Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1034/22.0T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
COMPENSAÇÃO
EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 266.º, 2, C) E 732.º, A), DO CPC
ARTIGOS 817.º E 847.º, 1, ), DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Para efeitos de compensação, o requisito segundo o qual o crédito deve ser exigível judicialmente não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de, nos termos do art.º 817º do Código Civil, ser judicialmente reconhecido, nomeadamente através de ação de cumprimento.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Por apenso aos autos nº 1034/22...., e com fundamento no artigo 729.º, n.º 1, h), do CPC, a executada R..., Ld.ª deduziu em 26-09-2022 os presentes embargos de executado, pedindo que seja a embargada C..., Ld.ª condenada a liquidar à embargante a quantia de €24.319,72 e operar-se a respetiva compensação em relação ao montante peticionado pela embargada/exequente.

Alegou para tanto, e em síntese:

-A presente execução funda-se no requerimento de injunção n.º 15460/22...., requerimento esse ao qual foi aposta a fórmula executória;

-O crédito que a embargante/executada agora se arroga só poderia ser peticionado em sede reconvencional, articulado esse manifestamente impossível em sede da tramitação definida no DL 269/98;

-Dessa sorte, a embargante não pôde, em tal sede, peticionar o seu crédito por impossibilidade legal, pelo que os presentes embargos são legais e legítimos;

-Do requerimento de injunção resulta que a pretensão da embargada/exequente assenta em quatro faturas: a M/217, de 20.01.2022, com vencimento no próprio dia, no valor de €14.000,00, a M/219, de 20.01.2022, com vencimento no próprio dia, no valor de €11.121,96, a M/221, de 20.01.2022, com vencimento no próprio dia, no valor de €4.100,00 e a M/222, de 20.01.2022, com vencimento no próprio dia, no valor de €1.600,00;

-Ora, não só tais faturas correspondem a empreitadas que não foram concluídas pela embargada, como, ademais, são empreitadas em que a embargante teve que contratar terceiros para concluir os trabalhos em apreço;

-Para além das empreitadas iniciais, a embargada foi contratada para a execução adicional das seguintes empreitadas: DM, VC, JC, RS, MP, LK, CM, AA e TC (explicitando-se que esta nomenclatura se refere às iniciais dos donos de obra), mas que têm a seguinte correspondência topográfica:

DM                             Murtosa

VC                               Albergaria-a-Velha

JC                                Lagares da Beira

RS                                Alto dos Gaios

LK                                Quinta do Conde

CM                               Pinhal Novo

AA                                Nogueira da Regedoura

TC                                 Cernache;

-Tais empreitadas ficaram por concluir sem qualquer explicação por banda da embargada, nomeadamente ao nível da conclusão da execução das respetivas lajes e mais alguns trabalhos que constavam expressa do orçamento apresentado por banda daquela;

-Assim, a embargante viu-se na contingência de mandar executar os termos dos trabalhos por terceiros, sendo que estes, naturalmente, cobraram pela execução dos mencionados trabalhos e daqui emergindo o crédito que a embargante se arroga sobre a embargada e que se passa a descrever;

-A embargante suportou e irá suportar – em pagamentos um total de €24.319,72, quantia essa que se reporta a trabalhos que a embargada deveria executar e que não fez pelo que, consequentemente, esta deve ser condenada a reintegrar o património da embargante;

-Como a próprio embargada confessa – o que se aceita para não mais ser retirado – a embargante, após a entrada do requerimento de injunção, ainda entregou a quantia de €5.002,24 (cfr. doc. 48 em anexo) – e não €5.000,00 como, por lapso, alegou –, pelo que o montante alegadamente em dívida será de apenas €26.280,00;

Por mera operação matemática, aceita a embargante ser devedora da quantia de tão somente €1.958,04 (€26.277,76-€24.319,72) por operação do mecanismo da compensação de créditos.

Em 17-10-2022 foi proferida despacho com o seguinte dispositivo:

“Termos em que, atentos os fundamentos “supra” explanados, por manifestamente improcedentes, decido indeferir liminarmente os presentes embargos de executado.

São devidas custas pela Embargante (cfr. art.º 527.º, n.º 1 e 2 do nCPC).

Valor dos Embargos: o da Execução (cfr. art.º 304.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 e 2 do nCPC).”

A embargante R..., Lda. interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. A recorrente/executada veio aos autos deduzir embargos de executado invocando uma série de créditos que detinha sobre a exequente visando, dessa forma, a compensação de créditos entre as partes.

2. Em sede da p.i. de embargos constata-se que foi alegado que a execução na génese do presente dissídio fundava-se num requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória (artigo 1.º da p.i.), que o crédito que a ali embargante se arrogava só poderia ser peticionado em sede reconvencional [tal como preceitua o artigo 266.º, n.º 2, c), do CPC], articulado esse manifestamente impossível em sede da tramitação definida no DL 269/98 (artigo 2.º da p.i.) e alegou igualmente a embargante que não podia ter peticionado o seu crédito no processo de matriz declarativa, pelo que os embargos deduzidos eram a primeira oportunidade de que a ora recorrente dispunha para peticionar o seu crédito, sendo consequentemente legais (artigo 3.º da p.i.).

3. Este é entendimento que melhor salvaguarda a possibilidade de se exercitar, em tempo útil e pela forma mais expedita, o direito à defesa bem como contraria os princípios da celeridade, da proibição da prática de atos inúteis e o do ónus da concentração processual.

4. Sob pena de violação dos artigos 848.º, n.º 1, do CC, 729.º, h), 266.º, n.º 2, c), 130.º e 131.º, todos do CPC, deve o presente proceder e, em consequência, ser revogada a sentença que decidiu pelo indeferimento liminar dos embargos sendo substituída por uma decisão de admissão da p.i. apresentada, assim se fazendo JUSTIÇA!”.

A embargada apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

“i. A Recorrente deduziu oposição à execução contra si instaurada, por meio de embargos de executado, invocando, em síntese, ter sobre a exequente um crédito superior a € 24.319,72 (vinte e quatro mil trezentos e dezanove euros e setenta e dois cêntimos), quantia esta resultante de trabalhos que a embargada deveria ter executado e que não o fez, tendo, em consequência, a Embargante que a suportar para conseguir concluir as obras que descreve na oposição por si apresentada.

ii. Com fundamento na compensação do crédito que afirma ter sobre a embargada, emergente do referido incumprimento contratual, reclama a embargante que a embargada seja condenada a liquidar-lhe a quantia de €24.319,72 (vinte e quatro mil trezentos e dezanove euros e setenta e dois cêntimos), e operar-se a respetiva compensação em relação ao montante peticionado pela embargada/exequente.

iii. A compensação constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas, prevista no artigo 847.º do Código Civil.

iv. Dispõe o artigo 848.º, n.º 1 do mencionado diploma que “a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”.

v. Em sede de oposição à execução contra si instaurada, a executada e ora recorrente invocou ser titular de um contra crédito contra a exequente, reclamando a compensação entre este e a dívida exequenda.

vi. Ora, sobre a admissibilidade da compensação em sede executiva e a possibilidade de ser exercida na nos embargos de executado, perfilhamos do entendimento do tribunal a quo, que adotou a posição maioritária da jurisprudência portuguesa, bem como da doutrina, que entende que para que a compensação possa operar exige-se a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito, convocando, para o efeito, a norma do artigo 847.º, n.º 1, a) do Código Civil.

vii. De acordo com a citada norma é necessário que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por exceções, ou seja, é necessário que o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não possa ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.

viii. Permitir que o executado utilize os embargos de executado para através dele ver reconhecido o seu contra-crédito seria, de acordo com o acórdão da Relação de Lisboa de 07.05.2015, abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua atividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa.

ix. Como afirma e expõe o tribunal a quo, tem sido esta a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça como se pode ler no seu ac. de 02.06.2015, processo n.° 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt:

x. «Ora bem, em recente acórdão deste Supremo (Ac. de 14.03.13, relatado pelo Ex. mo Cons. Granja da Fonseca e em que a, ora, 1ª Adjunta interveio como 2ª Adjunta), exarou-se que constitui orientação jurisprudencial do STJ que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação" (Assim, Ac. de 18.01.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Rocha).

xi. Tendo-se, igualmente, já decidido que:

xii. "(N)afase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa" (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Com. Bettencourt de Faria);

xiii. "A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível" (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo);

xiv. "Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação ", pelo que, "estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (...) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação" (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Vasconcelos); e

xv. "Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art.º 847° do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814°, 816°e 817°, n° l, ai. b) do CPC" (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa).

xvi. Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no recentíssimo acórdão de 01.07.14, deste Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que "não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo " (negrito de nossa autoria).»”.

xvii. Sempre se refira que, mais recentemente, e com o mesmo entendimento foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.11.2021, onde foi afirmado que: “No âmbito do processo executivo, a compensação pode actuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art. 729º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou já a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de excepção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h).”

xviii. Assim, e salvo melhor opinião, um crédito só pode ser considerado para efeitos de compensação (nos termos do 729.º/h) do CPC) se estiver judicialmente reconhecido, uma vez que só assim se torna exigível.

Entendemos que, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que tenha, igualmente, força executiva.

xix. No caso sub judice, a discussão do alegado crédito detido pela Recorrente sobre a embargada é introduzida nos próprios autos de embargos de executado, para que neles seja reconhecido, determinando desta forma a extinção da execução por via da compensação assim operada.

xx. Ou, seja, hipotético crédito invocado pela embargante/recorrente, alegadamente, resultante do incumprimento contratual incorrido pela embargada, não se encontra judicialmente reconhecido, não sendo, pois, titulado por um documento revestido de força executiva, pelo que não constitui fundamento válido para efeitos de embargos de executado.

xxi. Em conclusão, não merece qualquer reparo a sentença recorrida, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Apelante, mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Assim decidindo, fará V. Exa. a costumada JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a seguinte: saber se, é fundada a decisão liminar de indeferimento da oposição à execução.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório que se elaborou anteriormente.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como resulta da decisão recorrida, foi indeferido liminarmente os embargos de executado deduzidos, por se ter entendido que “a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo admissível que o reconhecimento judicial do contra crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução.

Divergindo do decidido, sustenta a recorrente que foi alegado na p.i. de embargos “que a execução na génese do presente dissídio fundava-se num requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória (artigo 1º da p.i.), que o crédito que a embargante se arrogava só poderia ser peticionado em sede de reconvencional (tal como preceitua o artigo 266º, nº 2, c), do CPC), articulado esse manifestamente impossível em sede de tramitação definida no DL 269/98 (artigo 2º da p.i.) e alegou igualmente a embargante que não podia ter peticionado o seu crédito no processo de matriz declarativa, pelo que os embargos deduzidos eram a primeira oportunidade de que a ora recorrente dispunha para peticionar o seu crédito, sendo consequentemente legais (art.º 3º da p.i.)”.

Respondeu a recorrida que o hipotético crédito invocado pela embargante/recorrente, resultante do incumprimento contratual ocorrido pela embargada, não se encontra judicialmente reconhecido, não sendo, pois, titulado por um documento revestido de força executiva, pelo que não constitui fundamento válido para efeitos de embargos de executado.

O pomo da discórdia gira em torno do requisito previsto na parte inicial da al. a) do nº 1 do art.º 847º do CC, ou seja, do que deve entender-se por crédito exigível judicialmente.

Sobre a compensação de créditos dispõe o art.º 847º do CC o seguinte:

“1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”

A compensação é um meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor.

No caso e quanto aos requisitos da compensação, apenas se discute a verificação do requisito da exigibilidade judicial do crédito invocado pela embargante.

Interessa então saber o que é, um crédito exigível judicialmente.

Segundo Antunes Varela[1] “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este”, ideia que o dito art.º 847º, nº 1 concretiza, “explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material”, dizendo-se “judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor (art.º 817).

Na mesma linha se pronunciam Menezes Cordeiro[2] e Menezes Leitão[3] entendendo que o crédito é judicialmente exigível, quando, no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coativa do seu crédito, o que nos remete para o já referido art.º 817º do Código Civil, preceito que, inserido em Secção com a epígrafe “Realização Coactiva da Prestação”, dispõe que “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis do processo.”

A exigibilidade judicial de que trata a norma em análise significa, pois, que o vencido crédito oposto pelo compensante ao seu credor esteja vencido[4].

Estabelecendo a distinção entre o crédito ativo e o crédito para efeitos de exigibilidade judicial, escreve Menezes Cordeiro[5]:

Costuma designar-se como crédito ativo aquele que é invocado pelo compensante e crédito passivo o da pessoa a quem o mesmo é oposto.

““Podemos, agora, reescalonar a exigibilidade como requisito da compensação. No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito activo, isso implica: - que seja válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado; que se possa extinguir por vontade do próprio […].

No tocante ao crédito passivo, podemos dispensar, dos apontados requisitos, o não ser obrigação natural, a pendência do prazo, quando estabelecido a favor do compensante, numa asserção extensiva à compensação, por analogia e o problema das excepções: estando tudo isso na disponibilidade do compensante, ele prescindirá, necessária e automaticamente, das inerentes posições, quando pretenda compensar.

O STJ tem-se pronunciando maioritariamente, considerando que a exigibilidade judicial de que o preceito não prescinde quanto ao crédito ativo não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de, nos termos do art.º 817º, ser judicialmente reconhecido[6].

Passemos a citar alguns dos acórdãos do STJ que têm adotado esta tese.

-de 10-04-2018[7] “o crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (…). Assim, é exigível judicialmente o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento”.

-de 2-07-2015[8]: “I- A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (…) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

I-I Realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art.º 847.º, n.º 1, al. a), do CC, é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem”.

-de 28-10-2021[9]: “I. Na vigência do CPC de 2013 (arts. 729.º, al. h) e 731.º), é de admitir que, em sede de embargos à execução, venha o executado invocar um contra crédito não reconhecido judicialmente, a compensar com o crédito exequendo”.

-de 24-05-2022[10] “A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente, do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante e preenche os demais requisitos legais, sendo exigível, não procedendo contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material”.

Pelas razões anteriormente expostas, tendo agora, apenas em consideração o objeto do presente recurso e, assim, o único fundamento invocado na decisão recorrida para o indeferimento liminar, em face ainda dos únicos elementos que resultam dos autos para conhecimento do presente recurso, impõe-se a revogação daquela decisão, devendo os autos prosseguir os seus termos subsequentes – sem prejuízo, assim, da posterior apreciação pelo Tribunal  a quo de outras razões que possam vir a demonstrar-se e que legalmente obstem ao reconhecimento do contra crédito invocado pela recorrente /embargante[11].

Não se verifica, pois, o fundamento de indeferimento liminar previsto na al. c) do artigo 732º do CPC para os embargos de executado-forem manifestamente improcedentes.

Em conformidade, procede o presente recurso.

(…)

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos.

Custas pela apelada, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.

                                                                                                     Coimbra, 30 de maio de 2023

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Teresa Albuquerque- adjunta

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) Código Civil Anotado, 4ª edição, p. 202.
([2]) Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, p. 113.
([3]) Direito das Obrigações, 2002, vol. II, p. 196.
([4]) Menezes Cordeiro, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, p. 113.
([5]) Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, págs. 115 e 116.
([6]) Ac. do STJ, de 27/9/19, proc. nº 1829/95.5TVLSB.L1.S1, relator Rosa Coelho, www.dgsi.pt.
([7]) Proc. 23656/15.5T8SNT.L1.S1, relator Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.
([8]) Proc. 91832/12.3YIPRT-A.C1.S, relator Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.
([9]) Proc. 16/14.0YYLSB-B.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, www.dgsi.pt.
([10]) 293/09.8TBORQ-D.E1.S1, relator Oliveira Abreu, www.dgsi.pt.
([11]) Cf. Ac. do TRP, de 18-01-2021, proc. 324/14.0TTVNG-D.P1, relator Nelson Fernandes, www.dgsi.pt.