Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1255/07.5TTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO
INDEMNIZAÇÃO RESULTANTE DO ACIDENTE DE TRABALHO
DESONERAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
PRAZO PRESCRICIONAL
SEGURADORA DO ACIDENTE DE TRABALHO
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 31º, NºS 2 E 3 DA LEI 100/97, DE 13/09 (NLAT); 309º E 498º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Ao direito de desoneração do cumprimento da obrigação previsto no artº 31º, nºs 2 e 3 da Lei nº 100/97, de 13/09, não se aplica o prazo prescricional consagrado no artº 498º do C.Civil.

II – A pensão atribuída no âmbito da reparação do acidente de trabalho visa indemnizar a perda ou diminuição da capacidade geral de ganho do sinistrado.

III – Se o acidente de trabalho for simultaneamente acidente de viação e se o responsável pelos riscos de circulação causados a terceiros foi condenado no pagamento de uma indemnização por lucros cessantes, destinada a compensar a perda de capacidade geral de ganho do sinistrado, no âmbito da ação que conheceu da responsabilidade civil, verifica-se uma cumulação de indemnizações, sendo o responsável civil quem deve responder em primeira linha pelo ressarcimento do dano sofrido, justificando-se o reconhecimento do direito de desoneração peticionado ao abrigo do aludido artº 31º.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A..., Companhia de Seguros, S.A., veio intentar ação especial para declaração de suspensão de direitos resultantes de acidente de trabalho, nos termos previstos nos artigos 151º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra B... , por si e em representação do seu filho C... , todos com os demais sinais de identificação nos autos, pedindo que seja desonerada da obrigação de pagar aos demandados as pensões emergentes do acidente de trabalho dos autos até que se mostre esgotado o capital recebido no valor de € 333.283,30, cabendo deste montante, € 221.826,65 à requerida B... e € 111.456,65 ao requerido C... .

Alega sucintamente que o acidente de trabalho que vitimou, o cônjuge e pai dos demandados, respetivamente, foi em simultâneo um acidente de viação, tendo a seguradora demandada na ação cível que correu termos no Tribunal Judicial da Lousã, sido condenada a pagar aos demandantes, por danos patrimoniais/lucros cessantes em virtude do acidente de viação as quantias supra referidas, pelo que assiste à seguradora responsável pela reparação do acidente de trabalho o direito à desoneração da obrigação de pagar as pensões fixadas, até que perfaçam o valor indicado.

Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.

Os RR. contestaram e a seguradora respondeu à defesa por exceção, negando a verificação da invocada exceção perentória da prescrição.

Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência condeno a Ré B... , por si e em representação do seu filho C... a reconhecer que o pagamento da pensão anual e vitalícia devida pela seguradora – “ A... - Companhia de Seguros, S.A” -, se encontra suspenso:

--- até perfazer o montante de €173.534,98 (cento e setenta e três mil quinhentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), a partir do trânsito em julgado da presente decisão (na parte relativa à viúva);

--- até perfazer o montante de € 87.192,54 (oitenta e sete mil cento e noventa e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), a partir do trânsito em julgado da presente decisão (na parte relativa ao filho).

Custas a cargo da A. e RR. na proporção do decaimento.


*

Registe e notifique.

Valor da ação: € 333.283,39.»

Inconformados, vieram os RR. interpor recurso, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

[…]

Termos em que e nos mais de direito e no que doutamente se suprirá, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser a ação julgada totalmente não provada e improcedente, os Réus absolvidos dos pedidos, tudo com todas as legais consequências, assim se fazendo Justiça.»

Também a seguradora recorreu da sentença proferida, rematando a sua alegação com as conclusões que se transcrevem:

[…]

Admitidos os recursos, os autos subiram à Relação, tendo sido observado o preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 433 a 437, manifestando-se favoravelmente à manutenção do julgado.

Os RR. responderam afirmando manter a posição manifestada na motivação do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


           

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões suscitadas nos recursos são as seguintes:

            Recurso interposto pelos RR.:

            - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

            - Prescrição do direito que a A. pretende exercer com a presente ação;

            - Inexistência de cumulação de indemnizações.

            Recurso interposto pela A.:

            - Da visada procedência total do pedido.


*

            III. Matéria de Facto

O tribunal de 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

[…]


*

IV. Recurso interposto pelos RR.

1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

[…]

2. Prescrição

Não se conformam os RR. apelantes com a decisão que julgou improcedente a exceção perentória da prescrição.

No essencial, sustentam que o direito de que a recorrida se arroga titular constitui um verdadeiro direito de sub-rogação legal, pelo que que a mesma deveria ter demandando os recorrentes no prazo prescricional de 3 ou 5 anos previsto no artigo 498º do Código Civil, cuja contagem teve início em 27/10/2008, data em que a recorrida realizou o pagamento da 1ª pensão fixada na sentença homologatória que a condenou no âmbito da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho. Ora, tendo a presente ação sido intentada decorridos mais de 7 anos desde a referida data, sem que os recorrentes tenham sido citados ou notificados judicialmente de qualquer ato que exprimisse, direta ou indiretamente, a intenção da recorrida exercer o seu direito, a exceção perentória da prescrição invocada, deveria ter sido julgada procedente, sustentam.

Cumpre apreciar.

Na presente ação, A... , Companhia de Seguros, S.A., veio pedir a desoneração da obrigação de pagar aos demandados B... e C... , as pensões emergentes do acidente de trabalho em que foi condenada em consequência do acidente de trabalho mortal que vitimou D... , respetivamente, marido e pai dos demandados, até ao valor da indemnização arbitrada por danos patrimoniais-lucros cessantes, no processo comum singular que apreciou a responsabilidade civil pelo acidente de viação.

Fundamenta a sua pretensão no disposto no artigo 31º, nº2 da Lei nº 100/97, de 13/09, aplicável ao acidente dos autos (doravante designada apenas por LAT).

Sob a epígrafe “Acidente originado por outro trabalhador ou terceiros”, estatui o artigo 31º da LAT:

«1. Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de ação contra aqueles, nos termos da lei geral.

2. Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respetiva obrigação e tem direito de ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.

3. Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.

4. A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.

5. A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.»

O normativo citado aplica-se, assim, às situações em que o acidente reveste a dupla natureza de acidente de trabalho e de acidente ou crime por facto ilícito de outrem (cfr. “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Carlos Alegre, 2ª edição, pág.150).

Pretende-se com a sua previsão evitar que, numa situação em que existe responsabilidade objetiva pelo acidente de trabalho e concomitantemente responsabilidade subjetiva, o mesmo dano concreto seja duplamente indemnizado (princípio da inacumulabilidade das indemnizações).

No fundo, o ordenamento jurídico prevê que em caso de concorrência de dois direitos de reparação, um baseado no infortúnio laboral e outro resultante de responsabilidade subjetiva de outros trabalhadores ou de terceiros, não exista cumulação do direito à indemnização em relação ao mesmo dano concreto.

Neste artigo e reproduzindo as palavras de Carlos Alegre, na obra citada, «o que se encontra em confronto é a prevalência indemnizatória resultante da responsabilidade objetiva em relação à responsabilidade subjetiva de quem pratica o facto ilícito».

No que concerne especificamente ao nº 2 do normativo, que fundamenta o direito cuja titularidade é reclamada nesta ação, prevê-se neste inciso um direito de desoneração da obrigação de pagamento se o sinistrado ou beneficiários receberem de outros trabalhadores ou terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora. No caso da indemnização arbitrada pelo acidente de viação ser de montante inferior aos dos benefícios conferidos em consequência do acidente de trabalho, a desoneração da responsabilidade é limitada àquele montante, de harmonia com o disposto no nº3 do artigo.

Ao contrário do alegado pelos RR. recorrentes, a pretensão deduzida na ação não se ergue sobre o designado “direito de regresso” previsto no nº4 do artigo, mesmo que se entenda que a expressão utilizada pelo legislador é imprópria e que se deve fazer uma  interpretação corretiva da mesma, no sentido que a figura jurídica prevista se reporta a uma sub-rogação legal.

A sub-rogação legal é uma forma de transmissão singular de créditos por imposição da lei. Na sub-rogação há um terceiro que cumpre a dívida de outrem ou empresta coisa dinheiro (ou outra coisa fungível) ao devedor para esse cumprimento, adquirindo os direitos do credor originário em relação ao devedor (artigos 589º e seguintes do Código Civil).

Deste modo, o terceiro que cumpre ou empresta ao devedor para cumprir, adquire os direitos do credor originário em relação ao devedor.

Por sua vez, o direito de regresso desenvolve-se no âmbito de uma responsabilidade solidária, e resulta da satisfação integral ou parcial da obrigação solidária para além do que caberia ao devedor solidário que assim procede. Estipula o artigo 524º do Código Civil que «[o] devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete». O direito de regresso constitui um direito novo que surge na esfera jurídica do devedor que satisfaz a obrigação solidária para além da parte que lhe competia.

Ora, a situação prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 31º da LAT não contempla nenhum destes institutos jurídicos.

Neste normativo, o responsável pela reparação do acidente de trabalho apenas pretende liberar-se do cumprimento da sua obrigação enquanto responsável pelo acidente de trabalho, uma vez que as duas indemnizações não são cumuláveis, mas complementares, facultando-lhe a lei tal desoneração, com direito a ser reembolsado pelo sinistrado ou beneficiários das quantias que tiver pago ou despendido.

O direito reclamado não resulta, assim, do cumprimento de uma obrigação que o responsável primário (responsável civil) deveria ter satisfeito. O responsável pelo infortúnio laboral fica liberto da sua obrigação. Além disso, é um direito que se reflete apenas no âmbito das relações internas entre o responsável pela reparação do acidente de trabalho e o sinistrado ou seus beneficiários. Acresce que entre o responsável pelo acidente de viação e o responsável pelo acidente de trabalho não existe qualquer vínculo legal ou contratual que crie responsabilidade solidária em sentido próprio.

Logo, não se aplica ao direito de desoneração previsto nos n.º2 e 3 do artigo 31º da LAT o prazo prescricional previsto no artigo 498º do Código Civil.

Assim tendo decidido a decisão da 1ª instância e sendo aplicável o prazo prescricional ordinário de 20 anos (artigo 309º do Código Civil), conforme foi apreciado, nenhuma censura nos merece a decisão que julgou improcedente a exceção perentória da prescrição.

Por conseguinte, improcede o recurso interposto pelos RR. quanto à questão agora analisada.



3. Cumulação de indemnizações

Não se conformam os RR. apelantes com a circunstância do tribunal a quo ter considerado existir cumulação de indemnizações em relação ao mesmo dano.

Apreciemos!

Dos elementos dos autos, conclui-se que o acidente que vitimou D... foi, simultaneamente, de viação e de trabalho.

Resulta do acervo factual assente que na ação judicial que conheceu do acidente de trabalho, a seguradora recorrida foi condenada a pagar, com início em 27/11/2007, a pensão anual e vitalícia de € 5.069,41 para a beneficiária viúva e a pensão anual e temporária de € 3.379,60 para o beneficiário filho.

No processo judicial que apreciou a responsabilidade civil pelo acidente de viação a seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade pelos riscos de circulação causados a terceiro, foi condenada a pagar uma indemnização de €221.826,65 à ora recorrente viúva, ali demandante, e de €111.456,65 ao ora recorrente filho do falecido, ali demandante, “por lucros cessantes”.

Na sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Lousã, na apreciação do “pedido de ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos”, “lucros cessantes” escreveu-se:

«(…) Assim, posto que se impõe optar por um critério, afigura-se que, no caso, o mais adequado é o valor correspondente à pensão atribuída pela demandada quer à viúva (€ 383,00) quer ao filho do falecido (€ 253,00, como se infere da proporção dos valores já pagos e tendo em conta que o montante atual global da pensão se cifra em € 635,90), na qualidade de demandantes. Valor esse que se multiplicará por 14. O produto assim obtido, multiplicar-se-á por 30 anos de vida ativa, no caso da demandante e por vinte no caso do demandante, considerando, face à atual tendência, que o falecido auxiliaria o menor nos estudos até aos 25 anos (...).

No tocante ao valor auferido no âmbito da atividade agrícola e posto que também o ofendido o utilizava, dos €500,00, considerar-se-á o valor de € 200,00 para cada um dos demandantes. Montante que se multiplicará por 11, tendo em conta que o normal seria o ofendido tirar um mês de férias. Posteriormente o número conseguido será multiplicado igualmente por 30 e 20 anos, respetivamente explanados.

Feitas as contas enunciadas e descontados os montantes entretanto pagos pela Seguradora A... , ora interveniente, chegamos aos valores de € 221.826,65 e de € 111.456,65, respetivamente. (…)».

Conforme já tivemos oportunidade de referir anteriormente, o artigo 31º da LAT proíbe a cumulação de indemnizações destinadas a reparar o mesmo dano, consagrando o direito de desoneração do responsável pelo infortúnio laboral que terá o ónus de alegar e provar os pressupostos necessários para o reconhecimento de tal direito.

Assim sendo, importa apreciar se na concreta situação dos autos se provou ou não existir cumulação de indemnizações relativas ao mesmo dano concreto.

É consabido que a pensão atribuída no âmbito do direito à reparação do acidente de trabalho visa reparar/indemnizar a perda ou diminuição da capacidade geral de ganho do sinistrado.

Por sua vez, a indemnização por danos patrimoniais-lucros cessantes atribuída no âmbito da responsabilidade subjetiva civil visa reparar uma vantagem que o lesado iria beneficiar, se não fosse a lesão, nomeadamente o direito de ganho que se frustrou.

Na situação em apreço nos autos, resulta da motivação da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Lousã, na apreciação do “pedido de ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos”, “lucros cessantes”, que o valor indemnizatório arbitrado visou compensar a perda da capacidade laboral do sinistrado, uma vez que se consideraram os rendimentos que o falecido iria beneficiar e a contribuição ou partilha dos mesmos com a esposa e filho.

Destarte, não obstante os cálculos da indemnização laboral e civil poderem ser distintos, certo é existir cumulação de indemnizações relativamente ao mesmo dano (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 10/10/2000, Coletânea de Jurisprudência, ano XXV, tomo IV, págs. 291 e 292). As indemnizações atribuídas visam compensar/reparar a perda da capacidade geral de ganho, consequente ao falecimento.

Pelo exposto, afigura-se-nos que a seguradora recorrida logrou provar os pressupostos previstos para o reconhecimento do direito de desoneração da respetiva obrigação, consagrado no sobejamente referido artigo 31º da LAT.

Argumentam, ainda, os RR. recorrentes que a haver cumulação de indemnizações, tal duplicação apenas abrangeria o valor mensal de € 193,58 por mês.

Por uma questão de lógica, analisaremos esta questão juntamente com a apreciação e conhecimento do recurso interposto pela seguradora demandante.


*


V. Recurso interposto pela seguradora

Nas alegações e conclusões de recurso, insurge-se a seguradora contra a mera procedência parcial do pedido formulado.

Para tanto, argumenta que independentemente dos critérios aplicáveis na fixação das duas indemnizações atribuídas, que são autónomas e independentes, o que o legislador quis foi não permitir a acumulação de indemnizações que visam ressarcir o mesmo dano, concedendo ao responsável pelo infortúnio laboral o direito de ficar desonerado do pagamento das prestações da sua responsabilidade até ao montante do valor da indemnização fixada na ação relativa ao acidente de viação.

Afigura-se-nos que assiste razão à recorrente.

Efetivamente, para o reconhecimento do direito de desoneração consagrado no artigo 31º da LAT, importa que as indemnizações arbitradas se destinem a reparar o mesmo dano.

A lei portuguesa não consagra qualquer definição de dano.

Daí que a doutrina e a jurisprudência têm tido um papel essencial na densificação do conceito.

Recorrendo a dois autores de referência, Almeida Costa define «dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica» (“Direito das Obrigações”, 4ª edição, pág. 389) e Antunes Varela considera que dano «[é] a lesão causada no interesse juridicamente tutelado» (“Das obrigações em geral”, 6ª edição, pág.568).

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem-se baseado na noção destes dois autores para apreciar os diversos casos concretos que se lhe apresentam (a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos de 19/05/2009, P. 298/06.0TBSJM.S1, de 26/01/2016, P. 2185/04.8TBOER.L1.S1 e de 10/03/2016, P. 1602/10.2TBVFR.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Inexistindo qualquer razão para divergir da linha de entendimento seguida pelo Supremo Tribunal, temos que, no caso concreto, o dano sofrido e duplamente indemnizado é a perda da capacidade de ganho do falecido sinistrado (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 08/07/2015, P. 969/07.4TTCBR-A.C1).

A capacidade geral de ganho é o bem juridicamente protegido que foi destruído em consequência da sua morte.

Os critérios da indemnização distintos que foram utilizados para cálculo do montante compensatório atribuído nas duas ações e as variáveis consideradas são absolutamente independentes e irrelevantes (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/5/2011, P. 242-A/2001.C2.S1 e de 22/11/2007, Revista 07S3524, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Não podemos olvidar que a responsabilidade pelo acidente laboral tem carácter subsidiário em relação à responsabilidade pelo acidente de viação. Logo, tendo a perda da capacidade geral de ganho relativa ao sinistrado sido apreciada e reconhecido um direito indemnizatório por esse dano patrimonial, é a responsável civil que responde em primeira linha por esse dano.

Por conseguinte, tendo ficado demonstrado que no processo comum singular que correu termos no Tribunal Judicial da Lousã a seguradora responsável pelo acidente de viação foi condenada a pagar uma indemnização de €221.826,65 à ora R. (viúva) ali demandante, e de €111.456,65 ao ora R. (filho) ali demandante, “por lucros cessantes” (perda da capacidade de ganho), ao abrigo do artigo 31º, nºs 2 e 3 da LAT, a A... – Companhia de Seguros, S.A., deve considerar-se desonerada da obrigação em que foi condenada no âmbito da ação especial emergente de acidente de viação até o limite das quantias arbitradas na indemnização destinada a reparar os lucros cessantes..

Como tal, o recurso interposto pela seguradora mostra-se procedente e improcedente a questão suscitada no recurso dos RR. recorrentes relativa à restrita duplicação do valor mensal de € 193,58 por mês, face ao exposto.


*

VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso de apelação interposto pelos réus improcedente e procedente o recurso de apelação interposto pela seguradora e, em consequência, revogam a sentença recorrida e julgam ação procedente declarando que a A... – Companhia de Seguros, S.A., deve considerar-se desonerada da obrigação em que foi condenada no âmbito da ação especial emergente de acidente de viação até o limite dos valores de € 221.826,65, em relação à demandada B... e € 111.456,65, relativamente ao demandado C... .

Custas pelos réus.

Notifique.

(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 20 de abril de 2016

 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)