Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
956/21.0T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: INJUNÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL RECORRIDO: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º N.º 1 ALÍNEAS A) E B) DO REGULAMENTO (EU) 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012 RELATIVO À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL
Sumário: I - A injunção não constituirá título executivo se tiver sido obtida com violação das regras da competência internacional.
II – Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes, por força do disposto no artigo 7.º n.º 1 alíneas a) e b) do Regulamento (EU) 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 12 de Dezembro de 2012, para conhecerem do procedimento de injunção requerido por uma sociedade com sede em Portugal contra uma sociedade com sede em Espanha para pagamento do preço de serviços prestados neste último Estado.
Decisão Texto Integral:




Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

“Na presente Acção Executiva, a Exequente apresentou com o requerimento executivo (RE) um alegado título executivo que consiste num requerimento de injunção com aposição da fórmula executória.

“Resulta da alegação no RE e do teor do requerimento de injunção que “(…) A Requerida é uma sociedade comercial que solicitou à Requerente a execução de uma obra de instalação refratária em Monjas (Barcelona) e Olazaguita, com duração prevista no respectivo caderno de encargos e contrato de empreitada.”.

“Deste modo, resulta claro que as Partes têm sedes em distintos Estados-Membros (Portugal e Espanha).

“Deste modo, considerando que a Exequente requereu a injunção, em Portugal, no Balcão Nacional de Injunções, importa analisar se estamos perante a verificação da excepção dilatória de uso indevido de procedimento de injunção, tendo presente as regras de competência aplicáveis ao caso concreto.

“Para este efeito, importa aludir, desde já, ao art.º 3.º da Portaria n.º 220.º-A/2008, no qual se consigna que o BNI tem competência exclusiva em todo o território nacional para a tramitação dos procedimentos de injunção. Em consequência, o BNI será competente para a tramitação de procedimentos de injunção, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento da questão que suscita a intervenção de diferentes Estados-Membros.

“Deste modo, no caso em apreço, o uso indevido do procedimento de injunção depende da verificação das regras de competência internacional, consagradas no Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12-11-2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

“Com efeito, o art.º 4.º do Regulamento estabelece como regra geral que “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro”. Sucede, porém, que a regra geral resultará derrogada, desde que a situação patente no caso em análise se integre no âmbito das normas de competência especial e exclusiva, nos termos das disposições legais que lhe sucedem. É o que ocorre, precisamente, na situação em análise. Na verdade, tal como decorre do requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, a Exequente prestou serviços à Executada no âmbito de um contrato de empreitada; serviços esses que não foram liquidados na sua totalidade. Assim sendo, a celebração de um contrato de prestação de serviços entre as Partes convoca a aplicação do art.º 7.º do Regulamento, que constitui uma regra especial de competência e que consagra que, em matéria contratual, as pessoas domiciliadas noutro Estado-Membro deverão ser demandadas no lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, sendo que, salvo disposição em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso da prestação de serviços, o lugar onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados [art.º 7.º/1/a)/b) do Regulamento].

“Em síntese, constatamos que os tribunais internacionalmente competentes serão os tribunais espanhóis, na medida em que a prestação do serviço, isto é, a execução da obra de instalação refratária, levada a cabo pela Exequente, ocorreu em Monjas, Barcelona.

“Deste modo, verifica-se uma excepção dilatória insuprível por utilização indevida do procedimento de injunção, o que constitui causa de nulidade do título executivo assim formado e conduz ao indeferimento liminar da Acção Executiva por falta de título executivo.

“Pelo exposto, o Tribunal decide:
1) Indeferir liminarmente o RE por falta de título executivo [art.º 726.º/2/a) CPC].”


*

Inconformada, a Exequente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. A Douta Decisão Recorrida não aplicou as normas nacionais e comunitárias mais corretas para o pressente caso concreto,

2. Pelo que a Recorrente não aceita a mesma em matéria de Direito.

3. A Douta Decisão Recorrida, não decidiu bem ao determinar “Indeferir liminarmente o RE por falta de título executivo [art.º 726.º/2/a) CPC].”, por entender que o título executivo emitido pelo Balcão Nacional de Injunções viola as regras da competência internacional.

4. Na verdade, e salvo melhor opinião, os tribunais nacionais são competentes para apreciar as injunções decorrentes de contratos de empreitadas entre sociedades comerciais,

5. Por força dos arts. 1º n.º 1 e 2 e 17º do Regulamento (CE) 1896/2006, art.19º do Regulamento (CE) 1393/2007 Parlamento Europeu e do Conselho, art. 21º n.º 1 als. b) e c) do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do art. 80º n.º 3 do CPC e dos arts. 1º e 26º n.º 3 da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho,

6. Pelo que o Douto Tribunal Recorrido violou tais normas ao emitir o entendimento de serem os tribunais nacionais incompetentes, for força do Regulamento (UE) 1215/12,

7. Bem como emitiu uma interpretação jurídica ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 3º, 202º e 205º da CRP, atendendo que os tribunais nacionais são competentes para apreciar questões relacionadas com quaisquer pessoas individuais ou coletivas nacionais, atendendo ao princípio da soberania nacional.

8. Assim, deve ser revogada a Douta Sentença recorrida, por não se encontrar em conformidade com a legislação vigente nem como a melhor jurisprudência vigente, e

9. Ser esta substituída por uma Veneranda Decisão que reconheça a competência internacional dos tribunais nacionais para apreciar a injunção instaurada, à qual foi atribuída força executória; que não se verifica qualquer causa de nulidade do título executivo e determinar-se a prossecução dos Autos de Execução por validade do mesmo nacional e internacional.


*

            A Executada foi citada, também para os termos do recurso, e não se pronunciou.

*

            Questões a decidir:

            A validade da injunção e a fixação da competência internacional.


*

            Estão provados os seguintes factos, sem prejuízo dos que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas:

            A Exequente é uma sociedade sediada em Portugal.

            A Executada é uma sociedade sediada em Espanha.

            A Exequente alega a realização de uma empreitada (obra) para a Executada, em Espanha.

            Não foram indicados bens à penhora.

            Trata-se de uma execução de injunção instaurada no Balcão Nacional.


*

            Efetivamente, a injunção não constituirá título executivo se tiver sido obtida com violação das regras da competência internacional.

            Noutra perspetiva, apesar da injunção obtida, é sempre possível conferir a incompetência dos tribunais portugueses.

            No caso, porque estão envolvidas sociedades sediadas em diferentes Estados membros da União Europeia, sendo a matéria comercial, a competência deve ser determinada pelo disposto no Reg (EU) 1215/2012.

            É aplicável o seu art.7, 1, b).

            Resulta deste Regulamento ter sido adoptado um conceito autónomo de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço). (São nucleares a este respeito, os acórdãos do STJ, de 14.12.2017 e de 10.12.2020, nos processos 143378/15 e 1608/19, respetivamente, publicados em www.dgsi.pt.)

                Portanto, não releva a obrigação invocada ou a que esteja em litígio, devendo recorrer-se ao conceito comunitário.

            A empreitada é um contrato de prestação de serviços. De qualquer maneira, existe a prestação de um serviço.

            A obra alegada, feita pela Exequente, concretizou-se em Espanha.

Assim, a competência nunca pertenceu aos tribunais portugueses.

(Nota: no âmbito do direito interno, fora do direito europeu, ainda que o título fosse válido, a execução deveria respeitar, em regra inicial, o tribunal do lugar dos bens; na sua falta, o tribunal do lugar do domicílio do executado; não estando indicados bens em Portugal, a execução devia correr em Espanha (arts.62, a) e 89 do Código de Processo Civil.)

Os diplomas e referências invocados pela Recorrente não prevalecem.

A Portaria 220-A/2008, direito interno, nada resolve a respeito.

O Reg. europeu 1896/2006, que regula a injunção de pagamento europeia, denuncia que a Exequente não obteve a referida injunção (seus arts.6 a 8 e 21).

Neste, confirma-se que a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras previstas no Regulamento 1215/2012.

O tribunal a que é apresentado o requerimento analisa se foram preenchidas as várias condições (o caráter transfronteiriço do caso em matéria civil e comercial, a competência do tribunal, etc.).

O acórdão desta Relação, de 10.9.2013, proc. 378/12 (também em www.dgsi.pt), não se ajusta ao nosso caso.

O Reg. (CE) 1393/2007 é relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial.

A Diretiva 2011/83/EU, transposta pelo DL 24/2014, é relativa aos direitos dos consumidores e contratos explicitados, não sendo também aqui aplicável.

Pelo exposto, não merece censura a decisão recorrida, ao rejeitar a execução.


*

Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela Recorrente.

Coimbra, 2022-01-18


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(João Moreira do Carmo)