Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1660/11.2TBNC.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: RECURSO
TELECÓPIA
TEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DECLARADO EXTINTO, POR PRESCRIÇÃO, O PROCEDIMENTO CRIMINAL
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, N.ºS 1, 3 E 5, DO DL 28/82, DE 27-02; ARTIGO 2.º DA CONVENÇÃO EUROPEIA PARA A CONTAGEM DE PRAZOS, ASSINADA POR PORTUGAL EM 20-11-1979
Sumário: É tempestivo o recurso interposto, via fax, antes das 24 horas do dia em que terminava o prazo para recorrer, mesmo se o recorrente juntou o respectivo original, independentemente de despacho, para além do prazo de 10 dias referido no artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.
Decisão Texto Integral:          Decisão sumária, artº 417º nº6 al. c) do Cód. Proc. Penal:

 

        1. A..., completamente identificado nos autos, impugnou judicialmente a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que lhe aplicou a coima de €180,00 (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias (trinta) dias, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artº 27º nº1 e 2, alínea a), 2º, 138º e 145º al. c), do Código da Estrada.

Por decisão proferida em 24 de Janeiro de 2013, inserta a fls. 133 e seg., proferida no 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, foi parcialmente provido o recurso de impugnação judicial, reduzida a coima para o montante de €140,00 (cento e quarenta euros) a pagar em duas prestações de € 70 (setenta euros cada), mantendo-se no mais o decidido pela autoridade administrativa.

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2. De novo inconformado com o assim decidido veio o infractor recorrer para este tribunal alegando para além do mais, a prescrição do procedimento contra-ordenacional, que na sua tese teria ocorrido em 14 de Setembro de 2011, data em que decorreram dois anos sobre os factos que lhe deram causa 14 de Setembro de 2009.

O Magistrado do Ministério Público, aceitando, embora, que a prescrição ocorreria (as alegações deram entrada em 7 de Março de 2013) em 14 de Março de 2013, defende que ela não operou porque o recurso foi interposto fora de prazo.

O recurso foi recebido em 13 de Março de 2013 e enviado a este tribunal, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, reiterando a tese defendida na 1ª instância, entendeu também, que o recurso devia ser rejeitado por ter sido interposto para além do prazo.

Notificado nos termos do artº 417º nº2 do CPP, o recorrente veio defender a tempestividade do recurso que foi interposto via telefax.

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3. As excepções invocadas, a procederem, obstam ao conhecimento do recurso.

Tempestividade do recurso:

Apesar de o Ministério Público ter considerado como data da interposição do recurso, a entrada dos originais na secretaria do tribunal recorrido, e não ter feito qualquer referência ao que foi enviado por telefax, porque tal questão é do conhecimento oficioso (artº 414º nº2 e 420 nº1 al. b) do C.P.Penal), vejamos se o recurso pode ser rejeitado por intempestivo:

 Como já referimos, a sentença foi proferida em 24 de Janeiro de 2013, e logo notificada presencialmente ao arguido e seu mandatário, e na mesma data, depositada – fls. 150 e 151.

Em 4 de Fevereiro de 2013, no 10ª dia posterior à prolação da sentença, e portanto no último dia do prazo, pelas 19 horas e 41 minutos, deu entrada na secretaria judicial, por telecópia, o requerimento a interpor recurso acompanhado pela respectiva motivação e conclusões, fls. 152 a 164, cujo original juntou em 18 de Fevereiro de 2013, sem que fosse previamente notificado para tal, fls. 165 e seg.

Encontra-se junta a fls. 176, a guia comprovativa do pagamento de taxa de justiça, que foi efectuado também em 4 de Fevereiro de 2013.

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O Dec.Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, ainda não expressamente revogado, que visou desburocratizar e modernizar os serviços judiciais, veio possibilitar a transmissão de documentos e de actos processuais no processo penal por telecópia, (artº 2º nº1 e 3º nº1), faculdade que desde a entrada em vigor do Dec.Lei nº 329-A/95 de 12 Dez., passou também a ter consagração na lei adjectiva civil (artº 150º nº 3 do C. P. Civil), e que hoje está consagrada no artº 150º nº2 al. c) do Cód. Proc. Civil (redacção do Dec. Lei nº 303/2007 de 24.06), aplicável ao proc. penal ex vi artº 4º e 104º do CPP.

O artº 4 nº1 do Dec.Lei 28/92 citado, que tem por epigrafe “Força probatória”, consagra uma presunção “juris tantum” acerca da autenticidade das peças processuais enviadas por telecópia, que se presumem em conformidade com o original até prova em contrário.

Por seu turno, de harmonia com o nº3 do mesmo artº 4º, os originais dos articulados, bem como quaisquer de quaisquer documentos enviados por telecópia, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial respectiva, no prazo de 10 dias contados do envio por telecópia, podendo o juiz, nos termos do nº4, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação (sublinhado nosso).

Prescrevendo o nº5 do mesmo artº 4º que “ não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, não o fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artº 385º do Código Civil”.

Resulta do que foi dito, que o arguido devia ter remetido ou apresentado na secretaria judicial o original das alegações no prazo de 10 dias a contar do envio da telecópia, o que só veio a acontecer 14 dias depois.

Será que este atraso de 4 dias, no envio dos originais, inviabiliza que as alegações sejam aceites?

Afigura-se-nos que não.

Como resulta das normas supra citadas, o original destina-se apenas a confirmar a telecópia, que mesmo sem a entrega desta, continua a beneficiar da presunção de validade, que só será ilidida, se o original não corresponder à telecópia, o que não é o caso, ou se o sujeito processual que a enviou for notificado para a apresentar e não o fizer, neste caso aplica-se a sanção do nº5, ou seja, o articulado não aproveita ao seu apresentante, ficando por isso, sem efeito.

Ora, se a todo o tempo o juiz pode determinar a apresentação do original, é porque o prazo referido no nº4 é meramente indicativo, não arrastando o seu incumprimento ou o cumprimento tardio, como foi o caso, qualquer consequência para o sujeito processual que o apresentou (no sentido defendido, conf. Ac. Rel de Coimbra de 09.05.2006, Proc. 1219/06 e da Rel. Lisboa de 12.06.2008, Proc. 4749/2008.6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que apesar de terem sido proferidos no domínio da jurisdição civil tratam da questão de não apresentação dos originais da telecópia).

Diga-se, ainda, que o facto de a telecópia ter sido expedida fora do horário normal da secretaria também não tem qualquer relevância para a tempestividade do recurso, pois, de acordo com o artº 2º da Convenção Europeia para a Contagem de Prazos, assinada por Portugal em 20 de Novembro de 1979, (disponível no site DGPJ e citada no Ac. STJ, fixação de jurisprudência, nº 148/07.0TAMBR.P1-B.S1) a contagem do prazo inicia-se às 24 horas do “dies a quo” e termina às 24 horas do “dies ad quem”

Conclui-se, assim, que tendo o arguido remetido as suas alegações de recurso, via fax, ao tribunal recorrido antes das 24 horas do dia em que terminava o prazo, e juntando posteriormente o original independentemente de despacho, o recurso tem de ser considerado tempestivo, improcedendo assim a pretensão do Ministério Público.

Prescrição:

Não existindo este óbice ao conhecimento do recurso, logo outro se levanta, que é o de saber se ocorreu a prescrição do procedimento contra-ordenacional:

O recorrente defende que a prescrição ocorreu em 14 de Setembro de 2011, data em que se completaram 2 anos após a prática da infracção que ocorreu em 14 de Setembro de 2002 (conclusões 3 a 12) defendendo que o Código da Estrada, na redacção posterior ao Dec.Lei 44/2005 de 23 de Fevereiro, passou a regular a matéria da prescrição dos ilícitos e das penas nele previstos, artº 188º e 189º, não prevendo qualquer causa de interrupção ou de suspensão do procedimento por contra-ordenações estradais.

Apesar de o procedimento criminal estar efectivamente prescrito, importa ainda que de forma breve referir que o recorrente não tem razão quanto ao prazo de prescrição.

Com efeito, como é jurisprudência, ao que sabemos, pacífica, (conf. a título meramente exemplificativo o Ac. Rel Coimbra, de 22.10.2008, proc. 127/06.5TBNC.C2, disponível in www.dgsi.pt) apesar de desde a alteração efectuada ao Código da Estrada pelo diploma citado, as contra-ordenações estradais terem um prazo normal de prescrição específico, deixando, por isso de estar sujeitas neste particular, prazo normal de prescrição, ao regime geral das conta - ordenações, regulado na lei quadro, Dec.Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, RGCO, em tudo o mais que se refere a este instituto, não vemos como afastar estas infracções  da lei quadro na matéria.

Diremos apenas, que se o legislador tivesse querido afastar as contra ordenações rodoviárias do regime geral do instituto da prescrição, na sua totalidade, certamente não tinha regulado apenas o prazo normal de prescrição das contra-ordenações e respectivas sanções, teria efectivamente regulado de modo autónomo o instituto.

Que assim é resulta desde logo, do artº 132º do Código da Estrada, que prevê expressamente a aplicação subsidiária, às contra-ordenações rodoviárias, o regime geral das contra-ordenações

Mal se entendia, aliás, que a alteração profunda ao Código da Estrada efectuada pelo Dec.Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro, que teve como matriz “ proporcionar índices elevados de segurança rodoviária ao utentes” (art.º2º da Lei nº 53/2004 de 4 de Novembro, autorização legislativa que permitiu ao governo proceder à revisão formalizada no Dec.Lei citado) e da qual resulta uma maior severidade e eficácia na punição dos ilícitos estradais, não tivesse, na prática, qualquer efeito a nível da prescrição dos ilícitos rodoviários, sabido como é que o prazo consagrado no RGCO, era fonte de elevada impunidade deste tipo de ilícitos, radicando aqui, por certo, a alteração efectuada a este propósito (conf. artº 3º onde na al. dd) da referida lei de autorização legislativa, se prevê o alargamento do prazo prescricional).

Resulta daqui que ao prazo normal de prescrição resultante do artº 188º do Cód. Estrada, têm de se aplicar as regras da suspensão e de interrupção do prazo reguladas, respectivamente pelos artº 27-A e 28º do RGCO.

A prescrição interrompeu-se várias vezes, quando o arguido foi notificado ao longo do processo das vicissitudes deste, sendo que entre cada facto interruptivo, nunca ocorreu o prazo de dois anos, começando a partir de cada interrupção a correr novo prazo de prescrição, artº 121º nº2 do Cód.Penal, que ainda se não completou desde o último facto interruptivo, decisão em primeira instância 24 de Janeiro de 2013, artº 28 nº1 do RGCO.

Porém, reza o nº3 do citado artº 28º, “que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”.

Ou seja, a prescrição tem sempre lugar quando desde o seu início decorram três anos (dois anos prazo normal + um ano metade desse prazo) mais o tempo de suspensão, que se for determinada pelas alíneas b) e c) do nº1 artº 27-A do RGCO, não pode exceder seis meses (nº2 do artº 27-A).

No caso vertente a prescrição interrompeu-se de 7 de Dezembro de 2011, fls. 46, data em que foi notificado ao arguido o despacho que procedeu ao exame preliminar da decisão da autoridade administrativa até à decisão final do recurso, 24 de Janeiro de 2013, data da prolação da sentença (artº 27-A nº2 al. c)). Como este prazo é superior a seis meses só estes entram no cômputo do prazo do nº3 do artº 28º.

Assim, temos que o prazo de prescrição no caso vertente é de três anos e seis meses.

Tendo a contra-ordenação ocorrido em 14 de Setembro de 2009, o prazo prescricional completou-se em 14 de Março de 2013.

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Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, declara-se extinto por prescrição o procedimento criminal instaurado nestes autos contra A..., e em consequência não se conhece do objecto do recurso – artº 417º nº6 al. c) do Cod. Proc. Penal.

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Sem tributação.

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Oportunamente, remeta os autos ao tribunal recorrido onde serão arquivados.

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(Cacilda Maria do Casal Sena)