informação constante das cartas remetidas para essa morada e sempre devolvidas), coubesse diligenciar pela obtenção da informação relativa ao domicílio actual da recorrente, de modo a que lhe fosse assegurada a possibilidade de defesa, como decorre da aplicação subsidiária dos princípios e regras do processo penal (aplicáveis nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), procedimento que porventura veio entretanto a adoptar como parece decorrer do facto de ter entretanto remetido precatória para execução, para o Serviço de Finanças de Oeiras.

Assim, não pode considerar-se que a arguida/recorrente tenha sido devidamente notificada da decisão administrativa em causa, pois não o foi no seu domicílio, pelo que será tempestiva a respectiva impugnação judicial.

Considera-se na decisão recorrida que, sendo definitiva a decisão administrativa, apesar do procedimento ter sempre corrido à revelia do visado, já não pode ser objecto de impugnação judicial, uma vez que tal mecanismo processual corresponde a um recurso ordinário, sem prejuízo de, considerando a fase processual executiva em curso, poder expor os fundamentos de defesa através de oposição à execução em processo executivo fiscal.

Não se acolhe esse entendimento: o facto da recorrente ter tomado conhecimento da condenação a que reage já no âmbito do processo de execução fiscal a ela relativo e poder deduzir oposição a essa execução com base em eventuais vícios do título executivo em que se traduz tal condenação, não obsta a que se deduza a impugnação judicial da mesma nesta sede; trata-se de duas questões distintas que não se excluem.

Assim, dando-se provimento ao recurso que aqui se aprecia, impõe-se a revogação do despacho recorrido, que não admitiu a impugnação judicial interposta pelo recorrente por extemporaneidade, e a sua substituição por decisão que aprecie os fundamentos de impugnação enunciados pelo recorrente, nomeadamente a prescrição do procedimento.

III)

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando a descida dos autos à primeira instâncias, para apreciação dos fundamentos de impugnação enunciados pelo recorrente, nomeadamente a prescrição do procedimento.

Sem custas.


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(Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto - Relator)

(Fernanda Ventura)