Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1062/20.0T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: FIANÇA
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 628.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada.

II – A mera assinatura de um contrato de empréstimo com hipoteca, a seguir aos dizeres  “parte fiadora”,  não  traduz uma declaração de vontade expressa de prestação de fiança.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Por apenso à execução que lhes move P... COMPANY, vieram AA e BB deduzir oposição por embargos.

Alegou para o efeito e em síntese que refere a exequente que no exercício da sua atividade creditícia (o credor originário anterior Banco 1..., S.A.) celebrou com os executados, dois contratos:
a) Um contrato de empréstimo com hipoteca no montante de €150.000,00 formalizado por escritura pública datada de 28 de maio de 2007;
b) Um contrato de empréstimo no montante de €50.000,00, formalizado por documento particular com data de 24 de setembro.
Mais acrescentou, que para garantia de pagamento, os executados constituíram a favor da exequente, hipoteca voluntária genérica sobre o imóvel que veio a ser penhorado nos presentes autos.
E, na exposição dos factos, indicou que os executados, desde 28 de novembro de 2012, não efetuaram qualquer pagamento, não obstante múltiplas diligências encetadas nesse sentido.
Motivo pelo qual, segundo a exequente, encontrava-se em dívida em 14 de janeiro de 2016, relativamente ao contrato indicado em a) o valor global de €171.414,11 e ao identificado em b), do de €63.874,11, acrescida das despesas judiciais da responsabilidade dos devedores e dos juros vincendos calculados à taxa contratual, até integral pagamento. 
No caso em apreço, e apesar de celebrados dois contratos, a exequente inadvertidamente acaba por referir que apenas um, constitui título executivo, mais concretamente, a escritura pública. Porém, o outro documento dado à execução é constituído pelo documento particular denominado contrato de empréstimo com hipoteca (genérica constituída).
Não decorre, nem da escritura pública celebrada, nem muito menos do documento particular denominado “Contrato de Empréstimo com Hipoteca”, datado de 24.09.2009 e dado como título executivo, uma vontade unívoca e clara de prestar fiança por parte dos oponentes.
Concluíram, pedindo que uma vez recebidos os presentes embargos, deve proceder a presente oposição, e consequentemente:
A) deverá ser julgada extinta a instância executiva, com reconhecimento da exceção de inexistência de título executivo, face ao que se dispõe no art. 703º nº1 al. b) do C.P.C., por o documento dado à execução:

- não importar a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação;

- não se mostrar exarado ou autenticado.

o que determinará o seu indeferimento liminar nos termos do disposto no art.º 726º nº2 al. a) do C.P.C.;

B) devem as cláusulas contratuais gerais (mormente relativas à aceitação da fiança) serem excluídas do presente contra o, o que consequentemente resulta na NULIDADE do mesmo, em virtude de ocorrer uma indeterminação insuprível dos seus aspetos essenciais, bem como, um desequilíbrio nas pretensões gravemente atentatório da boa fé (art.º 9º nº 2 da L.C.C.G.). Nulidade esta que, para além de conhecimento oficioso, é invocável a todo o tempo (art.º 286º do Código Civil);

C) Por, dos dois contratos juntos, não resultar expressa uma vontade unívoca e clara de prestar fiança por parte dos Oponentes, devem os presentes embargos serem julgados procedentes, também por falta de alegação e prova dos factos constitutivos da obrigação exequenda, ou seja, dos factos constitutivos da relação subjacente.

D) Considerando-se a fiança validamente constituída e expressamente aceite, reportando a um valor mutuado de apenas €50.000,00, deverá ver-se reduzida relativamente aos Oponentes a quantia exequenda em conformidade;

E) Por aos fiadores não ser extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no artigo 782.º do C.C., deverá decidir-se que os Oponentes (enquanto fiadores, e só se assim forem considerados) ainda estão em condições de poderem beneficiar do prazo de pagamento em prestações acordado, para o que devem ser expressamente notificados pelo credor para o efeito, não podendo, consequentemente, os aqui Oponentes serem executados, como foram nestes autos, impondo-se a sua absolvição;

F) Em face da inexistência de aceitação expressa da fiança que ora visa sustentar o título dado à execução, a verificar-se que ainda assim, a mesma foi prestada válida e eficazmente, o certo é que aos aqui Oponentes será lícito, nos termos do disposto no art.º 638º do C.C., “recusar o cumprimento enquanto o credor não tive excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do se crédito.”. Benefício de excussão que se invoca com todas as legais consequências.
A exequente contestou, sustentando em síntese que, no documento particular consta no local da assinatura “parte devedora” e “parte fiadora”, pelo não podem os embargantes alegar que não é prevista qualquer cláusula relativa à vontade de constituição e de aceitação de uma fiança. Os embargantes conheciam as cláusulas contratuais e quais os seus efeitos, pelo que não odem agora alegar o desconhecimento das responsabilidades que assumiram para com a ora embargada, pois bem sabiam os embargantes que ao assinar o presente contrato se constituíram fiadores, assim como tinham conhecimento das obrigações de tal responsabilidade assumida.
Concluiu, pedindo que os presentes embargos de executados sejam julgados improcedentes, por não provados, prosseguindo a execução nos devidos termos até final.   
Dispensou-se a realização de audiência prévia.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

Foi proferido despacho saneador/sentença que julgou totalmente procedentes os embargos de executado, e, em consequência, absolveu os executados/embargantes do pedido executivo contra eles formulado e julgou extinta a ação executiva quanto aos mesmos e ordenou o levantamento/cancelamento/restituição de toda e qualquer penhora determinada na ação executiva sobre património dos Executados/Embargantes.

Inconformada, a embargada P... COMPANY interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se reproduzem):
1- O Tribunal a quo julgou procedentes os embargos com consequente absolvição dos executados da instância executiva.
2- Fundamenta a decisão por entender que não existem declarações de vontade que formem um contrato de fiança, não existe por parte dos Executados/Embargantes a assunção de qualquer obrigação de garantia de pagamento do mútuo que a Exequente/Embargada possa pretender cobrar coercivamente através do título executivo em causa.
3- O Tribunal a quo concluiu que para todos os efeitos, pela procedência da Oposição à Execução por Embargos de Executado com fundamento na inexistência da obrigação exequenda.
4- O Contrato de empréstimo com hipoteca junto autos foi precedido de negociações entre as Partes, onde foram abordados e discutidos os respetivos termos contratuais aos embargantes, e onde foram prestados todos os esclarecimentos que entendeu necessários.
5- Pelo que, os embargantes tinham, pois, perfeito conhecimento dos termos do referido Contrato e as cláusulas pelas quais o mesmo se regia.

6- O Contrato de empréstimo com hipoteca sub judice não só foi expressamente solicitada pelos mutuários, como foi igualmente precedida de um processo negocial, no âmbito do qual os termos do Contrato foram devidamente explicitados e facultados às partes.

7- As partes tiveram, pois, a efetiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entendesse necessários para a sua exata compreensão.

8- Os embargantes, de livre e espontânea vontade, declararam perante a Recorrente, que tinham perfeito conhecimento das cláusulas que regem o empréstimo contratado pelos mutuários, assim como tinham o perfeito conhecimento que o assinaram na qualidade de fiadores.

9- No documento particular consta no local da assinatura “parte devedora” e parte fiadora pelo que não podem as embargantes alegar que não é prevista qualquer cláusula relativa à vontade de constituição e de aceitação de uma fiança.

10- Conforme dispõe o nº 1 do artigo 628º do Código Civil “A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal”.

11- Veja-se, dispõe o n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”

12- A declaração do fiador será considerada expressa quando realizada por qualquer meio direto de manifestação da vontade, nos termos do artigo 217.º do CC e será através da interpretação das declarações negociais (cfr. artigo 236.º do CC) que será possível concluir se as partes quiseram constituir a fiança em questão

13- A Recorrente informou as partes, sobre os termos e os efeitos da fiança, para que a parte cuja tutela se evidencia no regime da fiança tenha a perfeita consciência das repercussões da celebração do contrato em questão.

14- Face ao exposto, e com o devido respeito, a ora Recorrente não concordar com o disposto na sentença do Tribunal a quo.

15- Se os embargantes não expressaram a sua vontade de prestar fiança, faz-nos questionar se entendem ter assinado na qualidade de mutuários, porque efetivamente assumiram as obrigações decorrentes do contrato aquando da sua assinatura.

16- Ainda faz-nos questionar se os embargantes ao deparar-se com o documento particular onde constava no local da assinatura “parte fiadora” decidiram apenas ignorar o entendimento do estipulado.

17- Pois não entende a ora Recorrente como não poderá ser considerado uma declaração de vontade expressa, quando os embargantes assinam com o seu próprio punho o documento particular onde consta parte fiadora.

18- E como bem sabem, a quantia mutuada foi depositada na conta de depósito à ordem dos devedores, assim como sabem e demonstraram a vontade de se constituírem fiadores aquando assinaram o contrato.

19- Assim, cai a tese dos embargantes, quanto ao não terem expressado vontade de prestar fiança, pois ao assinarem o contrato assumiram as responsabilidades que provinham do mesmo.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida por outra que não determine o prosseguimento dos embargos uma vez não verificado a inexistência da obrigação exequenda, e em consequência, a extinção da execução.

Só assim se decidindo será cumprido o direito e feita justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a única questão a decidir consiste em saber se pelos dizeres do contrato em que os executados intervieram como terceiros outorgantes, os mesmo se constituíram fiadores, e o processo haverá de prosseguir, ou não se constituíram, e a sentença deve ser confirmada.

FUNDAMENTOS

De facto

Com base no requerimento executivo e documentos juntos, consideram-se assentes os seguintes factos:
A) Em 26-05-2020 deu entrada em juízo o requerimento executivo, com os seguintes fundamentos:

“I) QUESTÃO PRÉVIA:

A – Da Legitimidade Activa:
1. Banco 1..., S.A., com sede na Avenida ... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... e Pessoa Coletiva nº ..., e P... COMPANY, com sede em 28 ..., ... 2, ..., ..., com número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., registada na Conservatória do Registo ... e de ... sob o número ...51, celebraram a 31 de Dezembro de 2018 uma escritura pública de cessão de créditos e garantias, figurando a Banco 1..., S.A. como Cedente e a P... COMPANY como Cessionária, passando a P... COMPANY a entidade credora dos montantes em dívida, cfr. escritura que ora se junta cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, cfr. doc. 1 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. A P... COMPANY para todos os efeitos legais e contratuais, sucedeu nos direitos e obrigações transferidos.

II DO CRÉDITO COM GARANTIA REAL
3. Efectivamente, no exercício da sua actividade creditícia, o credor Originário celebrou com os Executados, os seguintes contratos:

a) Um contrato de empréstimo com hipoteca no montante de € 150 000,00, formalizado por escritura pública datada de 28 de Maio de 2007, cfr. Doc. 2 que ora se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos;

b) Contrato de empréstimo no montante de € 50 000,00, formalizado por documento particular data de 24 de Setembro, cfr. Doc. 3 que ora se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

4. Para garantia do pagamento, os Executados constituíram a favor da Exequente, hipoteca voluntária genérica sobre o imóvel a seguir identificado: - prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...61/..., e inscrito na matriz sob o artigo ...61 da União de freguesias ... e ....

5. A hipoteca encontra-se devidamente registada a favor do Exequente pela inscrição AP. ...67 de 2019/05/15, conforme certidão que se junta como doc. 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. A hipoteca constituída encontra-se registada para garantia de empréstimo bem como das responsabilidades já assumidas ou a assumir pelos devedores junto da credora independentemente da forma ou título que revistam, designadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas de depósito à ordem, letras, livranças, cheques, prestação de garantias bancárias, fianças, tudo até ao montante máximo de capital e acessórios de € 281 476,00 e de € 8.000,00 a título de despesas.

7. Relativamente aos contratos supra identificados, os Executados desde 28 de Novembro de 2012, não efectuam qualquer pagamento, não obstante as múltiplas diligências encetadas nesse sentido.

8. Em consequência dos contratos supra referidos encontravam-se em dívida de 14 de Janeiro de 2016, as seguintes quantias:

a) Contrato identificado na alínea a) do artigo 3.º (PT00350131002112985)

Capital Vincendo € 131 085,54

Capital Vencido € 10 261,44

Juros € 5 210,20

Juros de mora € 899,59

Comissões € 795,34

Acrescem juros calculados à taxa de 4,046% ao ano, que inclui a sobretaxa de 3% ao ano, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, desde 14 de Janeiro de 2016 até à presente data, e que ascendem a € 23 162,00.

Assim, o valor total em dívida referente ao presente contrato é de € 171 414,11.
b) Contrato identificado na alínea d) do artigo 3.º (PT00350131002426985)

Capital Vincendo € 45 920,99

Capital Vencido € 2 489,42

Juros € 3 865,46

Juros de mora € 417,81

Comissões € 728,15

Acrescem juros calculados à taxa de 5,212% ao ano até à presente data, que inclui a sobretaxa de 3% ao ano, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, desde 14 de Janeiro de 2016 até à presente data, e que ascendem a € 10 452,28.

Assim, o valor total em dívida referente ao presente contrato é de € 63 874,11.

9. A esta quantia acrescem, ainda, as despesas judiciais da responsabilidade dos devedores.

10. Tudo conforme se prova pelas notas de débito que se juntam como Doc. 5 e 6 e se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos.

11. A Escritura Pública ora junta constitui título executivo bastante, de acordo com o seu clausulado e igualmente com a alínea b) do artigo 703.º do C.P.C.

12. Face ao exposto resulta claro que os Executados são devedores da Exequente da quantia total de € 235 288,22, nos termos do artigo 716º do C.P.C., acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa contratual, até respectivo e integral pagamento.”

B) No documento particular consta do local da assinatura “parte devedora” e “parte fiadora”.

C) Os embargantes assinaram o contrato de empréstimo com hipoteca a seguir a “parte fiadora”.

D) Consta do nº 1 da Cláusula 17ª do contrato de empréstimo com hipoteca que “A Banco 1..., S.A poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de designadamente: a) Incumprimento pela devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente do contrato”.

De Direito:

Os fundamentos em que assentou a decisão apelada são os que decorrem da transcrição que, com alguma síntese, agora fazemos:

No caso concreto:

Em todo o contrato não existe uma única cláusula contratual relativa a um contrato de fiança.

Com efeito, do teor do contrato apenas a final se percebe que os Executados/Embargantes são tacitamente perspectivados no mesmo como fiadores dado

Deste modo, a única conclusão possível é a de que neste contrato, pura e simplesmente, inexiste qualquer declaração de vontade que permita concluir que os Executados/Embargantes quiseram prestar fiança.

Lendo todas as cláusulas do contrato, não é possível delas retirar que Executados/Embargantes pretenderam garantir as obrigações dos mutuários, isto é, de cláusula alguma do contrato decorre que os Executados/Embargantes tenham manifestado, de forma expressa, a sua vontade de afiançar, em qualquer medida, o mútuo em causa

Ao contrário do defendido pela Exequente/Embargada, no caso concreto, a declaração expressa de afiançar não pode ser obtida por interpretação de declaração negocial (art.º 236.º CC). Pois para haver interpretação é necessário que haja declaração de vontade e esta não existe, de todo, no contrato em causa.

(…).

Em conclusão, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, não existem declarações de vontade que formem um contrato de fiança, não existe por parte dos Executados/Embargantes a assunção de qualquer obrigação de garantia de pagamento do mútuo que a Exequente/Embargada possa pretender cobrar coercivamente através do título executivo em causa.”

A apelante, nas conclusões 4, 5, 6, 7, 8 e 9 do seu recurso, diz que “O Contrato de empréstimo com hipoteca junto autos foi precedido de negociações entre as Partes, onde foram abordados e discutidos os respetivos termos contratuais aos embargantes, e onde foram prestados todos os esclarecimentos que entendeu necessários”; “Pelo que, os embargantes tinham, pois, perfeito conhecimento dos termos do referido Contrato e as cláusulas pelas quais o mesmo se regia”; “Contrato de empréstimo com hipoteca sub judice não só foi expressamente solicitada pelos mutuários, como foi igualmente precedida de um processo negocial, no âmbito do qual os termos do Contrato foram devidamente explicitados e facultados às partes”; “As partes tiveram, pois, a efetiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entendesse necessários para a sua exata compreensão”; “Os embargantes, de livre e espontânea vontade, declararam perante a Recorrente, que tinham perfeito conhecimento das cláusulas que regem o empréstimo contratado pelos mutuários, assim como tinham o perfeito conhecimento que o assinaram na qualidade de fiadores” e “No documento particular consta no local da assinatura “parte devedora” e “parte fiadora”, pelo que não podem os embargantes alegar que não é prevista qualquer cláusula relativa à vontade de constituição e de aceitação de uma fiança”.

Dispõe o artigo 628º do Código Civil com a epígrafe Requisitos:
1. A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.
2. A fiança pode ser prestada sem conhecimento do devedor ou contra a vontade dele, e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional.
Esse “preceito ocupa-se do negócio constitutivo da obrigação fidejussória. No nº 1 estabelece-se um duplo requisito: a vontade de prestar fiança (i) deve manifestar-se através de uma declaração expressa (não bastando uma manifestação de vontade meramente tácita- cf. artigo 217º), embora a sua “aceitação” pelo credor beneficiário possa ser tácita (artigo 217º); e (ii), se a obrigação afiançada tiver poir fonte um negócio sujeito legalmente a forma especial, a declaração de prestar fiança devce também revestir pelo menos forma idêntica. Caso contrário, pode manifestar-se por qualquer forma, incluindo a forma oral, apesar de possíveis dificuldades de prova (artigo 219º). Estamos, quanto a este segundo requisito, perante uma manifestação da acessoriedade genética da fiança”[1].

Conforme refere Manuel Januário da Costa Gomes[2] “Aplicando o critério do art.º 217/1 à declaração do fiador, dir-se-á que a mesma tem de ser exteriorizada através de um meio direto, por palavras, por escrito ou qualquer outro meio frontal e imediato de expressão de vontade, não satisfazendo o requisito legal a declaração de prestar fiança cujo sentido se depreende a latere de factos concludentes”.

(…) Visa-se evitar que uma pessoa fique vinculada por uma fiança que poderá não ter querido prestar, atenta a gravidade e o perigo desta garantia. A lei pretende que o efeito da fiança- ser fiador- só incida sobre aquele que, querendo-o, o revelou diretamente, não permitindo que essa qualidade seja imputada a quem teve em vista directamente um efeito diverso, ainda que objectivamente, esteja associado a esse efeito, a latere, a possível vontade de afiançar.[3]

As expressões “responsabilizo-me pelo devedor” ou “cumpro pelo devedor” ou “respondo pelo devedor” são expressões, entre outras, suscetíveis de demonstrar, de modo directo, a vontade de se vincular como fiador”.[4]

Referindo-se aos elementos ou dados que devem constar da declaração e sem os quais a mesma não pode valer como declaração de fiança, o autor considera que, em princípio “a declaração do fiador deve identificar a dívida garantida, o devedor, o credor e o tempo de vinculação.[5]

Mais, analisando especificadamente os elementos essenciais da declaração de prestar fiança, diz o autor que vimos referindo.

A primeira natural indicação que deve constar da declaração de fiança é a da dívida garantida. O fiador tem de saber o que é que garante.

Outra indicação é a da duração da garantia. O garante deve, na realidade, saber durante quanto tempo é que fica vinculado a aguardar a fase do exercício da garantia.

Justifica-se ainda que a declaração de fiança mencione ou que contenha elementos de apoio suficientemente relevantes para permitir a identificação do devedor no momento da assunção fidejussória de dívida.

Outras indicações necessárias são a identificação da pessoa do devedor e da pessoa do credor.

Igualmente necessária, se revela a indicação das chamadas cláusulas que onerem a posição do fiador. Essa indicação revela-se mesmo essencial para a captação, pelo fiador, do risco assumido, não surtindo qualquer efeito as indicações que não resultem da declaração de assunção de fiança ou, naturalmente, duma convenção modificativa posterior. Entre as cláusulas que oberam a posição do devedor e aumentam o seu risco, conta-se a da convenção da solidariedade ou renúncia ao beneficio da excussão, bem como quaisquer cláusulas que integrem renúncias a qualquer dos benefícios que a lei reconhece ao fiador ou que piorem a sua situação enquanto devedor.[6]

No caso em apreço, a intervenção dos embargantes, subscrevendo o contrato de empréstimo com hipoteca em que apenas surge a sua assinatura (reconhecida presencialmente) a seguir a “parte fiadora”,  não se traduz numa declaração de vontade dos mesmos de prestar fiança capaz de satisfazer os requisitos previstos no nº 1 do artigo 628º do C.C.[7]

Ora, no caso presente, ainda que os recorridos venham referenciados como fiadores, não há, nos contratos juntos com o requerimento inicial qualquer declaração de vontade dos mesmos. Não há qualquer declaração de vontade dos recorridos e, assim, não há uma só declaração de vontade deles da qual possa resultar a (sua) vontade de prestar a fiança.[8]

Não estando em causa qualquer declaração de vontade, é evidente que não pode ser interpretada à luz do disposto no artigo 236 do CC, como sustenta a apelante.[9]

Em suma, não podemos deixar de concordar com o decidido, porquanto nos termos do artigo 238º, nº 1, do CC a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada.

Não há, assim, uma fiança que responsabilize os apelados.

Em conformidade, o recurso é improcedente.

                                                                          x

As custas do recurso são devidas pela apelante, atento o seu decaimento- artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

Sumário (Artigo 663º, nº 7, do CPC):

I - Como decorre expressamente do disposto no artigo 628, n.º 1, do Código Civil, a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada.

II – A intervenção que se limita à assinatura de um documento onde se menciona a sua participação como fiador no contrato, não traduz uma declaração expressa de prestação de fiança.

  

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                                                                                                       Coimbra, 28 de junho de 2022

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Teresa Albuquerque- adjunta

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original




([1]) Evaristo Mendes, Comentário ao Código Civil- Direito das Obrigações- Universidade Católica Editora, p. 769.
([2]) Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, Coimbra, 2000, p. 468.
([3]) Manuel Januário da Costa Gomes, obra citada, p. 470.
([4]) Manuel Januário da Costa Gomes, obra citada, p. 471.
([5]) Manuel Januário da Costa Gomes, obra citada, p. 515.
([6]) Manuel Januário da Costa Gomes, obra citada, pp. 516, 517, 518 e 520.
([7]) Cf. Ac. do TRL, de 10-02-2015, proc. (100595/13.2YIPRT.L1-7, relator Rosa Coelho, www.dgsi.pt., com o seguinte sumário na parte que nos interessa: III- Exigindo-se que a declaração, para além de ser reduzida a escrito, seja expressa, sem possibilidade de aplicação no caso do nº 2 do art.º 217º, a intervenção de quem assina documento onde se menciona a sua participação como fiadora no contrato que dele consta, não traduz uma declaração tácita de prestação de fiança que seja válida; melhor, embora possa traduzir uma declaração tácita de fiança, não pode ser aceite com essa eficácia por a lei exigir para tal uma declaração expressa. IV -E não é uma declaração escrita expressa porque do documento não constam palavras escritas imputadas à apelada que tenham o necessário e adequado significado de assunção, por ela, de uma obrigação nos termos descritos no citado nº 1 do art.º 627º.
([8]) Cf. Ac. do TRP, de 12-04-2021, proc. 13932/19.3T8PRT.P1, relator Augusto de Carvalho, www.dgsi.pt.
([9]) Cf. Ac. do TRP, de 15-06-2020, proc. 9512/17.6T8VNG.P2, relator Eusébio de Almeida, www.dgsi.pt.