Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARCO BORGES | ||
| Descritores: | REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO EFICÁCIA EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS FACTOS PROVADOS NOUTRO PROCESSO PROVA DOCUMENTAL DECLARAÇÕES DE PARTE CONTRAPROVA | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 421.º, 607.º, N.ºS 3 E 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 342.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
| Sumário: | I – A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior não se confunde com um novo julgamento, no pressuposto de ocorrer uma discordância do recorrido face à decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto provada e não provada. Essa reapreciação não equivale a uma repetição da causa; implica apenas uma reponderação, mediante a formação de uma convicção autónoma da Relação quanto aos meios de prova que serviram de base ao juízo crítico probatório empreendido pelo tribunal recorrido.
II – É extensa a amplitude de poderes em que o tribunal de recurso está investido quanto à possibilidade de correção de determinadas patologias que eventualmente possam afetar a matéria de facto, cabendo-lhe, nessa reapreciação, formular um juízo autónomo que o habilita, se necessário, a alterá-la, acaso os elementos probatórios acessíveis imponham uma solução diversa. III – Não é possível transferir factos provados de um processo para outro, porquanto a eficácia extraprocessual das provas prevista no art.º 421.º do C.P.C. não se confunde com a eficácia extraprocessual dos factos tidos por provados noutro processo. O que é lícito transferir é a prova e não o resultado da prova, caso contrário essa transferência equivaleria a conferir à decisão da matéria de facto proferida doutro processo um valor de caso julgado que não tem ou a conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui. IV – As declarações de parte, enquanto meio de prova, pese embora assumam um valor probatório autónomo, estão, na formação da convicção do juiz, sujeitas à sua livre e prudente apreciação quanto à demonstração de um concreto facto, devendo ser confrontadas e corroboradas por outros meios de prova, uma vez que são, por definição, favoráveis à parte que as presta. V – Recai sobre o autor o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado e à ré a contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos ou incertos. Se o conseguir, a questão passa a ser decidida contra a parte onerada com a prova. A contraprova só tem lugar quando seja oposta a uma prova livre e não já a uma prova legal plena, caso em que já será exigível, para a abalar, a prova do contrário. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os Juízes na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório Recorrente: AA Recorrida: BB * AA instaurou a presente ação declarativa comum contra BB, formulando, a final, os seguintes pedidos: «a) Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor da quantia de €59.667,39 (…)), a título de indemnização pelas despesas por ele suportadas e pelo tempo gasto (correspondente à incorporação da sua própria mão-de-obra e às deslocações aos fornecedores e a prestadores de serviços) com a construção da moradia unifamiliar identificada nos artigos 4.º e 23.º do presente articulado, acrescida de juros de mora contados à taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento. b) Ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 52.711,50 (…), a título de indemnização, correspondente a metade do valor da construção efectuada no terreno propriedade da Ré(moradia unifamiliar identificada nos artigos 4.º e 23 do presente articulado), acrescida de juros de mora contados à taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento. (…)». * Alegou, em síntese, como causa de pedir, que Autor e Ré foram casados sob o regime da comunhão de adquiridos, mas a moradia foi construída, ainda antes do casamento, em terreno doado à Ré pelos seus avós; que a construção foi financiada em grande parte pelo Autor, que investiu dinheiro próprio, contraiu empréstimos e incorporou mão-de-obra direta, tendo detalhado exaustivamente os montantes e datas dos pagamentos efetuados, bem como os materiais adquiridos e serviços contratados; que por ter sido edificada em terreno exclusivo da Ré, a casa foi considerada uma benfeitoria e não foi incluída na partilha de bens comum realizada após o divórcio; que como tal, o Autor não obteve compensação pelo investimento realizado; que a Ré ficou indevidamente enriquecida à sua custa, sem causa justificativa para tal; que a ré deve ser condenada a restituir-lhe a quantia correspondente ao investimento realizado na construção da moradia, ou, em alternativa, a pagar-lhe metade do valor atual da construção, acrescido de juros de mora. * A ré apresentou contestação onde se defendeu por exceção perentória; alegou a confissão judicial do Autor no processo de inventário e a remissão abdicativa, ambas com força extintiva da obrigação; que no âmbito do processo de inventário por divórcio as partes acordaram na partilha total do património comum e declararam expressamente nada mais ter a exigir entre si, declaração feita em conferência de interessados e homologada por sentença, a qual constitui uma confissão judicial com força probatória plena, não podendo agora o autor alegar qualquer crédito adicional sem antes invocar e provar vício de vontade, o que não fez; que tal declaração configura uma remissão abdicativa, i. é, uma renúncia voluntária a qualquer pretensão futura, insuscetível de revogação; impugnou os factos alegados pelo autor na p.i., designadamente a de que este tenha contribuído, com dinheiro ou trabalho, para a construção da moradia; que a casa foi construída antes do casamento, quando ainda era solteira e estudante, em terreno doado pelos seus avós e que essa construção foi financiada com donativos dos seus pais e de uma tia, CC, num total de 7.000.000$00 (cerca de € 34.951,85), e, após terminar a sua formação em enfermagem, com o seu próprio salário; que o autor nem sequer tinha capacidade económica para contribuir para a construção, negando que os dois empréstimos invocados pelo Autor tenham ligação à obra, sendo que um deles serviu para compra de uma viatura; conclui pela improcedência total da ação. * O autor respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência. * Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. * Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde ficou a constar no dispositivo o seguinte: «(…) julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, mais decide: 1. Absolver a Ré (…) da totalidade dos pedidos formulados pelo Autor (…) 2. Condenar o Autor no pagamento das custas da presente ação (…)». * Do recurso Não conformado com esta decisão, o autor veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem: (…). * A ré, ora recorrida, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: (…). * O recurso foi admitido. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se a lei o permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cf. art.s 608º-2, 635º-4 e 639º do CPC). As questões a decidir, em face do teor das conclusões formuladas pela recorrente, consistem em: i. apurar se o tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova e, em consequência, na fixação dos factos provados e não provados em face das provas produzidas (com respeito ao ponto 16 dos factos provados e à totalidade dos factos não provados); ii. apurar se, em face da resposta à questão anterior, o autor, ora recorrente, tem direito a ser indemnizado pela ré no montante peticionado na ação indicado no pedido principal ou, subsidiariamente, a ser indemnizado no montante correspondente a metade do valor da construção (moradia unifamiliar) efetuada em terreno propriedade da ré, com fundamento em enriquecimento sem causa, nos termos que peticionou. * III - Os factos O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão quanto à matéria de facto provada: 1. O Autor e a Ré foram casados sob o regime da comunhão de adquiridos, entre ../../1994 e ../../2014. 2. O divórcio foi decretado por sentença no Processo n.º 374/14.... da Comarca de Leiria. 3. A partilha do património comum foi realizada no Cartório Notarial ..., Processo n.º 4720/15. 4. No dia 19 de julho de 2017, foi celebrado acordo entre Autor e Ré, homologado por sentença transitada em julgado em 11 de outubro de 2017. 5. Nesse acordo acordaram as partes que: 5.1.A verba 1 foi adjudicada ao Autor por € 2.000,00. 5.2.As verbas 2 a 68 foram adjudicadas à Ré por € 941,08. 5.3.A verba 69 foi adjudicada à Ré por € 52.937,84. 5.4.A verba 70 foi adjudicada à Ré por € 109.180,00. 5.5.A Ré ficou responsável por pagar a verba 1 do passivo: € 81.058,92. 5.6.A Ré ficou obrigada a pagar ao Autor € 40.000,00 a título de tornas, até 31 de dezembro de 2017. 5.7. As partes declararam que consideravam o património comum partilhado na totalidade, não havendo mais nada a exigir entre si. 6. Na primeira relação de bens apresentada no sobredito inventário a verba 69 era constituída poe: “Casa composta de rés-do-chão para habitação, com 4 assoalhadas, 1 cozinha, 2 casas de banho, 2 corredores, 1 despensa, 1 marquise, 1 varanda, 1 garagem e logradouro com anexo, sita na Rua ..., ..., em ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...52/... e inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ... sob o artigo 2596”. 7. Conforme “Auto de Inquirição de Testemunhas e Depoimento/Declarações de Parte” datado de 14 de Outubro de 2016, os interessados (Autor e Ré) declararam que: “acordam que a verba 69 fique apenas constituída pela benfeitoria correspondente ao anexo existente no imóvel nela referido. Todavia nenhum deles renuncia a exigir e fazer valer nos meios comuns os direitos que cada um invocou nos articulados relativamente à benfeitoria constituída pela casa, construída antes do casamento, pelo que não é o processo de inventário o meio adequado para a sua discussão”. 8. A verba 69 considerada no acordo de partilha acima referido ficou com a seguinte designação: “Anexo construído no logradouro da casa de morada de família dos partilhantes, sita na Rua ..., ..., em ..., ..., composto de sala comum, despensa, wc, quarto e garagem”. 9. Por escritura pública de 5 de Fevereiro de 1991, outorgada no extinto ... Cartório da Secretaria Notarial ..., os avós maternos da Ré, DD e EE, doaram-lhe uma terra de cultura, sita no lugar e freguesia ..., com a área de 6.5000 m2, a confrontar do norte com o A..., sul com DD, nascente com Rua ... e poente com FF, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...83/... e inscrita na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo ...34, doação que foi aceite pela Ré e cuja aquisição inscreveu em seu nome pela Ap. ... de 1991/05/03, dando lugar à descrição ...03 (Docs. 8 e 9). 10. O Autor e a Ré iniciaram a relação de namoro no ano de 1988. 11. Com vista ao casamento entre eles, decidiram construir na terra de cultura acima identificada no ponto 9. aquela que veio a ser a casa de morada do casal. 12. Para tanto, foram contratados os serviços de GG, pessoa que elaborou o respetivo projeto. 13. No dia 31 de Outubro de 1991, a Ré, no estado de solteira e estudante, na qualidade de proprietária do terreno em causa, fez dar entrada na Câmara Municipal ... o pedido de autorização para construção no mesmo da moradia descrita no artigo 4.º (Doc. 10). 14. A respetiva licença de obras foi emitida pelos competentes serviços camarários em 26 de Dezembro de 1991 (Doc. 11). 15. Ainda no estado de solteiros, foi construída, em terreno próprio da Ré (doado pelos avós) a seguinte moradia unifamiliar: Casa composta de rés-do-chão para habitação, com 4 assoalhadas, 1 cozinha, 2 casas de banho, 2 corredores, 1 despensa, 1 marquise, 1 varanda, 1 garagem e logradouro com anexo, sita na Rua ..., ..., em ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...52/... e inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ... sob o artigo ...96. 16. O Autor acompanhou de perto a construção da moradia erguida no terreno da Ré e prestou auxílio pontual em algumas tarefas de apoio, em dias não concretamente apuradas e com a duração não concretamente apurada, designadamente no transporte de materiais e na colaboração informal com os trabalhadores, sem que tenha executado ou coordenado trabalhos técnicos de construção civil. * Fizeram-se consignar na sentença recorrida os seguintes factos não provados: 1) O desaterro do terreno foi efetuado ainda nesse mês de Dezembro, tendo a obra arrancado em meados de Janeiro do ano seguinte, com a abertura das fundações exteriores a ser feita, para além de outros, com a intervenção direta do Autor. 2) Na obra, o Autor ajudou na realização de trabalhos, mormente a abrir os alicerces, a levantar as paredes, encher a placa e a laje da cobertura, a telhar, rebocar e pintar. 3) Acompanhou e supervisionou tarefas inerentes à construção da moradia do casal, a qual foi levada a cabo por administração direta. 4) Contratou diretamente e/ou ajustou o preço dos materiais e da mão-de-obra de algumas das pessoas que trabalharam na construção da casa, nomeadamente pedreiros, ladrilhador, serralheiro, pintor, 5) … Pagando aos mesmos com dinheiro decorrente do produto do seu trabalho e de dois empréstimos contraídos por si junto da Banco 1..., o primeiro, em 15/10/1992, no montante de 1.500 contos, e o segundo, em 30/06/1994, de 1.000 contos. 6) O imóvel referido no ponto 15 dos factos provados, tem um valor de mercado de €105.423,00. 7) Ainda no estado de solteiro, o Autor pagou parte dos materiais aplicados na obra e parte dos trabalhos efetuados na construção referida no ponto 15 dos factos provados por prestadores de serviços, pagamentos esses que que fez tanto em dinheiro como por cheques, designadamente, 8) No dia 03/12/1992, o Autor pagou ao fornecedor da pedra o valor de € 78.000$00 (ch.63596677) 9) Nos dias 23/03/1993, 18/08/1993, 07/09/1993, 16/11/1993, 11/07/1994, o Autor pagou materiais de construção a HH, respectivamente nos valores de 59.578$00 (ch. ...79), 72.700$00 (ch....88), 24.380$00 (ch....89), 44.587$00 (ch....96) e 55.700$00 (ch....07). 10) Em 10/03/1993, o Autor pagou ao pedreiro II (...) o valor de 460.000$00 (ch.63596678). 11) Nos dias 03/08/1993, 07/09/1993, 19/10/1993 e 10/03/1994, o Autor pagou ao pedreiro JJ, respectivamente os valores de 24.000$00 (ch....85), 64.000$00 (ch....90), 48.800$00 (ch....92) e 24.000$00 (ch....03). 12) No dia 11/08/1993, o Autor pagou ao pedreiro FF o valor de 22.400$00 (ch.63596684) 13) Nos dias 04/06/1993, 19/10/1993 e 06/12/1993, o Autor pagou serviços de electricista e canalizador a “KK”, respectivamente nos valores de 85.700$00 (ch. ...81), 37.425$00 (ch. ...93) e 99.600$00 (ch. ...99.) 14) Nos dias 08/11/1993, 18/01/1994 e 04/03/1994, o Autor pagou serviços de ladrilhador a LL, respectivamente nos valores de 100.000$00 (ch....95), 68.750$00 (ch....26) e 100.000$00 (ch....04); 15) No dia 25/11/1993, o Autor pagou à “B...” alumínios destinados à habitação, no valor de 200.000$00 (ch.63596698); 16) No dia 03/03/1994, o Autor pagou a pedra dos passeios, no valor de 118.000$00 (ch.11248902); 17) No dia 08/03/1994, o Autor pagou à “C...” as manilhas para encaminhamento das águas pluviais, no valor de 5.925$00 (ch.11248905); 18) Nos dias 05/07/1994 e 19/07/1994, o Autor pagou ao carpinteiro MM, respectivamente os valores de 350.000$00 (ch....25) e 194.000$00 (ch....11); 19) No dia 11/07/1994, o Autor pagou a NN o valor de 100.000$00 (ch.11248924), por conta do orçamento do gradeamento; 20) No dia 14/07/1994, o Autor pagou tintas a OO no valor de 9.000$00 (ch.11248909); 21) Nos dias 04/07/1994 e 18/07/1994, o Autor pagou as caleiras e ferragens às D...”, respectivamente os valores de 70.000$00 (ch....06) e 7.000$00 (ch....10); 22) Os pagamentos acima referidos nos pontos 8) a 21), todos feitos pelo Autor por cheques sacados sobra a conta aberta na Banco 1..., importaram na quantia total de 2.523.545$00 (€ 12.587,39). 23) O Autor fez também pagamentos por meio de cheques sacados sobre a sua conta bancária aberta no Banco 2..., agência de ..., designadamente, 24) No dia 07/03/1992, o Autor pagou por cheque a II (...) metade do valor orçamentado para a mão-de-obra de pedreiro relativa ao levantamento das paredes e à placa, no valor de 300.000$00 (ch.8); 25) No dia 13/04/1992, o Autor pagou por cheque a II (...) o resto do valor orçamentado para a mão-de-obra de pedreiro relativa ao levantamento das paredes e à placa, no valor de 325.000$00; 26) No dia 20/05/1992, o Autor pagou por cheque a II (...) serviço de pedreiro, por conta do orçamento da mão-de-obra para o telhado respetiva laje, no valor de 500.000$00 (ch.10); 27) No dia 21/07/1993, o autor pagou por cheque a JJ serviço de pedreiro, no valor de 68.800$00 (ch.12); 28) No dia 18/10/1993, o Autor pagou por cheque a PP serviço de pedreiro, no valor de 24.706$00 (ch. 16); 29) Os pagamentos acima referidos nos pontos 24) a 28), feitos pelo Autor mediante cheques sacados sobra a sua conta do Banco 2..., agência de ..., importaram na quantia total de 1.218.506$00 (€ 6.077,88). 30) O autor ainda fez pagamentos em numerário, designadamente, 31) Em 26/10/1991, o Autor comprou à “E...” 40 paletes de tijolo, tendo suportado também o custo com o transporte e a descarga das mesmas na obra, pagando o total de 254.000$00 (220.000$00 + 24.000$00 + 10.000$00); 32) Em 30/10/1991, o Autor pagou a GG os serviços prestados pela elaboração do projeto da moradia, no valor de 195.000$00; 33) Em 19/11/1991, o Autor comprou 2 pinheiros a QQ (...), tendo pago, com serragem incluída, a quantia de 22.000$00; 34) Em 20/11/1991, o Autor, conjuntamente o RR e o SS, comprou o ferro destinado à obra, tendo pago 160.272$60; 35) Em 12/12/1991, o Autor pagou a TT o serviço de desaterro e retirada de areia, no valor de 31.000$00; 36) No dia 26/12/1991, o Autor pagou a UU a apólice de seguro de acidentes de trabalho relativa à obra, no valor de 90.017$00, e procedeu ao levantamento da licença de construção junto da Câmara Municipal ..., tendo pago a quantia de 39.540$00; 37) No dia 31/12/1991, o Autor pagou quatro carradas de pedra e duas de brita, tudo no valor de 81.000$00; 38) No dia 10/01/1992, o autor pagou 4 chapas de zinco (telhas) e uma pá, tudo no valor de 8.250$00; 39) No dia 02/01/1992, o Autor pagou a GG o termo de responsabilidade da obra, no valor de 15.000$00; 40) No dia 18/01/1992, o Autor pagou serviços de pedreiro a SS, VV e WW, no valor total de 52.350$00; 41) No dia 26/01/1992, o Autor pagou serviços de pedreiro a WW, VV e XX, no valor total de 82.050$00; 42) No dia 31/01/1992, o Autor pagou serviços de pedreiro a WW, VV e XX, no valor total de 57.000$00; 43) No dia 01/02/1992, o Autor pagou serviços de pedreiro a YY, no valor de 2.000$00; 44) No dia 22/02/1992, o Autor pagou serviços de pedreiro a YY, no valor de 2.250$00; 45) No dia 24/02/1992, o Autor pagou a “F...” meia carrada de pedra e duas de seixo, no valor de € 28.400$0; 46) No dia 29/02/1992, o Autor pagou prego e rede para o crivo, no valor de 6.200$00; 47) No dia 10/03/1992, o Autor pagou uma tábua e platex para os aros das portas, no valor de 1.300$00; 48) No dia 12/03/1992, o Autor pagou 50 sacos de cimento, no valor de 36.000$00; 49) No dia 17/03/1992, o Autor pagou arame queimado e vergas de aço, no valor de 6.950$00; 50) No dia 28/03/1992, o Autor pagou a HH 69 sacos de cimento, no valor de 49.680$00 e a YY serviços de pedreiro, no valor de 4.000$00; 51) No dia 30/03/1992, o Autor pagou duas carradas de brita, no valor de 27.000$00; 52) No dia 12/04/1992, o autor pagou a TT serviço de máquina prestado em 28/03/1992, aquando do enchimento da placa, o valor de 35.000$00; 53) No dia 18/04/1992, o Autor pagou a “F...” 3 sacos de cimento, no valor de 2.160$00; 54) No dia 20/04/1992, o Autor pagou 8 kg de prego, no valor de 1.400$00; 55) No dia 21/04/1992, o Autor pagou 30 sacos de cimento, no valor de 21.600$00; 56) No dia 27/04/1992, o Autor pagou 40 sacos de cimento, no valor de 28.800$00; 57) No dia 12/05/1992, o Autor pagou 50 sacos de cimento, ferro e pregos, respetivamente nos valores de 28.800$00 + 7.200$00 + 7.000$00 + 600$00; 58) No dia 18/05/1992, o Autor pagou uma carrada e meia de brita e três sacos de cimento, respetivamente nos valores de 20.800$00 e 2.160$00; 59) No dia 02/06/1992, o Autor pagou 5 sacos de cal viva, no valor de 5.100$00; 60) No dia 04/06/1992, o Autor pagou 10 sacos de cimento, no valor de 7.200$00; 61) No dia 11/06/1992, o autor pagou 15 sacos de cimento, no valor de 10.800$00, e 5 sacos de cal, no valor de 5.100$00; 62) No dia 17/06/1992, o Autor pagou 20 sacos de cimento, no valor de 14.400$00; 63) No dia 22/06/1992, o Autor pagou 6 sacos de cal, no valor de 6.120$00, e 10 sacos de cimento, no valor de 7.200$00; 64) No dia 29/06/1992, o Autor pagou uma carrada de areia fina, no valor de 11.000$00; 65) No dia 22/11/1992, o Autor pagou a TT serviço de máquina prestado em 30/04/1992, no valor de 2.000$00; 66) No dia 06/02/1993, o Autor pagou 30 sacos de cimento e 15 sacos de cal, no valor de 21.600$00; 67) No dia 19/02/1993, o Autor pagou o aro da porta da frente, no valor de 3.300$00; 68) No dia 02/03/1993, o autor pagou um tubo para esgoto de águas, no valor de 1.300$00; 69) No dia 16/04/1993, o autor pagou serviço de pedreiro a YY, no valor de 1.500$00; 70) No dia 29/05/1993, o Autor pagou serviços de pedreiro a ZZ, YY, AAA, BBB (CCC) e “DDD”, no valor total de 34.050$00; 71) No dia 09/06/1993, o autor pagou serviço de pedreiro a “DDD”, no valor de 7.200$00; 72) No dia 21/07/1993, o Autor pagou serviço de pedreiro a BBB (CCC), no valor de 22.000$00; 73) No dia 03/09/1993, o Autor pagou serviço de pedreiro a BBB (CCC), no valor de 7.000$00; 74) No dia 04/12/1993, o Autor pagou serviços de pedreiro a BBB (CCC) e EEE, no valor total de 9.200$00; 75) No dia 19/01/1994, o autor pagou a FFF um tubo de esgoto, no valor de 3.970$00; 76) No dia 02/02/1994, o Autor pagou à “G...” tubos de esgoto e de rega do jardim, no valor de 22.500$00, e respectivo transporte a GGG, no valor de 1.500$00; 77) Pagou ainda à “C...” uma caixa de visita e uma manilha, no valor de 11.070$00; 78) No dia 19/02/1994, o Autor pagou a FFF tubos e curvas, no valor de 12.800$00; 79) No dia 21/02/1994, o Autor pagou 20m 2 de tábuas para cofrangem do jardim, no valor de 12.000$00; 80) No dia 15/03/1994, o Autor pagou degraus em granito, no valor de 21.064$00 e materiais a HH, no valor de 100.000$00; 81) No dia 18/03/1994, o Autor pagou materiais a HH, no valor de 58.000$00; 82) No dia 24/03/1994, o Autor pagou pedra para o passeio, no valor de 28.000$00; 83) No dia 04/04/1994, o Autor pagou relva para jardim, no valor de 6.000$00; 84) No dia 05/04/1994, o Autor pagou serviço de pedreiro, no valor de 87.800$00 e uma mangueira com ponteira para o jardim, no valor de 4.350$00; 85) No dia 05/04/1994, o Autor pagou serviços de serralheiro a HHH, no valor de 12.000$00; 86) No dia 23/04/1994, o Autor pagou a HH o valor de 66.337$00; 87) No dia 28/04/1994, o Autor pagou serviços de electricista a “KK”, no valor de 100.000$00; 88) No dia 29/04/1994, o Autor pagou à “H...” o valor de 8.000$00; 89) No dia 14/05/1994, o Autor pagou pedra em granito para degraus, no valor de 70.000$00; 90) No dia 25/05/1994, o Autor pagou a HHH serviços de pintura, no valor de 30.000$00; 91) No dia 28/05/1994, o Autor pagou tintas as III, no valor de 29.300$00, e pedra para a entrada dos passeios, no valor de 8.000$00; 92) No dia 03/06/1994, o Autor pagou serviços de pedreiro a JJJ, no valor de 88.000$00 93) No dia 05/06/1994, o Autor pagou ferragens às D...”, no valor de 10.900$00; 94) No dia 06/06/1994, o Autor pagou as pedras da bancada da cozinha e do móvel da casa de banho grande, no valor de 114.000$00; 95) No dia 17/06/1994, o Autor pagou serviços de pedreiro a JJJ, no valor de 34.450$00; 96) No dia 23/06/1994, o Autor pagou serviços de ladrilhador a LL, no valor de 131.600$00 97) No dia 26/06/1994, o Autor pagou serviços de pintura a HHH, no valor de 10.000$00; 98) No dia 04/07/1994, o Autor pagou serviços de pintura a HHH, no valor de 70.000$00; 99) No dia 05/07/1994, o Autor pagou o aro da caixa da água da rede, no valor de 2.600$00, e a lâmpada da casa de banho grande, no valor de 1.800$00; 100) No dia 09/07/1994, o autor pagou materiais para a rede de Gás, no valor total de 20.500$00; 101) No dia 16/07/1994, o Autor o cilindro de aquecimento da água às D...”, no valor de 49.800$00; 102) No dia 28/07/1994, o Autor pagou serviços de electricista a “KK”, no valor de 57.500$00; 103) No dia 28/07/1994, o Autor pagou ao serralheiro NN o valor de 97.000$00, referente o resto do orçamento dos portões e das grades; 104) No dia 28/07/1994, o Autor pagou serviços de carpinteiro a RR, no valor de 59.000$00; 105) Os pagamentos acima referidos, foram feitos pelo Autor em dinheiro, e importaram na quantia total de 3.022.690$60 (€ 15.077,12). 106) No ano de 1991, o Autor despendeu com a obra, pelo menos, 18 horas, à média de 8 diárias, distribuídas pelos seguintes dias: Outubro: 26; Dezembro: 9. 107) No ano de 1992, o Autor despendeu na obra, pelo menos, 408 horas de trabalho, à média de 8 diárias, distribuídas pelos seguintes dias: Janeiro: 11, 18, 25; Fevereiro: 7, 22, 29; Março: 3, 7, 21, 28; Abril: 11, 18, 25; Maio: 2, 16, 22, 30; Junho: 6, 20; Julho: 4, 18; Agosto: tendo gozado férias do seu trabalho habitual, o Autor passou o mês a trabalhar na obra (40 horas x 4 semanas); Outubro: 3, 10, 17, 24; Novembro: 21, 28; Dezembro: 1, 5, 8, 12. 108) No ano de 1993, o Autor gastou na obra, pelo menos, 384 horas de trabalho, à média de 8 diárias, distribuídas pelos seguintes dias: Fevereiro: 6, 20, 23, Março: 6, 20; Abril: 17, 24; Maio: 1, 22, 29; Junho: 9, 10, 12, 26; Julho: 17, 24, 31; Agosto: o Autor passou as suas férias a trabalhar na obra (40 horas x 4 semanas); Setembro: 4, 11, 18; Outubro: 5, 9, 23; Novembro: 13, 20; Dezembro: 1, 4, 8. 109) No ano de 1994, o Autor gastou na obra, pelo menos, 232 horas de trabalho, à média de 8 diárias, distribuídas pelos seguintes dias: Janeiro: 8, 22; Fevereiro: 5, 15, 19, 26; Março: 5, 12, 19, 26; Abril: 23, 25, 30; Maio: 14, 21, 28; Junho: 4, 10, 11, 18, 25; Julho: 2, 9, 16, 23, 25, 26, 27, 28. 110) O Autor computa em 36 horas o tempo gasto com deslocações ao desenhador GG e aos diversos fornecedores de materiais de construção e prestadores de serviços, para encomendar, levantar material e/ou pedir orçamentos. 111) O Autor despendeu, no mínimo, 1078 horas (18+408+384+232+36) com a construção da moradia da Ré, as quais, calculadas ao preço unitário de 450$00 (na altura, preço/hora de um servente de pedreiro), importam no valor de 485.100$00 (€2.419,67). * O recurso foi admitido. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * IV – Fundamentação O recorrente instaurou a ação dos autos pretendendo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €59.667,39 a título de indemnização pelas despesas que alega ter suportado e pelo tempo gasto, correspondente à incorporação de materiais e de mão-de-obra com a construção de uma moradia unifamiliar identificada nos autos, construída em terreno da propriedade exclusiva da recorrida, acrescida de juros de mora legais desde a citação até efetivo e integral pagamento; ou, subsidiariamente, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €52.711,50 a título de indemnização, correspondente a metade do valor da moradia edificada naquele terreno, acrescida de juros de mora legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Realizado o julgamento e produzidas as provas requeridas pelas partes, veio o tribunal recorrido a julgar a ação improcedente, o que motivou a interposição do presente recurso pelo autor. Sustenta o recorrente que o tribunal recorrido, em face das provas produzidas, decidiu erradamente quando considerou não se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários para o reconhecimento de um direito à restituição com fundamento em enriquecimento sem causa nos termos dos art.s 473º e 474º do C. Civil. Pretende a reapreciação da prova gravada por considerar que o facto julgado provado sob o ponto 16 foi incorretamente julgado, bem como erradamente julgada toda a matéria constante do elenco de factos não provados (pontos 1 a 111), a qual defende que deveria ter sido julgada como provada. * A questão substantiva, de fundo onde os factos haveriam de enquadrar-se consiste em saber qual a solução jurídica que deve adotar-se perante a edificação de uma obra (casa de morada de família), por dois cônjuges, casados no regime de comunhão de adquiridos, em terreno próprio de um deles, nomeadamente se o cônjuge não proprietário é titular de um direito de crédito a reclamar compensação pelo património comum sobre o património do dono da coisa, com vista à reposição do equilíbrio patrimonial. Em face do regime de bens de comunhão de adquiridos vigente entre as partes (art. 1721º do CC: vd. ponto 1 dos factos provados) não sobra dúvida que o prédio rústico - o terreno - onde a casa de habitação das partes foi construída constitui um bem próprio da ré (art. 1722º-1-a)-b) do CC). A solução jurídica para esta questão de facto não encontrou, de pretérito, consenso na doutrina e na jurisprudência, tendo-se formado duas correntes, em síntese, uma, enquadrada no âmbito do direito comum, considerando a construção como benfeitoria útil (art. 216º do CC) que, por ser insuscetível de separação do prédio onde foi realizada, deve ser, no momento da partilha, relacionada como crédito (art. 1098º-6 do CPC) do património comum, assim operando o ressarcimento previsto no art. 1273º do CC (qualificando como comum, com autonomia, o valor das benfeitorias úteis, o caso da edificação de um imóvel durante o casamento, com dinheiro comum, num terreno próprio de um dos cônjuges, vd. F.M. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 5ª ed., IUC, 2016, pág. 641). Esta solução foi criticada por uma parte da doutrina autorizada que integra a construção na comunhão, nos termos do disposto no art. 1724º do CC, revestindo, depois, a casa construída a natureza de bem comum ou bem próprio do cônjuge titular do terreno, consoante a mais valiosa das prestações em resultado da avaliação, nos termos do art. 1726º-1 do CC, refutando, portanto, a tese da benfeitoria e afastando a regra da acessão (na doutrina, vd. Rita Lobo Xavier, Das Relações Entre o Direito Comum e o Direito Matrimonial - A Propósito de Atribuições Patrimoniais entre Cônjuges, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Vol. I, C.ª Ed.ª, 2004, pp. 487-500). Esta divergência acabou por ser ultrapassada por intermédio da orientação fixada no recente AUJ do STJ n.º 9/2025, de 25.06.2025, DR, IS, n.º 174, de 10.09.2025 que estabilizou a seguinte jurisprudência obrigatória: «A obra edificada (casa de morada de família) por dois cônjuges, casados no regime da comunhão de bens adquiridos, com dinheiro ou bens comuns, em terreno próprio de um deles, constitui coisa nova que é bem próprio do cônjuge titular do terreno e dá lugar a um crédito de compensação do património comum sobre o património do dono da coisa nova, com vista à reposição do equilíbrio patrimonial.». Contudo, no caso dos autos a construção não foi realizada durante o casamento (como é pressuposto de facto no referido AUJ do STJ), mas foi iniciada e concluída antes do casamento e, portanto, antes do início da vigência do regime jurídico patrimonial da comunhão de adquiridos (vd. os pontos 1, 10, 11 e 15 dos factos provados, não impugnados por via do presente recurso). Neste caso, caberia ao cônjuge interessado, enquanto factos constitutivos do seu direito de crédito de indemnização, o ónus de provar os gastos com mão-de-obra e com o custo de materiais suportados com meios financeiros exclusivamente seus, incorporados na edificação, como alegado na petição inicial, para vir então a poder encabeçar o direito de indemnização ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa (art.s 473º e ss. do CC), equacionado, de resto, na sentença recorrida (vd., com proveito, um caso paralelo, em contexto de união de facto, em sede de resolução das questões patrimoniais emergentes da rutura ou cessação da união, com enfoque na perda da causa para a deslocação patrimonial, propugnando-se a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa para regular a eventual restituição por enriquecimento patrimonial injusto, o Ac. da RC de 16.09.2025, rel. Luís Caldas, proc. 197/22.9T8NZR.C1). Antes da aplicação do direito, importa atentar nos factos apurados nos autos. * Da impugnação da matéria de facto Sustenta o recorrente que o tribunal errou na apreciação das provas documental, testemunhal, pericial e por declarações de parte produzidas nos autos, impondo-se que, com base nelas, seja alterado o ponto 16 da matéria de facto provada, propondo a seguinte redação para este ponto: “16. O Autor acompanhou de perto a construção da moradia erguida no terreno da Ré, tendo ajudado na realização de trabalhos, mormente a abrir os alicerces, a levantar as paredes, encher a placa e a laje da cobertura, a telhar, rebocar e pintar, tendo acompanhado e supervisionado tarefas inerentes à construção da moradia do casal, a qual foi levada a cabo por administração directa” (vd. as conclusões 6ª a 10ª do recurso).
O recorrente pretende fazer radicar esta nova redação, no essencial, na (i) documentação comprovativa de empréstimos que contraiu junto de entidade bancária ainda no estado de solteiro em vista à construção da moradia da ré com quem casou e entretanto dela se divorciou, e nos respetivos extratos de conta; (ii) no teor da sentença proferida no proc. especial de divisão de coisa comum n.º 1235/18.... que opôs as partes; (iii) no bloco de apontamentos por si manuscrito onde constam registadas as despesas atinentes à construção da moradia e noutros documentos referentes à obra que possui; e (iv) no teor da avaliação da moradia realizada por perícia colegial concretizadora do valor da benfeitoria . (vd. as conclusões 5, 7ªª a 18ª do recurso). Pretende ainda o recorrente que o tribunal de recurso altere a matéria de facto julgada como não provada, constante da sentença recorrida, julgando-a como provada (vd. as conclusões 11ª a 18ª do recurso). * No que respeita aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto a empreender pelo tribunal ad quem, estatui a norma do art. 640º do CPC o seguinte: «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Resulta ainda deste preceito legal, como ónus imposto ao recorrente que pretenda obter a reapreciação da prova gravada, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (cf. art. 640º-2-a) do CPC). Saliente-se que ao contrário do prevê a norma do art. 639º do CPC, quanto ao ónus de alegar e formular conclusões, a contravenção às exigências previstas no referido art. 640º-2-a) do CPC implica a rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto, sem possibilidade, sequer, de convite ao aperfeiçoamento (cf. J. Lebre de Freitas, A. Ribeiro Mendes, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Almedina, 2022, p. 95; e António Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, 2024, pp. 212-3). De notar também que o recorrente, ao indicar a decisão que no seu entender deva ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, embora o tenha que indicar no corpo das alegações, já não tem obrigatoriamente de fazer constar, no elenco das conclusões, a decisão alternativa (vd. o AUJ do STJ n.º 12/2023, de 17.10.2023, in Diário da República n.º 220/2023, Séria I, de 14.11.2023 que formulou a seguinte orientação obrigatória: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa»). No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após uma fase de divergências na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça veio clarificar o ponto, pronunciando-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (vd. o Ac. STJ de 01.10.2015, rel. Ana Luísa Geraldes, proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, rel. Mário Belo Morgado, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; e Ac. STJ de 22.09.2015, rel. Pinto de Almeida, proc. n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, entre outros). Nesta medida, «(…) o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º (…)», ou seja, «a concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados; a especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa; e a decisão alternativa que é pretendida.» (cf. o Ac. STJ de 03.03.2016, rel. Ana Luísa Geraldes, proc. n.º 861/13.3TTVIS.C1.S). Nestes termos, do disposto no art. 640º do CPC, resulta a imposição de dois ónus ao recorrente: “[u]m ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – art. 640.º, n.º 1, do CPC»; outro, «um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC», de tal maneira que «[e]ste ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes», pelo que, deve a relação proceder à apreciação da impugnação quando, «apesar da indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos de gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do início e termo dos depoimentos, com a indicação do início das passagens dos depoimentos com a referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos.» (cf. o Ac. do STJ 16.12.2020, rel. Bernardo Domingos, proc. n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1). * Da análise do conteúdo e do teor das alegações e das conclusões recursivas, verifica-se que o recorrente, nas suas alegações, satisfaz estes requisitos, delimitando o objeto do recurso, indicando os factos que entende incorretamente julgados em primeira instância, a decisão alternativa que deveria ser proferida e os concretos meios de prova documentais e excertos dos depoimentos gravados que poderão impor em relação a cada facto uma decisão diversa, pelo que se verifica o efetivo preenchimento dos requisitos previstos no art. 640º-1-2-a) do CPC exigidos por lei, nada obstando, portanto, à apreciação do recurso nesta parte. * Quanto ao particular da reapreciação da prova produzida em 1ª instância, vigora o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz, garantindo-se nesta instância de recurso um efetivo duplo grau de jurisdição (cf. art.s 640º-2-b) e 662º do CPC). Significa isto que a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação do conceito legal da prudente convicção (cf. art. 607º-5 do CPC), aferindo-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância face às regras da experiência, da ciência, da lógica e da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (cf. o Ac. do STJ de 31.05.2016, rel. Garcia Calejo, proc. n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1). A Relação está, portanto, em sede de reapreciação da matéria de facto, investida num poder-dever ou poder funcional que integra uma grande amplitude de poderes dos quais fazem parte a possibilidade de corrigir determinadas patologias que afetem a decisão da matéria de facto, formulando ela própria um juízo autónomo que a habilita, se necessário, a proceder à sua alteração, acaso os elementos de prova acessíveis imponham uma solução diversa face à reponderação do conjunto dos elementos probatórios, inter alia, testemunhais, documentais, periciais, por declarações, complementados ou não pelas regras da experiência e da normalidade do acontecer e das coisas da vida (cf. art. 662º-1-2 do CPC; cf. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Almedina, 2022, pp. 168-9. Vd., inter alia, o Ac. da RG de 11.01.2018, rel. Fernando Freitas, proc. n.º 1784/12.9TBVRL.G1). Caberá à Relação, por isso, a análise crítica das provas e, com base nela, a possibilidade em formular um juízo próprio acerca da matéria de facto impugnado, confirmando ou infirmando, total ou parcialmente, a decisão de facto alvo do recurso (cf. António Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª Ed., Almedina, 2024, p. 379, nota 557. Analisando os poderes da Relação na reapreciação crítica da matéria de facto e, em consequência, à efetividade de um verdadeiro duplo grau de jurisdição na matéria de facto, no sentido da busca da formação de uma convicção verdadeira, justificada e independente daqueloutra obtida na 1ª instância, conjugando a orientação internalista com o externalismo, vd. Miguel Teixeira de Sousa, Prova, Poderes da Relação e Convicção: a Lição da Epistemologia, in Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Out.-Dez., 2013, pp. 33-36. De resto, já a insuspeita doutrina clássica, à sombra do CPC de 1939, sustentava que as objeções, tantas vezes brandidas em redor da falta de imediação na produção de prova, devem ser desvalorizadas pela Relação, porquanto os benefícios do duplo exame da matéria de facto superam os inconvenientes da ausência da imediação e do contacto com a produção de prova, maxime testemunhal: cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, C.ª Ed.ª, 1984, p. 470). Sustenta o recorrente que, no seu entendimento, os concretos meios de prova produzidos nos autos impunham uma decisão diversa sobre a matéria de facto que isolou (vd. conclusão 7.ª do recurso). É, contudo, ponto assente, saliente-se desde já, que a reapreciação da matéria de facto pela Relação levada a cabo no âmbito dos amplos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC não deve ser confundida com um novo julgamento no pressuposto da mera discordância pelo recorrente da decisão recorrida. Ela não é mais que isso: não uma repetição da causa, mas uma reponderação ou reapreciação dos meios de prova tendentes à formação de uma convicção autónoma acerca da existência de um eventual erro de julgamento (cf. António Geraldes, Recursos em Processo Civil, cit., p. 398; e, no mesmo sentido, J. Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, cit., p. 172). * (…). Sustenta o recorrente - no sentido da redação que defende que deve ser dada ao ponto 16 dos factos provados - que em conjugação com a prova pessoal produzida, importava dar relevo probatório aos demais elementos documentais [empréstimos bancários contraídos pelo autor (doc. 12 e 13 juntos com a p.i.), ao teor da sentença proferida no proc. 1235/18.... (vd. doc. 24 junto com a p.i.), ao extrato de conta bancária da Banco 1... referente aos anos de 1992, 1993 e 1994 donde se retira a utilização das quantias mutuadas, à avaliação da edificação (vd. doc. 25 junto com a p.i.) e ao bloco de apontamentos (vd. doc. 27 junto com a p.i.) de onde conclui resultarem tais despesas e mão-de-obra incorporada por si na obra de edificação) juntos aos autos, alegando que o tribunal recorrido erradamente os desvalorizou. Cumpre salientar que do teor de tais documentos, ainda que conjugados com a prova pessoal acima indicada, não se extrai, com objetividade, consistência e segurança uma conclusão diversa daquela que foi retirada pelo tribunal recorrido em sede de fundamentação da convicção probatória. Com efeito, os empréstimos bancários que o recorrente alega ter contraído individualmente não comprovam, por si só, que tenha efetivamente aplicado os montantes mutuados na obra de edificação em causa nos autos, tanto mais que foi produzida pela ré robusta contraprova no sentido de que foi com montantes aforrados (provindos de doações feitas ao longo dos anos pelos seus avós, pais e uma tia), canalizados para a construção da moradia do casal, que a obra foi realizada. Por outro lado, o “bloco de apontamentos” composto por 62 páginas, junto aos autos com a p.i., constituído por um conjunto de anotações pessoais, manuscritas, miudamente pormenorizado quanto a materiais e mão-de-obra, para além de não se encontrar assinado, não permite, através dele, apurar (e o autor, em audiência de julgamento, nas suas declarações de parte, também não o explicitou com clareza) quando foi escrito, se à altura da construção (tendo-o o autor, nesse caso, contra aquilo que é normal na vida das pessoas, preservado o mesmo na sua posse por cerca de 30 anos), se posteriormente, nomeadamente com vista à propositura da presente ação, o que adensa as dificuldades, porquanto lhe retira credibilidade e fiabilidade, tanto anos depois, em termos de aptidão e consistência probatórias com respeito aos inúmeros factos cuja veracidade tal documento pretende oferecer e atestar. E, em contrário ao alegado pelo recorrente (vd. conclusão 7ª do recurso), tal “bloco de apontamentos” foi expressamente impugnado pela ré (vd. art. 25º da sua contestação, quando se alega tratar-se de “documento com várias folhas manuscritas, sem qualquer valor, pelo que vão impugnados”, sendo irrelevante que o tenha crismado como “doc. n.º 32” quando nos autos aparece sob o n.º 27); mas ainda que não o fosse, estava em oposição com a defesa da ré considerada no seu conjunto, como resulta do teor da sua contestação (cf. art. 574º-2 do CPC. Sobre o ponto, vd. inter alia, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., C.ª Ed.ª, 1985, p. 319). O documento é um objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, uma coisa ou um facto (art. 362º do CC); pode ser autêntico se for exarado por autoridade pública; ou ser por esta confirmado, caso em que é autenticado; ou pode ser classificado, simplesmente, como documento particular (art. 363º do CC). Sendo particular, como é o caso dos documentos acima aludidos, ele deve ser, por regra, assinado pelo seu autor (art. 373º-1 do CC), podendo a assinatura ser reconhecida notarialmente (art. 375º do CC), o que não sucede no caso dos autos, pelo que, não o sendo, não faz prova plena quanto às declarações nele contidas atribuídas ao seu autor (art. 376º-1 do CC). O documento escrito assume várias funções: (i) de perpetuação na medida em que preserva a declaração num suporte idóneo a fixá-la no tempo e a torná-la cognoscível de outrem; (ii) probatória quando permite demonstrar no processo a existência da declaração; (iii) de garantia na medida em que permite imputar a declaração a uma pessoa; e, ainda, (iv) constitutiva, quando assume simultaneamente a função de meio de prova e a natureza de formalidade essencial enquanto documento ad substantiam. O documento particular integra, portanto, uma categoria residual e corresponde ao documento proveniente de quem não está investido com funções de atestação, sendo, como tal, desprovido de fé pública, o que significa que «o particular não tem poder algum de atribuir à sua declaração carácter de veracidade» (cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3ª ed., Almedina, 2023, pp. 121 e 125). Quer dizer: «não prova por si mesmo a sua autenticidade», nem «a autenticidade da sua proveniência» (cf. J. M. Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 2ª Ed., Almedina, 2004, pp. 109 e 110). Aliás, como tem sustentado a doutrina, a assinatura do documento é requisito essencial de um documento, de sorte que um documento não assinado - e a assinatura seria inerente ao seu valor probatório -, não permite extrair dele, sequer, que as partes se vincularam ao seu conteúdo (cf. Vaz Serra, Provas - Direito Probatório Material, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 111, Dezembro, 1961, p. 155; cf. Fernando Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, 3.ª Ed., Almedina, 2017, p. 89. Sobre o ponto, ressalvando o caso em que os registos e outros escritos não assinados não fazem prova a favor do seu autor, mas apenas poderão fazer prova contra ele, vd. Maria dos Prazeres Beleza, anotação ao art. 364º do CC e Maria Joana Colaço, anotação ao art. 380º do CC, in Comentário ao Código Civil - Parte Geral, UCP, 2014, pp. 861 e 862). O tribunal a quo motivou a matéria de facto, nesta parte, da seguinte forma: (…). É, assim, de concluir não merecer nenhuma censura o exame crítico que, quanto à matéria provada indicada no ponto 16, por referência aos meios de prova escrutinados, foi ponderada pelo tribunal recorrido. * Quanto ao teor da sentença junta aos autos proferida no âmbito do processo especial de divisão de coisa comum n.º 1235/18.... do Juízo Local Cível de Leiria - Juiz 2 (vd. doc. n.º 24 junto com a p.i.), pretende o recorrente prevalecer-se dos factos aí apurados, fazendo-os valer nos presentes autos (cf. art. 421º do CPC), nomeadamente que o autor “contratou diretamente” e “ajustou os preços e mão-de-obra” de trabalhadores que desenvolveram trabalhos na obra e que “pagou com dinheiro proveniente do produto do seu trabalho” (vd. pontos 17 a 19 dos factos provados dessa sentença: vd. conclusão 7ª do recurso). Se é certo que a prova produzida num processo pode ser, em princípio, invocada noutro processo (desde que cumpridos os pressupostos legais: (i) se trate de prova testemunhal, depoimento de parte ou pericial produzida com audiência contraditória; (ii) a invocação seja feita contra a mesma parte; e (iii) o processo onde foi produzida não ofereça menos garantias que aquele onde vai ser invocada, caso em que valerá apenas como princípio de prova), tal prova não é «uma prova que se traduza em factos declarados assentes no primeiro processo», consistindo outrossim meios de prova «sujeitos à livre apreciação do julgador, pois que este está no processo a que preside na mesma atitude de árbitro em relação a todas as provas que lhe cabe apreciar» (cf. Fernando Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, cit., p. 250. Sobre as garantias de defesa e de contraditório no processo onde a prova foi produzida, o Ac. da RL de 12.05.2016, rel. Vaz Gomes, proc. n.º 4444/07.9TBALM-D.L1-2; e, quanto à junção aos autos cíveis de uma perícia à letra da autora realizada pelo laboratório de polícia científica no âmbito de processo crime, vd. o Ac. da RG de 11.04.2024, rel. Raquel Tavares, proc. n.º 327/20.5T8CBT.G2). Salvas as exceções legais referentes aos factos julgados como provados em processo penal constitutivos do substrato da decisão penal condenatória (cf. art. 623º do CPC; sobre o ponto, inter alia o Ac. da RL de 14.05.2020, rel. Adeodato Brotas, proc. n.º 26073/17.9T8LSB.L1-6), não é processualmente possível transferir factos provados de uma ação para outra - crismada pela doutrina por prova emprestada -, sendo a lei clara ao prescrever que pode apenas invocar-se depoimentos ou perícias produzidos noutro processo, não se referindo a factos provados nesse processo, para além de que o autor, na presente ação, não a instruiu, sequer, com a gravação da prova efetuada no processo especial de divisão de coisa comum acima referenciado, cujos depoimentos aí produzidos pretende prevalecer-se no âmbito dos presentes autos. É por isso que a propósito desta matéria se tem vindo a clarificar que a eficácia extraprocessual da prova não se confunde com a «eficácia extraprocessual dos factos tidos por provados», significando que «o que se transfere é a prova e não o resultado da prova» (cf. António Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 3ª Ed., vol. III, Almedina, 2022, p. 538. No Ac. da RL de 18.04.2023, rel. Manuel Marques, proc. n.º 18794/17.2T8SNT.L1-1 anotou-se que sendo embora lícito que o tribunal possa, na segunda ação, servir-se dos meios de prova (depoimentos e arbitramentos) utilizados no anterior processo, nos termos do art. 421º do CPC, a lei veda, todavia, a transposição dos factos provados numa ação para a outra; um tal procedimento, a ocorrer, equivaleria a conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem ou a conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui. Sobre o ónus a cargo da parte na indicação da produção de prova extraprocessual, com indicação especificada nos temas da prova e indicação precisa dos depoimentos ou parte deles, e na necessidade de junção de cópia certificada ou gravação das declarações ou depoimentos em causa, o Ac. da RG de 04.02.2016, rel. Maria Luísa ramos, proc. n.º 3459/12.0TJVNF-D.G1. L. F. Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 336 é categórico: «[n]o segundo processo, não pode a parte pretender fazer a prova de factos meramente com base na junção de certidão judicial de sentença anterior, proferida em processo entre as mesmas partes, que deu como provados determinados factos (…)»]. A doutrina e a jurisprudência têm sido chamadas a pronunciar-se quanto a esta problemática e têm sido concordes no sentido de considerar, face à regra da não eficácia extraprocessual das provas, que o regime dos limites objetivos do caso julgado, ainda que as partes sejam as mesmas, «exclui a importação, sem mais e de modo vinculado, de uma decisão probatória», uma vez que uma qualquer decisão sobre matéria de facto, quer dizer, sobre se a realidade de um facto está ou não demonstrada (art. 341º do CC), não pode valer autonomamente, mas apenas como «condição necessária de construção da fundamentação de facto» (cf. Rui Pinto, Valor Extraprocessual da Prova Penal na Demanda Cível. Algumas Linhas Gerais de Solução, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, C.ª Ed.ª, Coimbra, 2013, pp. 1167 e 1195-6). Quer dizer: «a força do caso julgado não se estende (…) aos fundamentos da sentença» pelo que “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além dos contidos na decisão final» (cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., 1985, pp. 714 e 716). Por isso, a decisão sobre a matéria de facto começa por apenas valer para o concreto processo em que foi produzida e perde depois autonomia sendo adquirida pela sentença final, ou seja, a decisão de dar certo facto como assente (cf. art. 607º-3-4 do CPC) não tem eficácia jurídica senão no concreto processo para o qual foi produzida. Tal é o sentido que tem vindo a ser adotado pela jurisprudência: o da eficácia extraprocessual da prova, não o da eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados, já que estes não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial [vd. o Ac. da RE de 29.09.1994, rel. Cortez Neves, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 439, p. 667; Ac. do STJ de 05.05.2005, rel. Araújo Barros, proc. n.º 05B691; Ac. da RL de 24.03.2009, rel. Conceição Saavedra, proc. n.º 9251/2008-7; Ac. da RP 04.01.2011, rel. Guerra Banha, proc. n.º 3492/09.9TBVNG-C. Mais recentemente, vd. o Ac. do STJ de 03.03.2021, rel. Oliveira Abreu, proc. n.º 11661/18.4T8PRT.P1-A.S1 onde se discutiu que os factos, no caso indemonstrados, adquiridos processualmente noutra ação, in casu de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, geradores da sua improcedência, tivesse qualquer repercussão na decisão de facto a proferir na posterior ação de separação judicial de pessoas e bens sem consentimento do outro cônjuge. Ficou claro, portanto, que os efeitos do caso julgado se reportam à própria decisão e não aos respetivos fundamentos, de modo que os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença, ainda que intentada contra a mesma parte, não poderão considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado para o efeito de se extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final]. Razão por que, neste enquadramento, o tribunal a quo só poderia, como fez, ponderar e valorar criticamente, de acordo com a sua prudente convicção, a prova produzida requerida pelas partes nos presentes autos, estando-lhe vedado, em consequência, aproveitar os factos provados no referido processo especial de divisão de coisa comum, pelo que é de concluir ter respeitado o âmbito de previsão da norma do art. 421º do CPC. * (…). Insurge-se o recorrente contra o que crismou de desvalorização, pelo tribunal recorrido, do teor das suas declarações de parte, as quais, no essencial, remeteram para o teor dos factos registados no bloco de apontamentos juntos com a p.i. (vd. as conclusões 16ª a 18ª do recurso). É conhecida a discussão em torno da natureza das declarações de parte e do respetivo valor probatório. Sobre o ponto, têm vindo a perfilar-se três orientações: (i) a tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos que aponta para a função eminentemente integrativa e subsidiária das declarações de parte, colmatando falhas ao nível da produção da prova, designadamente testemunhal (cf. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, C.ª Ed.ª, 2013, p. 278); (ii) a tese do princípio de prova, no sentido de que as declarações de parte apenas servem para coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova (cf. Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58); e (iii) a tese da autossuficiência ou valor autónomo das declarações de parte na formação da convicção do juiz, assumindo um valor probatório autónomo embora inscrito no espaço da liberdade de apreciação da prova (cf. António Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Almedina, 2022, p. 574; cf. Miguel Teixeira de Sousa, Declarações de parte; Relevância Probatória; Graus de Prova, em anotação ao Ac. da RE de 06.10.2016, processo n.º 1457/15.0T8STB.E1: https://blogippc.blogspot.com/2017/01/jurisprudencia-536.html#links; Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações de Parte no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pp. 144-5, https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/44537/1/Catarina%20Gomes%20Pedra.pdf). Perfilhamos esta última orientação por se afigurar a «a solução mais ajustada», porquanto as declarações de parte podem ser suficientes para a demonstração de certa realidade alegada; todavia, porque sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (na parte em que não configurar confissão), a sua valoração e a credibilidade que devam merecer, nomeadamente em ordem à determinação dessa autossuficiência, tem de ser apreciada em concreto, casuisticamente, no contexto do conjunto da demais prova produzida nos autos [no Ac. da RP de 20.11.2014, rel. Pedro Martins, citado no artigo acima citado do Prof. M. Teixeira de Sousa, a propósito das declarações de parte, consignou-se o seguinte: «(…) a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da ação, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas (…)”. O il. Processualista acrescentou lapidarmente: «E isto porque estas declarações são, por definição, favoráveis à parte que as vai prestar». Quanto aos parâmetros a observar na valoração das declarações de parte, veja-se, com proveito, o contributo dado no Ac. da RL de 26.04.2017, rel. Pires de Sousa, proc. n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7; e, com tratamento extensivo e indicando vasta jurisprudência, vd. L. F. Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3ª Ed., Almedina, 2023, pp. 301 a 312]. Vejamos, a propósito, o que consignou o tribunal recorrido: (…). Atento o exposto, pode concluir-se que no caso dos presentes autos as declarações de parte prestadas pelo recorrente em audiência de julgamento não se revelaram com suficiente aptidão probatória para infirmar ou abalar a demais prova produzida, valorada conjugadamente, nomeadamente a que resultou da restante prova testemunhal em face da robusta contraprova produzida pela ré, como ficou consignado na motivação crítica da matéria de facto feita em 1ª instância (sobre os critérios a observar nos casos de colisão entre a prova testemunhal com as declarações de parte, vd. Pires de Sousa, Prova Testemunhal, cit., pp. 410-413, salientando-se que em caso de colisão o julgador deve «sopesar a valia de cada meio de prova, determinando no seu prudente critério qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia»). A imagem global dos factos aponta, com segurança, no sentido de que o autor, no contexto da edificação da casa de morada de família sobre o terreno da ré, realizada antes do casamento, se limitou a realizar intervenções esporádicas, pontuais e de escassa relevância no cômputo geral da empreitada de construção. Apurou-se que esta foi financiada com dinheiros provindos da esfera da recorrida, mais não consistindo a atuação do recorrente, em face da apreciação da prova produzida, que uma mera ajuda, contributo ou colaboração informal e difusa, de resto compreensível, já que se tratava da sua casa, para onde iria morar assim que o casamento com a recorrida acontecesse, enfim, a casa que seria a casa da família que as partes estavam a começar a construir. Entroncando nas regras da experiência e da normalidade da vida e do acontecer, para além de aceitável, lógico e compreensível, é normal que o autor desse - aqui, ali e acolá - uma ajuda, uma mão ou um jeito (na arrumação ou no manuseamento de materiais, limpando ou arrumando alguma ferramenta, enfim, prestando um contributo de alguém que estava pessoalmente envolvido e comprometido com a construção), estivesse por vezes (muitas ou poucas, pouco importa) presente para observar a realização dos trabalhos e, porque não, a zelar pelos seus interesses, controlando o andamento da construção da sua futura casa, assunto que, naturalmente, lhe dizia respeito. Porém, tal não o autoriza, em face da falência da prova que se propôs produzir, a exigir qualquer quantia pela mão-de-obra que não desenvolveu de modo profissional, sistemático e continuadamente, nem referente aos materiais incorporados na casa cujos custos, como se apurou, foram suportados pela ré e não pelo recorrente, razão por que não estão verificados os pressupostos de aplicação do invocado instituto do enriquecimento sem causa, o qual pressupõe a prova do enriquecimento, o qual, não tendo sido apurado, prejudica naturalmente a necessidade de apurar a falta de causa para tal enriquecimento (cf. art. 473º do CC). * Com efeito, ao autor cabia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de crédito reclamado quanto ao valor incorporado na obra de que se arroga titular (os factos essenciais e, eventualmente, os factos instrumentais, complementares e concretizadores: cf. art. 5º-1-2 do CPC), entendendo-se por factos constitutivos os «factos idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga contra o réu, isto é, os factos de que depende o êxito da pretensão que o autor se propõe fazer valer, ou, por outras palavras, de que depende a procedência da acção.» (cf. J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª Ed., C.ª Ed.ª, 1985, p. 282). Quer dizer, cabia ao autor, no caso dos autos, a prova dos factos materiais que integram a causa de pedir alegada na p.i. que lhe permitiriam exigir, uma vez provados, o pagamento, a cargo da ré, do montante correspondente às alegadas benfeitorias incorporadas no prédio propriedade exclusiva desta (cf. art. 342º-1 do CC). Não se confundindo com o dever jurídico, o ónus jurídico, a que já foi chamado pelo Prof. Antunes Varela de «peça curiosíssima da joalharia conceitual jurídica que abunda desde há muito na vitrina do processo», pode ser traduzido como uma imposição jurídica de uma pessoa proceder decerto modo para conseguir ou manter uma vantagem própria ou, pelo menos, de evitar uma desvantagem (cf. Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 126, p. 14, apud J.M. Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, cit., p. 36). Era, portanto, sobre a pessoa do autor quem recaía esse ónus jurídico de comprovar os factos alegados na petição inicial (art. 342º-1 do CC), recaindo sobre a ré o ónus da contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos ou incertos (note-se que a contraprova não se confunde com a prova do contrário: ali consiste em criar no espírito do julgador a dúvida ou incerteza acerca do facto questionado; aqui, tem por fim a demonstração de que certo facto, já provado, não é verdadeiro: cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., cit., p. 472; e J. M. Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, cit., p. 44). Conseguindo-o, passa a questão a ser decidida contra a parte onerada com a prova (cf. art. 346º do CC; cf. art. 414º do CPC). E essa contraprova só tem lugar quando seja oposta a uma prova livre, como ocorre no caso dos autos, e não a uma prova legal plena (cf. Fernando Rodrigues, Os Meios de Prova em processo Civil, cit., p. 48). Em suma, o autor não logrou provar os factos constitutivos do seu direito de crédito, não só porque não persuadiu o julgador da ocorrência dos respetivos factos, como ainda a ré, produzindo robusta contraprova dos mesmos factos, carreou para o processo elementos probatórios de sinal contrário que, nos termos expostos, os contrariou. É, assim, de concluir pela improcedência do recurso. * Atenta a improcedência do recurso, o recorrente deve ser responsável pelo pagamento das custas processuais (cf. art.s 527º e 607º-6 do CPC). * Sumário (art. 663º-7 do CPC): (…).
* V – Decisão Atento o exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. * Custas a cargo do recorrente. Notifique e registe. * Coimbra, 11.11.2025. Marco António de Aço e Borges Luís Manuel Carvalho Ricardo Luís Miguel Caldas |