Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/14.5GBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: DETERMINAÇÃO DO EMA
CASSAÇÃO DA LICENÇA DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (SERTÃ – INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 81.º, N.º 4, DO CE; ART. 8.º, DA PORTARIA 1556/2007, DE 10-12; ART. 101.º DO CP
Sumário: I - O quadro anexo a que o art. 8.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro] faz referência define os valores dos EMA em função de determinados intervalos de teor de álcool no ar expirado [TAE].

II - Assim, a primeira operação a realizar consistirá na conversão da TAS medida pelo alcoolímetro em TAE, a fim de ser determinado o intervalo aplicável, conversão que deve obedecer ao princípio estabelecido no art. 81.º, n.º 4 do C. da Estrada [1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue].

III - A concreta TAS obtida após a dedução do EMA não comporta qualquer arredondamento, até por efeitos de tipicidade, era esta, a TAS de 1,8584 g/l a TAS a considerar para efeitos de imputação e não, a de 1,86 g/l que consta do auto de notícia e da acusação.

IV - A medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor, prevista no art. 101.º do CP consiste, basicamente, na invalidação, por cancelamento, da licença de condução de veículos motorizados de que o agente é titular e na proibição de obtenção de nova licença de qualquer categoria durante o período fixado (n.ºs 1 e 3 do artigo citado).

V - A aplicação da medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor é sempre consequência de um comprovado estado de perigosidade do agente para a condução, não constituindo nunca sanção pela prática de crime rodoviário designadamente, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

VI - Na acusação pública não consta qualquer facto que, a provar-se, demonstrasse o estado de perigosidade do arguido para a condução, nem nela foi pedida a sua condenação na medida de segurança em análise.

VII - Não estando, in casu, verificados os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor, prevista no art. 101.º do CP, impõe-se a sua revogação.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No [já extinto] Tribunal Judicial da comarca da Sertã [agora, Comarca de Castelo Branco, Sertã – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1] o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

Na audiência de julgamento de 20 de Março de 2014 [acta a fls. 105 e ss.] foi comunicada ao arguido uma alteração de factos considerada não substancial [sem que da acta constem os factos comunicados] e uma alteração da qualificação jurídica, tendo esta por objecto a aplicação da medida prevista nos arts. 100º e 101º do C. Penal, nada tendo sido oposto ou requerido.

Por sentença de 20 de Março de 2014 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de oito meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, durante quarenta e oito períodos de 36 h cada um, entre as 8 h de sábado e as 20 h do Domingo seguinte, e na medida de segurança de cassação dos títulos de condução de veículos com motor e interdição da concessão dos títulos de condução de veículo com motor de qualquer categoria durante o período da cassação, pelo período de dois anos a contar do trânsito da sentença, sem prejuízo do disposto no art. 100º, nº 2 do C. Penal.


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1ª – Dá-se aqui como inteiramente reproduzido toda a matéria e factos constantes dos supra artigos 1º a 14º da motivação;

2ª – A sentença recorrida não considerou na determinação concreta da pena as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

3ª – A pena de oito meses de prisão efectiva e a medida de segurança que foram aplicadas ao arguido são desproporcionais à medida da satisfação do sentimento jurídico da comunidade e às exigências de prevenção geral e especial.

                4ª – Por todo o acima exposto deve a pena de 8 (oito) meses de prisão efectiva ser substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade nos termos do disposto no artigo 58º do CP, declarando desde já o arguido e ora recorrente que aceita tal pena de prestação a favor da comunidade e que a mesma seja acompanhada das regras de conduta previstas nos nºs 1 a 3 do artigo 52º, nomeadamente, ser o arguido e ora recorrente sujeito a tratamento de desintoxicação alcoólica (dando aqui e desde já o arguido e ora recorrente o seu consentimento prévio), devendo ainda a medida de segurança de cassação dos títulos de condução de veículos com motor que possui neste momento, e consequentemente interdição da concessão dos títulos de condução de veículo com motor de qualquer categoria durante o período de duração da cassação, pelo período de 2 (dois) anos, ser substituída pela proibição de conduzir veículos com motor pelo referido período de dois anos.

Pois só assim se fará a acostumada Justiça!

           


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público alegando terem sido devidamente ponderadas todas as circunstâncias relevantes para a escolha e determinação da medida da pena, e da medida de segurança aplicada, e concluiu pelo não provimento do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de considerar excessiva, face à factualidade provada, a aplicação da medida de segurança de cassação dos títulos de condução, e concluiu pelo parcial provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, reafirmando as conclusões da motivação do recurso e concordando com o parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A excessiva medida da pena de prisão e a sua substituição pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade;

            - A indevida aplicação da medida de segurança de cassação dos títulos de condução e a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

            Oficiosamente (cfr. Ac. nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995), haverá que conhecer do vício do erro notório na apreciação da prova.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

1) Na sequência de uma ação de fiscalização aleatória, no dia 02 de Março de 2014, cerca das 01h01m, na Rua Padre António Lourenço Farinha, nesta vila da Sertã, o arguido conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula RO (...) , apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,41 gramas/litro, correspondente à TAS de 2,02 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista, tendo conduzido cerca de 200 metros.

2) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente no exercício da condução de veículo motorizado na via pública, não obstante saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais, que lhe podiam determinar uma TAS superior a 1,2 g/l, e saber que não podia conduzir o referido veículo nessas circunstâncias, além de saber, perfeitamente, que essa conduta é proibida e punida pela Lei Penal.

3) O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.

4) O arguido confessou livre, integralmente e sem reservas os factos supra referidos dados como provados, e crime que cometeu.

5) O arguido foi julgado e condenado no âmbito do processo sumário n.º 336/05.4GTCTB, deste Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, por sentença de 19/12/05, transitada em julgado em 16/01/06, pela prática, em 19/12/05, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 45 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, no montante global de 270 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 3 meses, as quais foram extintas pelo cumprimento.

6) O arguido foi julgado e condenado no âmbito do processo sumário n.º 233/08.1GBSRT, deste Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, por sentença de 09/12/08, transitada em julgado em 08/01/09, pela prática, em 17/11/08, em autoria material, na forma consumada, de um crime de desobediência, por recusar-se a submeter aos exames de pesquisa de álcool no sangue, previsto e punido pelos arts. 69.º, n.º 1, al. c), e 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, nas penas de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, no montante global de 420 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 3 meses, as quais foram extintas pelo cumprimento.

7) O arguido foi julgado e condenado no âmbito do processo sumário n.º 18/11.8GBSRT, deste Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, por sentença de 24/02/2011, transitada em julgado em 28/03/2011, pela prática, em 11/02/2011, em autoria material, na forma consumada, de um crime de desobediência, por recusar-se a submeter aos exames de pesquisa de álcool no sangue, previsto e punido pelos arts. 69.º, n.º 1, al. c), e 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, nas penas de 3 meses de prisão, substituída por 90 horas de trabalho, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 6 meses, as quais foram extintas pelo cumprimento.

8) O arguido foi julgado e condenado no âmbito do processo sumário n.º 35/11.8GBSRT, deste Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, por sentença de 14/04/2011, transitada em julgado em 16/05/2011, pela prática, em 24/03/2011 (3 dias após ter entregue a carta de condução para cumprimento de pena acessória no processo 18/11.8GBSRT), em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com as condições de frequência de um programa de prevenção rodoviária a ministrar pela DGRS, e realizar tratamento de desintoxicação alcoólica, caso o médico assistente o considere necessário, devendo se for caso disso, comprovar nos autos, de 4 em 4 meses, o cumprimento desta condição, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 12 meses, as quais foram extintas pelo cumprimento.

9) O arguido encontra-se inserido familiar e socialmente.

10) O arguido vive na habitação da sua mãe, com a sua mãe; o arguido encontra-se reformado por invalidez, auferindo desta sua atividade, por mês, cerca de 911 euros de pensão; a mãe do arguido aufere cerca de 200 euros de reforma; o arguido tem um filho de 3 anos de idade entregue à progenitora, pagando cerca de 150 euros a título de alimentos por mês; o arguido tem um prédio urbano, pagando cerca de 236 euros por mês ao banco a título de mútuo concedido para realização de obras; para além do veículo referido em 1), o arguido tem um veículo Opel Corsa.

11) A... vive com a mãe. A progenitora de 86 anos, viúva, está reformada e apresenta um estado de saúde debilitado, beneficiando de apoio alimentar e cuidados de higiene pessoal e ao nível da habitação por parte dos serviços da Santa Casa da Misericórdia local. O agregado familiar reside na morada indicada pelo Tribunal. Trata-se de uma habitação de construção antiga e modesta, propriedade da mãe do arguido, inserida em meio rural. O seu interior é composto por dois quartos, sala, cozinha e casa-de-banho, ocupando o arguido um dos quartos. A... está reformado por invalidez há cerca de cinco anos. Apresenta problemas cardíacos na sequência dos quais lhe foi concedida a situação da reforma. Na vida ativa o arguido trabalhou no corte de madeiras por conta de outrem, atividade que chegou a exercer vários anos em Espanha e em França. A... vai mantendo contatos com alguma regularidade com o filho, tendo a regulação do exercício do poder paternal sido atribuído à mãe do menor. A... passou a coabitar com a mãe após a separação conjugal, há aproximadamente dois anos. No meio não existem índices de rejeição face à permanência do arguido. A... é visto com uma pessoa sem problemas de sociabilidade, estando conotado a consumos de álcool pontualmente exagerados, mas que não interferem na forma como se relaciona com os outros. A mesma opinião foi transmitida pelos OPC. A DGRS conclui no relatório social: “Embora denote alguma capacidade de análise, apresenta uma atitude de desvalor face ao comportamento ilícito e dificuldade em reconhecer eventuais consequências (…) Em relação ao presente processo adota uma postura de desvalorização, necessitando de adquirir competências no sentido de uma condução responsável”.

            (…)”.

            B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e determinação da pena e aplicação da medida de segurança:

            “ (…).

VII – Da escolha e medida concreta da(s) pena(s)

Apurada a responsabilidade jurídico – penal do arguido, importa agora determinar a natureza e a medida das penas (principais e acessórias, de substituição, singulares e em cúmulo jurídico) a aplicar, uma vez que os crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, pelos quais o arguido deve ser condenado, são puníveis em abstrato, nos termos das normas legais incriminadoras, em alternativa, com as penas principais de prisão ou multa.

O Tribunal tem de optar, na operação global de determinação judicial da pena, pela espécie de pena aplicável e, em segundo lugar, pela medida concreta da pena (escolhida).

Tal operação global da determinação judicial da pena obedece apenas a dois critérios,

nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que são a culpa e a prevenção (geral e especial).

Nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

A escolha da espécie de pena está regulada no artigo 70.º do Código Penal, que estabelece o critério a que se deve obedecer: “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

As finalidades das penas e das medidas de segurança visam, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Como interpretar este preceito?

A querela sobre as finalidades das penas é tão velha quanto o Direito Penal.

Não obstante, é ao legislador político – constitucionalmente legitimado que, em cada momento histórico, cabe a palavra decisiva quanto às finalidades que o julgador deve observar.

Essas finalidades são, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”), e a prevenção especial positiva (“reintegração do agente na sociedade”).

A prevenção geral positiva visa a estabilização contrafáctica das expetativas da comunidade na validade e na vigência da norma violada, sempre que a mesma tenha sido

posta em causa por um crime.

A prevenção especial positiva assume hoje, na feliz e conhecida expressão de ESER, a reintegração do agente na sociedade através da “prevenção da reincidência”.

É só disso que se trata, devendo afastar-se a prevenção especial negativa de inocuização do agente, e as finalidades de prevenção especial assentes na reforma moral ou metanoia interior do condenado, e na imposição de um tratamento clínico – terapêutico obrigatório.

Em todo e qualquer caso, as finalidades preventivas de cariz positivo aludidas têm como limite inultrapassável a culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal) – nullum crimen sine culpa, sob pena de violação da ineliminável dignidade da pessoa humana, em que assenta o Estado de Direito material (artigos 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa de 1976, sucessivamente revista e alterada).

A culpa deixou assim de ser fundamento, para passar a ser apenas pressuposto e limite da pena, que não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

Afastadas as teorias ético – retributivas ou absolutas das finalidades da punição, o princípio da culpa assume hoje um sentido apenas unilateral.

Vejamos pois da espécie de pena aplicável.

Nos termos dos artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do Código Penal aludidos, a escolha da espécie de pena obedece às finalidades de prevenção geral positiva e especial positiva.

O Tribunal deve preferir as penas não detentivas sempre que, verificados os respetivos pressupostos, a pena alternativa não detentiva se revele adequada e suficiente, à realização das

finalidades de punição (que são considerações de caráter exclusivamente preventivo).

A culpa é pressuposto e limite de toda e qualquer pena, não relevando, pela especial função que ocupa no sistema jurídico – penal, na determinação da espécie de pena aplicável.

Afastada a culpa neste particular, deve dar-se primazia, das duas finalidades preventivas, à prevenção especial positiva na determinação da espécie de pena.

É a prevenção especial positiva, e a finalidade de integração do agente em sociedade que presidem a este julgamento.

As penas detentivas apenas serão de aplicar quando necessárias, ou mais convenientes, na prossecução deste objetivo.

A pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

O único limite ao móbil da prevenção especial positiva consistirá no limiar mínimo da moldura de prevenção geral positiva construída dentro da moldura abstrata prevista para o tipo de crime, abaixo da qual se comprometem as finalidades de tutela ou defesa do ordenamento jurídico, que cumpre ao sistema penal assegurar.

Mesmo que considerações de prevenção especial aconselhassem uma pena não detentiva.

Quanto à fixação da medida concreta da(s) pena(s) de prisão e/ou multa, bem como das penas acessórias.

Nos termos das normas legais incriminadoras, nos termos supra explicitados, e do disposto no art. 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal, os crimes em causa são puníveis da seguinte forma:

- Crimes de condução de veículo em estado de embriaguez – 10 dias a 120 dias de multa, ou 1 mês a 1 ano de prisão (arts. 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 292.º, n.º 1, do Código Penal), e 3 meses a 3 anos de pena acessória de proibição de conduzir (art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal), ou 1 a 5 anos de cassação do título e/ou interdição da concessão do título de condução de veículo com motor (arts. 100.º e 101.º do Código Penal).

Com efeito, quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 69.º (“proibição de conduzir veículos com motor”) do Código Penal, “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º”.

Devendo ser punido pela prática do crime previsto no art. 292.º, nº 1, do Código Penal, o arguido deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

Tal norma legal, assim interpretada, não foi julgada nem declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, tendo a questão sido já apreciada, e decorrendo da Jurisprudência maioritária dos nossos Tribunais Superiores que a pena acessória de proibição de conduzir afeta todos as categorias e tipos de veículos, e cartas e licenças de que o condenado seja titular, não podendo também ser adiada ou marcada para determinados períodos, v.g., das férias do condenado.

Por outro lado, conforme Jurisprudência Uniformizada do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, neste caso não houve em concreto necessidade de dar cumprimento ao disposto no art. 358.º do Código de Processo Penal quanto à pena acessória prevista e punível nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, uma vez que tais imputações (normas legais respeitantes às penas acessórias) já constavam da acusação pública deduzida.

Deu-se, contudo, prévio cumprimento ao disposto no art. 358.º do CPP, quanto à aplicação ao arguido da medida prevista nos arts. 100.º e 101.º do Código Penal, em obediência a tal jurisprudência uniformizada, nesta sede aplicável.

Ainda que o arguido não seja titular de qualquer carta e/ou licença de condução, e/ou que as que possua estejam caducadas, ou seja, ainda que não esteja no momento da condenação habilitado legalmente para conduzir veículos (neste sentido, cfr. por todos, dois Ac TRP de 1/07/09, in www.dgsi.pt), sendo que neste caso o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não sendo o condenado titular de licença de condução, inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória (cfr., por todos, o Ac TRP de 5/07/06, in www.dgsi.pt).

Nos termos do disposto no art. 101.º (“Cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor”) do Código Penal, em caso de condenação por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado, ou com grosseira violação dos deveres que a um condutor incumbem, ou de absolvição só por falta de imputabilidade, o Tribunal decreta a cassação do título de condução quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente: a) Houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie; ou b) Dever ser considerado inapto para a condução de veículo com motor (als. a) e b) do n.º 1).

É susceptível de revelar a inaptidão referida na alínea b) do número anterior a prática, de entre outros, de factos que integrem os crimes de: a) Omissão de auxílio, nos termos do artigo 200.º, se for previsível que dele pudessem resultar graves danos para a vida, o corpo ou a saúde de alguma pessoa; b) Condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos do artigo 291.º; c) Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, nos termos do artigo 292.º; ou d) Facto ilícito típico cometido em estado de embriaguez, nos termos do artigo 295.º, se o facto praticado for um dos referidos nas alíneas anteriores (als. a) a d) do n.º 2).

Quando decretar a cassação do título, o Tribunal determina que ao agente não pode ser concedido novo título de condução de veículos com motor, de qualquer categoria, durante o período de duração da cassação. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 69.º (n.º 3).

Se o agente relativamente ao qual se verificarem os pressupostos dos n.ºs 1 e 2 não for titular de título de condução, o Tribunal limita-se a decretar a interdição de concessão de título, nos termos do número anterior, sendo a sentença comunicada à Direcção-Geral de Viação. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 69.º (n.º 4).

É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 100.º (n.º 5).

Se contra o agente tiver sido já decretada interdição de concessão de título nos cinco anos anteriores à prática do facto, o prazo mínimo de interdição é de dois anos (n.º 6).

Quando seja decretada cassação de título de condução, a obtenção de novo título, quando possível, depende sempre de exame especial (n.º 7 da mesma norma legal).

No caso concreto, resulta que o arguido já foi condenado em 4 penas acessórias por crimes rodoviários, a última em 12 meses de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, o que ainda assim não o afastou de cometer o crime deste processo 58/14.5GBSRT, pelo que há fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie, o que justifica a aplicação da medida de cassação e interdição dos arts. 100.º e 101.º do Código Penal.

A pena de multa (principal, ou de substituição) é fixada (num primeiro momento ou operação) em determinado n.º de dias (atendendo aos critérios da culpa, e das exigências de prevenção geral e especial, à luz dos quais se valoram os concretos fatores de medida da pena, nos termos do disposto nos arts. 71.º, n.º 1, ex vi 47.º, n.º 1, do Código Penal – o que sucede com a fixação do n.º de dias de prisão, quando se opta pela pena de prisão, ou só esta é aplicável, a título principal); e cada dia de multa corresponde a uma quantia de 5 a 500 euros, no novo regime, e de 1 a 498,80 euros, no Código Penal anterior à reforma operada pela Lei n.º 59/07, de 04/09, que deve ser fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal).

A medida concreta da pena de prisão, ou do número de dias de multa, deverá ser fixada entre aqueles limites, em função da culpa com que o arguido atuou – e que constitui o limite máximo da pena, nos termos do art. 40.º, n.º 2, do Código Penal – e tendo em atenção as exigências de prevenção de futuros crimes e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, as exigências de estabilização contrafáctica das expetativas da comunidade na validade e vigência das normas violadas (prevenção geral), e de prevenção da reincidência (prevenção especial), na conhecida expressão de ESER, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 40.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do Código Penal.

Na determinação concreta da pena de prisão ou do número de dias de multa, bem como na graduação do período das penas acessórias, deve atender-se aos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 71.º do Código Penal.

Na determinação da medida concreta da pena de prisão e/ou de multa, bem como das penas acessórias deverão ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado, nem de quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes, gerais ou especiais, já tidas em consideração, ao nível da moldura da pena abstratamente aplicável (princípio da proibição da dupla valoração), sejam expressivas dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 71.º do Código Penal, ou seja, das exigências concretas de culpa e de prevenção.

Apreciando, quanto à escolha e medida concreta da(s) pena(s) (principais e/ou acessórias) e/ou medidas de segurança.

Tendo em consideração, nos termos dados como provados, que:

- O arguido conduzia um ligeiro de passageiros, e a TAS com que o fazia, tendo conduzido cerca de 200 metros, sem que se provasse qualquer despiste ou embate, a ilicitude é média/elevada, para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez;

- O dolo do arguido é directo e/ou específico em todos os crimes praticados, agora em causa, cujo procedimento penal não se extinguiu por qualquer forma, crimes pelos quais, julgado, deve ser condenado;

- As exigências de prevenção geral positiva associadas ao tipo de criminalidade em causa são elevadas, quer ao nível do País, quer sobretudo na Comarca, atenta a frequência com que são violadas as normas jurídico – penais em causa, sendo certo que dos crimes ligados à circulação rodoviária normalmente resultam acidentes (por vezes fatais) que contribuem para as elevadíssimas taxas de sinistralidade e mortalidade existentes em Portugal, e sobretudo em concreto, tendo conjugadamente em consideração os antecedentes penais do arguido;

- O arguido tem antecedentes penais, nos termos dados como provados, o que eleva em grande medida as exigências de prevenção especial positiva, importando salientar:

- Em 19/12/05, 1.º crime de embriaguez (1,24 g/l), penas 45 dias x 6, 3 meses de proibição de conduzir (processo 336/05.4GTCTB);

- Em 17/11/08, 1.º crime de desobediência (2.º crime rodoviário), por recusar-se submeter aos exames de pesquisa de álcool no sangue, nas penas 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, no montante global de 420 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 3 meses (processo 233/08.1GBSRT).

- Em 11/02/2011, 2.º crime de desobediência (3.º crime rodoviário), por recusar-se submeter aos exames de pesquisa de álcool no sangue, nas penas de 3 meses de prisão (aqui já condenado em prisão a título principal), substituída por 90 horas de trabalho, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 6 meses (processo 18/11.8GBSRT).

- Em 24/03/11, 2.º crime de embriaguez (1,93 g/l) (4.º crime rodoviário, cometido cerca de 1 mês e alguns dias depois, e 3 dias após ter entregue a carta de condução no processo 18/11.8GBSRT), penas de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com as condições de frequência de um programa de prevenção rodoviária a ministrar pela DGRS, e realizar tratamento de desintoxicação alcoólica, caso o médico assistente o considere necessário, devendo se for caso disso, comprovar nos autos, de 4 em 4 meses, o cumprimento desta condição, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 12 meses, as quais foram extintas pelo cumprimento.

Nem assim, agora comete em 02/03/2.014 o 3.º crime de embriaguez (5.º crime rodoviário), neste processo, mostrando que nenhuma pena não detentiva serviu para o afastar da prática deste tipo de criminalidade, nem sequer a suspensão da execução da pena, e com condições, mostrando um profundo desrespeito das sentenças condenatórias anteriores, e pelos bens jurídico-legais em apreço, mostrando ainda que as penas não detentivas (designadamente a pena de multa e de suspensão da execução) não lhe serviram de suficiente advertência e não acautelam de forma adequada, suficiente e proporcional as elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial positivas, exigindo-se a aplicação da pena de prisão, a título principal (e efectivo);

- não se pode valorar em seu favor qualquer arrependimento,

e que, em favor do arguido, se provou:

- O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, se bem que neste tipo de processos, tal confissão tem pouca valia probatória (apesar de constituir uma atenuante),

- O arguido encontra-se inserido familiarmente e socialmente,

- O arguido não tem imagem negativa na comunidade onde se insere,

o Tribunal conclui nos seguintes termos:

As exigências de prevenção especial positiva são elevadíssimas (desde logo pelos antecedentes penais do arguido, sendo esta a 5.ª condenação por crime rodoviário), exigindo a aplicação ao arguido da pena de prisão a título principal, o que a confissão, sem especial relevo probatório, e demais atenuantes, não afastam.

O mesmo se diga das elevadíssimas exigências de prevenção geral positiva, que exigem também a aplicação de pena de prisão ao arguido a título principal, de forma a só assim se garantirem as exigências de prevenção geral positiva, sob pena de violação do limiar mínimo de tutela de integração das expetativas da Comunidade na validade e vigência nas normas e bens jurídico – penais violados, que incumbe ao Estado, através dos Tribunais, assegurar (tem vindo a ser condenado por crimes rodoviários em pena de prisão principal desde o processo 18/11.8GBSRT), pelo que o Tribunal entende que, no presente caso, só a prisão do arguido se revela adequada, necessária e proporcional, devendo por isso ser o arguido condenado em pena de prisão, a título principal, nos termos do disposto no art. 70.º do Código Penal.

Consequentemente, quanto à fixação da medida concreta dos dias de prisão, e das penas acessórias e/ou medidas de segurança, apreciando agora os critérios estabelecidos no art. 71.º, n.ºs 1 e 2, 101.º, do Código Penal, ex vi também art. 47.º, n.º 1, do Código Penal, crimes cujo procedimento penal não se encontra por qualquer forma extinto, e tendo em consideração todos os elementos e circunstâncias supra referidos, atenuantes e agravantes, à luz da culpa e das exigências de prevenção geral e especial positiva (bem como da personalidade do agente/arguido revelada nos fatos – art. 77.º do Código Penal), que não fossem já valorados ao nível da qualificação jurídica imputada e da moldura penal aplicável (princípio da proibição da dupla valoração), deve o arguido ser condenado nas penas e/ou medidas de segurança de:

- 8 meses de prisão, para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, e na medida de segurança de cassação dos títulos de condução de veículos com motor que possui neste momento, e consequentemente interdição da concessão dos títulos de condução de veículo com motor de qualquer categoria durante o período de duração da cassação, pelo período (entre 1 a 5 anos) de 2 anos (já tendo sido condenado anteriormente em 4 penas acessórias, a última de 12 meses, no processo 35/11.8GBSRT), a contar do trânsito em julgado da sentença, e sem prejuízo do disposto no art. 100.º, n.º 2, do Código Penal, ou seja, da prorrogação “por outro período até três anos se, findo o prazo fixado na sentença, o Tribunal considerar que aquele não foi suficiente para remover o perigo que fundamentou a medida”, nos termos dos arts. 100.º e 101.º, esp. n.ºs 1, als. a) e b), 2, al. c), e 3, do Código Penal, o que impede assim legalmente a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados (art. 69.º, n.º 7, do Código Penal), e respectivo cúmulo [(1). A seguir-se o entendimento, em concreto mais favorável ao condenado, do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 09/09/09, em que foi relator Jorge Gonçalves (processo n.º 226/08.9GTCBR-A.C1, acessível em www.dgsi.pt), segundo o qual “As regras do cúmulo jurídico de penas, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, são aplicáveis ao concurso de penas acessórias”, e “Em conclusão: as penas acessórias, designadamente as de proibição de conduzir veículos com motor, são cumuláveis juridicamente segundo o critério estabelecido no n.º1 do artigo 77.º do Código Penal, ainda que se trate de conhecimento superveniente”].


*

Importa referir que o Tribunal não ponderou a dispensa de pena ao arguido, em concreto, uma vez que entende que a ilicitude não é diminuta, falhando assim um dos requisitos gerais para a sua verificação – tendo precisamente em consideração a ilicitude média/elevada dos crimes praticados, nos termos dados como provados, supra referidos.

Por outro lado, através da admoestação, não se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no caso concreto – art. 60.º, n.º 2, do Código Penal, estando em causa crimes rodoviários, e depois atendendo aos antecedentes penais do arguido, à falta de confissão e/ou de arrependimento, razões pelas quais não se substitui em concreto a pena aplicada a título principal pela pena de admoestação.


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Da não suspensão da execução da pena de prisão concretamente aplicada ao arguido, e da não aplicação de outras penas de substituição não detentivas da pena de prisão.

No caso concreto, relativamente ao arguido, atenta a pena de prisão concretamente aplicada que o mesmo deverá cumprir, atentos os factos pelos quais é julgado e deverá ser condenado nos presentes autos, não existe qualquer impossibilidade jurídica e/ou legal de substituição da mesma, em abstrato, por qualquer outra pena de substituição não detentiva da liberdade (penas de multa, de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, prestação de trabalho a favor da Comunidade, e suspensão da execução da pena de prisão concretamente aplicada), salvo quanto à pena de admoestação, que pressupõe a aplicação de pena de multa em medida não superior a 240 dias (art. 60.º, n.º 1, do Código Penal), o que não sucede em concreto, devendo o arguido ser condenado concretamente na pena de oito meses de prisão, nos termos e fundamentos supra referidos.

Contudo, todas as penas de substituição da pena de oito meses de prisão concretamente aplicada de carácter não retentivo admissíveis (penas de multa, de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, prestação de trabalho a favor da Comunidade, e suspensão da execução da pena de prisão concretamente aplicada), apesar de em abstrato não existir impedimento jurídico e/ou legal para o efeito, são de todo inconvenientes, e insuficientes, para a realização das finalidades de punição, ou seja, das finalidades de prevenção geral e especial positiva (art. 40.º do Código Penal) e jurídico – constitucionalmente impostas.

Com efeito, para além do que se disse supra, pese embora o arguido tenha confessado livre, integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, se encontre inserido familiar e socialmente, a verdade é que o arguido tem antecedentes penais, nos termos dados como provados, o que eleva em grande medida as exigências de prevenção especial positiva, e consequentemente de prevenção geral positiva, importando salientar:

- Em 19/12/05, 1.º crime de embriaguez (1,24 g/l), penas 45 dias x 6, 3 meses de proibição de conduzir (processo 336/05.4GTCTB);

- Em 17/11/08, 1.º crime de desobediência (2.º crime rodoviário), por recusar-se submeter aos exames de pesquisa de álcool no sangue, nas penas 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, no montante global de 420 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 3 meses (processo 233/08.1GBSRT).

- Em 11/02/2011, 2.º crime de desobediência (3.º crime rodoviário), por recusar-se submeter aos exames de pesquisa de álcool no sangue, nas penas de 3 meses de prisão (aqui já condenado em prisão a título principal), substituída por 90 horas de trabalho, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 6 meses (processo 18/11.8GBSRT).

- em 24/03/11, 2.º crime de embriaguez (1,93 g/l) (4.º crime rodoviário, cometido cerca de 1 mês e alguns dias depois, e 3 dias após ter entregue a carta de condução no processo 18/11.8GBSRT), penas de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com as condições de frequência de um programa de prevenção rodoviária a ministrar pela DGRS, e realizar tratamento de desintoxicação alcoólica, caso o médico assistente o considere necessário, devendo se for caso disso, comprovar nos autos, de 4 em 4 meses, o cumprimento desta condição, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 12 meses, as quais foram extintas pelo cumprimento.

Nem assim, agora comete em 02/03/2.014 o 3.º crime de embriaguez (5.º crime rodoviário) neste processo, num óbvio crescendo de ilicitude, mostrando que nenhuma pena não detentiva serviu para o afastar da prática deste tipo de criminalidade, nem sequer a suspensão da execução da pena, e com condições, mostrando um profundo desrespeito das sentenças condenatórias anteriores, e pelos bens jurídico-legais em apreço, mostrando ainda que as penas não detentivas (designadamente a pena de multa) não lhe serviram de suficiente advertência e não acautelam de forma adequada, suficiente e proporcional as elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial positivas, exigindo-se a aplicação da pena de prisão, a título principal, e a título efectivo.

No processo 35/11.8GBSRT foi condenado em 2011, pelo mesmo crime, em pena de prisão suspensa, com condições, pelo que agora não se pode concluir que a suspensão da execução da pena de prisão (ainda que condicionada) satisfaz quer as exigências de prevenção especial positiva, quer as exigências de prevenção geral positiva.

Manifestando o arguido profundo desrespeito pelas condenações anteriores, não se pode deixar de concluir que, por todas e mesmas razões supra referidas, a aplicação de qualquer outra pena de substituição não detentiva da pena de prisão de oito meses agora concretamente aplicada no âmbito deste processo (seja da pena de multa, que já se afastou a título principal, e agora não seria, pelas mesmas razões, adequada ou suficiente às finalidades da punição, seja da pena de proibição, por um período de dois a cinco anos, do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, agora prevista no art. 43.º, n.º 3, do Código Penal actualmente vigente, uma vez que nada se provou que concretamente justifique a respectiva aplicação, devendo salvaguardar-se a possibilidade de o arguido continuar a trabalhar e/ou continuar inserido profissionalmente na Comunidade, seja da prestação de trabalho a favor da comunidade, que o arguido não requereu nem consentiu expressamente, seja mesmo da pena de substituição não detentiva da suspensão da execução, que o arguido também já vilipendiou em último lugar, revelando personalidade demonstrada nos factos que afasta esta possibilidade), não é adequada nem suficiente às finalidades da punição.

Só a aplicação da pena de oito meses de prisão concretamente fixada a título principal, cumprida em termos efectivos, sem qualquer substituição por qualquer outra pena de substituição não detentiva, ao arguido neste momento, tendo em conta todas as condenações penais anteriores, evitará que a condenação fique aquém dos limiares mínimos das exigências de tutela de integração, de tutela do ordenamento jurídico-legal, das exigências de estabilidade e confiança da Comunidade Jurídica na vigência e validade das normas jurídico – penais violadas, que cumpre ao sistema penal assegurar, pelo que, também a esta luz, das exigências de prevenção geral positiva, deve afastar-se a aplicação ao arguido quer da pena de multa a título principal, quer, neste momento, de qualquer outra pena de substituição não detentiva da liberdade, nos termos do disposto nos arts. 43.º, 58.º, n.º 1, e 60.º do Código Penal actualmente vigente, após as alterações efectuadas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao Código Penal, e que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, de acordo com o disposto no art. 13.º da referida Lei n.º 59/2007.

As penas não detentivas, incluindo as de substituição, que é o problema que agora nos ocupa, não satisfazem assim de forma adequada, necessária e/ou suficiente as finalidades da punição, no caso concreto.

No caso em apreço, atentas as condenações anteriores, e o seu desrespeito pelo arguido, fica patente a insensibilidade do arguido ao efeito dissuasor das penas que lhe foram impostas, multa e prisão, com suspensão da execução.

As respostas pretendidas com as penas não privativas da liberdade aplicadas ao arguido mostraram-se desprovidas de qualquer eficácia.

As sucessivas condenações permitem-nos concluir que o arguido ainda não interiorizou as regras e os bens jurídicos protegidos pelos crimes em apreço, que reiteradamente infringe.

Mais evidenciam um desrespeito notório pela ordem jurídica instituída, maxime pelas normas que disciplinam a condução de veículos a motor, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico – penais (prevenção geral), sendo certo que tais expectativas, no crime em apreço, e para os contornos do caso decidendo em causa, são elevadíssimas.

Razões pelas quais se encontra justificada integralmente a necessidade de cumprimento efetivo da pena de prisão de oito meses concretamente aplicada ao arguido, e inversamente se fundamenta a não suspensão da execução da pena de prisão e a não aplicação de outras penas de substituição da pena de prisão não detentivas.


*

Das várias modalidades legalmente previstas de cumprimento efetivo da pena de prisão de oito meses concretamente aplicada ao arguido, e da aplicação ao mesmo da modalidade de cumprimento da pena de prisão por dias livres.

O Tribunal dá integralmente por reproduzidas nesta sede as normas legais previstas nos arts. 42.º, n.º 1, 44.º, 45.º, e 46.º do Código Penal.

Para concluir que, à luz das referidas disposições legais e dos princípios jurídico-constitucionais aplicáveis, o cumprimento efetivo da pena de prisão por dias livres prefere ao cumprimento em regime de semi-detenção, nos termos do disposto no art. 46.º, n.º 1, do Código Penal (o que se compreende, uma vez que o regime de semi-detenção é um meio termo entre o cumprimento por dias livres, e o cumprimento efetivo continuamente contado, todos os dias, da pena de prisão, seja no EP ou na habitação, com recurso a meios técnicos de controlo à distância), e estas duas modalidades (por dias livres, e semi-detenção) preferem ao regime de cumprimento efetivo, seja no EP que vier a ser designado, seja na habitação, com recurso à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se tal fôr tecnicamente e legalmente possível (com os consentimentos legalmente exigidos), para além de necessário e conveniente às finalidades da punição (prevenção geral e especial positiva).

A este respeito, não será despiciendo convocar também nesta sede o disposto no art. 42.º (“Execução da pena de prisão”), n.º 1, do Código Penal, segundo o qual a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Ora, tal só é possível no caso concreto, atenta a factualidade dada como provada, determinando que o arguido cumpra efetivamente a pena de prisão de oito meses concretamente aplicada por dias livres, de forma a que o mesmo continue inserido familiar e socialmente.

A aplicação da modalidade de cumprimento efetivo por dias livres realiza o equilíbrio desejável, em concreto adequado, necessário e proporcional, entre as finalidades da punição que a situação decidenda reclama, por um lado, e por outro os objetivos ainda assim de inserção familiar e inserção social do arguido em Comunidade, da qual não é retirado num primeiro momento (desde que se apresente voluntariamente no EP que lhe vier a ser indicado, e se apresente sempre voluntariamente aos fins-de-semana, nos termos a ordenar), incutindo-lhe ainda um sentimento de responsabilidade, ainda que ligado ao cumprimento efetivo de pena de prisão.

Isto mesmo se reconhece expressamente no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 25/03/09, em que foi relator Vasques Osório, acessível in www.dgsi.pt, onde se confirmou sentença proferida por Tribunal de 1.ª Instância que condenou arguido em pena de prisão efetiva, por quatro condenações anteriores do género (o arguido nestes autos tem 4 condenações anteriores, por crimes rodoviários, à presente), e se determina, porém, o cumprimento da pena de prisão efetiva por dias livres, nos seguintes termos:

“Na verdade, com esta pena de substituição, embora pena de prisão não seja cumprida de forma contínua, o seu cumprimento é institucional, significando uma efectiva privação da liberdade. Esta privação de liberdade permitirá ao recorrente, mais uma vez, reflectir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão, se repetir o seu comportamento delituoso e particularmente, a pratica da condução de veículo sem título bastante. E espera-se que esta sua reflexão contribua decisivamente para que interiorize a necessidade de adequar a sua conduta aos valores sociais tutelados pelas normas penais, assim colocando um ponto final na sua revelada propensão para a prática de condutas desviantes. E, por outro lado, a prisão por dias livres permite que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente, assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração. Deve pois o recorrente ver substituída a pena de prisão em que foi condenado, por prisão por dias livres”.

Com o que se justifica a aplicação ao arguido da modalidade de cumprimento da pena de oito meses de prisão concretamente fixada por dias livres, que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e se afastam as demais modalidades legalmente previstas de cumprimento efetivo da pena de prisão de oito meses concretamente aplicada ao arguido.

Tanto mais que o “regime de permanência na habitação” previsto no art. 44.º do Código Penal, para além de não expressamente requerido ou consentido pelo arguido (art. 44.º, n.º 1, do Código Penal), através da “fiscalização por meios técnicos de controlo à distância” (desde que comprovado nos autos das possibilidades técnicas de tal controlo pelo IRS, entidade a quem compete tal certificação, o que consequentemente, não está comprovado), e desde que obtidos todos os consentimentos legalmente exigidos, de quem resida também na habitação alvo, não permitiria ao mesmo a liberdade dos restantes dias, e/ou nem continuar a trabalhar ou a ficar profissionalmente integrado, com as consequências nefastas de tal afastamento em época de crise, e atenta a idade do arguido.

Vejamos agora como se deve determinar o cumprimento efetivo da pena de oito meses de prisão concretamente fixada ao arguido por dias livres.

Estipula o art. 45.º (“Prisão por dias livres”) do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o Tribunal concluir que, no caso, esta forma de

cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (n.º 1).

A prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder 72 períodos (n.º 2).

Cada período tem a duração mínima de trinta e seis horas e a máxima de quarenta e oito, equivalendo a cinco dias de prisão contínua (n.º 3).

Os dias feriados que antecederem ou se seguirem imediatamente a um fim-de-semana podem ser utilizados para execução da prisão por dias livres, sem prejuízo da duração máxima estabelecida para cada período (n.º 4 da mesma norma legal).

Para o efeito, dão-se ainda nesta sede por integralmente reproduzidos os arts. 487.º e 488.º do Código de Processo Penal, em matéria de execução da pena de prisão na modalidade agora em causa.

Vejamos.

                Devendo o arguido ser condenado na pena concreta de 8 meses de prisão, nos termos e fundamentos supra referidos, os quais correspondem a 240 dias, deverá o mesmo, nos termos das normas legais supra referidas, cumprir a prisão por dias livres durante 48 períodos (48 períodos x 5 dias = 240 dias).

Cada período (dos 48 períodos a cumprir) terá a duração de 36 horas (sendo a 1.ª condenação do género, não se justifica que cada período tenha a duração máxima de quarenta e oito horas ou outra diferente da duração mínima indispensável prevista), e será cumprido entre as 8 horas de Sábado e as 20:00 horas do Domingo seguinte, sem prejuízo de outro horário mais conveniente ao EP e ao arguido, desde que respeitados os períodos determinados, e sem prejuízo do disposto no art. 45.º, n.º 4, do Código Penal, quanto a feriados.

Sem prejuízo, pela detenção sofrida neste processo 58/14.5GBSRT (que na prática judiciária corresponde a 1 dia), devem-lhe ser descontadas 8 horas no cumprimento dos períodos de fins-de-semana, no último período (fim-de-semana), tendo em consideração que para 5 dias (120 horas) correspondem 36 horas (fim-de-semana), pelo que 24 horas correspondem a 8 horas, arredondando em favor do condenado – art. 80.º do Código Penal.

            (…)”.


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            Do vício do erro notório na apreciação da prova

            1. Na acusação deduzida pelo Ministério Público [fls. 17 a 18] era imputada ao arguido a condução de um veículo automóvel na via pública, sendo portador de uma TAS de 1,86 g/l, correspondente à TAS de 2,02 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista.

            No ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida como tal foi considerado: Na sequência de uma ação de fiscalização aleatória, no dia 02 de Março de 2014, cerca das 01h01m, na Rua Padre António Lourenço Farinha, nesta vila da Sertã, o arguido conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula RO (...) , apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,41 gramas/litro, correspondente à TAS de 2,02 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista, tendo conduzido cerca de 200 metros.

            Na motivação de facto da sentença recorrida, a este propósito, escreveu-se: Estando em causa a verificação periódica (‘por força do disposto no n.º 5 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20/09’, como consta do auto de notícia), há que confirmar o desconto do EMA realizado pelo órgão policial e/ou indicado pelo MP, e/ou proceder ao seu cálculo, caso ainda não tenha sido efetuado tal desconto, sendo que a TAS apurada após o desconto é de 1,41 g/l (e não 1,86 g/l, como vinha indicado).

            Pois isto.

Os vícios previstos no nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal, onde se inclui o erro notório na apreciação do prova, são vícios intrínsecos da sentença penal isto é, respeitam à sua estrutura interna, razão pela qual a lei exige que a respectiva demonstração resulte do texto da decisão, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, não sendo admissível a sua evidenciação por recurso a elementos a ela, decisão, alheios, ainda que constem do processo.

            Ocorre o erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Vol. III, 2ª, Edição, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido, por violação das leges artis, e também, pela violação das regras sobre a prova vinculada (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 6ª Edição, 2007, pág. 74).

A divergência jurisprudencial que tinha por objecto a dedução do erro máximo admissível [EMA] à concreta taxa de álcool no sangue [TAS] medida pelos analisadores quantitativos, foi resolvida por via legislativa, com a alteração introduzida pela Lei nº 72/2013, de 3 de Setembro, no art. 170º, nº 1 do C. da Estrada, que prevê os requisitos do auto de notícia e de denúncia.

Com efeito, o nº 1 citado passou agora a ter duas alíneas, constando da a), no essencial, a anterior redacção do citado número, e tendo a nova alínea b) o seguinte teor:

O valor registado e o valor apurado após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais regulamentares.

Embora a norma nova, quer pela letra, quer pela inserção legal, disponha apenas para as contra-ordenações rodoviárias, e independentemente da sua natureza de norma interpretativa, não encontramos razão bastante para afastar a sua aplicação, no que à dedução do EMA respeita, às condutas qualificadas como crime, pois que a condução influenciada pelo álcool pode apresentar uma dupla natureza, a de crime, prevista no art. 292º do C. Penal, e a de contra-ordenação, grave, prevista nos arts. 81º, nºs 1 e 2 e 145º, nº 1, l) do C. da Estrada, e muito grave, prevista no arts. 81º, nºs 1 e 2 e 146º, j) do C. da Estrada, em função da TAS quantificada pelo alcoolímetro.

Deste modo, observado todo o procedimento legalmente previsto para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS [procedimento essencialmente previsto nos arts. 153º do C. das Estrada e 2º a 6º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio], pressuposta a homologação, aprovação e a validade da verificação do analisador quantitativo utilizado, o resultado concretamente obtido, conquanto não possa ser considerado como obtido através de prova pericial em sentido estrito – não existe a intervenção de estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, nem de perito nomeado para o efeito (cfr. art. 152º, nº 1 do C. Processo Penal) – mas apenas o resultado de um exame, deve ser considerado como proveniente de prova vinculada ou tarifada, subtraído, portanto, à livre apreciação do julgador (já assim o havia entendido o aqui relator nos Acs. da R. de Coimbra de 15 de Abril de 2014, processo nº 155/14.7GAVZL.C1 [que aqui seguimos de perto] e de 16 de Maio de 2012, processo nº 191/11.5PAPBL.C1, in www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acs. da R. de Lisboa de 11 de Novembro de 2014, processo nº 102/14.6GCSNT.L1 e de 11 de Dezembro de 2014, processo nº 708/14.3PLSNT.L1, in www.dgsi.pt, e Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Os Crimes dos Condutores, Publicações Universidade Católica, 2007, pág. 153 e ss.; contra, Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica Editora, 1ª Edição, 1996, pág. 81). 

Assim, cumprindo o analisador quantitativo os requisitos legais e tendo sido integralmente observado, na realização da medição, o procedimento legalmente previsto, o resultado apurado após a dedução ao valor registado pelo instrumento do EMA, quantificador da TAS constitui prova vinculada pelo que, a sua inobservância na decisão, seja pela omissão da dedução do EMA, seja por erro na realização da operação de apuramento, ela determina a existência do vício de erro notório na apreciação da prova.

2. Resulta do auto de notícia de fls. 2 e do talão de fls. 11 que o exame foi realizado através do alcoolímetro ARNA, nº 0098, modelo Alcotest 7110 MKIII P, aprovado pela DGV em 25 de Junho de 2009 e pelo IPQ em 24 de Abril de 2007, verificado pelo IPQ em 15 de Fevereiro de 2013 e com validade até 31 de Dezembro de 2014, tendo apresentado o resultado de uma TAS de 2,02 g/l, correspondente a pelo menos uma TAS de 1,86 g/l, depois de deduzida a margem de erro legalmente prevista.

Porém, não consta do auto a demonstração ou explicitação do cálculo efectuado. E também na sentença recorrida não foi efectuada tal demonstração.

O quadro anexo a que o art. 8º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro] faz referência define os valores dos EMA em função de determinados intervalos de teor de álcool no ar expirado [TAE]. Assim, primeira operação a realizar consistirá na conversão da TAS medida pelo alcoolímetro em TAE, a fim de ser determinado o intervalo aplicável, conversão que deve obedecer ao princípio estabelecido no art. 81º, nº 4 do C. da Estrada [1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue]. A TAS de 2,02 g/l é então equivalente a TAE de 0,878 mg/l, cabendo esta no intervalo 0,400 = ou < TAE = ou < 2,000, a que corresponde um EMA de + ou – 8% para a verificação periódica.    

Aplicando agora o EMA de 8% à TAE supra determinada [0,878 mg/l x 0,08 = 0,07; 0,878 – 0,07 = 0,808 TAE] e convertendo o resultado para TAS [(0,808 x 2,3 g/l) : 1 mg/l = 1,8584 g/l TAS] ou aplicando o mesmo EMA directamente à TAS de 2,02 g/l [2,02 g/l x 0,08 = 0,1616; 2,02 g/l – 0,1616 = 1,8584 g/l TAS], apuramos o mesmo resultado que é o de uma TAS de 1,8584 g/l.

Não comportando a concreta TAS obtida após a dedução do EMA qualquer arredondamento, até por efeitos de tipicidade, era esta, a TAS de 1,8584 g/l – e não, a de 1,86 g/l que consta do auto de notícia e da acusação e, muito menos, a de 1,41 g/l [cremos que o Mmo. Juiz a quo aplicou o EMA de + ou – 30%, com arredondamento (2,02 g/l x 0,30 = 0,606; 2,02 g/l – 0,606 = 1,414 g/l), quando os intervalos do quadro anexo estão referidos a TAE e não, a TAS e portanto, quando uma TAS de 2,02 g/l equivale a uma TAE de 0,878 mg/l, a que corresponde o EMA de + ou – 8%, para a verificação periódica], que consta dos factos provados da sentença em crise – a TAS a considerar para efeitos de imputação.

3. Como solucionar este erro?

Estabelece o art. 431º, a) do C. Processo Penal que, sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base.

Como se viu, o vício apontado decorre apenas de um erro de cálculo que, simultaneamente, se traduz na violação de um critério de prova vinculada. Constam dos autos, como se demonstrou, todos os elementos de prova – o auto de notícia de fls. 2 e o talão de fls. 11 – que serviram de base ao valor da TAS considerada provada, e necessários à sua correcção.

Nada obsta, portanto, à modificação do ponto 1 dos factos provados e consequente sanação do vício, tornando-se desnecessário o reenvio do processo.

Assim, o ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida passa a ter a seguinte redacção:

- Na sequência de uma ação de fiscalização aleatória, no dia 02 de Março de 2014, cerca das 01h01m, na Rua Padre António Lourenço Farinha, nesta vila da Sertã, o arguido conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula RO (...) , apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,8584 gramas/litro, correspondente à TAS de 2,02 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista, tendo conduzido cerca de 200 metros.


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Da excessiva medida da pena de prisão e da sua substituição pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade

            4. Nas conclusões 1ª a 3ª alega o recorrente não terem sido devidamente consideradas, a confissão, o arrependimento, a sua concreta situação sócio-económica e familiar e os seus problemas de saúde, daí resultando uma inadequada escolha da pena privativa da liberdade e a sua desproporcionada medida concreta.

            Sem razão, porém. Explicando.

            A factualidade provada, nela se considerando já a alteração introduzida por via do presente recurso, permite concluir, sem margem para dúvidas, ter o arguido, com a sua conduta, preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, e com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.

Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E estabelece o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são portanto, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

Muito frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, como sucede nos autos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

5. Colocado perante a aplicação, em alternativa, de pena de prisão ou de pena de multa, o tribunal a quo optou, e bem, pela pena privativa da liberdade, opção que o arguido, em boa verdade, não contesta. Com efeito, os seus antecedentes criminais, todos relacionados com a prática da condução, elevam de tal forma as exigências de prevenção especial que a opção pela pena de multa de forma alguma daria adequada e suficiente realização às finalidades da pena criminal.

Por outro lado, na determinação da medida concreta da pena de prisão o tribunal a quo ponderou o grau médio/elevado de ilicitude do facto, o dolo directo e portanto, intenso, as elevadas exigências de prevenção geral, dada a frequência com que são cometidos crimes rodoviários e a sua associação à elevada sinistralidade estradal, as elevadas exigências de prevenção especial, atentos os antecedentes criminais do arguido e o fracasso das penas já aplicadas como incentivo à conformação das suas condutas com o direito, a confissão integral e sem reservas, se bem que de reduzido valor atenuativo, e a sua inserção social e familiar.

Não se vê que a condição de reformado do arguido, a doença cardíaca de que padece, a circunstância de residir com a mãe que é também reformada e tem saúde débil, e a circunstância de manter contactos regulares com o filho menor, que está ao cuidado da mãe, possam assumir maior relevo do que lhes é já conferido pela considerada inserção social e familiar. Por outro lado, não tendo o tribunal a quo considerado provado o arrependimento, e não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, evidente se torna não poder haver lugar à sua ponderação.     

Assim, porque as circunstâncias agravantes sobrelevam às circunstâncias atenuantes, e porque são elevadas as exigências de prevenção, a pena de oito meses de prisão, decretada pela 1ª instância, porque situada um pouco acima do ponto médio da moldura abstracta aplicável, mostra-se proporcionada não sendo, por isso, merecedora de censura.

6. Pretende, por outro lado, o arguido – conclusão 4ª – que a pena de prisão decretada, em vez de ser substituída por prisão por dias livres, o seja por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Vejamos.

A prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição da pena de prisão em sentido próprio, na medida em que o seu cumprimento é feito extramuros e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão.

São pressupostos da sua aplicação (art. 58º, nºs 1 e 5 do C. Penal):

- A aplicação ao agente de pena de prisão até dois anos;

- O consentimento do condenado;

- A sua adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição.

O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena de 8 meses de prisão, pelo que está verificado o pressuposto formal enunciado. 

Relativamente ao consentimento do condenado, cumpre dizer que o mesmo não se mostra dado pessoalmente pelo arguido. Na verdade, sendo feita a declaração respectiva na conclusão 4ª da motivação, não só esta peça não se mostra assinada pelo recorrente, como a procuração de fls. 16 não confere ao seu Ilustre Mandatário poderes especiais para o acto.

Não se desconhecendo a divergência de entendimento quanto a esta matéria, será no entanto sempre possível ultrapassar este obstáculo, sendo certo que o mesmo só assumirá verdadeiro relevo, se e quando verificados os demais pressupostos de aplicação da pena de substituição em análise.

Atentemos agora no pressuposto material, na adequação e suficiência da PTFC à realização das finalidades da punição.

O critério geral de escolha da pena que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 45º, nº 1, 50º, nº 1, 58º, nº 1, 60º, nº 2 e 70º, todos do C. Penal, é o de que o tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade, verificados que estejam os pressupostos formais da sua aplicação, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 331 e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 70).

E as finalidades da punição são, como decorre do art. 40º, nº 1 do C. Penal, finalidades preventivas, sejam de prevenção geral, sejam de prevenção especial pelo que, no campo da escolha da pena, não há lugar a consideração de finalidades de compensação da culpa.

Por outro lado, entre as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial devem prevalecer estas últimas – prevenção especial de socialização – funcionando a prevenção geral como forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigência de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333). Daqui resulta que, quando à luz das exigências de prevenção especial seja recomendável a aplicação de uma pena de substituição, ela só não deverá ser decretada quando a execução da pena de prisão se revele indispensável para que não sejam postas absolutamente em causa, quer a tutela dos bens jurídicos, quer a estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na validade da norma violada.

Assim, segundo este critério geral, haverá lugar à aplicação da pena prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que ela se revele capaz de facilitar a ressocialização do condenado, e seja compatível com as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico.

Os antecedentes criminais do arguido estão todos relacionados com a prática da condução. Sofreu uma primeira condenação, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em Dezembro de 2005, em pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir de veículos com motor. Sofreu uma segunda condenação, por crime de desobediência por recusa de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue, em Dezembro de 2008, em pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir de veículos com motor. Sofreu uma terceira condenação, por crime de desobediência por recusa de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue, em Fevereiro de 2011, em pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e pena acessória de proibição de conduzir de veículos com motor. Sofreu uma quarta condenação, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em Abril de 2011, em pena de prisão suspensa na respectiva execução, condicionada, e pena acessória de proibição de conduzir de veículos com motor.

Como se vê, o arguido revela uma personalidade mal formada, complicada por consumos excessivos de álcool, para quem a substituição de penas de prisão, uma delas, por prestação de trabalho a favor da comunidade, não constituíram suficiente motivação para adequar as suas condutas às regras sociais em vigor para o tráfego rodoviário.

São pois, razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial que impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, mostrando-se esta, in casu, incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Em conclusão, não estando verificados todos os pressupostos de que depende a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, não pode ser aplicada ao arguido.

7. Ainda que não tenha sido levada às conclusões e, portanto, se deva considerar que o recorrente a deixou ‘cair’, no corpo da motivação é também suscitada a questão da suspensão da execução da pena de prisão, mas sem maiores desenvolvimentos.

Dir-se-á mesmo assim que, embora se verifique o pressuposto formal desta pena de substituição, já o mesmo não sucede com o seu pressuposto material. Com efeito, a revelada personalidade do arguido, os seus antecedentes criminais e, muito particularmente, a circunstância de ter sido condenado em Abril de 2011, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de prisão suspensa na respectiva execução, não permitem concluir pela formulação de uma prognose favorável.

Assim, não pode também proceder esta pretensão do arguido.     


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            Da indevida aplicação da medida de segurança de cassação dos títulos de condução e da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor

8. Pretende ainda o arguido – conclusão 4ª – que a medida de segurança de cassação dos títulos de condução de veículo com motor seja substituída pela pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Como ponto prévio, deixa-se desde já esclarecido que a pena acessória não é, evidentemente, uma pena de substituição da medida de segurança decretada.

Vejamos, então, se assiste ou não razão ao recorrente.

Tendo surgido para satisfazerem exigências de prevenção especial, as medidas de segurança dão hoje também cobertura a finalidades de prevenção geral positiva.

É pressuposto de aplicação de toda e qualquer medida de segurança a perigosidade criminal do agente cuja aplicação está, em todo o caso, sujeita ao princípio da proporcionalidade pelo que só pode ser aplicada quando se revelar adequada, necessária e proporcionada. Aliás, prescreve o art. 40º, nº 3 do C. Penal que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.  

A medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor, prevista no art. 101º do C. Penal consiste, basicamente, na invalidação, por cancelamento, da licença de condução de veículos motorizados de que o agente é titular e na proibição de obtenção de nova licença de qualquer categoria durante o período fixado (nºs 1 e 3 do artigo citado).

A aplicação desta medida de segurança não é nunca consequência directa da prática, pelo agente, de um determinado crime, antes exige a verificação em concreto de um estado de perigosidade do agente, revelado pela sua personalidade, com referência aos concretos factos praticados, originando o fundado receio de repetição de factos da mesma natureza ou de ser inapto para a condução de veículo com motor (cfr. alíneas a) e b) do nº 1 do art. 101º, do C. Penal).

Constituem indícios da ineptidão do agente para a condução, entre outros factos, a omissão de auxílio, nos termos do art. 200º do C. Penal quando previsível a existência de danos graves para a vida ou integridade física de terceiro, a condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos do art. 291º do C. Penal, a condução de veículo em estado de embriaguez, nos termos do art. 292º do C. Penal e a prática dos antecedentes factos, em estado de embriaguez, nos termos do art. 295 do C. Penal.

Trata-se, repete-se, de meros indícios pelo que o cometimento de qualquer dos crimes enunciados não determina, por si só, a aplicação da medida de segurança.        

Por outro lado, a ineptidão do agente para a condução não se refere tanto à sua incapacidade técnica para a condução mas, sobretudo, mas à sua inidoneidade moral para adequar a sua conduta aos deveres que sobre todo e qualquer condutor recaem e portanto, à sua personalidade contrária aos valores em causa (cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Editora, 1º Edição, 1996, pág. 34 e Direito Penal Rodoviário, Os Crimes dos Condutores, Publicações Universidade Católica, 2007, pág. 214).   

Em suma, a aplicação da medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor é sempre consequência de um comprovado estado de perigosidade do agente para a condução, não constituindo nunca sanção pela prática de crime rodoviário designadamente, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

9. Na acusação de fls. 17 a 18 foram imputados ao arguido factos que vieram a ser vertidos – excepção feita à TAS considerada, nos termos supra expostos – nos pontos 1 a 3 dos factos provados da sentença. O ponto 4 dos mesmos factos tem por objecto a confissão, os pontos 5 a 8 têm por objecto os antecedentes criminais do arguido e os pontos 9 a 11 dos mesmos factos têm por objecto a situação sócio-económica e familiar do arguido.

Podemos pois dizer que na acusação pública não consta qualquer facto que, a provar-se, demonstrasse o estado de perigosidade do arguido para a condução, nem nela foi pedida a sua condenação na medida de segurança em análise.

É certo que, como consta da respectiva acta, na audiência de julgamento de 20 de Março de 2014 foi comunicada uma alteração de factos e uma alteração da qualificação jurídica que teve por objecto a aplicação da medida prevista nos arts. 100º e 101º do C. Penal.

Não sendo possível a apreensão, através da acta, dos factos novos comunicados, por aí não terem sido enunciados, da comparação da acusação com os factos provados da sentença [não existem factos não provados] resulta que a comunicação só pode ter tido por objecto os factos vertidos nos pontos 4 a 11 dos factos provados portanto, confissão, antecedentes criminais e situação sócio-económica e familiar.

Ora, nenhum destes factos, considerado, isolada ou conjugadamente, com qualquer outro ou outros factos provados, demonstra a existência de um estado de perigosidade do arguido com referência à condução. Com efeito, a prática pelo arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual foi condenado nos autos não comprova a sua inaptidão para a prática da condução, da mesma forma que esta prática, conjugada com as duas anteriores condenações pelo cometimento do mesmo crime – e aqui deixamos expresso o entendimento de que os praticados crimes de desobediência, embora relacionados com a condução, não são, quer pela natureza, quer pelo bem jurídico tutelado, crimes rodoviários ou crimes dos condutores –, uma em Dezembro de 2005 e outra em Abril de 2011, não revela, só por si, o perigo fundado da sua repetição ou da prática de factos da mesma natureza.

Com efeito, o que era necessário constar dos factos provados, e não consta, era a conclusão de facto de que a personalidade do arguido potencia solidamente o perigo do cometimento do mesmo ou de outros crimes da mesma natureza e/ou o torna objectivamente inidóneo para a prática da condução. Sucede que, não só este facto ou conclusão de facto – com esta ou com qualquer outra redacção que o densificasse – não consta como provado, como a justificação da aplicação da medida de segurança exposta na sentença recorrida se limita ao seguinte: No caso concreto, resulta que o arguido já foi condenado em 4 penas acessórias por crimes rodoviários, a última em 12 meses de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, o que ainda assim não o afastou de cometer o crime deste processo 58/14.5GBSRT, pelo que há fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie, o que justifica a aplicação da medida de cassação e interdição dos arts. 100º e 101º do Código Penal. Vale isto dizer que a medida de segurança foi aplicada em razão do número de penas acessórias já aplicadas sem evidenciação do exigível estado de perigosidade, limitando-se a sentença a reproduzir parte da norma que aplicou.             

A tudo isto acresce que, sendo pressuposto da aplicação da medida de segurança o estado de perigosidade do agente para a condução, não constando da acusação a pertinente factualidade que, a provar-se, o demonstraria, cremos que a jurisprudência fixada pelo recente Acórdão nº 1/2015, DR. I, nº 18, de 27 de Janeiro de 2015 [A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal] impede a aplicação do mecanismo processual previsto no art. 358º do C. Processo Penal para sanar a omissão pelo que, dela não se podia ter socorrido o tribunal a quo

Em conclusão, não estando, in casu, verificados os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor, prevista no art. 101º do C. Penal, impõe-se a sua revogação.

10. A revogação da aplicação da medida de segurança impõe que agora se conheça da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, com a qual é também punível o crime praticado pelo recorrente, e que só não lhe foi decretada pela 1ª instância, face à aplicação da medida de segurança (cfr. art. 69º, nº 7 do C. Penal).

Nos termos do art. 69º, nº 1, a) do C. Penal, a proibição de conduzir veículos com motor para arguido punido pela prática do crime previsto no art. 292º do mesmo código, é fixada por um período entre três meses e três anos.    

Os critérios legais, supra sintetizados, para a determinação da medida da pena são integralmente aplicáveis às penas acessórias pois que, embora estas pressuponham a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são também verdadeiras penas criminais, igualmente ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

Sendo aqui integralmente aplicáveis as considerações atrás tecidas quanto às circunstâncias e às exigências preventivas, particularmente, as de prevenção especial, a considerar, afigura-se-nos adequada e perfeitamente suportada pela culpa do arguido a pena acessória de dois anos de proibição de conduzir veículos com motor.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Em consequência:

A) Alteram a decisão proferida sobre a matéria de facto, passando o ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida a ter a seguinte redacção:

- Na sequência de uma ação de fiscalização aleatória, no dia 02 de Março de 2014, cerca das 01h01m, na Rua Padre António Lourenço Farinha, nesta vila da Sertã, o arguido conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula RO (...) , apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,8584 gramas/litro, correspondente à TAS de 2,02 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista, tendo conduzido cerca de 200 metros.


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B) Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido A... na medida de segurança de cassação da licença de condução de veículo com motor, prevista no art. 101º do C. Penal.

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            C) Condenam o arguido A... – com referência ao praticado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art. 292º, nº 1 do C. Penal – na pena acessória de 2 (dois) anos de proibição de conduzir veículos com motor.

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            D) Confirmam, quanto ao mais, a sentença recorrida.

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Recurso sem tributação, atenta a sua parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).

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Coimbra, 29 de Abril de 2015

(Heitor Vasques Osório – relator por vencimento)

(Jorge Dias – presidente da secção)

(Calvário Antunes - adjunto)