Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1883/16.8T8CTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: FALTA DE CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
PRAZO DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE PROCEDIMENTAL
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 244.º, DO CPPT
ARTIGOS 40.º, 1, A) E 2); 41.º; 199.º; 249.º, 1; 794.º E 850.º, DO CPC
Sumário: I - A não constituição de mandatário, quando é obrigatória, obriga apenas que o tribunal notifique a parte para o constituir - artº 41º do CPC -; e sendo certo que, perante tal falta de constituição, deve ser notificada na sua própria pessoa, e podendo ela fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito – artº 40º nº2 e 249º do CPC.
II - A arguição de nulidade procedimental, nos termos do artº 195º do CPC, tem de ser efetivada no prazo, tempo e modo referidos no artº 199º do CPC, o que não acontece, se reportada a notificação pela parte taxada de não esclarecedora, foi efetivada largos meses após a mesma.

III - A sustação da execução nos termos do artº 794º do CPC pressupõe que o exequente na mesma possa obter satisfação do seu crédito na execução mais antiga, a qual, assim, deve poder tramitar os seus termos.

IV- Se esta se reporta a execução fiscal e nela se executa imóvel que constitui casa de morada de família da executada, a qual não pode ser vendida ex vi do artº 244º do CPPT, deve ser levantada a sustação da execução comum para que nela o credor possa obter tal satisfação.

Decisão Texto Integral: Relator:
Carlos Moreira
Adjuntos:
Rui Moura
Alberto Ruço

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

 No processo em epígrafe, AA, executada,  requereu:

i)  que se reconheça que “a notificação de 25/02/2022 dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e notificação 21/03/2022 da sentença de graduação de créditos em crise no presente requerimento são nulos, e assim deve ser reconhecido com todas as legais consequências.

ii) que a presente execução, e quanto ao bem imóvel penhorado nos autos, continuar sustada, tudo nos termos supra expostos e nos termos do disposto no artigo 794º do CPC.

Alegou:

A  executada mediante as notificações atrás mencionadas apenas alcança que a Autoridade Tributária reclamou o seu crédito, que reconhece existir, e como foi graduado crédito, nada tinha a dizer quanto a isso. O certo é que à data a executada não estava representada por advogado. Nem das notificações resulta que nada dizendo a executada, seria levantada a sustação dos presentes autos e que o processo executivo prosseguiria para a fase da venda. Ora resulta claramente uma nulidade, que aqui se argui com todas as legais consequências.”.

Quanto ao levantamento da sustação da presente ação executiva disse:

O art. 794º e especialmente o seu n.º 3 faculta ao exequente é uma opção: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando no processo em que foi efetuada a penhora em primeiro lugar o seu crédito; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado e indica outros em sua substituição.

O exequente nos presentes autos nada fez ou requereu.

Anteriormente tinha dado conhecimento aos presentes autos que já tinha reclamado o seu crédito no processo de execução fiscal onde primeiramente foi penhorado o bem imóvel em causa nos presentes autos. Igualmente, a Autoridade Tributária veio reclamar o seu crédito nos presentes autos, mas mantém o processo de execução fiscal, bem como não extinguiu a penhora sobre o bem imóvel em causa, postura exatamente igual à tomada pela aqui exequente. Ou seja, existem duas execuções, em que a exequente assume numa a posição de exequente e noutra de reclamante, e de igual modo a Autoridade Tributária numa assume a posição de exequente e noutra de reclamante. Nenhuma das execuções se encontra sustada.

Nem a exequente nem a Autoridade Tributária desistiram da sua penhora, ou extinguiram a execução. Em clara e manifesta violação do disposto no artigo 794º do CPC.”.

O Banco exequente opôs-se a esta pretensão.

Disse que  “este não é o tempo, nem o local próprio para a arguição de tais nulidades, manifestamente, extemporânea e, processualmente, inoportuna”.

Quanto ao mais, alega que, “atualmente, as normas aplicáveis à execução fiscal obstam à prossecução dessa ação quanto à venda da casa de morada de família. Como é o caso do bem penhorado nos presentes autos, facto não contrariado pela Executada. Há, por isso, um motivo de suspensão da execução tributária, que, se for desconsiderada, desvirtua os princípios processuais que a sustação da penhora pretende tutelar.

Assim, fazendo uma ajustada conjugação das normas aplicáveis, têm os Tribunais vindo a admitir a prossecução da penhora, inicialmente sustada, desde que, nesse processo, se assegurem o exercício da totalidade dos direitos de crédito a atender.”.

Assim, em virtude de “a execução fiscal se encontrar, efetivamente, suspensa quanto ao bem que consubstancia casa de morada de família, não há uma pluralidade de ações judiciais em curso, para venda efetiva, desse mesmo bem.

Pelo que, não se verificam os riscos de sobreposição de diligências ou decisões judiciais contraditórias ou conflituantes.”.

2.

Seguidamente foi proferida a seguinte decisão:

«Compulsados os autos, verifica-se que, por decisão proferida a 7 de dezembro de 2017, a Ex.ma Senhora Agente de Execução determinou a sustação da presente ação executiva, relativamente à fração autónoma designada pela letra H, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 794º, n.º 1, do CPC.

Já no dia 20 de fevereiro de 2018 a Ex.ma Senhora Agente de Execução, invocando o disposto no artigo 752º, n.º 1, do CPC, decidiu reconhecer “a insuficiência do bem sobre que impende a garantia, pelo que vai a execução prosseguir com a penhora de outros bens que sejam identificados, até ao limite do diferencial entre o valor expectável do bem e o valor em dívida” sendo certo que tal limite foi reformulado por decisão proferida a 3 de dezembro de 2018 (cfr. referência n.º 1829457).

Realizadas as diligências necessárias com vista à penhora de outros bens pertencentes aos executados, a Ex.ma Senhora Agente de Execução juntou, a informação que lhe foi dirigida pelo Serviço de Finanças ..., da qual resulta que se mantém a penhora incidente sobre a fração autónoma designada pela letra H e efetuada no âmbito do processo de execução fiscal aí identificado e que, “nos termos do n.º 2 do Art. 244º do CPP, não há lugar à realização da venda do imóvel penhorado uma vez que o imóvel se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar”.

De todo o modo, no dia 26 de setembro de 2022 a Ex.ma Senhora Agente de Execução juntou aos autos o requerimento nos termos do qual solicitou que fosse ordenado o “levantamento da suprarreferida sustação, levantamento que irá permitir pelo providenciar das diligências para o prosseguimento da venda do imóvel penhorado nos presentes autos, com a finalidade de que tanto o Exequente/credor hipotecário seja ressarcido do valor da dívida contraída pelos Executados, juros e legais acréscimos, como de igual modo a Fazenda Nacional, que com o prosseguimento das diligências da venda do imóvel penhorado nos presentes autos, alcançará o que está vedado em sede de execução fiscal, a liquidação da dívida fiscal, ou seja, o ressarcimento também do Estado, verificados e graduados os créditos na competente sentença de graduação de créditos”.

No entanto, uma vez que o pretendido levantamento da sustação da presente ação executiva relativamente à fração autónoma designada pela letra H já tinha sido efetuado pela Ex.ma Senhora Agente de Execução, na medida em que, no dia 22 de novembro de 2021, já tinha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 786º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CPC no despacho proferido a 3 de outubro de 2022 apenas foi consignado o seguinte:

“Requerimento com a referência n.º 3002468:

A sustação da presente execução foi, de facto, levantada pela Ex.ma Senhora Agente de Execução com a realização das citações efetuadas a 22 de novembro de 2021, razão pela qual nada mais cumpre determinar a esse propósito.

Assim, solicite à Ex.ma Senhora Agente de Execução que dê seguimento às diligências cuja realização se encontra a seu cargo, tendo em vista, nomeadamente, a venda da fração autónoma penhorada.”

Vem agora a executada alegar que as notificações que lhe foram dirigidas no âmbito do apenso de reclamação de créditos, quer para impugnar o crédito entretanto reclamado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quer para tomar conhecimento do teor da sentença de graduação de créditos aí proferida, são nulas, em virtude de, nessa altura, não se encontrar representada por Ilustre Advogado e de não resultar das notificações efetuadas que, “nada dizendo a executada, seria levantada a sustação dos presentes autos e que o processo executivo prosseguiria para a fase da venda”.

Afigura-se, porém, que nenhum dos argumentos invocados pela executada fundamenta a nulidade das notificações que lhe foram dirigidas.

Em primeiro lugar, a circunstância de as partes não se encontrarem representadas por Ilustre Advogado não impede a realização de qualquer notificação em processos que se encontrem pendentes.

Por outro lado, como foi já mencionado, “a sustação da presente execução foi, de facto, levantada pela Ex.ma Senhora Agente de Execução com a realização das citações efetuadas a 22 de novembro de 2021”, e não em consequência da ausência de qualquer resposta por parte da executada na sequência das notificações efetuadas em sede de incidente de reclamação de créditos.

Aliás, na sequência do despacho proferido no âmbito dos presentes autos de execução, através do qual foram anulados os atos praticados pela Ex.ma Senhora Agente de Execução após o dia 3 de outubro de 2022, a executada já foi notificada do teor do despacho proferido nessa data, a fim de, querendo, dentro do prazo de dez dias, apresentar reclamação contra o levantamento da sustação da execução relativamente à fração autónoma designada pela letra H implementado pela Ex.ma Senhora Agente de Execução a 22 de novembro de 2021.

Como é sabido, o artigo 195º, n.º 1, do CPC, estatui que, “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Deste modo, uma vez que, para além daquela que já foi reconhecida no despacho atrás identificado, não se vislumbra a existência de qualquer outra irregularidade que se mostre suscetível de influir na subsequente tramitação da presente ação executiva, não poderá deixar de improceder a pretensão formulada pela executada AA a propósito da nulidade das notificações que lhe foram dirigidas no âmbito do apenso de reclamação de créditos.

Mas, para além disso, solicita ainda a executada que a presente ação executiva continue sustada, nos termos previstos no artigo 794º do CPC, relativamente à fração autónoma penhorada nos presentes autos.

Em face do período entretanto decorrido, foi solicitado ao Serviço de Finanças ... que informasse se ainda mantém interesse na penhora incidente sobre a fração autónoma designada pela letra H, se a venda dessa fração autónoma irá ser realizada no âmbito do processo de execução fiscal e, em caso negativo, por que razão.

Em consequência, o Serviço de Finanças ... juntou aos autos o ofício nos termos do qual informou que as penhoras incidentes sobre a referida fração autónoma se mantêm ativas, “tendo em atenção que as dívidas que lhe deram origem ainda estão por regularizar”.

Para além disso, o Serviço de Finanças ... informou ainda que, “tendo em atenção a constante no n.º 2 do art. 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que, sendo o imóvel atrás indicado destinado exclusivamente a habitação própria permanente do devedor ou do seu agregado familiar, enquanto seja destinado a esse fim, este serviço de finanças não irá marcar a sua venda judicial”.

Como é sabido, a admissibilidade do levantamento da sustação de ações executivas, com fundamento na inviabilidade da venda da casa de morada de família em sede de processo de execução fiscal no âmbito do qual a penhora tenha sido registada em data anterior, consubstancia questão controversa que não obtém resposta unânime na Jurisprudência dos Tribunais superiores.

De todo o modo, a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, em datas recentes, tem abordado essa questão, tem vindo a concluir, de forma uniforme, pelo levantamento da sustação da execução no âmbito da qual a penhora tenha sido registada em data posterior.

com recurso aos ensinamentos de Alberto dos Reis, que explicava, a propósito do 871º do anterior Código de Processo Civil, que «o que a lei não quer é em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar» (Processo de Execução, Vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 287). …

a ratio legis do preceito, a que subjazem razões de certeza jurídica e proteção, quer do devedor executado, quer do(s) credor(es) exequente(s), resulta que, para que o preceito tenha conteúdo útil, a 1ª execução deva estar, senão em movimento (poder-se-á, por exemplo, questionar se a 1ª execução, parada por inércia do exequente, admite a reclamação), pelo menos, esteja em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista. Assim, a execução mais antiga, [onde o credor-exequente que instaurou a 2ª execução, dever ir reclamar os seus créditos em virtude da sustação] tem de estar em posição de poder prosseguir.» (…). Não podendo proceder-se à venda na execução fiscal, dado o disposto no art. 244º, n.º 2, do CPPT, por estar em causa a casa de morada de família do Executado, não estando, pois, essa execução em condições de salvaguardar o direito do exequente comum a ver aí efetivado o seu crédito, considera-se que deve prosseguir a execução que havia sido sustada, na qual poderá a Fazenda Pública reclamar os seus créditos, a serem graduados no lugar que lhes competir.” - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2021, proc. n.º 906/18.0T8AGH.L1.S1, e de 13/10/2022, proc. n.º 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

De igual forma, também ao nível da Jurisprudência mais recente dos Tribunais da Relação se verifica que o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a obter cada vez mais acolhimento. Vejam-se, a este propósito, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/11/2020 (proc. n.º 3911/18.3T8ALM.A.L1-6), de 09/09/2021 (proc. n.º 5766/20.9T8ALM-A.L1-6) e de 02/05/2023 (proc. n.º2390/07.5TBALM.L1-7), do Tribunal da Relação de Évora de 24/09/2020 (proc. n.º 3165/19.4T8STB-B.E1) e de 23/09/2021 (proc. n.º 1474/19.1T8LLE.E1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/12/2021 (proc. n.º 421/21.5T8SRE-A.C1), de 28/06/2022 (proc. n.º 639/21.0T8SRE-A.C1) e de 28/03/2023 (proc. n.º 564/20.2T8ANS-B.C1) e do Tribunal da Relação do Porto de 07/06/2021 (proc. n.º 936/17.0T8PRT-B.P1), todos disponíveis in www.dgsi.pt.

…Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, decido indeferir a arguição de nulidade efetuada pela executada AA, assim como a reclamação pela mesma apresentada contra o levantamento da sustação da execução relativamente à fração autónoma designada pela letra H, determinando, portanto, o prosseguimento dos presentes autos de execução com a realização das diligências necessárias com vista à venda da referida fração autónoma.»

3.

Inconformada recorreu a executada.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 - A recorrente dá aqui por integralmente reproduzido o douto despacho de fls … proferido em 10/072023 e a que coube a referência Citius nº 36103398

2 - A executada ora recorrente não concorda e não se conforma com o douto despacho ora em apreço e por isso dele interpõe recurso, e, entende que o despacho acima identificado é nulo por duas ordens de razões

3 - A executada foi notificada no passado dia 15/02/2023 para se pronunciar quanto à venda do bem penhorado à ordem dos presentes autos.

4 - No dia 16/02/2023 a executada constituiu mandatário, o ora signatário, o qual após consulta dos autos tomou conhecimento do douto despacho proferido em 03/10/2022 com a referência 35003690, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

5 - A notificação de 25/02/2022 dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e notificação 21/03/2022 da sentença de graduação de créditos são nulas com o seguinte fundamento: A executada mediante as notificações atrás mencionadas apenas alcança que a Autoridade tributária reclamou o seu crédito, que a executa reconhece existir, e como foi graduado crédito, nada tinha a dizer quanto a isso.

6 - À data a executada não estava representada por advogado. Nem das notificações resulta que nada dizendo a executada, seria levantada a sustação dos presentes autos e que o processo executivo prosseguiria para a fase da venda.

7 - Donde resulta que, a imperfeição da notificação impediu-a de cumprir cabalmente a sua função, que era a de transmitir não só os meios de defesas mas também as consequências de nada fazer, o que é especialmente grave, pondo em causa o direito de defesa da executada, o facto de não estar representada por advogado.

8 - Assim resulta claramente uma nulidade, que aqui se argui com todas as legais consequências.

9 - O despacho ora em crise é igualmente nulo na parte em que ordena o levantamento da sustação e consequentemente, o prosseguimento dos autos para a fase da venda. Com efeito, por força do art.º 794º nº 1 do CPC aplicável aos presentes autos não há necessidade de despacho judicial a declarar sustada a executada – como acontecia face ao art.º 871º nº 1 do CPC revogado, na redacção anterior à introduzida pelo DL 226/2008 de 20.11 – incumbindo ao agente de execução sustar a execução em que a penhora tenha sido posterior e proceder à notificação da sustação para, a partir daí, correr o prazo para o exequente reclamar o seu crédito querendo, nos termos do nº 2 do art.º 794º citado.

10 - O art.º 794º e especialmente o seu nº 3 faculta ao exequente é uma opção: ou mantem a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar o seu crédito; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado e indica outros em sua substituição.

11 - E uma vez mais mostrando uma inércia o exequente nos presentes autos nada fez ou requereu. Mas deu conhecimento aos presentes autos que já reclamou o seu crédito no processo de execução fiscal onde primeiramente foi penhorado o bem imóvel em causa nos presentes autos.

12 - Compreende-se facilmente que assim seja pois como refere Lopes Cardoso “o nº 1 do art.º 871º [correspondente ao actual nº 1 do art.º 794º] só consente que se reclame numa execução o crédito objecto doutra, desde que esta seja sustada. Antes disso, haveria até litispendência”, com a consequência inerente, acrescentaremos nós, ou seja, o exequente poder obter o pagamento duplamente.

13 - Deve manter-se a sustação da presente execução no que se refere ao bem imóvel penhorado nos presentes autos.

14 - Assim e em face do exposto vem muito respeitosamente a executada requerer a V. Exas que se dignem reconhecer que as a notificação de 25/02/2022 dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e notificação 21/03/2022 da sentença de graduação de créditos em crise no presente requerimento são nulos, e assim deve ser reconhecidos com todas as legais consequências,

15 - Por fim deve ainda a presente execução, e quanto ao bem imóvel penhorado nos autos, continuar sustada, tudo nos termos supra expostos e nos termos do disposto no artigo 794º do CPC

16 - O presente despacho ora em crise viola o disposto nos artigos 195º e seguintes do CPC e no artigo 794º do CPC.

Contra alegou o Banco exequente pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

A. Vem a Recorrente impugnar o teor do despacho de 10/07/2023, com a referência n.º 36103398, proferido pelo Tribunal a quo;

B. Nos termos do referido despacho, disse o Tribunal a quo: “decido indeferir a arguição de nulidade efetuada pela executada AA, assim como a reclamação pela mesma apresentada contra o levantamento da sustação da execução relativamente à fração autónoma designada pela letra H, determinando, portanto, o prosseguimento dos presentes autos de execução com a realização das diligências necessárias com vista à venda da referida fração autónoma.”;

C. Em síntese, a Recorrente não se conforma com o referido despacho, porquanto entende que o mesmo é nulo;

D. Para o efeito, alega que foi notificada no dia 15/02/2023 para se pronunciar quanto à venda do bem imóvel penhorado à ordem dos presentes autos;

E. Alegando ter constituído mandatário apenas no dia 16/02/2023, sendo apenas nessa data que tomou conhecimento do despacho proferido em 03/10/2022 (referência 35003690);

F. Alega, portanto, que as notificações efetuadas no âmbito do apenso de reclamação de créditos (1) para impugnação dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária (25/02/2022) e (2) da sentença de verificação e graduação de créditos (21/03/2022) são nulas porquanto, na ótica da Recorrente, as mesmas são imperfeitas, impedindo-a de cumprir cabalmente a sua função até porque à data, segundo alega, não se encontrava representada por advogado;

 G. Mais alega que o despacho é nulo por não ter observado o disposto no art. 794.º, n.º 3 do CPC;

H. Termina por requerer a manutenção da sustação da penhora sobre o imóvel melhor identificado na presente execução.

I. Verifica-se, desde logo, que o recurso é extemporâneo e processualmente inoportuno, porquanto apesar da Recorrente interpor recurso do despacho de 10/07/2023, reitera os argumentos de facto anteriormente alegados e julgados improcedentes na reclamação por si apresentada ao despacho de 03/10/2022, entretanto, transitado em julgado (referência 35003690);

J. Sem conceder, e apreciando os fundamentos invocados com as alegações de recurso, certo é que a Recorrente nunca recorreu ou impugnou a validade dos atos praticados em sede de reclamação de créditos;

 K. Não obstante ter sido notificada para o efeito, quer por via do seu ilustre mandatário, quer na sua própria pessoa;

L. Vindo apenas volvidos cerca de cinco meses após o trânsito em julgado do referido apenso, querer, por via do presente recurso, reagir aos atos que lhe foram notificados e que, em sede e altura próprias, não o fez;

M. Até porque ao contrário do alegado pela Recorrente, esta encontrava-se acompanhada em juízo pelo seu ilustre mandatário;

N. Ainda que tal não fosse o caso, o que não se concede, não se poderá deixar de salientar que a não representação da parte por mandatário judicial é uma opção cujas consequências processuais, por eventuais ausências de pronúncia ou reação, apenas podem ser assacadas à própria parte;

O. Ademais, os atos praticados no apenso de reclamação de créditos não têm de verter a tramitação dos autos principais o que, aliás, seria redundante e violador da natureza desse incidente e da própria economia processual, daqui se retirando que os atos praticados no mencionado apenso foram validamente realizados, não tendo sido omitido qualquer formalismo legal, nem dos mesmos resultando qualquer afetação da boa decisão da causa;

P. Quanto à interpretação e aplicação do disposto no art. 794.º, n.º 3, sempre se dirá que a desistência da penhora e prossecução da execução aí estatuídas correspondem a um direito potestativo reconhecido ao exequente e não um dever/obrigação que a Lei lhe impõe;

Q. Tendo, aliás, a jurisprudência vindo a acolher o entendimento de que a lógica subjacente a esta regra processual é a de condensar, no processo executivo cuja tramitação se encontre mais próxima da concretização da venda, o pagamento dos credores, assegurando-se a celeridade e economia dos processos e acautelando-se os atropelos judiciais;

R. Sucede que, atualmente, as normas aplicáveis à execução fiscal obstam à prossecução dessa ação quanto à venda da cas de morada de família, como é o caso do bem penhorado nos presentes autos, facto esse que não é contrariado pela Recorrente;

S. Existe portanto um motivo de suspensão da execução tributária, a qual se verifica in casu, que sendo desconsiderada desvirtua os princípios processuais que a sustação da penhora pretende tutelar;

T. Pelo que, fazendo-se uma ajustada conjugação das normas aplicáveis, têm os Tribunais vindo a admitir a prossecução da penhora inicialmente sustada desde que, nesse processo, se assegure o exercício da totalidade dos direitos de crédito a atender;

U. Como tal, e operando a sustação em ambos os processos, foi a Autoridade Tributária citada para, querendo, reclamar créditos nos presentes autos, o que fez, encontrando-se os créditos desta já reconhecidos e devidamente graduados desde 21/03/2022(!);

V. Não havendo uma pluralidade de ações judiciais em curso para venda efetiva desse mesmo bem o que, consequentemente, invalida que os credores sejam pagos em duplicado, conforme alega a Recorrente;

W. Extrai-se, portanto, a real intenção da Recorrente com a apresentação do presente recurso, o qual serve como instrumento meramente dilatório à venda do bem imóvel penhorado e respetivo ressarcimento do crédito da Recorrida o qual se encontra desde novembro de 2014 em incumprimento;

X. Servindo-se a Recorrente indevidamente dos meios processuais ao seu alcance como modo de fugir às consequências da sua reiterada falta de cumprimento contratual;

Y. Pelo que o presente recurso não poderá ter outro destino que não a total improcedência do mesmo!

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Nulidade das notificações.

2ª – Nulidade da decisão que ordenou o levantamento da sustação da execução.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

No presente processo é obrigatória a constituição de advogado – artº 40º nº1 al. a) do CPC.

Porém, nos termos do nº2:  Ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.

Acresce que, nos termos do artº 41º:

«Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.»

Finalmente estatui o nº1 do artº 249º:

1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.~

No caso vertente a recorrente não alega que não tenha sido cumprido o artº 41º.

Pelo que se o foi e ela não  constituiu advogado, não pode agora vir invocar o argumento da não constituição.

 Mas mesmo que o não tivesse sido, as consequências da não constituição de advogado são apenas as previstas no artº 41º, as quais, in casu, irrelevam, quer porque algumas reportam-se à falta de constituição por parte do autor – absolvição da instância do réu -    quer porque não se reportam e coadunam com o presente thema decidendum.

Destarte, a única consequência da falta de constituição, é a parte, ela própria, ser notificada para os termos do processo.

Como efetivamente o foi.

Acresce que, como se viu, a própria parte pode pronunciar-se quanto aos atos processuais praticados, desde que não levante questões de direito.

 O que,  pelo menos de algum  modo e até certo ponto, podia ter sido  feito pela recorrente quando foi notificada da reclamação do crédito pela Autoridade Tributária e da sua posterior graduação.

Acresce que é a própria executada que reconhece tais  direitos do Fisco, dizendo  que quanto a eles nada tinha a opor.

Pelo que também por aqui fenece o seu argumento de que as notificações não foram esclarecedoras quanto à sua finalidade e consequências.

Afinal, o cerne das mesmas, qual seja a pretensão de um credor a ver reconhecido o seu crédito, era intuível para um normal declaratário possuidor de normais capacidades de entender e querer, como é  de presumir a recorrente possuir.

Por conseguinte, se se conformou com tal pretensão, não pode agora, em venire contra factum proprium, pretender o contrário, ou levantar uma questão que já está decidida.

Finalmente, e como alega o recorrido, tratando-se de uma nulidade processual, ela tinha de ser arguida nos termos do artº 199º do CPC, ou seja: e a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Ora tendo passado vários meses, mesmo depois da constituição de advogado, após tais notificações, e sendo estas em tal largo lapso de tempo, do conhecimento, quer da executada, quer já do seu ilustre mandatário, a conclusão final é que a arguição, se mais de substancial não houvesse, que há, como se viu, se revelaria, em termos formais,  extemporânea.

5.2.

Segunda questão.

Liminarmente.

A questão não é de nulidade – vicio da decisão, por, em si mesma, ser desconforme ao ritualismo  e exigências processuais formais – mas antes de ilegalidade - por ela ser desconforme, substantiva e substancialmente, às normas legais.

Na verdade, está aqui apenas em dilucidação apurar se a decisão de levantamento da suspensão da execução é, ou não é, conforme ao disposto nos artigos 244º do CPPT e do artº 794º do CPC.

Assim, cumpre apreciar nesta perspetiva.

Como se expende na sentença, a questão tem sido decidida, com esmagador entendimento jurisprudencial, no sentido de que tal levantamento pode e deve ser determinado.

Pois que esta opção é a que se mostra mais razoável e equilibrada  na ponderação dos direitos em confronto – o direito do executado em ver assegurado o seu direito à habitação e o direito do credor comum a ver satisfeito o seu crédito.

Ora a sustação da execução mais recente naturalmente que pressupõe que o exequente credor possa reclamar o seu crédito na execução mais antiga.

O que não é possível nas execuções fiscais, ex vi do disposto no artº 244º do CPPT.

O qual não permite a venda do bem/imóvel penhorado no caso em que ele seja a casa de morada  de família do executado.

Note-se que esta proibição deve ser entendida no sentido, subjetivamento amplo, de que a execução fiscal e a venda do imóvel afeto a casa de morada de família da executada, não pode prosseguir e ser efetivada, mesmo a requerimento do credor comum.

Assim:

«1. Face ao disposto no artigo 244º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), caso o imóvel penhorado no âmbito de execução fiscal esteja afecto exclusivamente à habitação própria e permanente do executado devedor, ou do seu agregado familiar, não haverá lugar à sua venda (não se verificando nenhuma das excepções previstas nos n.ºs 3 e 6 daquele dispositivo).

2. Na circunstância de sobre o mesmo imóvel recair penhora mais recente, da qual beneficia o credor em execução comum, cessa o pressuposto da sustação previsto no artigo 794º, nº1, do CPC, devendo prosseguir termos para a venda do imóvel, em ordem à efectiva satisfação do seu crédito, no lugar em que for graduado.

3. Inexistindo no CPPT preceito equivalente ao disposto no artigo 850º do CPC, não pode o credor comum reclamante requerer na execução fiscal o prosseguimento para satisfação do seu crédito; tal interpretação agilizada dos preceitos legais em oposição, permite ultrapassar o impasse ocasionado, com a salvaguarda da tutela efectiva do direito do credor comum.» - Ac. RL de 20.12.2022, p. 175/20.2T8AGH.L1-7, in dgsi.pt.

Ou ainda:

«I- A razão de ser da norma do art. 794º, nº 1 do CPC implica que se verifique a prossecução normal da execução em que a penhora for mais antiga;

II- Essa prossecução não se verifica se, na execução em que a penhora é mais antiga, esta incide sobre a casa de habitação própria e permanente do executado, pois não é possível nessa execução a venda de um tal bem, mesmo a requerimento de um credor, por força do disposto no art. 244º do CPPT;

III- Nessas circunstâncias, deve prosseguir a execução comum, em que a penhora incidente sobre o bem foi posterior”»  - Ac. do STJ de 31.10.2023, p. 2245/19.0T8ACB-A.C1.S1.

(sublinhado nosso)

Destarte,  a exequente não pode fazer tramitar a execução fiscal, ao menos no atinente ao imóvel casa de morada de família.

Pelo que, com o levantamento da sustação da presente execução, inexiste o risco esgrimido pela recorrente de dupla satisfação do crédito daquele.

Mas se, porventura, ele obtivesse, por qualquer motivo e a qualquer título, tal satisfação na execução fiscal, então obviamente que esse facto seria conhecido nesta execução e do mesmo seriam retiradas as devidas consequências para obviar a tal duplicação.

E o certo é que o crédito do exequente  comum existe, tendo, para a sua satisfação, ele instaurado execução que foi suspensa.

Ora não podendo o exequente comum satisfazer o seu crédito na execução fiscal, obviamente que tem de se lhe conceder o direito a consecutir tal satisfação na execução que ele próprio instaurou.

Isto sob pena de se lhe impossibilitar ou, ao menos, afetar/protelar intoleravelmente a satisfação do mesmo.

Improcede o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2024.01.09.