Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1075/13.8TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
SUSPENSÃO DE ACÇÕES
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 17º-E, Nº 1 DO CIRE.
Sumário: I – - Na previsão do art. 17º-E, nº1 do CIRE, e quanto à suspensão das acções aí previstas, cabem as de natureza executiva para pagamento de quantia certa e as acções declarativas destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias.

II - Fora da previsão desse normativo ficam as acções executivas que não tenham por finalidade o pagamento de quantia certa (v.g. as destinadas a entrega de coisa certa ou a prestação de facto); os procedimentos cautelares que não sejam antecipatórios de cobranças de dívida e as acções declarativas em que o pedido não seja o de cumprimento de obrigação pecuniária e, ainda, aquelas outras em que o pedido principal não seja o de cumprimento de obrigação pecuniária, mesmo que, de forma secundária e para o caso de o pedido principal obter procedência, se deduza pedido de indemnização.

Decisão Texto Integral:

      Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 656 do Código de Processo Civil, designadamente por a questão já haver sido apreciada de modo reiterado pela jurisprudência dos tribunais superiores, passa-se a conhecer do recurso através de decisão singular se bem que não necessariamente sumária.

Relatório

No Tribunal da Comarca de Viseu - Instância local cível de Viseu J1- e na acção declarativa com forma de processo sumário que A… moveu contra L…, Ldª, o autor pediu a condenação da ré a

“reparar adequadamente todos os problemas do tractor agrícola em causa (viatura de marca Agriful modelo 8050 com matrícula JG-…) de modo a esta viatura poder trabalhar e com segurança;

- Substituir a mesma viatura por outra com o acordo do Autor e que esteja em perfeitas condições de ser utilizada e com segurança e ainda com igual prazo de garantia de dois anos (caso seja usada) e

- Ainda a pagar ao autor indemnização pela provação do uso do mesmo tractor por danos patrimoniais no valor de € 4.000.00 (quatro mil euros) acrescida de juros legais desde a citação até efectiva e integral reparação ou substituição do tractor e pagamento da mesma indemnização”.

Tendo sido realizado o saneamento do processo através do despacho de fls. 99 a 109 com a fixação dos factos assentes e da base instrutória foi designada data para julgamento, ao qual se veio a proceder como consta da respectiva acta.

Na acta de julgamento o tribunal recorrido proferiu decisão da qual consta que

“Foi-me agora presente o Processo Especial de Revitalização da aqui ré. Trata-se do processo nº ...

Compulsados os respetivos autos, verifico que foi proferido a fls. 155 e 156 o despacho a que se refere o artº 17º-C, nº 3, al. a) do CIRE.

Nos termos do disposto no artº 17º-E, nº 1 do referido CIRE, tal despacho suspende, quanto ao devedor, o prosseguimento das ações para cobrança de dívidas.

Assim sendo, cumpre desde já ouvir o autor e a ré para se pronunciarem sobre o efeito de tal despacho no decurso desta ação.

Solicite, desde já, ao referido processo de revitalização certidão do despacho proferido a fls. 155/156, a fim de ser junto a estes autos.

Notifique.”.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o autor concluindo que:

Cumpre decidir.

 Fundamentação

Os factos que servem a decisão a proferir no presente recurso são os que constam do relatório, nomeadamente o teor do despacho recorrido e bem assim os elementos da presente acção, maximé, o teor do articulado inicial do autor com o respectivo pedido, razão pela qual se considera desnecessário repetir aqui, de novo, esses elementos, sem embargo de os mesmos se fazerem constar por expresso na medida em que a exposição decisória o vier a reclamar como útil.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do presente recurso versa sobre saber se o art. 17 E nº1 do CIRE se aplica aos presentes autos, isto é, se por força desse normativa se deveria ter determinado, como determinou, a suspensão da instância ou se, ao invés, como o autor defende, a acção deveria prosseguir os seus termos.

O art. 1º do CIRE (na redacção dada pela Lei nº16/2012, a qual procedeu à sexta alteração ao CIRE, em vigor desde 20.05.2012) determina o seguinte:

“1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

2. Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I”.

Sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização” estipula o art. 17º-A do CIRE, no seu nº1, que “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.

O artº 17º-C do CIRE determina que:

“1. O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

2. A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3. Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos: a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações (…)”.

E finalmente, o artigo 17º-E, nº1 do CIRE prescreve que “A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do art. 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Temos, assim, que o processo especial de revitalização visa permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, sendo seu objectivo “(…) alterar o espírito do regime, colocando a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património, para satisfação dos credores”[1].

E no reforço deste enquadramento Luís Menezes Leitão refere que a introdução deste novo processo especial “não vem só por si destruir a filosofia geral do Código, assente, como se referiu, no sistema de falência-liquidação, mas não há dúvida que a atenua em parte”[2].

É no âmbito deste processo de revitalização e servindo as suas finalidades que o art. 17-E, nº 1 do CIRE estabelece que se suspendam, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade às de cobrança de dívida.

É na interpretação deste segmento normativo que se discute quais as concretas acções que devem ser suspensas.

Em anotação a este preceito, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis defendem que ele abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no art. 867 ou 869 do CPC) e os procedimentos cautelares antecipatórios das acções que deveriam ser suspensas ao abrigo deste preceito legal”[3], acrescentando ainda que devem ser consideradas excluídas todas e quaisquer acções declarativas.

Fazendo remeter a previsão de acção de cobrança de dívida para aquelas que se destinam a obter o pagamento coercivo sustentam estes autores que a diferente terminologia utilizada neste preceito e no art. 88 do CIRE faz concluir que aqui (no art. 17-E) se pretendeu restringir às acções executivas e, dentro destas, às de cobrança de dívida, ou seja as acções executivas para pagamento de quantia certa. Por outro lado, sustentando que as acções declarativas, mesmo as destinadas a condenar o devedor no pagamento de uma quantia certa, não cabem na previsão do preceito em estudo, argumentam que nesse tipo de acções se está ainda numa fase prévia em que se discute o reconhecimento da dívida mas em que ainda não se pede, nem pode pedir, a sua cobrança coerciva. Aliás, será esta a razão pela qual, para estes autores, se não deverá admitir que as acções declarativas não possam ser extintas quando o mesmo normativo acrescenta que as acções de cobrança de dívida se extinguem com a aprovação e homologação do Plano de recuperação, porquanto esta admissibilidade importaria uma situação de desprotecção para os credores que veriam extintas as acções declarativas por si propostas contra o devedor e, por consequência, não teriam forma de fazer valer o seu direito[4].

Compassado com esta interpretação o Ac. da Rel. de Lisboa de 11/7/2013 tendo por relator Leopoldo Soares e disponível em dgsi.pt entendeu que não se vislumbra que a expressão, contida no citado artº 17º-E, nº1 do CIRE, “para cobrança de dívida” abranja as acções declarativas, já que uma acção para cobrança de dívida não equivale, nem é sinónimo, de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias, e isto porque o autor de acção declarativa em que invoque a verificação de um crédito sobre outrem só seria efectivamente declarado credor caso a acção procedesse.

Não obstante a lógica jurídica destes argumentos julgamos que na interpretação do preceito discutido se deve fazer intervir de forma decisiva o sentido teleológico da norma, contextualizado pelas situações naturalísticas a que pretendeu dar resposta.

Neste sentido, a jurisprudência que temos por amplamente maioritária, na observação das consequências práticas obtidas pelas diversas interpretações, entende que o art. 17-E nº1 se aplica não só às acções executivas para pagamento de quantia certas como também às declarativas que visem a condenação do devedor numa quantia pecuniária.

Como se escreveu num desses acórdãos “(Nos) termos da norma legal que prevê a suspensão das acções em curso, por efeito da comunicação da pretensão do início das negociações do devedor com os credores, para a recuperação económica daquele, não se surpreende qualquer distinção entre acções declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.

Para além do legislador não poder ignorar a existência das espécies de ações, consoante o seu fim, também, por outro lado, não pode o intérprete desprezar o efeito na vida do devedor, nomeadamente de uma sociedade comercial, provocado pela negação da suspensão da ação, depois de iniciado o processo especial de revitalização. Destinando-se este processo a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos. Com efeito, não será prudente olvidar a intenção declarada do legislador, ao instituir o processo especial de revitalização, de permitir ao devedor, com o acordo total ou maioritário dos credores, a sua recuperação da situação económica difícil, caracterizada pela dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações.

Por outro lado, tal acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE). Ora, se qualquer ação contra o devedor não fosse suspensa, estar-se-ia privilegiar, sem razão justificativa, um credor, sendo certo que o objetivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa, com um tratamento igualitário dos credores.

Se a pretensão da recuperação económica do devedor, encontrado numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, é iniciativa daquele, já a viabilização da recuperação cabe aos credores, sendo certo que, pelas relações económicas estabelecidas com o devedor, estão em condições privilegiadas para o fazerem e, por essa via, poderem salvaguardar, porventura de forma mais eficaz, a solvabilidade dos seus créditos, para além de outras vantagens sociais relevantes.
Nestes termos, e levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE prevê qualquer ação judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor”.
[5]

Com igual entendimento também Catarina Serra defende que “Contrastando com a cuidadosa redacção actual do art. 88.º, o texto do n.º 1 do art. 17.º-E vem permitir, na parte final, que estas acções de cobrança de dívidas (entenda-se: declarativas e executivas) que estão suspensas se extingam quase irrestritamente: logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”[6]. E nisto é acompanhada por João Aveiro Pereira, estimando este que “embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa”[7].

Igualmente, na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda defendem que não referindo o preceito quais as acções que se suspendem e extinguem, nem o que deve entender-se por “cobrança de dívidas”, a paralisação aqui determinada deve abranger todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, “as acções declarativas condenatórias” e também “acções com processo especial e procedimentos cautelares”[8].

No confronto das distintas interpretações e para lá de termos por razoável e seguro que o legislador no artº 17º-E nº1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, sendo isto um indicador de que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, julgamos que são estas que atingem de forma mais directa o património do devedor e é este património que se pretende salvaguardar como ponto de partida para uma revitalização ainda possível do devedor, não esquecendo que mesmo em termos de literalidade o preceito inclui a expressão “acções em curso com idêntica finalidade”, não aludindo à espécie de acção mas à sua concreta finalidade.

Como propende Madalena Perestelo de Oliveira, a suspensão dos processos traduz-se na “forma de protecção do devedor, que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas dos credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que o levou à insolvência. Ao mesmo tempo protege os credores, na medida em que evita que credores individuais utilizem a massa insolvente para a sua própria satisfação”. E, mais à frente, “Não obstante as falhas de regime, o PER concretiza, assim, o entendimento dominante, em especial desenvolvido nos Estados Unidos, quanto ao processo de insolvência: (i) as diligências de salvamento de uma empresa devem ser tomadas suficientemente cedo para que ainda haja possibilidade de sucesso; (ii) deve ser concedido à empresa um «breathing space», ou seja, um período durante o qual os credores não possam reclamar os seus créditos, para que as tentativas de recuperação sejam mais bem sucedidas; (iii) deve ser tomado em consideração um leque mais vasto de interesses, que envolverá todos aqueles potencialmente afectados pela insolvência, independentemente da qualidade de credores”[9].

Numa brevíssima recensão da jurisprudência observamos que é indiscutivelmente maioritário e predominante o entendimento que também nos defendemos de que na previsão do art. 17-E nº1 do CIRE cabem as acções executivas para pagamento de quantia certa e as declarativas onde se reclame o pagamento de obrigações pecuniárias e em todos esses acórdãos subjaz a ideia dos efeitos e da adequação desta interpretação às finalidades pretendidas com a institucionalização do Processo e especial de Revitalização[10].

Na presença de todas estas considerações e na sua transposição para a situação descrita nos autos, o que verificamos é que na acção o autor/recorrente pede a condenação do réu na reparação ou na substituição de um tractor agrícola que se diz ter sido vendido pelo apelado, acrescentando a este pedido o do pagamento de indemnização a título de danos morais e patrimoniais pela privação do uso desse mesmo tractor.

Decorre directamente do pedido que em primeiro lugar se discute a regularidade do objecto da venda de forma a decidir se o mesmo deve ser substituído ou reparado.

Ora, manifestamente, que com este pedido a acção não deveria ser suspensa por força da existência do Processo Especial de Revitalização e isto porque na acção não está em causa uma cobrança de dívida com o sentido de cumprimento de obrigações pecuniárias, sendo antes a obrigação de prestação de facto (reparação ou subsituição do veículo).

Mesmo que não sugestionados pela circunstância de a suspensão ter sido determinada em audiência de julgamento e quando terminou toda a produção de prova, estando-se pois na iminente proximidade da decisão de direito, tomando apenas o argumento tido por decisivo na decisão recorrida e segundo o qual “ pelo menos em parte trata-se de uma acção de cobrança de dívida” cremos que a interpretação alargada do art. 17-E nº 1 do CIRE não abrange no entanto casos como o dos autos.

A reclamação judicial do cumprimento de uma obrigação pecuniária que pode ser havido com cabimento no preceito em análise, cremos que não é aquele que resulte de forma mediata ou indirecta da definição de uma obrigação prévia que não é pecuniária, como acontece no caso em decisão.

Aqui, o que se discute em primeira linha são os efeitos de uma venda de um bem realizado pela ré ao autor, bem esse que se diz defeituoso, reclamando-se por isso, como contrapartida a reparação dos seus defeitos ou a sua substituição.

É verdadeiramente este o objecto da acção e, perante ele, mesmo na oposição das duas correntes interpretativas afirmadas, julgamos que em ambas se entenderia estar este tipo de acção fora da previsão do art. 17-E nº1. É que sendo a acção definida por este objecto (directo e imediato) a circunstância de se reclamar também uma indemnização relativa à privação do uso do veículo não é bastante, quer para suspender a acção quer para realizar essa suspensão parcialmente e reportando-a apenas ao pedido indemnizatório.

Não se trata de o pedido indemnizatório não ser cindível do resto dos pedidos mas antes de este mesmo pedido ser absolutamente secundário e de todo dependente do conhecimento daqueles outros que são formulados antes.

A incidência no património da ré das obrigações que se discutem nesta acção é de tal forma indirecta que bastará ter presente o declarado efeito de extinção das acções em caso de aprovação do plano de recuperação, para concluirmos que, neste caso, seria no mínimo forçado e infundado no contexto dos interesses de recuperação, que se viesse a julgar extinta esta acção deixando por decidir se, a viatura deveria ser ou não reparada ou substituída.

Assim, considerando que o pedido indemnizatório formulado está dependente dos pedidos de reparação ou substituição da viatura e não pode razoavelmente ser considerado autonomamente para efeitos de determinar se a obrigação discutida é ou não de cobrança de dívida, entende-se que, pelas razões expostas, deve a acção prosseguir os seus termos não lhe sendo aplicável o art. 17-E nº1 do CIRE.

Sumariando esta decisão nos termos do art. 663 nº7 do CPC deixa-se expresso que:

- Na previsão do art. 17-E nº1 do CIRE, e quanto à suspensão das acções aí previstas, cabem as de natureza executiva para pagamento de quantia certa e as acções declarativas destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias.

- Fora da previsão desse normativo ficam as acções executivas que não tenham por finalidade o pagamento de quantia certa (v.g. as destinadas a entrega de coisa certa ou a prestação de facto); os procedimentos cautelares que não sejam antecipatórios de cobranças de dívida e as acções declarativas em que o pedido não seja o de cumprimento de obrigação pecuniária e, ainda, aquelas outras em que o pedido principal não seja o de cumprimento de obrigação pecuniária, mesmo que, de forma secundária e para o caso de o pedido principal obter procedência, se deduza pedido de indemnização.

Decisão

Pelo exposto, decide julgar procedente a Apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrido e determinar o prosseguimento dos presentes autos.

Custas, pelo Apelado

Coimbra, 3 de Março de 2015 

Manuel Capelo


***


[1] Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 53 e também Catarina Serra in "Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE", in I Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação: Catarina Serra, Almedina, 2013, págs. 85/106, a págs. 88/89).

[2] Direito da Insolvência, 5.ª edição, Almedina, 2013, pág. 72.
[3] PER – o Processo Especial de Revitalização, comentários aos arts. 17-A a 1/-I do CIRE, Coimbra Editora, 2014, p. 98.

[4] Op.cit p. 100 e em sentido concorde o Ac. da Rel. de Lisboa, relator Leopoldo Soares de 11/7/2013, in dgsi.pt

[5] Ac. Relação de Lisboa de 21/11/2013 (relator Olindo Gerlades), in www.dgsi.pt. E no mesmo sentido ac. Relação do Porto de 18/12/2013, relator José Eusébio, in dgsi.pt.

[6] Op. cit. p. 99.

[7] A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37.

[8] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Lisboa, 2013, pp. 164-165.
[9] O Processo Especial de Revitalização: o novo CIRE, páginas 718, 719 e 720, em Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012) – número 3.

[10] Vd. para lá dos citados os acs. RC de 27-2-2014 no p. 1112/13.6TTCBR.C1; ac RC de RC 25-2-2014 no p. 350/09.0T2AND.C1; ac RL de 5-6-29014 no proc. 171805/12.0YIPRT.L1-2 e ac. R L de 18-6-2014 no proc.    899/12.8TTVFX.L1-4, todos publicados in dgsi.pt