Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1630/22.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
PLURALIDADE DE FUNDAMENTOS
DANOS SOFRIDOS PELA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 130.º; 608.º, 2 E 615.º, 1, D), DO CPC
ARTIGOS 483.º E SEG.S; 1672.º E SEG.S; 1781.º, 1, D) E 1792.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I-Em acção de divórcio, verificado um dos fundamentos invocados para a dissolução do matrimónio (nomeadamente o previsto no artº 1781, nº1, d) do C.C.), não carece o tribunal de prosseguir a causa, para averiguação dos demais factos alegados que integram outros fundamentos de divórcio, por tal constituir a prática de um acto inútil (cfr. artº 130 do C.P.C.).

II- A omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença, ao abrigo do disposto nos artºs 608, nº2 e, 615, nº1, al. d) do C.P.C., circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade esta distinta da invocação de um facto ou argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado e que sejam absolutamente inócuos à pretensão e à boa decisão dos pedidos formulados e das excepções deduzidas pelas partes.

III- Até à entrada em vigor da Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro, o divórcio litigioso, conforme decorria do disposto no artº 1787 do C.C., implicava que um dos cônjuges fosse declarado culpado ou principal culpado do divórcio, pela violação dos seus deveres conjugais.

IV-Esta declaração possibilitava que o cônjuge culpado, ou principal culpado pelo divórcio, ficasse constituído no dever de indemnizar o outro cônjuge pelos danos decorrentes da dissolução do casamento, devendo esta indemnização ser peticionada na própria acção de divórcio, em conformidade com o disposto no artº 1792 do C.C. (na redacção do DL n.º 496/77, de 25 de Novembro), mas sem que estivessem excluídos os demais danos causados ao outro cônjuge, os quais teriam de ser peticionados nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual, nos tribunais comuns.

V- A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro ao eliminar o conceito de “culpa” no âmbito do processo judicial de divórcio litigioso, veio consagrar expressamente a possibilidade de o cônjuge lesado peticionar uma indemnização ao cônjuge lesante, nos termos gerais da responsabilidade civil (artº 483 do C.C.), não já restrito aos danos sofridos pela dissolução do matrimónio, mas conferindo-lhe o direito à tutela de todos os danos causados pelo cônjuge lesante, independentemente da violação de outros direitos abso­lutos pessoais.

VI-Nesta medida, caberá ao cônjuge lesado interpor acção comum com vista ao ressarcimento dos danos sofridos, cabendo-lhe alegar e provar naquela acção os pressupostos da responsabilidade civil previstos nos arts. 483º e seguintes do CC.

VII-Para o efeito, é irrelevante o modelo de divórcio seguido pelos cônjuges, não podendo em qualquer caso significar a renúncia ao direito a uma indemnização.

Decisão Texto Integral:

Relatora: Cristina Neves

1.º Adjunta: Silvia Pires

2.º Adjunta: Teresa Albuquerque

Proc. Nº 1630/22.5T8CTB.C1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízos de Família e Menores de Castelo Branco.

Recorrente: AA

Recorrida: BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque

                                        Sílvia Pires

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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

A 04/10/2022, AA, intentou a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB,  peticionando que se decrete o divórcio, dissolvendo-se o casamento celebrado entre autor e ré, com fundamento na separação de facto do casal desde 22 de Janeiro de 2022 e, por outro lado, na ruptura definitiva do casamento, sustentada numa relação extraconjugal da ré, não pretendendo manter o vínculo matrimonial ou de restabelecer a vida em comum com a ré.

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A 11/10/2022, BB intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra AA, ao qual foi atribuído o n.º de processo 1664/22...., peticionando que se decrete o divórcio, dissolvendo-se o casamento celebrado entre a ali autora e o ali réu, por separação de facto do casal desde Fevereiro de 2022 e por outro lado, pela prática pelo R. de actos de violência doméstica que conduziram à ruptura definitiva do casamento, não tendo intenção de reestabelecer a vida matrimonial.

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Regularmente citados os réus em cada um dos autos, procederam-se às tentativas de conciliação das partes a que aludem os artigos 931.º n.º 1 do Código de Processo Civil e 1779.º n.º 1 do Código Civil, as quais resultaram frustradas.

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Por despacho de 21/11/2022, proferido no processo n.º 1664/22...., foi determinada a apensação daqueles autos aos presentes, para efeitos de uma tramitação conjunta, passando os mesmos a ter o n.º de processo 1630/22.....

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Notificado para o efeito, no âmbito dos presentes autos principais, a ré contestou, apresentando defesa por impugnação e deduziu reconvenção, concluindo, a final, no sentido de que deve ser decretado o divórcio entre a ré e o autor, com fundamento na ruptura do casamento nos termos que já haviam sido sustentados na petição inicial apresentada no apenso A.

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No âmbito do apenso A, o ali réu, aqui autor, também deduziu contestação, apresentando defesa por impugnação e concluindo, a final, pela absolvição do réu do pedido.

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Dispensada a audiência prévia, após audição de ambas as partes, veio o tribunal a proferir despacho de acordo com o qual se considerava já habilitado a decidir a causa e, nessa sequência, proferiu sentença com o seguinte teor:

Em face do exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente e julga-se a acção que corre termos no apenso A totalmente procedente e, em consequência:

1. Decreta-se o divórcio entre AA e BB, com a consequente dissolução do seu casamento.

2. Condena-se o autor e a ré no pagamento das custas processuais respeitantes aos presentes autos, bem como no pagamento das custas processuais respeitantes ao apenso A, fixando-se a responsabilidade de cada uma das partes, em ambos os processos, em 50%.


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Não conformado com esta decisão, impetrou o A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“1ª

O recorrente propôs acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge não tendo aceite a convolação do mesmo em divórcio por mútuo consentimento por pretender fazer prova dos factos alegados tendo em vista a prova da violação dos deveres conjugais por parte da R. e ainda a propositura de uma futura acção para reclamar danos morais e patrimoniais pela actuação da, ainda, mulher que violou dos seus direitos de personalidade.

Volvida a fase dos articulados por douto despacho de 17/02/2023 disse o tribunal “a quo”: “…que está já em condições de conhecer de imediato do mérito da causa, face aos factos que se encontram assentes por acordo das partes e face aos documentos autêntico juntos aos autos…”

O recorrente por requerimento de 28/02/2023 opôs à pretensão do Juiz “a quo”.

O tribunal “a quo” proferiu douto despacho, em 30/03/2023, pelo qual decidiu:

“…dispensa-se a realização da audiência prévia para os fins para os quais havia sido convocada, proferindo-se sentença de imediato.”

Na sequência, foi proferida douta sentença pela qual foi decretado o divórcio entre A. e R.

Justificando a decisão dizendo, “…Isto posto, compulsados os factos dados como provados, afigura-se-nos que a apontada ruptura definitiva e irreversível do casamento é manifesta no caso em apreço, face aos factos que emergem em comum das alegações das partes (e das peças processuais que foram apresentadas nas acções entrecruzadas do autor e da ré), os quais traduzem uma manifesta cessação da vida em comum dos cônjuges, expressa numa cessação da comunhão de leito e de mesa que perdura, pelo menos, desde Fevereiro de 2022 e que se encontra concretizada nos factos assentes n.ºs 5, 11, 12 e 14. Assim, pese embora continuem a partilhar casa, os cônjuges não têm relações sexuais entre si; não dormem juntos; não fazem refeições juntos; não dialogam entre si; passam os serões em divisões separadas da casa. Fica até subentendido nos articulados das partes que, se os cônjuges continuam a partilhar a habitação, tal se deve apenas e só a uma falta de entendimento quanto ao cônjuge que deve ali permanecer e a quem deve ser atribuído o uso da casa de morada de família….

Verificam-se, pois, os pressupostos exigidos pela alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil para o decretamento do divórcio entre as partes, restando apenas julgar procedente a acção, decretando-se o divórcio entre as partes com base no referido fundamento legal.”

O recorrente não se conforma com o douto despacho consequentemente com a douta sentença por ausência de produção de prova sobre os factos alegados pelo A. que consubstanciam a violação dos seus direitos de personalidade e dos deveres conjugais de fidelidade, respeito, coabitação, etc., por parte da R.

O direito a indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil, por remissão do art.º 1792º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, pressupõe que no âmbito da acção de divórcio serão fixados os factos que servirão de base à futura acção de indemnização dos danos causados pelo cônjuge lesante. Assim, considera o recorrente que o tribunal “a quo” fez errada interpretação do art.1792º do CC.

Na verdade, tendo sido proferida sentença sem produção da prova arrolada pelo recorrente foi-lhe coarcatado o seu direito à prova dos fundamentos do divórcio por si invocados o qual significa que as partes conflituantes, por via de acção e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal.

Consequentemente a sentença padece de nulidade, pois o tribunal não apreciou todos os factos controvertidos e questões que lhe foram apresentados e fundamentos alegados pelas partes, não podendo por economia processual relegar ao desconhecimento factos importantes.

Compulsados os autos verifica-se desde logo que existe factualidade controvertida na qual o recorrente funda a sua pretensão que não foi considerada e que esses factos deverão ser atendíveis face às várias soluções jurídicas, nomeadamente quanto aos fundamentos de divórcio nos termos do artigo 1781.o, als. A e D), do Código Civil e quanto à violação dos direitos de personalidade do A..

10ª

Assim, o tribunal “a quo” omitiu em absoluto qualquer produção de prova sobre factualidade que assume a natureza de factos controvertidos e como tais relevantes para a decisão da causa que lhe foi apresentada, designadamente a violação dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação, etc.

11ª

De acordo com o disposto no art.615º nº1 al.D do C.P.C. é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” No caso dos autos o tribunal “a quo” não se pronunciou acerca de factos importantes sobre os quais o recorrente fundou o seu pedido de divórcio.

Na verdade, o tribunal “a quo” só se pronunciou quanto à questão da separação de facto entre os cônjuges há mais de um ano, olvidando-se das demais alegadas violações dos deveres conjugais.

12ª

Os factos já provados em sede 1ª instância podem, desde já, ser aproveitados devendo ser nos termos do no1 do art. 665 do C.P.Civil, declarada a nulidade parcial da decisão proferida na 1a instância.

Nestes termos requer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso e declarada a nulidade parcial da decisão proferida na 1a instância.”


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Não foram interpostas contra-alegações.


*


O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade invocada pelo apelante da seguinte forma:

Nas conclusões do recurso apresentado, suscita o recorrente a nulidade da sentença indicada no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC.

Conforme é pacificamente expresso pela jurisprudência, a apontada nulidade só ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, estando tal nulidade correlacionada directamente com o comando previsto no artigo 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras).

Acresce que, para este efeito, as questões a decidir não se confundem com os argumentos invocados pelas partes, pois só a desconsideração pelas primeiras é que determina o preenchimento da referida nulidade.

Ora, a decisão recorrida apreciou os pedidos formulados pelas partes, julgando o pedido deduzido pelo recorrente totalmente procedente e fê-lo sustentado numa parte dos fundamentos invocados pelo próprio recorrente/autor, integrantes da causa de pedir invocada pelo mesmo.

Nenhuma das questões a decidir ficou por apreciar, não se impondo ao Tribunal, por força do disposto no referido artigo 608.º do CPC (ou qualquer outro normativo), que conheça da totalidade dos argumentos invocados pelo autor para consubstanciar a causa de pedir que serviu de fundamento ao pedido formulado, sobretudo quando, como no caso, tal tarefa importaria a prática de actos processuais inúteis ao fim do presente processo (e, por conseguinte, importaria a prática, nestes autos, de actos processuais proibidos).

Na decisão recorrida ponderou-se, ainda, as razões invocadas pelo autor, justificando-se, suficientemente, a razão de se entender que nada obstava ao conhecimento imediato do mérito da causa (aliás, sustentada no artigo 595.º n.º 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi o artigo 932.º do CPC), esclarecendo, ainda, a razão por que tal decisão não cerceava a tutela jurisdicional efectiva quanto a qualquer outra pretensão que o autor pretendesse deduzir em acção subsequente, que não a presente e, nesse sentido, justificou-se a razão pela qual tal interesse processual do autor não colidia com a referida inutilidade dos actos processuais que a parte pretendia praticar.

Em reforço do exposto, diga-se, ainda, que nos parece que o recorrente não põe em causa a “manifesta procedência” dos pedidos de divórcio, não esclarecendo que outras soluções jurídicas poderia a presente causa ter, face aos factos dados como assentes, se o Tribunal tivesse produzido prova, como pretende o recorrente, com vista a conhecer da factualidade por si alegada e que se encontrava e permaneceu controvertida.

Inexiste, por conseguinte, qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida, pelo que, a nosso ver, não se verifica a apontada causa de nulidade da sentença.

Em face do exposto, entende-se que a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade.


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. rtigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado a totalidade dos factos alegados pelo A.

b) Se se impunha o prosseguimento dos autos com vista à fixação dos factos relevantes para futura acção de responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais por parte da R.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“1. Autor e ré contraíram casamento no dia 25 de Junho de 1999, sem precedência de convenção antenupcial.

2. Deste casamento nasceram CC, a .../.../2000 e DD, a 21/07/2004, encontrando-se a respectiva filiação registada a favor das partes.

3. Inicialmente, autor e ré fixaram residência na Quinta ..., em ..., tendo-se mudado, posteriormente, para a Rua ..., em ....

4. A partir de 2021, o autor trabalhava fora de ..., só regressando a casa ao fim-de-semana.

 

5. A ré deixou de estar receptiva a quaisquer intimidades e a relações sexuais com o autor.

6. A ré recusava ao autor o acesso ao seu telemóvel.

7. O autor sempre trabalhou para proporcionar à ré e aos filhos boas condições financeiras.

8. EE, conhecido por FF, é amigo da família da ré, nomeadamente, da ré e do irmão GG.

9. A ré troca mensagens com o referido FF.

10. A filha DD tem uma relação distante com o autor.

11. Autor e ré não dormem no mesmo quarto desde data não concretamente apurada, mas, seguramente, pelo menos, desde Fevereiro de 2022.

12. As refeições são feitas em separado, sendo que apenas esporadicamente se encontram à mesa, mas sem encetarem qualquer diálogo.

13. Os filhos não fazem as refeições ao mesmo tempo que o pai.

14. Autor e ré passam os serões em diferentes divisões da casa.

15. O autor não pretende restabelecer a vida com a ré.

16. A ré não pretende restabelecer a vida com o autor.”


***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Vem o recorrente invocar a nulidade parcial da decisão recorrida por entender que o juiz se não pronunciou sobre todas as questões que lhe incumbia, ao não ter apurado os demais factos alegados pelo A., integradores de violação dos deveres conjugais por parte da R.

Alega ainda que a fixação destes factos era essencial e condição prévia para a propositura de futura acção contra a R. com fundamento em responsabilidade civil por violação dos seus deveres conjugais.

Cumpre-nos, assim decidir

a) Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado a totalidade dos factos alegados pelo A.

Resulta do disposto no artº 615 nº1 d) do C.P.C., que a sentença é nula quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Trata-se este de um vício formal que respeita aos limites da sentença e cuja verificação afecta a sua validade. A nulidade prevista neste preceito legal está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Neste aspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Com efeito, a omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença, circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade esta distinta da invocação de um facto ou argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado e que sejam absolutamente inócuos à pretensão e à boa decisão dos pedidos formulados e das excepções deduzidas pelas partes.

Com efeito, como é jurisprudência assente e melhor explicada no Ac. do STJ de 29/11/05[1], “o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (6) não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.”

Prossegue este acórdão referindo que “A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005).

Ocorre que tendo em conta a finalidade da acção, que visava a dissolução do matrimónio entre os cônjuges, A. e R., o tribunal a quo não deixou de conhecer da questão de fundo, ou seja, do fundamento invocado para o divórcio, sendo certo que invocados diversos fundamentos para o divórcio, não se exije que o tribunal, verificado um destes fundamentos (o previsto no artº 1781, nº1, d) do C.C.), esgote todos os demais com vista à mesma solução.

Nada na lei processual civil o impõe, ou sequer o permite e, na realidade, os demais factos elencados pelas partes eram inócuos e irrelevantes para a boa decisão desta causa, sendo certo que o recorrente não impugna o decidido quanto à dissolução do casamento com fundamento na ruptura definitiva da vivência em comum. Ou seja, para o recorrente verifica-se este fundamento para a dissolução do matrimónio que o unia à R., simplesmente pretende que sejam apreciados os demais, não com vista à solução deste pleito, pois que para tal é desnecessário, mas para fixação de factos com vista a uma futura acção de responsabilidade civil a interpor contra esta R.

Esta pretensão, com todo o respeito por opinião contrária, mormente pela contida no Acórdão citado pelo recorrido, não pode proceder, por não ter qualquer acolhimento no disposto no artº 1792, nº1, do C.C., nem nos termos gerais da responsabilidade civil.

A acção de divórcio e a problemática da indemnização devida ao cônjuge incumpridor por violação dos seus direitos patrimoniais ou absolutos, não constitui excepção, como se passará a expor.

Até à entrada em vigor da Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro, o divórcio litigioso, conforme decorria do disposto no artº 1787 do C.C., implicava que um dos cônjuges fosse declarado culpado ou principal culpado do divórcio, pela violação dos deveres conjugais. Esta declaração, nos termos previstos no artº 1792 do C.C. (na redacção do DL n.º 496/77, de 25 de Novembro), constituía o cônjuge culpado, ou principal culpado pelo divórcio, no dever de indemnizar o outro cônjuge pela dissolução do casamento (sofrimento ocasionado pelo divórcio, a desconsideração social daí adveniente, etc.), devendo o pedido ser formulado na própria acção de divórcio.

Não previa, no entanto, de forma expressa, a in­demnização resultante da violação dos deveres conjugais que eram causa do divórcio, o que deu origem à doutrina defendida por alguns autores[2] da fragilidade da garantia, ou seja, da tutela jurídica concedida ao cônjuge lesado que, no âmbito deste preceito, não poderia nem peticionar o cumprimento dos deveres conjugais (contidos na previsão dos artºs 1672 e segs. do C.C.) nem obter uma indemnização pelo seu incumprimento.

Com efeito, como assinala CRISTINA DIAS[3]entendia‑se que a violação dos deveres conjugais tinha sanções es­pecíficas dentro do Direito da Família que afastavam a obrigação de indemnizar resultantes das regras gerais da responsabilidade civil. No domínio das relações fa­miliares existem certos institutos, como o dever de assistência e a obrigação de alimentos, ou mesmo o divórcio e a separação de pessoas e bens, que tornariam dispensável o recurso a medidas que, “pela sua expressão material e egoísta, colidem com as exigências morais dos altos valores em jogo na sociedade conjugal”.

As regras da responsabilidade civil (arts. 483.º e segs. do Código Civil) não se apli­cariam no caso de violação dos deveres familiares pessoais, devendo fazer‑se, conse­quentemente, uma interpretação restritiva daquelas regras gerais. Proteger‑se‑ia, as­sim, a família evitando que “as portas do santuário familiar” se abrissem aos tribunais.”

Nestes termos, de acordo com esta doutrina, em caso de incumprimento destes deveres restava ao cônjuge não culpado, intentar acção de divórcio e peticionar uma indemnização restrita aos danos sofridos por causa da dissolução do vínculo no âmbito da acção de divórcio e nos próprios Tribunais de Família e não nos termos gerais da responsabilidade civil extra-contratual, prevista no artº 483 do C.C.

No entanto, mesmo na redação anterior deste preceito legal, para outros autores[4] e para a maioria da jurisprudência em especial do Supremo Tribunal de Justiça, aos deveres conjugais, apesar da sua natureza “sui generis”, correspondiam direitos subjectivos privados, pelo que a sua lesão fazia incorrer o lesante em responsabilidade civil, nos termos gerais previstos nos artºs 483 e segs., pelos danos que fossem causados, já não em consequência da dissolução com culpa do matrimónio, mas pela violação de direitos ou interesses juridicamente tutelados do lesado, a ressarcir em acção autónoma.

Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985[5] decidiu que, embora o artº 1792 do C.C. compreendesse unicamente os danos não patrimoniais causados pelo próprio divórcio, devendo assim considerar-se excluídos os danos ocasionados pelos factos que fundamentam o divórcio, estes “sejam de natureza patrimonial ou não, podem dar lugar à obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 483º do Código Civil, devendo a indemnização ser solicitada em processo comum de declaração.

Ainda neste sentido defendeu-se no Acórdão desta Relação de 27/02/2007[6] que no âmbito do artº 1792 do C.C. “são tão somente abrangidos os danos não patrimoniais (também designados de danos morais) que resultaram directamente da dissolução do casamento, isto é, somente aqueles danos não patrimoniais causados pela própria dissolução do casamento, e já não também aqueles outros que resultaram dos factos que constituíram o fundamento para que fosse decretado o divórcio e, consequentemente, dissolvido o casamento, ou seja, aqueles outros danos que resultaram da conduta violadora de algum dos deveres conjugais que conduziu a que fosse decretado o divórcio, sendo que estes últimos danos, ao contrário dos primeiros (que cuja indemnização terá que ser pedida na própria acção que decretou a dissolução do casamento), só poderão obter indemnização em acção autónoma e própria instaurada para o efeito.” (negrito nosso).

Por sua vez HORSTER[7] defendia no âmbito da anterior redacção deste preceito legal, a possibilidade de indemnização nos termos da responsabilidade civil extra-contratual, mesmo naqueles casos em que não existisse simultaneidade entre a violação de um dever conjugal e um direito de personalidade do outro cônjuge considerando que “os direitos familiares pessoais-pese embora a sua natureza sui generis-são concebidos como direitos privados, o que significa que lhes subjaz o binómio “liberdade-responsabilidade”. Quem lesar o direito subjectivo de outrem responde pelos danos causados.”, pelo que não “é admissível que qualquer dos cônjuges possa em qualquer momento, violar os seus deveres para com o outro na plena convicção de não vir a ser responsabilizado por aquilo que fez.”

Quer isto dizer, que no âmbito da anterior redacção deste preceito apenas se admitia a indemnização dos danos não patrimoniais resultantes da dissolução do matrimónio, constituindo pressupostos deste direito a “a) existência de uma sentença judicial que declare o outro cônjuge, de quem se reclama indemnização, o único ou, pelo menos, o principal culpado pela ruptura conjugal; b) a existência de danos (não patrimoniais) que resultem directamente da dissolução do casamento; c) que essa indemnização seja deduzida na própria acção que decretou o divórcio.”(Ac. cit.), mas sem que estivessem excluídos os demais danos causados ao outro cônjuge, os quais teriam de ser peticionados nos termos gerais da responsabilidade civil extra-contratual, nos tribunais comuns.

Fruto da evolução do entendimento do conceito de casamento e da actual dinâmica familiar vertida na maioria das legislações europeias, o legislador, conforme decorre da exposição de motivos que antecedeu este diploma, e que constam do Projecto Lei n.º 509/X, pretendeu eliminar a “culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro e alargar “os fundamentos objectivos da ruptura conjugal.”

Nestes termos “qualquer cônjuge que considere que o seu casamento já não reúne condições de afetividade, de equilíbrio emocional ou que atente contra a sua dignidade deve poder pôr termo à relação conjugal, mesmo contra a vontade do outro cônjuge. A invocação da rutura definitiva da vida em comum deve ser fundamento suficiente para que o divórcio possa ser decretado, sem necessidade de mais condições e sem estar na dependência da aceitação do outro cônjuge.”[8], ou seja, sem necessidade de aferição de culpa de qualquer dos cônjuges e sem dependência sequer de prazo, conforme decorre da adopção pelo legislador de uma clausula geral, constante da alínea d) do artº 1781 do C.C.

Pretendeu o legislador adoptar um modelo de divórcio fundado em causas objectivas e já não subjectivas, fundado na ruptura definitiva da vida afectiva e familiar daqueles cônjuges, por contraponto ao modelo de divórcio-sanção até então adoptado, considerando que o matrimónio constitui um projecto contratual e voluntário de vida em comum, que só existe e tem sentido enquanto se configurar como tal, mas não existe quando um dos membros já não pretende permanecer neste projecto de vida e assume uma intenção de ruptura definitiva do modelo existente, ainda que contra a vontade do outro cônjuge. O casamento é afinal um projecto que só faz sentido se assumido por ambos os cônjuges.

Como bem se refere no Ac. STJ de 9 de Fevereiro de 2012[9], passou-se do modelo de «divórcio-sanção» para o modelo «divórcio-constatação da ruptura conjugal» que prescinde do elemento de culpa.

Da exposição de motivos desta lei e das alterações efectuadas ao regime de divórcio vigente, se tem de concluir que, conforme enunciado, o legislador procurou activamente evitar que qualquer cônjuge permanecesse casado contra a sua vontade, independentemente da averiguação dos factos que traduzam culpa na dissolução do casamento, por violação dos deveres conjugais de algum dos cônjuges.

A outra importante alteração introduzida pela Lei nº 61/2008, na sequência da eliminação da culpa como fundamento do divórcio sem consentimento do outro cônjuge, decorreu da alteração do artº 1792 do C.C., decorrendo agora do seu nº 1 que “O cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.”

Efectivamente, a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro ao eliminar o conceito de “culpa” no âmbito do processo judicial de divórcio litigioso, veio consagrar expressamente a possibilidade de o cônjuge lesado peticionar uma indemnização ao cônjuge lesante, nos termos gerais da responsabilidade civil (artº 483 do C.C.).

Assim, em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016[10], defendeu-se que “em caso de concomitância de violação dos deveres conjugais pessoais e dos direitos de personalidade do cônjuge lesado, impõe-se reconhecer a admissibilidade do direito a indemnização com base nos termos gerais da responsabilidade civil”.

Este entendimento resulta vertido igualmente no Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 25/03/2021, decidiu-se que “A responsabilidade civil entre cônjuges decorrente do art. 1792º/1, do CCivil, abrange apenas a responsabilidade extracontratual, abrangendo os danos que resultem da violação de direitos de personalidade.”

Embora do teor destes Acórdãos pareça decorrer que este direito a indemnização por parte do cônjuge lesado, abrange apenas os danos resultantes da violação de deveres conjugais que ofendam direitos de personalidade do lesado, deve entender-se que o artº 1792 do C.C., não efectua esta restrição, sendo concedido ao lesado o direito à tutela de todos os danos causados pelo cônjuge lesante nos termos gerais da responsabilidade civil, quer afectem os seus direitos de personalidade, quer lhe causem danos relevantes, ainda que sem afectação de direitos de personalidade. [11]/[12]

Nesta senda e como certeiramente refere CRISTINA DIAS[13]Apesar da controvérsia doutrinal a propósito da tutela exclusivamente familiar dos deveres conjugais, nomeadamente, com o divórcio, e a interpretação restritiva pro­posta por alguns autores para o art. 1792.º, pode o cônjuge lesado nos seus direi­tos (conjugais) recorrer às regras gerais da responsabilidade civil (extracontratual e, eventualmente, contratual), independentemente da violação de outros direitos abso­lutos pessoais.”

Da alteração efectuada a este preceito e ao regime de divórcio resulta que a violação dos deveres conjugais não deixou de ter consequências, simplesmente não no exclusivo âmbito da dissolução do matrimónio (o que já era defendido pela maioria da jurisprudência). É perante os tribunais comuns, em acção própria, que o cônjuge lesado poderá obter indemnização pelos danos causados pelo cônjuge lesante, nos termos gerais da responsabilidade civil, prevista no artº 483 do C.C. Conforme se explicita na exposição de motivos que antecedeu esta Lei, este sistema constitui “o corolário da retirada da apreciação da culpa do âmbito das acções de divórcio.

Nesta medida, caberá ao cônjuge lesado interpor acção comum com vista ao ressarcimento dos danos sofridos, cabendo-lhe alegar e provar naquela acção os pressupostos da responsabilidade civil previstos nos arts. 483º e seguintes do CC.

O defendido pelo recorrente, não só não tem acolhimento no disposto no artº 1792, nº 1, do C.C., como retiraria qualquer efeito prático a este preceito, pois que imporia que os factos relativos à violação dos deveres conjugais e da culpa de um dos cônjuges fosse fixada nessa acção, com a única diferença de ao invés do pedido ser formulado na própria acção de divórcio, ser formulado em acção autónoma, com aproveitamento dos factos nela apurados o que seria, além do mais, uma incongruência processual e uma extensão inadmissível dos efeitos do caso julgado.

Para este efeito é irrelevante o modelo de divórcio seguido pelos cônjuges. Conforme também já defendido em Ac. desta Relação de 10/11/2015[14]o divórcio por mútuo consentimento que as partes escolheram para dissolver o casamento não retira à Autora interesse em agir, enquanto pressuposto processual que consiste na necessidade de tutela judiciária, e também não significa, sem mais, uma renúncia tácita ao direito de indemnização por danos não patrimoniais, agora reclamados.”, o que conduz à conclusão da inutilidade de alegação de qualquer facto ou de averiguação de factos que possam vir a sustentar um futuro pedido de indemnização em acção autónoma,[15] pelo que inútil seria o prosseguimento desta acção, devendo o tribunal abster-se da prática de actos inúteis (artº 130 do C.P.C.).

Assim sendo, improcede a apelação, mantendo-se o decidido na decisão recorrida que decretou o divórcio entre A. e R.


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação interposta pelo A., mantendo nos seus precisos termos a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante (artº 527 nº1 do C.P.C.)

                                               Coimbra 26/09/23



[1] Proferido no processo nº 05S2137, de que foi relator Sousa Peixoto, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[2] Entre eles ANTUNES VARELA, João de Matos, Direito da Família (1.º Volume), Petrony, 5ª edição, págs. 369-371 e LEITE DE CAMPOS, Diogo, Lições de Direito da Família e das Sucessões, Almedina, 2.ª edição, 2008, págs. 141-142. Para um estudo mais aprofundado desta teoria, vide PINHEIRO, Jorge Duarte O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Almedina, 2004, págs. 568 e segs.
[3] DIAS, Cristina, Responsabilidade civil entre os cônjuges – o afastamento da fragilidade da garantia e o papel dos tribunais, Uminho Editora, 2021, disponível no endereço https://hdl.handle.net/1822/75294.
[4] Nomeadamente HORSTER, Heinrich, “A Respeito da Responsabilidade Civil dos Cônjuges entre si (ou: A Doutrina da “Fragilidade da Garantia” será válida?”, Revista Scientia Juridica, Janeiro-Junho 1995, Tomo XLIV, números 253/255, págs. 115-117; CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, Da responsabilidade civil dos cônjuges entre si, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pág. 175. Por sua vez, PINHEIRO, Jorge Duarte O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal…, ob. cit., a págs 659, afirma que apesar de no regime português se privilegiar a vertente sancionatória, não afasta nem “torna inútil o recurso ao instituto geral da responsabilidade civil.”   

[5] Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 345, a págs. 414. No mesmo sentido o Ac. do S.T.J., de 26 de Junho de 1991, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 408 a págs. 538.
[6] Proferido no processo nº 687/05.8TBCNT.C1, de que foi relator Isaías Pádua, disponível em www.dgsi.pt
[7] Ob. cit., pág. 116, 117.
[8]Divórcio e Responsabilidades Parentais”, 2ª edição, CEJ, Dezembro de 2013
[9] Relator Hélder Roque, proferido no proc. 819/09.7MPRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt

[10] Relator Tomé Gomes, proferido no processo nº 2325/12.3TVLSB.L1.S1.

[11] A possibilidade de ressarcimento de danos não decorrentes de uma violação dos direitos de personalidade do cônjuge lesado, não sendo objecto deste acórdão, é questão que tem vindo a dividir a doutrina, embora se mostre mais pacificada na jurisprudência. Assim, PEREIRA COELHO, Francisco Brito em comentário ao Acórdão do STJ de 12 de Maio de 2016 cit. intitulado “– STJ – Acórdão de 12 de maio de 2016: Deveres conjugais e res­ponsabilidade civil – estatuto matrimonial e estatuto pessoal (não matrimonial) dos cônjuges.”, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência”. Ano 147.º, n.º 4006, Set‑Out., 2017, pp. 54‑67, veio defender que a responsabilidade prevista neste preceito apenas opera se a violação de um dever conjugal corresponder a uma violação de um direito de personalidade do cônjuge, posição igualmente seguida por OLIVEIRA, Guilherme, no seu artigo “RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS”, Lex Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), págs. 63, que considera que o casamente se afigura realmente como uma área de excepção e que “a dogmática tradicional da interpretação da lei seria suficiente para produzir uma interpretação restritiva do art. 1792.º, n.º 1, reduzindo a “responsabilidade civil” à responsabilidade delitual, de tal modo que esta norma afastasse o princípio geral da responsabilidade civil por violações especificamente matrimoniais (“endofamiliares”) que não ofendessem direitos de personalidade do lesado, como era o seu propósito”. No sentido de que o “casamento não cria uma área de excepção” pelo que a violação de “deveres conjugais, incluindo deveres distintos do de respeito e de feição mais íntima, como os de fidelidade e coabitação, pode acarretar responsabilidade civil, ao abrigo das regras gerais (cfr. art. 483 e s.)”, vide DUARTE PINHEIRO, Jorge, O Direito da Família Contemporâneo, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2016, pág. 395: ainda neste sentido defende LEITE DE CAMPOS, Diogo e MARTINEZ DE CAMPOS, Mónica, em Lições de Direito da Família, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 354, que “São indemnizáveis todos os danos sofridos, sem excepção (…) Alguns desses danos não estão conexionados com o estado de casado. Será, por ex., o caso do bom nome e reputação (…) Outros derivarão da violação de deveres decorrentes do casamento...”: Por último, excluindo uma interpretação restritiva do artº 1792 do C.C., PEDRO, Rute Teixeira, no seu artigo A responsabilidade civil como (derradeira) manifestação de juridicidade dos deveres conjugais? – anotação ao Ac. do STJ, de 12.05.2016. “Cadernos de Direito Privado”. N.º 61, Janeiro‑Março de 2018, pág 52‑62. defende que “o facto de o lesante e lesado estarem ligados por um vínculo familiar – no caso conjugal – não deve ditar a exclusão do funcionamento da responsabilidade civil. E seria, assim, independentemente do teor normativo atual do art. 1792.º, n.º 1, já que a proteção conferida pelo art. 483.º, n.º 1, aos bens de personalidade não pode ser travada pelo contexto conjugal de produção dos danos. Quando o ato desvalioso consubstancia uma violação dos deveres familiares (conju­gais) a cujo cumprimento aquele cuja responsabilidade se equaciona está vinculado na qualidade de cônjuge do lesado, pensamos que dois caminhos são equacionáveis para fundar a sua responsabilidade.” É esta a posição por nós seguida por entendermos que o artº 1792 do C.C. não restringe o direito geral de indemnização do lesado por actos ilícitos e danosos do lesante, no âmbito da responsabilidade civil-extra-contratual, à semelhança aliás do que vinha já sendo defendido no regime anterior a esta Lei 61/2008.
[12] Defendendo que “é admissível a indemnização do cônjuge lesado, por danos não patrimoniais resultantes quer da violação dos deveres conjugais na constância do matrimónio (podendo os mesmos constituir simultaneamente uma violação dos direitos de personalidade), quer da cessação do vínculo matrimonial, por divórcio, sendo estes danos apreciados nos termos gerais constantes dos arts. 483º e 496º, ambos do CC, em acção própria a interpor nos tribunais comuns e independentemente do matrimónio já ter sido dissolvido, por divórcio. Por outro lado, pode ainda o cônjuge lesado demandar o outro cônjuge por forma a obter a condenação deste no pagamento dos danos patrimoniais decorrentes da prática de factos ilícitos violadores dos deveres conjugais, concomitantes aos direitos de personalidade, ocorridos na constância do matrimónio, e dos danos patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento, por divórcio, nos termos conjugados dos arts. 1792º, nº 1, 1672º e 483º, todos do CC.”, vide o Ac. do TRL de de 28/05/2019, proferido no processo nº 7865/18.8T8LSB.L1-7, de que foi relatora Ana Rodrigues Silva, disponível em www.dgsi.pt
[13] Ob. cit, pág. 74.
[14] Proferido no processo nº 360/14.6TBCTB.C1, de que que foi relator Jorge Arcanjo, disponível in www.dgsi.
[15] Idêntico entendimento resulta vertido no Ac. do TRL de 28/05/2019, proferido no processo nº 7865/18.8T8LSB.L1-7, já citado, segundo o qual “O facto de se convolar um divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento não pode determinar a renúncia ao correspectivo direito de indemnização, nos termos do artigo 217º, nº 1, do CC.”