Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2533/11.4TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCESSIONÁRIO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 07/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.12º Nº1 DA LEI 24/2007 DE 18/7
Sumário: 1 - Em caso de acidente rodoviário com danos para pessoas ou bens, a Lei 24/2007 de 18/7 veio estabelecer no seu art.º 12, nº 1, uma presunção de incumprimento pelas concessionárias da obrigação de manter aquelas vias – cuja exploração e conservação lhes está cometida – em condições de segurança para o tráfego que ali é suposto processar-se.

2 – A elisão dessa presunção não se basta com a demonstração pela concessionária da observância de procedimentos de patrulhamento e verificação rotineiros, designadamente das vedações laterais e da desobstrução da via.

3 – Essa elisão apenas pode ser lograda com a prova de que acidente proveio da ocorrência de um facto que, em termos normais, não poderia ser tempestivamente evitado ou controlado pela estrutura logística ao serviço da concessionária.

4 – A confirmação policial aludida no nº 2 do art.º 12 da Lei 24/2007 de 18/07 não é um encargo probatório a cargo do lesado, mas um procedimento apenas imperativo para a autoridade, mediante o qual muitas vezes se poderá obter o imediato esclarecimento da causa do acidente, assim se aliviando a entidade concessionária com a nem sempre fácil prova de um evento estranho ao cumprimento das respectivas obrigações.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... intentou no 3º Juízo Cível de Viseu uma acção declarativa sob a forma de processo sumário contra B..., S.A., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 18.739,88, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Para tanto, e em síntese, alega que, quando cerca das 23h30m do passado dia 8.11.2008, conduzia a sua viatura identificada no art.º 1º da p.i. no sentido Viseu-Aveiro da denominada A 25 – cuja exploração está atribuída à Ré –, foi vítima de acidente de viação provocado pela súbita intromissão de um cão na respectiva faixa de rodagem; que desse acidente resultaram danos materiais nessa sua viatura, cuja reparação orçou em € 15.439,88, e, bem assim, a privação do respectivo uso durante quase um ano, cujo prejuízo computa em € 3.300.

Contestou a Ré B...impugnando a factualidade aduzida na p.i.. Acrescentou que a via se encontrava em boas condições de conservação e segurança, como pôde constatar pela verificação do estado das vedações nas proximidades, e pelo patrulhamento diário que rotineiramente é implementado, sem embargo da existência de nós de entrada e saída necessariamente abertos ao tráfego proveniente de outras vias. Requereu a intervenção acessória provocada de F... , a qual, tendo sido admitida, veio a redundar na impugnação pela chamada dos factos articulados na petição. Terminou a Ré com a improcedência da acção.

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando a Ré a pagar ao A. a quantia de € 15.800, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação, e absolvendo-a do demais peticionado.

Irresignada, deste veredicto recorreu a Ré B..., recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A apelação.

A recorrente B...termina a respectiva alegação suscitando as seguintes questões:

A relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

A de saber se não pode funcionar contra a Ré qualquer presunção de incumprimento/culpa a partir do art.º 12 da Lei nº 24/2007 de 18/07;

Assim não se entendendo, se deve ter-se por suficientemente provado o cumprimento do dever de vigilância das condições de segurança do tráfego da auto-estrada;

Se deveria ter sido relegada para liquidação a fixação do dano fundado no valor venal do veículo sinistrado;

Se não se provou o dano da privação do uso do veículo.

O recorrido contra-alegou, batendo-se pela manutenção do sentenciado.

Quanto à impugnação da matéria de facto.

 Pretende a recorrente que se modifique a decisão de facto que deu como Provados os pontos de facto designados pelos nºs 22, 23 e 35 da fundamentação de facto da sentença.

Apreciemos cada um desses pontos.

22 – Logo a seguir ao acidente esteve no local uma equipa de funcionários da Ré B...que viram um cão a circular na via.

Quer aqui a recorrente que antes se consigne que “Cerca de 1 hora depois da eclosão do sinistro, e junto ao local deste, mas em sentido contrário (Oeste-Este) foi avistado um animal na A 25 por funcionários da Ré B...”.

Convoca para esse fim a ausência de prova que emergiria dos depoimentos em que se baseou a sentença, produzidos por H... e I... que seguiam no veículo sinistrado (do A.); e o que em sentido oposto resultaria do documento da GNR junto com a p.i., no qual se alude ao avistamento “algum tempo depois de um animal de raça canina junto ao local do despiste em sentido inverso”.

Ouvida integralmente a prova – que, efectivamente, no que a este ponto concerne, se reduz àqueles dois depoimentos e aos de D..., únicas testemunhas presenciais – dela se retira que o avistamento do cão na berma da mesma faixa de rodagem do SL relatado por aquelas testemunhas é anterior ao que igualmente dão conta como tendo ocorrido mais tarde, agora do outro lado da via em relação ao sentido de marcha do veículo do A.

Daí que o conteúdo do auto da GNR nem sequer brigue com o que aquelas testemunhas afirmam e que se nos afigura ser merecedor de crédito. Pelo que é de manter o facto impugnado com a redacção que dele consta.

23 – O veículo do A. era um Peugeot 307 construído em Outubro de 2001 em estado impecável e valia antes do acidente aproximadamente € 15.000.

Pretende agora a recorrente que este ponto se dê por Não provado, dado que nenhuma prova sobre ele foi produzida para além do depoimento de C..., mecânico que conhecia o veículo SL e, em geral, os carros do A.

Tem aqui a recorrente parcialmente razão.

Com efeito, tendo sido aquela a única testemunha que se pronunciou sobre o tema dos veículos do A., a mesma não soube precisar o seu estado nem o valor à data do acidente.

Donde que a redacção dada este facto seja de alterar, passando o mesmo a exibir este teor:

“O veículo do A. era um Peugeot 307 de Outubro de 2001”.

Por fim, almeja a recorrente que se modifique o nº 35 dos factos elencados pela 1ª instância, nº que reza assim: 

35 – Na data do sinistro, e nas imediações do local onde este ocorreu, não foram encontradas falhas, rupturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie na vedação da A 25.

Entende aqui a recorrente B...que a resposta adequada seria estoutra:

“A vedação da A 25 encontrava-se, na data do sinistro, em toda a extensão do sublanço compreendido entre os nós de Boa Aldeia e Fail em que se integra o local do sinistro, considerando, ademais, ambos os sentidos de marcha, em boas condições de segurança e de conservação, i. e., sem qualquer falhas, rupturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie”.

Todavia, de todas as testemunhas ouvidas, a única que se referiu à inspecção das vedações foi o funcionário da Ré E... , o qual, no entanto, não foi convincente quanto à extensão das vedações que verificou para além das imediações ou proximidade do local do acidente, ao dizer que apenas havia “alguns caminhos paralelos” e mencionar a necessidade de andar a pé em certas zonas.

O facto dado como provado é, assim, e também aqui, o que se ajusta à prova.

Deste modo, é a seguinte a matéria que se tem por definitivamente provada:

1) No dia 8/11/2008, cerca das 23h20, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matricula, (...) SL, propriedade do casal constituído pelo autor e pela sua esposa, na A25, no sentido Viseu-Aveiro, conduzido pela mulher do autor, I... .

2) A A25 é uma auto estrada com duas faixas de rodagem, uma para cada sentido de trânsito, com um separador em betão entre elas, divididas cada uma, por sua vez, em três  vias de trânsito, por linhas longitudinais descontínuas – por acordo das partes.

3) O SL circulava a uma velocidade de cerca de 90 km/h pela via de trânsito mais à direita, das três em que a respectiva faixa de rodagem está dividida.

4) Ao chegar ao km. 79,150, (freguesia de Torredeita, desta comarca) a condutora do SL foi surpreendida pelo aparecimento repentino, alguns metros à sua frente, de um animal de raça canina de grande porte , em plena via, do lado direito para o lado esquerdo.

5)  A condutora do SL travou imediatamente e guinou para o lado esquerdo, por forma a tentar desviar-se.

6) Na sequência do referido em 5), o veículo entrou em despiste em direcção ao separador central de betão que fica do lado esquerdo, considerando o sentido que levava, e embateu contra este.

7) O SL deixou marcado no pavimento um rasto de travagem de 8 metros a atravessar a faixa de rodagem em direcção ao separador.

8) E ficou imobilizado ali próximo sobre a linha que divide  a via do meio e a da esquerda.

9) O tempo estava bom.

10) O acidente ficou a dever-se ao facto de o animal ter cortado a trajectória do SL, repentinamente.

11) Embora a condutora do SL tenha travado e desviado o veículo do animal, não logrou evitar o embate do veículo contra o separador central, do qual resultaram danos no SL.

12) Cabia à Ré, entre outras atribuições estatuárias, promover a melhoria constante das condições de circulação, com conforto e segurança para os utilizadores.

13) A A25, onde ocorreu o acidente, constitui uma das categorias de estradas nacionais que integra o domínio público, integrante da rede nacional fundamental.

14) A A25 tinha e tem a sua concessão de concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação atribuída à ré (antes Lusoscut) de acordo com o respectivo contrato.

15) Imediatamente antes do acidente, o canídeo deambulava dentro da zona de vedação da A25.

16) A A25 é uma auto-estrada em que a concessionária recebe portagens SCUT, ou seja , importâncias do Estado em função dos valores de tráfego registados.

17) A autoridade policial foi chamada ao local e tomou conta da ocorrência.

18) Em consequência do acidente, toda a frente do veículo ficou destruída, incluindo radiador, caixa, diferencial, compressor de ar condicionado, jantes e pneus, bomba eléctrica, airbags, entre outras peças.

19) Para reparação da viatura, é necessário substituir dezenas de peças, designadamente as identificadas com a respectiva designação, preço unitário, quantidades e preço total no doc. de fls. 19-21.

20) A reparação do veiculo, com substituição de peças, mão de obra de mecânica, bate-chapas, pintura, electricista, foi avaliada em € 12 866,57 a que acrescia a taxa de IVA em vigor na altura (20%) no montante de €  2 573,31, tudo no total de € 15 439,88.

21) Interpelada a ré pelo A. recusou-se a assumir a responsabilidade.

22) Logo a seguir ao acidente, esteve no local uma equipa de funcionários da ré B...que viram um cão a circular na via.

23) O veiculo do A. era um Peugeot 307 construído em Outubro de 2001.

24) O autor e a sua esposa não tinham dinheiro para reparar a viatura e acabaram por comprar em 13-10-2009 um Renault Clio usado pelo preço de 5500€, tendo dado € 1 000,00 de entrada e o resto em prestações mensais.

25) O veículo referido em 1) era utilizado no dia a dia, pelo autor e pela sua mulher, para se deslocarem para o trabalho, para as restantes necessidades de transporte no seu dia a dia, para passear.

26) O autor e a esposa dispunham de outra viatura, para os mesmos fins referidos em 25), utilizando cada um deles uma dessas viaturas, sempre que necessário.

27) O autor e a esposa venderam o veículo referido em 1), por reparar, a J.... pelo preço de 900 euros.

28) O veículo referido em 1) havia sido adquirido em 20-09-2006 ao Stand de automóveis de L.... por 15.000€, tendo para o efeito entregue um veículo Ford Fiesta de matrícula(...)FX no valor de 1000 euros, sendo o remanescente pago com recurso a crédito junto da M... .

29) Em consequência do acidente e dos danos sofridos na viatura, o autor sofreu incómodos.

30) A concessão da R., denominada A25, tem as características (perfil) de auto-estrada (AE), mas é (como era, à data dos factos) uma AE sem portagens, ou seja, uma SCUT (sem cobrança ao utilizador).

31) Os nós de entrada e saída da referida infra-estrutura viária não são fechados, não existindo quaisquer barreiras físicas, nomeadamente as barreiras de portagem físicas normalmente implantadas à entrada e saída dos referidos locais quando há lugar à cobrança e pagamento dessas portagens.

32) Os Nós daquela A25 permitem a ligação daquela AE a estradas nacionais ou municipais, vias estas que não são habitualmente vedadas.

33) As vedações das AE concessionadas em geral e daquela denominada A25 em particular (e designadamente, as situadas nas imediações do local apontado como sendo o da eclosão do sinistro), merecem a prévia aprovação superior por parte do concedente (Estado Português), através dos organismos competentes (actualmente Estradas de Portugal, E. P. E).

34) O referido em 33) ocorre relativamente às características das vedações (dimensões, altura, etc.), à respectiva extensão, ou seja, e em especial, até onde devem estas vedações ser implementadas, designadamente nos ramos dos Nós de acesso/saída das AE.

35) Na data do sinistro, e nas imediações do local onde este ocorreu, não foram encontradas falhas, rupturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie na vedação da A25.

36) Os colaboradores da R., oficiais de assistência e vigilância (OAV) que asseguram os regulares patrulhamentos à concessão exercem, sempre que as condições do terreno o permitam, a vigilância sobre o estado das vedações da AE, o que já acontecia à data do sinistro.

37) Sempre que é detectado pelos OAV da R. ou é comunicada a esta R. qualquer deficiência na vedação esta trata de a mandar reparar rapidamente.

38) A vedação é periodicamente vistoriada, a pé e com recurso a veículos, por equipas da obra civil ao serviço da R. em toda a extensão da sua concessão, e em ambos os sentidos de trânsito desta infra-estrutura viária.

39) No dia do acidente, os funcionários da ré efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da Concessão desta R., passaram por diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, designadamente um cão, nas imediações daquele local, antes do acidente.

40) Os patrulhamentos supra referidos são efectuados pelos funcionários da R., em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano.

41) Antes do acidente, a brigada de trânsito (BT) da GNR em serviço na rede da R. não alertou a central de comunicações da ré para a presença de qualquer animal na via nas imediações do local do sinistro, sendo habitual que alerte a central quando detecte a presença de algum cão ou outro animal na via para que sejam tomadas providências para remoção do mesmo.

42) Antes de ter eclodido o acidente, a R. não tinha conhecimento  da presença de qualquer animal na via nas proximidades do local do sinistro.

43) Sempre que a R. tem conhecimento de quaisquer animais (ou outros factores) que possam colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel na sua concessão – nomeadamente, através de informações de utentes ou da própria BT da GNR -, actua por forma a expulsar rapidamente esses animais da via.

44) À data dos factos, a aqui contestante tinha transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros desta natureza, através de um contrato de seguro do ramo denominado “responsabilidade civil/exploração” para a F... (actual G...).

45) Trata-se este de um seguro facultativo que previa, à data do acidente dos autos, uma franquia de € 5.000,00.

                                                                                  *

Sobre o ónus da prova a cargo da Ré, ora recorrente.

Rebela-se a recorrente contra a posição da sentença de, com base no disposto no art.º 12, nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 24/2007 de 18/07, ajuizar que “competia à Ré ilidir a presunção de culpa que impendia sob a mesma quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação de proporcionar aos utentes da via em causa as condições de segurança indispensáveis ao processamento na mesma do trânsito rodoviário, sem risco de colisão contra animais que circulem nessa via”.

E ainda contra a conclusão de que está à Ré obrigada a responder pelo acidente sofrido pelo A. porquanto “Não se apurou in casu como entrou o cão, o que obsta por isso à demonstração de que o facto ilícito resultante da circulação do animal naquele local não é imputável à ré.”

Argumenta a recorrente que não tendo havido no local verificação da causa do acidente pela autoridade policial, e não se sabendo se o animal avistado 1 hora mais tarde foi o mesmo que provocou o acidente, não pode funcionar a presunção estatuída no nº 1 do art.º 12 da aludida Lei.

Mas não tem razão.

Se não vejamos.

Desde logo em relação à não demonstração da coincidência entre os “supostos” dois animais avistados em momentos diferentes, deve obtemperar-se que a matéria provada apenas permite a inferência de que houve um cão que foi avistado por uma equipa de funcionários da Ré “logo a seguir ao acidente”.

Também quanto à obrigatória confirmação das causas do acidente pela autoridade policial mostra-se comprovado que esta foi chamada ao local e “tomou conta da ocorrência” (cfr. o provado em 17). “Tomar conta” não significa outra coisa que não o certificar o que ocorreu nos termos então possíveis. Termos que são os que decorrem do auto elaborado pela GNR no mesmo dia e local, conforme o teor de fls. 14. Neste sentido, foi respeitado o nº 2 do art.º 12 da Lei citada.

Mas a obrigatoriedade de confirmação de causas pela entidade policial não é um encargo probatório a cargo do lesado, como a recorrente parece querer asseverar.

É antes um procedimento imperativo para a autoridade, que fundamentalmente se destina a auxiliar a entidade concessionária na prova de um evento anómalo e estranho ao cumprimento das suas obrigações. Como também pode servir para apenas fazer luz sobre a causa imediata do acidente.

E assim aconteceu no caso em apreço, porquanto naquele auto até é incluída uma referência ao “avistamento de um animal de raça canina junto ao local do despiste” e “à presença de uma equipa AENOR” que “visualizou o animal”.

Também aduz a recorrente que fez a demonstração de que as vedações da AE se encontravam em bom estado ou sem deficiências e que tinha em curso uma vigilância e um patrulhamento regular da via.

Porém, com tem sido entendido, não é a observância rotineira da vigilância das vedações e da via que pode garantir as condições de segurança para os utentes, mais a mais quando em concreto aquela dispunha de nós de acesso e saída abertos para outras vias.

Só a concomitante demonstração de um evento não controlável pela concessionária é o meio idóneo a excluir a presunção de incumprimento do dever de manter a AE em condições de segurança.

A respeito destes temas, e também sobre o enquadramento dos acidentes em auto estradas concessionadas, teve já este mesmo Colectivo ocasião de se pronunciar, designadamente no Acórdão desta Relação de 19/09/2012, proferido na Apelação nº 1509/11.6TBFIG.C1, onde igualmente se discutia a responsabilidade da concessionária pela intromissão de um animal na via, e em que se traçou o regime proveniente da aludida Lei do seguinte modo (que não vemos motivo para inverter ou modificar):

“A Lei 24/2007 de 18/7 veio estabelecer no seu art. 12º: “1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais (…)”.

Emerge da Base XXXVI, nº 2, do contrato de concessão (DL 294/97 de 24/10) que “a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham por si sido construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação, sujeitas ou não ao regime de portagem”.

É, pois, indiscutível que em caso de acidente rodoviário em auto-estradas provocado pelo atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.     

Independentemente da orientação que se perfilhe no dissídio entre a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade da entidade concessionária da auto estrada – e já tivemos ocasião de nos manifestarmos pela posição extra-contratualista[1], posição que, a nosso ver, quedou reforçada com a publicação da Lei 24/2007, diploma no qual o legislador dá conta da necessidade que sentiu de autonomizar o ónus da prova do cumprimento das concessionárias da obrigação de zelar pela segurança da circulação, o que representou um claro afastamento do princípio geral da presunção de culpa do devedor contratual (art.º 799, nº 1 do CC) – defender que continua a recair sobre o lesado a alegação e prova de uma conduta ilícita por banda da concessionária é subverter o real objectivo da lei. Com a configuração da responsabilidade das concessionárias expressamente plasmada não vemos que o aí disposto possa ser compaginado com a tese de que, ainda assim, continua a caber ao lesado isto é, ao utente da via vítima do acidente, a alegação e prova do facto ilícito.

Tal como se vincou no Ac. do STJ de 9/09/2008, relatado pelo Ex.mo Cons. Garcia Calejo, no proc. 8P1856, disponível in www.dgsi.jstj.pt., em lugar de ónus da prova da falta de culpa, a lei - o art.º 12º, nº 1, al.ª b), da Lei nº 24/2007 - “fala em ónus da prova do cumprimento. Entende-se, porém, ser irrelevante esta particularidade, visto que também na responsabilidade contratual, como decorre do disposto no art. 799º nº 1, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Resulta desta presunção que ela abrange não só a culpa como também a ilicitude do devedor. Na origem do não cumprimento existe uma conduta ilícita do devedor e que essa conduta é também culposa (vide Prof. Carneiro da Frada in Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra 1994, págs. 92 e segs. referido no dito parecer)”.

Na verdade, no caso da omissão de um dever vigilância de uma auto-estrada, a prova da culpa será praticamente incindível da do facto que consubstancia a ilicitude. E a dificuldade probatória não residiria tanto na prova da ausência da culpa na actuação genérica e preventiva da entidade responsável pela segurança da via como na demonstração da génese do facto – necessariamente ilícito – que desencadeou o acidente.

Compreensivelmente, entendeu-se que, mercê de toda a logística previamente instalada, apoiada numa específica estrutura operacional composta pela organização de meios humanos e materiais que coloca ao seu serviço na exploração da auto-estrada, seria sempre a concessionária quem estaria em melhor posição para provar a origem e circunstâncias que explicam o facto concreto gerador do acidente.

Para o utente da via a prova da origem desse facto seria as mais das vezes, senão impossível, pelo menos de extrema dificuldade.

Fazê-lo arcar com o peso dessa alegação e prova corresponderia, na prática, a colocar sobre ele a prova do não cumprimento pela concessionária da obrigação de velar pela segurança da auto-estrada, pervertendo o espírito do art.º12, nº 1, da Lei nº 24/2007.

Dai que, ao estabelecer-se um ónus da prova de cumprimento, o que efectivamente se procurou foi onerar a entidade vinculada à manutenção das condições de segurança da auto-estrada com o encargo de provar a verificação de um evento extraordinário, não susceptível de ser por si controlado, sem embargo do normal funcionamento dos meios de vigilância e monitorização do tráfego que lhe estão exigidos.

Não é suficiente a prova do cumprimento de procedimentos genéricos de inspecção e vistoria para que se possa ter por acatada a obrigação de manutenção das condições de segurança da via.

É, pois, de considerar que nem o desconhecimento da causa do obstáculo na via, nem a genérica demonstração de uma actuação diligente, podem ter o condão de libertar a concessionária da sua responsabilidade (cfr. os Acórdãos da Relação de Évora, de 08-05-2008, p. 2789/07-2 e de 15/03/2011 desta Relação, disponíveis em www.dgsi.pt.).

Impõe-se que a concessionária alegue e demonstre o concreto evento que foi causal do acidente e dos danos, e ainda que esse evento, pela sua natureza ou outro motivo, designadamente por se tratar de caso de força maior, de terceiro, ou de fonte externa que ela não pôde controlar ou evitar em tempo oportuno, isto é, a tempo do dano se consumar, não implicou qualquer inobservância das regras de segurança.

Prova que, portanto, implicará sempre que seja a concessionária a revelar o circunstancialismo que rodeou o facto lesivo e causal do acidente.

É que só dessa forma essa entidade consegue impedir a sua responsabilização pelos danos, pois só assim evidencia cabalmente que não falhou na prevenção de acidentes motivados por causas estranhas à normal circulação automóvel.

É certo que, no que tange à causa ou factor naturalístico do acidente, o nº 2 do art.º 12 da Lei nº 24/2007 prevê uma obrigatória confirmação do acidente pela autoridade, ao prescrever que “Para efeitos do número anterior a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente (…)”. No entanto, não há que ver aqui a imposição, propriamente, de uma formalidade ad probationem a cargo do lesado[2]. Basta pensar que, consumado o acidente, o animal pode sair da via, sem deixar vestígio concludente. O que está plasmado nesse nº 2 é unicamente uma prescrição de imperativa actuação da autoridade policial principalmente destinada ao rápido apuramento da origem do animal ou obstáculo, apuramento sem o qual a concessionária pode não alcançar a prova do cumprimento a que se refere o nº 1. Quando muito, poder-se-á ver com a aludida prescrição a porta para a invocação de uma causa de exoneração da concessionária se esta alegar e provar que o lesado impediu a confirmação policial da causa no local, p. ex. seguindo viagem imediatamente. Fundamentalmente, como resulta da expressão introdutória do preceito “Para efeitos do número anterior”, a promoção da confirmação policial do evento responde ao interesse da concessionária, uma vez que não só servirá para lhe facilitar a ingrata tarefa de ilidir a presunção de culpa como sobretudo adjuvá-la-á decisivamente no precaver-se contra invocações fraudulentas de acidente, assentes em prova testemunhal forjada[3].

Não custa admitir que, com estes contornos, não raras vezes a concessionária vá sucumbir no afastamento da presunção de culpa, convencendo do cumprimento, por, apesar de tudo, não lograr identificar o modo como o animal ou objecto apareceu na faixa de rodagem do utente. Mas isso não transforma a sua responsabilidade em objectiva, porquanto, em abstracto, é-lhe sempre possível o aportar de factualidade excludente da culpa respectiva.

O facto de imediatamente antes e após o acidente a rede de vedação ter sido vistoriada pela Ré e pela GNR/BT, no local e nas suas imediações, e de não ter sido detectada qualquer deficiência na vedação da A.E., não significa que a referida Ré tenha procedido a uma vigilância cuidada e eficaz, em ordem a avaliar o seu bom estado.

Além disso, não está excluída a hipótese de o cão se ter introduzido pela zona das portagens, penetrando na faixa de rodagem de modo alheio às condições de isolamento lateral da via.

Também não há que presumir que o sistema de vedação por rede é sempre suficiente, ainda que o mesmo se manifeste em bom estado.

Note-se que as próprias dimensões das vedações - isto é a sua parametrização, designadamente no que respeita à altura respectiva - não se acham sequer “standardizadas” na lei, tendo esta optado por deixar ao juízo técnico das concessionárias a definição do tipo de vedação concretamente adequada ao fim em vista[4]

Não está, por conseguinte, afastada a presunção da existência de um defeito de construção ou de manutenção da auto-estrada, causal do acidente nem a presunção de culpa da Ré (…) em relação ao acidente (…)”.

No caso vertente, está suficientemente demonstrado que a Ré desenvolveu regularmente os trabalhos de inspecção e verificação das condições de vedação e segurança da via que lhe são impostos pela concessão.

Mas, como de resto já se acentuou, essa demonstração não exclui a presunção de incumprimento que deriva da natureza do acidente.

Tendo a autoridade policial efectuado o apuramento – como lhe era exigível – das circunstâncias do acidente, ainda assim a Ré não logrou demonstrar a existência de um facto, anómalo, e por si não dominável, que a tenha impedido de cumprir a obrigação de manter a via em segurança.

Temos, assim, que a presunção de incumprimento/culpa da Ré, ora recorrente, ínsita no art.º 12, nº 1, da Lei nº 24/2007, não foi por esta eficazmente afastada.

Donde que a questão improceda.

    

Sobre os dano materiais sofridos pelo A. com a viatura sinistrada.

Insurge-se ainda a recorrente contra a circunstância de a sentença não a poder condenar no pagamento do dano de € 15.000,00, por não haver elementos para cálculo do valor venal do veículo.

Salvo o respeito devido, sem fundamento, uma vez que não se nos afigura imprescindível o conhecimento do valor do veículo à data do acidente.

Atente-se no deflui da materialidade provada em 20, 21, 24 e 27:

A reparação do SL importava, com IVA, em € 15.439,88;

Interpelada a Ré recusou-se a assumir a responsabilidade pelos danos;

A. e mulher não tiveram dinheiro para reparar a viatura e só em 13.10.09 adquiriram uma outra, a prestações, por € 5.500;

E venderam a um terceiro o SL, por reparar, pelo preço de 900,00.

Não foi possível apurar o valor do veículo à data do acidente.

Decorre daqui, a nosso ver, que, por se dever considerar como dano emergente do A. o que se identifica com a importância correspondente à diferença da sua situação patrimonial antes e depois do acidente – art.º 564, nº 1, do CC – então há que aferi-lo, não tendo em conta o que ao A. foi proporcionado pela venda, e que diz respeito aos chamados salvados, isto é, € 900, mas a partir da importância que a qualquer interessado (ao A. ou a um potencial comprador) custaria a reposição do veículo no estado anterior ao acidente.

Resulta das regras da experiência que, em circunstâncias normais, o comprador de um veículo danificado não se abalança para a aquisição sem calcular o custo da respectiva reparação.

O que vale por dizer que, ao vender a viatura por apenas € 900, sem reparação, o A. deixou de receber a totalidade do preço que resultaria da incorporação do custo da reparação. Custo que, natural e obviamente, lhe foi descontado, na medida em que foi “transferido” para o comprador. É exactamente neste “desconto” no preço de mercado que lhe foi pago – “desconto” que, na falta de outro elemento, deve ter-se por provavelmente equivalente ao valor que o A. teria de suportar com a reintegração in natura do veículo, de acordo com o orçamento aludido nos factos provados – que reside a efectiva perda patrimonial do A..

Por conseguinte, se crítica há a fazer à decisão recorrida quando, neste segmento, estima o prejuízo do A. em 14.100 (€ 15.000 – 900), é a de que essa ponderação peca por defeito.

Donde que também nesta parte o recurso não seja de acolher.

Por fim, o dano da privação do uso.

Diverge, por último, a recorrente da condenação no pagamento do dano da privação do uso sofrido pelo A. em relação ao veículo acidentado SL, adversando que nenhuma privação neste conspecto se detecta.

Novamente lhe falece a razão.

Não se ignora aqui alguma divergência jurisprudencial sobre a prova requerida para o ressarcimento deste específico tipo de dano.

De entre as posições que o tratamento deste tema tem merecido, entendemos dever seguir a orientação que recentemente o aqui relator subscreveu na apelação nº 273/06.5TBSCD.C1[5], no sentido de que é suficiente a demonstração do dano inerente à indisponibilidade do bem que o lesado provavelmente utilizaria, por já anteriormente ter patenteado ser esse o seu propósito.

Eis o que ali se escreveu:

“A questão não tem sido decidida de forma uniforme na jurisprudência, havendo quem entenda que “a privação do uso de um veículo automóvel constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável” (Ac. do STJ de 05/07/2007, CJ, II, p. 151; os que exigem a demonstração de que a privação causou ela própria danos no património do lesado (Ac. do STJ de 16/09/2008, www.dgsi.pt) e uma outra, mais mitigada, exige tão só a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efectivo de proceder à utilização da viatura.

            Esta última, que julgamos prevalecer no nosso mais alto Tribunal pode sintetizar-se nos termos do Ac. do STJ de 03-05-2011, P. 2618/08, (Nuno Cameira), disponível em www.dgsi.pt:

            “A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem (…);

            Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que em consequência se frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização;

            A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto;

            Tendo o autor demonstrado que usava o veículo na sua actividade profissional, bem como nas suas deslocações diárias e de lazer, mostra-se suficiente para justificar a atribuição duma indemnização a título de privação do uso.”

            Neste sentido, decidiram ainda os Acórdãos do STJ de 16-03-2011, (Moreira Alves), P.

 6472/06, e de 12-01-2012 (Fernando Bento), P. 1875/06, disponíveis em www.dgsi.pt”.

É certo que não se provou o montante das despesas invocadas pelo A. com transportes alternativos.

Porém, provou-se a privação do uso do veículo, bem como o efeito danoso dessa privação, visto que, enquanto antes do acidente o A. e a mulher tinham o SL ao seu arbitrário dispor, passou aquele durante um certo lapso temporal a ter de partilhar com a mulher o segundo e único veículo do casal. É o que se colhe do provado em 25 e 26 da matéria provada, que têm o seguinte teor:

“25 - O veículo referido em 1) era utilizado no dia a dia, pelo autor e pela sua mulher, para se deslocarem para o trabalho, para as restantes necessidades de transporte no seu dia a dia, para passear”.

“26 - O autor e a esposa dispunham de outra viatura, para os mesmos fins referidos em 25), utilizando cada um deles uma dessas viaturas, sempre que necessário”.

Não se evidencia, assim, uma disponibilidade meramente abstracta do bem, mas antes um uso concreto e real do A. que foi interrompido, forçando à sobreutilização pelo casal de um segundo veículo.

Daí a ressarcibilidade deste dano.

E demonstrado o dano, podia o tribunal quantificá-lo.

Pois que, na impossibilidade de averiguação do valor exacto dos danos, nada impedia – antes se impunha – que, para determinar o montante da indemnização desta privação, a 1ª instância recorresse à equidade ao abrigo do art.º 566, nº 3, do CC. Como sucedeu, com a fixação do montante de € 1.700,00.

Montante que, sopesando os 11 meses e 5 dias da privação, corresponde a cerca de € 5/dia e, por tal, se afigura justo e equilibrado.

No soçobrar desta última questão, o recurso naufraga inteiramente.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença.

Custas pela apelante.


Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins

[1] No acórdão desta Relação de 28/04/2010, relatado pelo Des. António Magalhães, em que foi adjunto o aqui relator.
[2] Como se entendeu no Ac. desta Relação de 9/03/2010, infra citado, disponível em www.dgsi.jtrc.pt.
[3] Na apelação nº 131/08.9TBFAG.C1 desta Relação, em que foi relator o Des. António Magalhães, alertou-se para que “a norma do nº 2 tem incidência não sobre a repartição do ónus da prova mas sobre a força e o valor dos meios probatórios, com o fito de precludir provas falíveis como a meramente testemunhal (ver Ac. R.P. de 11.1.2011, in www.dgsi.pt; em sentido oposto, cfr. o Ac. R.C de 9.3.2010, no mesmo site do ITIJ)”.
[4] Concordamos com o Ac. desta Relação de 9/03/2010, disponível em www.dgsi.jtrc.pt., quando aí se lembra que a eficiência da vedação da auto-estrada também depende da propriedade das suas características, visto que a al. a) do nº 5 da Base XXII do contrato de concessão anexo ao Dec. Lei nº 294/97, de 24/10 deixa ao critério da concessionária a definição dos parâmetros de segurança que devem estar subjacentes ao desenho da rede de vedação a implantar, “considerando o tipo de fauna existente nos terrenos que ladeiam as auto-estradas”.
[5] Relatada pelo Des. Ferreira Lopes, intervindo o aqui relator como 1º Adjunto..