Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
847/19.4T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: RECURSO
CONCLUSÕES
DIREITO DE PROPRIEDADE
EXPROPRIAÇÃO
SERVIDÕES ADMINISTRATIVAS
DIREITO INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 639.º, N.ºS 1 E 3, DO CPC
LEI N.º 88/89, DE 11 DE SETEMBRO
DECRETO-LEI N.º 40/95, DE 15-02;
DECRETO-LEI N.º 31/2003, DE 17-02;
DECRETO-LEI N.º 35/2014, DE 7 DE MAIO;
LEI N.º 5/2004, DE 10 DE FEVEREIRO
ARTIGO 498.º, N.º 3 DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I – Só em casos muito excecionais e depois de um juízo de proporcionalidade entre as eventuais falhas e os efeitos que delas resultam se poderá rejeitar o recurso por “excesso” de conclusões.
II - É ilícita a ocupação de um terreno alheio com um poste de infraestrutura de telecomunicações que atualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal, quando o proprietário não consentiu na ocupação e esta não foi feita a coberto de ato expropriativo ou de servidão administrativa.

III – O prazo de prescrição a que se refere o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, ainda que o facto ilícito seja de natureza continuada.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

A. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra MEO-Serviços de Comunicações e Multimédia , S.A., pedindo que:

1. Seja retirado o poste da infraestrutura de telecomunicações que suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e o armário de rua em base pedestal (cimento), abusivamente colocadas no terreno propriedade do autor, restituindo-lhe o espaço ocupado;

2. Seja a ré condenada a pagar

a) A título de danos, em montante a avaliar pelo tribunal, de acordo com a equidade, mas nunca em valor inferior a €13.000,00.

OU, SUBSIDIÁRIAMENTE,

b) a pagar-lhe a quantia de €16.801,71, a título de indemnização, com base na utilização do espaço pela colocação abusiva de dois postes e linhas de comunicação telefónica, sendo €1.080,00 euros por cada ano dessa utilização sem autorização, calculado nos termos do quadro constante do ponto 56., por enriquecimento sem causa da ré.

Alegou para tanto, e em síntese:

-Desde 2006 que o autor é proprietário do prédio urbano sito no Bairro de ..., Freguesia de ..., inscrito na conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 4234, e cuja propriedade se encontra aí inscrita em nome do autor pela Ap. 1216 de 2013/08/02.

-Em data não apurada, mas anterior a 2006, a ré colocou naquele prédio um poste de infraestrutura de telecomunicações que suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e instalou ainda um armário de rua de base pedestal em cimento.

-A ré não solicitou autorização ao autor para instalação do referido poste nem do armário, nem nunca o autor ou os antepossuidores, deram o seu consentimento a tal ocupação.

A ré recusa-se a proceder à remoção dos equipamentos do terreno do autor.

A referida ocupação causa danos ao autor, uma vez que o impede usufruir e dispor livremente do seu património.

A ré contestou por exceção, invocando a prescrição, dizendo que o direito de indemnização do autor, quer decorrente da responsabilidade civil quer do enriquecimento sem causa, está prescrito dado ter decorrido mais de 3 anos desde a data em que o autor dele teve conhecimento (2006) e a entrada em juízo da ação e por impugnação, retorquindo que o traçado de telecomunicações e os respetivos postes que servem de sustentação aos fios de telecomunicações em causa foram implantados em data anterior a 1995 pela empresa pública Correios e Telecomunicações de  Portugal, CTT, EP ao abrigo de legislação então em vigor que o permitia, através da constituição de servidões administrativas por força de lei, e impugna ainda a factualidade referente aos danos.

O autor respondeu à exceção de prescrição, pugnando pela improcedência.

Foi proferido despacho saneador, onde se fixou valor à causa, e proferiu o despacho a que alude o art.º 596º do CPC.

Foi realizada audiência de julgamento e em seguida foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a:

“1. Retirar o poste da infraestrutura de telecomunicações que suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e o armário de rua em base pedestal (cimento) colocados no terreno descrito no ponto A) dos factos provados, restituindo ao autor o espaço ocupado;

2. Pagar ao autor, a título de danos, o valor de €3.000,00.

Custas da acção a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento de se fixa em 20% para o Autor e 80% para a Ré (art.º 527º, nº 2 do CPC).

Registe e notifique.”

Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se reproduzem):

A. Entende a Recorrente que os factos constantes das alíneas infra não se encontram provados, ou, por inexistir qualquer documento que suporte a prova testemunhal produzida, e, portanto, teriam de ter sido dado como não provados, sendo que a resposta dada a estes quesitos condicionou inexoravelmente o sentido da decisão.

a) Factos provados que a Recorrente entende que não podiam ser julgados como provados:

Facto provado alínea E) – “O réu não consentiu as instalações referidas em D)”.

Facto provado alínea G) – “Em virtude do descrito em D), o Autor está impedido de usar e fruir o dito terreno; “

Facto provado alínea H) – “Estando impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado arvores;”

Facto Provado alínea I) Não conseguindo retirar do terreno qualquer proveito até à presente data.

Facto provado alínea K) – “O terreno em questão, tem sido alvo de propostas de aquisição.”

Facto provado alínea T) – “Desde 2006 que o autor tem conhecimento da ocupação referida em D”

B. Dando tais factos como provados, veio a Mma. Juiz a quo concluir que a ocupação do terreno do Recorrido com um poste de telecomunicações da Recorrente se tratava de uma ocupação ilícita, e condenou erradamente a Recorrente, a pagar ao Recorrido a título de danos o valor de 3.000,00 € (três mil euros). Entende-se que mal andou a Mma. Juiz a quo ao assim ter entendido, porquanto a prova produzida conduzia em sentido diametralmente oposto relativamente a estas questões:

- Facto provado alínea E) – “O réu não consentiu as instalações referidas em D)”.

À data da instalação do poste de telecomunicações, que ocorreu anteriormente a 1995, o A. não era ainda proprietário do prédio sub judice, e como tal não tinha de dar qualquer consentimento ou autorização à referida instalação e aquando da escritura de justificação e doação, em 4 de abril de 1997, a favor do A. e seus irmãos, com reserva de usufruto a favor dos pais, já a referida infraestrutura lá se encontrava implantada, e o consentimento para a instalação do poste de telecomunicações da Recorrente tinha de ser prestado pelo proprietário do terreno àquela data (da instalação) e não daquele que viria posteriormente a sê-lo. E como consta da legislação invocada pela Recorrente em sede de contestação e que a testemunha da Recorrente, Sr. Engº K. explicou em traços gerais, na audiência de julgamento, a Recorrente para o estabelecimento das linhas telegráficas, telefónicas, pneumáticas ou quaisquer outras, quer sejam aéreas, quer subterrâneas, pertencentes ao estado e destinadas à permutação rápida de correspondências, poderá colocar postes ou apoios em terrenos particulares, bastando para o efeito o contato com o proprietário, locatário ou possuidor a qualquer título, e na sua ausência de qualquer feitor, administrador ou doméstico e na falta ou ausência destes, ou quando haja dificuldade em a fazer, será afixada no local da respetiva freguesia onde for costume afixar os editais das autoridades administrativas, para efeitos de intimação, o que torna a referida ocupação do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 965, com o poste de telecomunicações da Recorrente manifestamente lícita e a Recorrente não necessitasse de colher o consentimento do Recorrido para tal instalação, uma vez que aquele à data da sua instalação não era proprietário do referido prédio.

C. A jurisprudência nos mais variados processos tem vindo a acolher a tese invocada e demonstrada na contestação, no sentido de que a ocupação de terrenos de particulares por postes de telecomunicações que ocorreu anteriormente a 1995, ser lícita. Acresce que ainda hoje, tal como na data da sua instalação, este traçado de telecomunicações e respetivo poste e apoio, continua em plena atividade e a ser manifestamente necessário para a prestação do serviço de telecomunicações às populações residentes naquela área, sendo que a remoção ou desvio da(s) referida(s) infraestrutura(s) é legalmente exigível apenas nos casos previstos no § 2º do artigo 124º do Decreto nº 5786, de 10 de maio de 1919, isto é, desde que pretenda realizar obras de reparação, construção, reconstrução ou ampliação do ou no respetivo prédio devendo, para o efeito, exibir ou juntar documento que permita concluir nesse sentido, mas nem antes no pedido de desvio do Recorrido ou nos presentes autos, foi junta qualquer documentação, plantas, licenças alvarás ou autorizações que permitam aferir tal necessidade.

D. Ainda que se entenda, no que não se concede, e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona, que ao caso dos autos para efeitos de constituição da servidão se aplicaria o Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, estabelecia o seu art.º 8º nº 1, este estatui que “Podem constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de interesse público”, o nº 2 que “As servidões fixadas diretamente na lei não dão direito a indemnização, salvo quando a própria lei determinar o contrário”, e no nº 3 que as servidões constituídas por acto administrativo dão direito a indemnização quando envolverem diminuição efetiva do valor ou do rendimento dos prédios servientes.” Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052) entendeu “servidão administrativa é o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa.” Neste sentido, foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Proc. 040995 de 11/09/2004 e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no dia 27/11/2019, no Proc. 01089/04.BESNT 0600/18.

E. No entanto, no caso da ora Recorrente, em relação ao prédio do Recorrido a servidão em causa, encontra-se constituída “ope legis” uma vez que a Recorrente se encontrava investida de poderes e prerrogativas de autoridade (ius imperii), e podiam implantar as respetivas infraestruturas de telecomunicações observando o disposto no Decreto 14881, de 13 de janeiro de 1928, i.e. poderiam constituir servidões administrativas ex vi legis, exercendo os direitos e cumprindo as formalidades previstas no Decreto 5786, de 10 de Maio de 1919, conjugados, atento o princípio da suficiência.

“Assim, a servidão administrativa só deverá dar lugar a indemnização, caso se demonstre, designadamente, que a mesma cause prejuízos, circunstâncias que terão de ser demonstradas em função da situação concreta e atentos os pressupostos legalmente estabelecidos.” Negrito nosso. Veja-se ainda o Parecer do Provedor de Justiça, no Proc. nº R-36/04 sobre as instalações da concessionária colocadas em terrenos privados que concluiu “…a PT não se encontrar obrigada a proceder ao pagamento de uma remuneração dos particulares.”

F. Acresce, que o então proprietário, certamente à data daquela instalação deu o necessário consentimento, caso contrário a referida infraestrutura não teria sido instalada/implantada naquele local ou teria sido solicitada de imediato a sua remoção, ou até dado origem a um procedimento ou processo, de servidão ou expropriação, com vista à manutenção da referida infraestrutura naquele local. Na verdade, para o poste de telecomunicações e respetivo armário ou apoio que se encontra no terreno do Recorrido e a área por eles ocupada tem de entender-se ter ocorrido uma expropriação ope legis, a favor da Recorrente.

G. No caso dos autos estamos perante uma colisão de interesses onde é manifesto ser superior o interesse acautelado pela Recorrente, que pretende com o(s)seus equipamento(s) de telecomunicações objeto dos autos garantir a efetiva prestação dos seus serviços de comunicações eletrónicas com garantia de continuidade, disponibilidade e permanência às populações abrangidas pela rede e por tais infraestruturas e a propriedade do Recorrido em nada é diminuída, a área ocupada é completamente exígua, cerca de 30 (trinta centímetros) por cada poste de telecomunicações e a ocupação é lícita, devendo manter-se aquela infraestrutura no local onde se encontra, pelo que não poderá deixar este de prevalecer, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art.º 335º do Código Civil. Veja-se o depoimento da Testemunha da Recorrente Eng.º K., Ficheiro 20210106102218_2871134_2870746, 5:37 e seguintes e aos 9:15.

H. Assim, atendendo à ocupação lícita do prédio do Recorrido a Recorrente apenas poderá fazer o referido desvio, quando forem criadas as condições, que neste momento inexistem e não dependem da vontade da Recorrente, para conseguir fazer o mesmo, embora tenha desenvolvido esforços junto da Câmara Municipal competente, para encontrar uma solução técnica viável, se possível fazendo o desvio para a via pública, de forma a libertar, quando possível o prédio do Recorrido da referida infraestrutura. Donde, que face a tudo o exposto, não se pode aceitar a decisão da Mma Juiz a quo ao condenar a Recorrente a retirar do prédio do Recorrido uma infraestrutura que ali foi licitamente colocada, atenta a legislação em vigor à data da sua implantação, e destina-se à prestação de um serviço público, uma vez que à data era uma empresa pública, e ao qual o Recorrido não cabia dar qualquer consentimento, pois não era ele o dono do prédio em questão, padece de erro de julgamento, por má interpretação do Decreto n.º 5786, de 10 de maio de 1919, mormente dos números 2 e 3 do artigo 124º conjugado com o Decreto nº 14881, de 13 de janeiro de 1928. Veja-se o depoimento da testemunha D. C. , filha do Recorrido informou que sabia que o referido poste se encontrava naquele local pelo menos desde 1998, Ficheiro 20201125110337_2871134_2870746, aos 32:52 e aos 33:46.

I. Donde, deverá o facto provado na Al. E) ser alterado, para: o Recorrido à data da implantação do poste de telecomunicações não era o dono, e, portanto, não lhe cabia dar qualquer consentimento para a sua instalação, ou mantendo-se que o Recorrido não consentiu as instalações referidas em D), mas à data da instalação do poste não era ele o dono do prédio.

J. Também não se aceita e não é coerente, o facto dado como provado na al. G) “o Autor está impedido de usar e fruir o dito terreno“ Este facto dado como provado é manifestamente parte de uma afirmação tendenciosa e só pode ser falsa, pois se o avô da testemunha e pai do Recorrido cultivava vinha no referido prédio, certamente o Recorrido poderia continuar o seu cultivo, como sempre ali foi feito, o que é manifestamente diferente de não ter interesse em fazer tal aproveitamento do referido terreno, veja-se o referido pela testemunha D. J., filha do Recorrido, Ficheiro: 20201125104015_2871134_2870746, aos 9:10 e no depoimento da testemunha C. , também filha do Recorrido Ficheiro 20201125110337_2871134_2870746, aos 2:20.

K. Acresce que da escritura de justificação e doação consta que o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 965, era um prédio rústico, “composto de terra de semeadura vinha e oliveiras...”. Ora, não restam dúvidas que aquando da implantação do poste de telecomunicações, tratava-se de um terreno rústico (artigo 965), e o dono do mesmo continuou o seu aproveitamento para fins agrícolas e o poste de telecomunicações da Recorrente, não impedia o seu cultivo, como certamente não impediria ainda hoje, caso fosse esse o interesse do Recorrido, que não é face aos factos provados nas alíneas R) e S), e não existe um único documento junto aos autos que prove tal facto, pelo que mal andou a Mma Juiz a quo em dar como provado o facto constante da alínea G).

L. Facto provado alínea H) – “Estando impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado arvores;” Mais uma vez, não se concorda que tenha sido dado como provado o facto da alínea H), pois, tal não corresponde à verdade, uma vez que o Recorrido nunca quis fazer esse aproveitamento do terreno para o efeito da agricultura conforme consta dos factos provados nas alíneas R) e S), e não existe um único documento junto aos autos que prove tal facto, mais, se o pai do Recorrido (primitivo dono do terreno) podia fazer tal aproveitamento, qual o motivo de o Recorrido não poder continuar essa atividade, como sempre ali aconteceu.

M. Ainda que se entenda, no que não se concede e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona, que neste momento a área ocupada pela Recorrente seja superior, face à necessidade de colocação de espias, entre poste e espias estaremos a falar de uma área de 3 a 4 metros, no que resulta, no máximo, não na ocupação, que essa é exígua, mas no condicionamento de uma área de 15 m2 , e por conseguinte, face à dimensão do prédio, ainda que depois da divisão, à qual a Recorrente é manifesta e completamente alheia, continua a tratar-se de uma pequena área e não da totalidade daquele prédio. Assim, não poderia a Mma Juiz a quo dar como provado que um prédio que tem agora uma área de 1364 m2, como se vê da caderneta predial, junta aos autos pelo Recorrido, no qual se encontra implantado um poste de telecomunicações com 7 metros de altura acima do solo, e um condicionamento de uma área de 15 m2, no máximo, que o Recorrido esteja “impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado arvores”, porque toda a restante área não está nem ocupada nem condicionada e não impede o aproveitamento do terreno seja para que efeito for.

Resultando provado que a única finalidade que o Recorrido pretende para o referido prédio é a sua venda, aliás como consta do facto provado da alínea S) e por conseguinte, o poste de telecomunicações não impede o seu aproveitamento para efeitos de agricultura, nomeadamente, semeadura, vinha e oliveiras, que era o aproveitamento que o primitivo dono do terreno e pai do Recorrido lá fazia, pelo que não poderia a Mma Juiz a quo dar como provado o facto constante da alínea H).

N. Acresce que, só em 2013, foi alterada a configuração do prédio rústico, com a divisão da sua área por dois ou até três, e a afetação do prédio de rústico passou para urbano para construção, tudo face aos documentos juntos aos autos pelo próprio Recorrido, situação que estranhamente a Mma Juiz a quo não levou em conta como devia e lhe competia, provocando erro de julgamento e dando como provado um facto quando existem documentos, em sentido contrário.

O. Facto provado alínea K) – “O terreno em questão, tem sido alvo de propostas de aquisição.” Não se pode concordar que este facto tenha sido dado como provado, pois, caso tal fosse verdade certamente o Recorrido teria junto aos autos qualquer contrato celebrado com qualquer imobiliária, e caso tivesse obtido uma qualquer proposta firme e com intenção de compra, da qual constasse uma proposta monetária, firme e séria, teria procedido à sua junção aos autos e que fizesse prova de tal ter ocorrido, porém, uma vez mais inexiste qualquer prova passível de corroborar tal facto, pelo que não poderia a Mma Juiz a quo dar como provado o referido facto da alínea

K). Na verdade, ressalta dos depoimentos, que o terreno do Recorrido não terá sido vendido por se encontrar muito acima do preço de mercado, tanto assim é que na primeira imobiliária foi referido que o valor baixou por 2 (duas) vezes, Testemunha D. , Ficheiro 20201125114031_2871134_2870746, aos 6:17, e veja-se também o depoimento da testemunha E. , Ficheiro 20201125115154_2871134_2870746, aos 4:20. Na verdade, crê-se que a Mma Juiz entrou em erro ao confundir potencial interesse e visitas com propostas sérias e credíveis. O terreno começou por estar à venda por 107.500,00€, desce para 80.000,00€ e mais tarde para 60.000,00€, veja-se que no depoimento de E. , o Recorrido pretendia obter 65.000,00 € e aquela testemunha achou que era demais para o terreno em si. Sendo certo, como já referido que logo que sejam apresentados quaisquer projetos, alvarás ou licenças ou outros equivalentes com vista à construção, a Recorrente terá de proceder ao desvio do poste de telecomunicações, o que nunca aconteceu, isto é, nunca o Recorrido logrou provar que pretende fazer qualquer construção no referido terreno, pelo que a tese trazida aos autos de que é o poste de telecomunicações da Recorrente que impede a venda do terreno, é falaciosa, não havendo qualquer garantia que um dia que o poste de telecomunicações venha a ser retirado do local em que se encontra, venham a ser encontrados potenciais compradores e que o Recorrido possa fazer a pretendida venda, estamos assim, perante simples conjeturas e ilações, não de factos provados, pelo que salvo melhor entendimento e com o devido respeito merecido que é muito, não poderia ter sido dado como provado o facto constante da alínea K).

P. Facto provado alínea T) – “Desde 2006 que o autor tem conhecimento da ocupação referida em D” Resulta da produção de prova, mormente pelo testemunho da filha do Recorrido C. , que o Recorrido sabia da existência do referido poste de telecomunicações, no prédio rústico do avô, pois em criança quando visitava o terreno já aquele lá se encontrava e se a filha sabia da existência daquele poste de telecomunicações, então o seu pai também sabia da sua existência, pois se faziam a visita em família, não poderia a filha ver o poste de telecomunicações e o seu pai não ver aquela infraestrutura, uma vez que se trata de um poste de telecomunicações com uma altura cerca de 7 metros, acima do solo e impossível não ser vista a olho nu, por uma pessoa normal, Ficheiro 20201125110337_2871134_2870746, aos 1:50 e Ficheiro 20201125110337_2871134_2870746, aos 2:20.

Q. E face aos documentos juntos aos autos pelo próprio Recorrido, no dia da audiência de julgamento, resulta ter havido uma escritura de justificação e doações, em 4 de abril de 1997, exarada a folhas cinco a nove verso, do livro de notas para escrituras diversas número Cinquenta e três-D do Cartório Notarial de ..., a favor do Recorrido e seus irmãos, com reserva de usufruto a favor dos pais, que estará registada na respetiva Conservatória do Registo Predial de 18/05/2000, donde resultará, salvo melhor entendimento, que o Recorrido adquiriu a propriedade, na data da referida doação, ainda que em comum e sem determinação de parte ou direito. Consequentemente, o Recorrido já tinha conhecimento de que o prédio referido se encontrava onerado com a instalação do poste de telecomunicações da Recorrente, muito antes de ter voltado definitivamente para Portugal, após ter estado emigrado em França, veja-se ainda o testemunho da filha do A. D. C. , Ficheiro 20201125110337_2871134_2870746, aos 32:10.

R. Acresce, que à data da implantação do poste de telecomunicações, tratava-se de um prédio rústico e apenas após a doação e a morte dos antecessores terá havido a sua divisão pelos herdeiros e foi alterada a sua configuração bem como a sua afetação e como tal, o A. ora Recorrido bem sabia da existência do poste de telecomunicações naquela propriedade, bem antes de 2006 e pelo menos, senão antes desde a data da doação.

b) Factos provados que a Recorrente entende que deveriam ter sido julgados como provados mas com uma conclusão distinta daquela que a Mma Juiz lhe deu:

S. Facto provado alínea D) – “A Ré mantém colocado, pelo menos desde 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que actualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento).“

Atendendo à história das telecomunicações em Portugal já demonstrada e à data da implantação do poste de telecomunicações dos autos, cuja instalação ocorreu ainda no tempo dos CTT, e, portanto muito anterior a 1995, o Recorrido não era o proprietário do terreno rústico em causa, pelo que nunca lhe seria pedida a sua autorização para o efeito, mas certamente o antecessor do Recorrido autorizou aquela instalação, o que bem patente ficou com o seu silêncio durante todos estes anos, veja- se o depoimento da testemunha da Ré Eng.º K., Ficheiro 20210106102218_2871134_2870746, aos 1:40, 1:54, 4:05 e 5:09 e a diversa legislação que faz todo o trato sucessivo atá chegar à MEO, e também a legislação que permitia a colocação de postes ou apoios que se destinassem ao estabelecimento e conservação das linhas e estações telegráficas e telefónicas.

T. Donde, resulta claro, que apenas seriam expropriados os terrenos e propriedades, que fossem absolutamente indispensáveis ao estabelecimento da rede básica, mais se entendendo que apenas teriam direito a indemnização quando de tal servidão ou expropriação resultasse uma efetiva diminuição do valor do referido prédio, atenta a diminuta área do terreno que a(s) infraestrutura(s) de telecomunicações ocupasse, porém no caso dos autos o proprietário do terreno rústico, em causa, não se terá oposto à referida instalação!

U. Assim, a instalação da infraestrutura de telecomunicações ocorreu anteriormente a 1995, pelo que o facto provado na alínea D) terá de ser alterada a sua formulação para:

A Ré mantém colocado, pelo menos desde antes de 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que actualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento).

V. Pelo exposto, a prova testemunhal produzida e a prova documental produzida, conduz a conclusões distintas e não poderia ter deixado de ser devidamente valorada pela Meritíssima Juiz a quo, sendo que, se tivesse efetuado tal devida apreciação, não teria condenado a Recorrente quer a retirar o poste de telecomunicações do local em que aquele se encontra, quer ao pagamento da quantia que de 3.000,00 € (três mil euros). Pelo que, atentos os meios probatórios constantes do processo, os factos alegados nos citados pontos não poderiam ter sido considerados provados como o foram, uma vez que a prova produzida sobre os mesmos conduziria a conclusões distintas dessas.

W. Acontece que aqueles factos dados erradamente por provados ou como provados, mas dos quais se retiraria conclusão diferente são absolutamente determinantes para se aferir da eventual responsabilidade da Recorrente.

X. Com efeito, com fundamento na errada consideração da prova produzida e considerando tais factos como provados, e na errada interpretação das disposições do Decreto n.º 5786, de 10 de maio de 1919, mormente dos números 2 e 3 do artigo 124º conjugado com o Decreto nº 14881, de 13 de janeiro de 1928, vem a Meritíssima Juiz a quo a considerar ter existido uma ocupação ilícita, com o que não se concorda, uma vez que foi constituída uma servidão “ope legis” sobre a área em que se encontra implantada a infraestrutura de telecomunicações, uma vez que a Recorrente se encontrava investida de poderes e prerrogativas de autoridade (ius imperii), e podiam implantar as respetivas infraestruturas de telecomunicações observando o disposto no Decreto 14881, de 13 de Janeiro de 1928, i.e. poderiam constituir servidões administrativas ex vi legis, exercendo os direitos e cumprindo as formalidades previstas no Decreto 5786, de 10 de Maio de 1919, conjugados.

Y. Mais o Recorrido não era dono do prédio aquando da instalação da infraestrutura de telecomunicações, e quando tomou posse do mesmo bem sabia que a referida infraestrutura lá se encontrava como se demonstrou e como tal inexiste qualquer obrigação de indemnizar, tanto mais que não foram provados quaisquer danos, pelo que, em consequência, não poderia ter concluído como erradamente fez, com o devido respeito, que o Recorrido sofreu danos que são imputáveis à Recorrente.

Z. Na sentença ora recorrida, veio a Meritíssima Juiz a quo a concluir que se verificam os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, dando a ocupação da Recorrente com a infraestrutura de telecomunicações como ilícita, porém atenta a constituição da servidão “ope legis” sobre a área em que se encontra implantada a infraestrutura de telecomunicações, uma vez que a Recorrente se encontrava investida de poderes e prerrogativas de autoridade (ius imperii), e podiam implantar as respetivas infraestruturas de telecomunicações observando o disposto no Decreto 14881, de 13 de Janeiro de 1928, i.e. poderiam constituir servidões administrativas ex vi legis, exercendo os direitos e cumprindo as formalidades previstas no Decreto 5786, de 10 de Maio de 1919, conjugados e a autorização foi necessariamente prestada pelo então dono do prédio que consentiu na sua instalação, para benefício da toda a população daquela área, caso contrário, teria dela reclamado, solicitado a sua retirada ou exercendo qualquer ato de oposição, o que não ocorreu, e o Recorrido não era o dono do prédio e quando o herdou por via da doação, e dele tomou posse, já tinha aquele encargo.

AA. Assim, o Recorrido tinha de saber face ao depoimento da testemunha C. , que aquele poste de telecomunicações já se encontrava instalado no seu terreno em data anterior à da sua posse e como já se havia demonstrado e por economia para lá se remete não cabia ao Recorrido dar autorização à sua instalação, e por conseguinte não podia a Mma Juiz a quo dar como provado o conhecimento do Recorrido apenas em 2006, porque resulta provado aquele saber daquela instalação muito antes, e até a própria posse ainda que por doação é de 1997. Não pode ainda a Recorrente conformar-se com a menção no corpo da sentença “Como dos factos provados resulta que o autor se tornou proprietário em 02.08.2013, só a partir dessa data pode ser considerado titular do direito a indemnização.” Porquanto, face aos documentos juntos aos autos pelo próprio autor, no dia da audiência de julgamento, resulta ter havido uma escritura de justificação e doações, em 4 de abril de 1997, exarada a folhas cinco a nove verso, do livro de notas para escrituras diversas número cinquenta e três-D, do Cartório Notarial de ..., a favor do Recorrido e seus irmãos, com reserva de usufruto a favor dos pais, registada na respetiva Conservatória do Registo Predial de 18/05/2000. Donde, mal andou a Mma Juiz a quo, ao ter entendido que apenas com a partilha, o Recorrido se tornou proprietário do prédio sub judice, porque o contrário resulta da própria noção de doação ínsita no Código Civil, e da prova documental, donde consta que o Recorrido no mínimo já seria donatário do referido prédio desde 4/04/1997, ainda que em comum e sem determinação de parte ou direito e este facto mostra-se relevante uma vez que a própria Mma Juiz considera “…a partir do momento em que adquiriu a propriedade tomou consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos dessa ocupação não autorizada, iniciando-se o prazo de prescrição na data da aquisição.” Ora, face a tal escritura, trazida aos autos pelo Recorrido resulta que já havia adquirido por doação o prédio em que se encontra instalado o poste de telecomunicações da Recorrente, ainda que em comum e sem determinação de parte ou direito. Assim, mais uma vez andou mal a Mma Juiz a quo ao dar como data de aquisição do referido prédio a favor do Recorrido, na data da partilha dos bens, pois é com a referida doação que o Recorrido adquiriu a propriedade ainda que em comum e sem determinação de parte ou direito, e por conseguinte, caso fosse de indemnizar o Recorrido, no que não se concede e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona face à teoria que a Mma Juiz expandiu na douta sentença, seria esse o momento, ou seja a data da escritura de doação, que iria conferir a propriedade que o Recorrido teria tomado consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos, caso a ocupação não fosse lícita, iniciando-se o prazo de prescrição na data da aquisição, e não apenas aquando da partilha do bem, o que teria necessariamente efeitos sobre a prescrição do direito do Recorrido.

BB. Padece ainda de erro de julgamento a condenação da Recorrente, a pagar ao Recorrido a título de danos o valor de 3.000,00 € (três mil euros), uma vez que a ocupação do prédio do Recorrido com a infraestrutura de telecomunicações é lícita face a toda a legislação invocada na contestação, demonstrada na audiência de julgamento através do depoimento da testemunha K. e não confere ao Recorrido o pagamento de qualquer remuneração. Ainda que se entenda, no que não se concede, e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona, que ao caso dos autos se aplicaria o Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, estabelecia o seu art.º 8º, nº 1 “Podem constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de interesse público”, o nº 2 que “As servidões fixadas diretamente na lei não dão direito a indemnização, salvo quando a própria lei determinar o contrário”, e no nº 3 que as servidões constituídas por acto administrativo dão direito a indemnização quando envolverem diminuição efetiva do valor ou do rendimento dos prédios servientes.”

CC. No caso dos autos, a área ocupada no prédio do Recorrido pelo poste de telecomunicações é completamente exígua – mais ou menos 30 (trinta) centímetros e a propriedade do deste não é reduzida atento o insignificante e diminuto espaço que aquela infraestrutura ocupa e portanto insuscetível de interferir com a utilização do mesmo seja para efeitos de agrícolas, plantações, canteiros, jardinagem, ou até pastoris ou florestais,– o que bem espelhado ficou com o silêncio do Recorrido e dos seus antecessores por diversos anos. No entanto, no caso da ora Recorrente, em relação ao prédio do Recorrido a servidão em causa, encontra-se constituída “ope legis” como já referido, observando o disposto no Decreto 14881, de 13 de janeiro de 1928, i.e. poderiam constituir servidões administrativas ex vi legis, exercendo os direitos e cumprindo as formalidades previstas no Decreto 5786, de 10 de Maio de 1919, conjugados e atento o princípio da suficiência.

DD. Do que vem exposto a ocupação do prédio do Recorrido pela Recorrente não confere qualquer direito ao proprietário de qualquer remuneração ou indemnização, o prédio não se mostra reduzido atento o princípio da suficiência e ainda que resultassem danos, no que não se concede e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona, o Recorrido não conseguiu fazer prova de qualquer prejuízo: avança valores sem conteúdo, sem especificar a sua origem e fazer prova da sua existência. Acresce que o Recorrido não provou quaisquer danos patrimoniais como a Mma Juiz a quo, aliás reconheceu veja-se a passagem que colocou na sentença em crise “pese embora o autor não tenha alegado e provado quaisquer prejuízos efectivos na sua esfera patrimonial” E assim tem decidido os Tribunais, como por exemplo a Relação do Porto, 20.04.71, “Não tendo o autor provado o prejuízo, improcede a acção”.

EE. Acresce que, para que o A. tivesse direito à indemnização a que se arroga e que vem peticionar, teria de fazer prova de que havia sofrido os “danos” que alega, pois nunca bastaria alegar danos, sempre teria que provar a existência dos mesmos, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 342º do Código Civil, e o nexo de causalidade entre tais danos e os factos a cuja causa os imputam, nos termos do disposto no art.º 563º também do Código Civil. Acontece que nos termos do art.º 498º do Código Civil, o direito de indemnização fundado em responsabilidade civil prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.

FF. Nos termos do disposto no nº 1, do art.º 483º do C. Civil, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

GG. Donde, in casu, esse prazo de três anos previsto do citado art.º 498º do Código Civil para reclamar tal direito há muito teve o seu término, sendo, deste modo, renunciou o Recorrido legalmente ao direito de requerer qualquer tipo de indemnização.

HH. Assim, considerando o citado prazo prescricional legalmente previsto e tendo presente que a ação deu entrada em juízo em novembro de 2019, conclui-se que, ainda que se verificassem os pressupostos da indemnização civil que consubstanciassem o direito do A. ser indemnizado, no que não se concede, encontrar-se-ia prescrito o direito a reivindicar a respetiva indemnização, tal como resulta dos termos do art.º 498º do Código Civil, uma vez que o prédio onde se encontra implantado o poste e o apoio de telecomunicações lhe veio à posse logo em 1997, e portanto é dessa data que se tem de contar a prescrição e não da divisão da propriedade, tanto mais que a própria Mma Juiz considera “…a partir do momento em que adquiriu a propriedade tomou consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos dessa ocupação não autorizada, iniciando-se o prazo de prescrição na data da aquisição.”

II. Contudo, o Recorrido não conseguiu provar quaisquer danos, reitera-se, e apenas por não ter provado qualquer prejuízo é que a Mma Juiz a quo veio a desenvolver uma tese sobre privação de uso, no que não se concede e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona, mas como já foi referido, nem assim, poderá caber aquela indemnização, uma vez que a ocupação que é feita pela Recorrente através do poste de telecomunicações é lícita, e necessária para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas naquela área, tratando-se a ocupação de uma área completamente diminuta, ainda que depois da divisão e destaque e ainda que se atenda no que não se concede e apenas por mero efeito de raciocínio se equaciona, que a área condicionada com as infraestruturas da Recorrente, é superior atenta a colocação das espias, resulta claro tratar-se ainda assim, de uma área completamente exígua face ao tamanho do prédio do Recorrido. No entanto, como a ocupação do terreno com as infraestruturas de telecomunicações da Recorrente é lícita, trata-se de uma área pequena até face ao tamanho do prédio do Recorrido e, como tal inexiste qualquer obrigação de indemnizar, seja no valor a que chegou a Mma Juiz a quo, no que não se concede seja em qualquer outro, tanto mais que o Recorrido não logrou comprovar qualquer dano, como reconheceu a Mma Juiz a quo.

JJ. E ainda, que assim fosse, no que não se concede, o valor em que a Recorrente foi condenada a pagar – € 3.000,00 (três mil euros), mostra-se completamente desadequado por ser de tal forma elevado, quase como dano corporal e como tal desproporcional e claramente injusto, motivo pelo qual a Recorrente, não se pode conformar nem com a indemnização nem com o quantum indemnizatório atribuído.

KK. A atribuir, algum valor a título de indemnização por tais danos, que não foram provados, com as suas legais consequências, considera-se que o valor atribuído na douta sentença é manifestamente desadequado, injusto e desproporcional, porquanto a servidão que incide sobre o prédio não ocupa a totalidade do prédio do Recorrido, tão só a área estritamente necessária à implantação do poste, armário ou apoio e as espias, cumprindo assim o princípio da suficiência, sendo necessário para aprestação do serviço à comunidade local. Acresce ainda, que face à escritura de doação, o prédio veio à posse do Requerido em data muito anterior à da divisão, isto é, em 1997, pelo que ainda que fosse devido alguma indemnização ao Recorrido, no que não se concede há muito que o direito a peticioná-la se mostra prescrito. Pelo que, se entende que a Meritíssima Juiz “a quo” fez uma errónea interpretação do art.º 483º do Código Civil, ao ter condenado a Recorrente, quando não se verificaram os pressupostos da obrigação de indemnizar, como devidamente ficou exposto, como também o valor que atribuiu a título de indemnização, é claramente elevado, desadequado, injusto e desproporcional, pois o Recorrido não logrou provar quaisquer danos. Ora, com o devido respeito, que é muito, a ora Recorrente não se pode conformar com tal decisão.

Com efeito, é patente que a Meritíssima Juiz a quo extraiu dos meios de prova produzidos em audiência e prova constante dos Autos uma conclusão diversa daquela que resulta claramente dos mesmos, não tendo procedido à devida apreciação de todos os elementos de prova constantes dos Autos, donde resultam as necessárias consequências quanto à aplicação do Direito in casu, porquanto dos elementos de prova constantes dos Autos impunham decisão oposta e diversa à procedência da ação. Por conseguinte, a não ter decidido em conformidade com o supra alegado, a sentença do tribunal a quo ora recorrida violou o disposto no art.º 483º do Código Civil.

LL. Também fez a Mma Juiz a quo uma má aplicação do Direito ao ter condenado a Recorrente no pagamento de uma indemnização da quantia de 3.000,00 € (três mil euros), quando sob o prédio do Recorrido incide uma servidão, e quando dele tomou posse por via da doação, já a infraestrutura lá se encontrava e ainda não logrou provar qualquer danos, e ainda que o fosse a título de privação de uso, como defendeu a Mma Juiz a quo, no que não se concede, atendendo à ocupação lícita por parte da Recorrente, face à toda a legislação expendida, o Recorrido não pretende fazer nele qualquer cultivo ou outro, ao contrário, apenas pretende proceder à sua venda, e a infraestrutura de telecomunicações não ocupa a totalidade do terreno do Recorrido ocupando apenas uma área exígua do mesmo e no máximo o condicionamento de uma área de 15 m2, pelo que o valor em que a Recorrente foi condenada, é manifestamente desadequado por ser de tal forma elevado, quase como um dano corporal e como tal desproporcional e claramente injusto, motivo pelo qual a Recorrente, não se pode conformar quer com o pagamento de qualquer indemnização quer com o quantum indemnizatório atribuído. Com efeito, e antes de mais os art.ºs 562º e 563º do Código Civil ensinam que a reparação deve ser natural, ou na impossibilidade desta reparação natural, a compensação integral dos prejuízos sofridos. Ora, no caso dos autos, a ocupação da Recorrente é lícita e não confere ao proprietário o direito a qualquer indemnização seja na quantia arbitrada pela Mma Juiz a quo, seja em qualquer outra e o Recorrido não provou quaisquer danos como lhe cabia.

MM. Assim, a sentença ora recorrida decidiu no sentido de procedência parcial da ação pois, por um lado, não valorou devidamente os factos que obtiveram prova como o caso da Al. D) cuja formulação deve ser alterada para: A Ré mantém colocado, pelo menos desde antes de 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que actualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento); o facto provado na Al. E) ser alterado, para: o Recorrido à data da implantação do poste de telecomunicações não era o dono, e portanto, não lhe cabia dar qualquer consentimento para a sua instalação, ou mantendo-se que o Recorrido não consentiu as instalações referidas em D), mas à data da instalação do poste não era ele o dono do prédio; Facto Provado na Al. G) ser alterado uma vez que aquando da implantação do poste de telecomunicações, tratava-se de um terreno rústico (artigo 965), e o dono do mesmo continuou o seu aproveitamento para fins agrícolas e o poste de telecomunicações da Recorrente, não impedia o seu cultivo, como certamente não impediria ainda hoje, caso fosse esse o interesse do Recorrido, que não é, face aos factos provados nas alíneas R) e S), e não existe um único documento junto aos autos que prove tal facto, pelo que mal andou a Mma Juiz a quo em dar como provado o facto constante da alínea G); Facto provado alínea H) – “Estando impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado arvores;” o Recorrido nunca quis fazer esse aproveitamento do terreno para o efeito da agricultura conforme consta dos factos provados nas alíneas R) e S), e não existe um único documento junto aos autos que prove tal facto, mais, se o pai do Recorrido (primitivo dono do terreno) podia fazer tal aproveitamento, qual o motivo de o Recorrido não poder continuar essa atividade, como sempre ali aconteceu, pelo que não se pode dar como provado o Facto da alínea H); Facto Provado alínea I) Não conseguindo retirar do terreno qualquer proveito até à presente data, mais uma vez o Recorrido nunca quis fazer esse aproveitamento do terreno para o efeito da agricultura conforme consta dos factos provados nas alíneas R) e S), pelo que não se pode dar como provado o facto da al. I); Facto provado alínea K) – “O terreno em questão, tem sido alvo de propostas de aquisição.” crê-se que a Mma Juiz entrou em erro ao confundir potencial interesse e visitas com propostas sérias e credíveis, nunca o Recorrido logrou provar que pretende fazer qualquer construção no referido terreno, pelo que a tese trazida aos autos de que é o poste de telecomunicações da Recorrente que impede a venda do terreno, é falaciosa, não havendo qualquer garantia que um dia que o poste de telecomunicações venha a ser retirado do local em que se encontra, venham a ser encontrados potenciais  compradores e que o Recorrido possa fazer a pretendida venda, estamos assim, perante simples conjeturas e ilações, não de factos provados, pelo que salvo melhor entendimento e com o devido respeito merecido que é muito, que não poderia ter sido dado como provado o facto constante da alínea K); Facto provado alínea T) – “Desde 2006 que o autor tem conhecimento da ocupação referida em D” Atento o depoimento da testemunha C. , resulta o Recorrido tinha de saber que há muito lá se encontrava o poste de telecomunicações, pois se em criança quando visitava o terreno já aquele lá se encontrava e se a filha sabia da existência daquele poste de telecomunicações, então o seu pai também sabia da sua existência, ao que acresce a existência da escritura de doação, com as suas necessárias consequências legais.

NN. Assim, a sentença ora recorrida decidiu no sentido de procedência parcial da ação pois, por um lado, não valorou devidamente os factos que obtiveram prova e a ausência de prova de outros, e por outro, concluiu como provados factos que claramente não o estavam tendo procedido a uma incorreta valoração das provas produzidas. Donde, efetuada tal correta valoração, as conclusões de Direito a retirar terão que ser forçosamente outras, ou seja, as supra explanadas, que conduziriam necessariamente à improcedência da ação.

OO. Nesta conformidade, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogar-se a sentença proferida, substituindo-se a mesma por outra que tenha em consideração o expendido no presente recurso e que julgue a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, que absolva a ora Recorrente, nos termos explanados, com as demais consequências legais.

Termos em que,

com o douto suprimento do Venerando Tribunal da Relação, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra, alterando- se as respostas dadas na primeira instância aos factos provados nas al.s D), E), G), H), I), K) e T) da matéria de facto provada, no sentido supra referido, e consequentemente, absolver a ora Recorrente nos termos supra descritos, com as demais consequências legais.

Foram apresentadas contra-alegações, onde se sustentou que o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões.

Foi admitido o recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, importa decidir as seguintes questões:
1. Rejeição do recurso por falta de conclusões;
2. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto;
3. Remoção dos equipamentos instalados no prédio do autor;
4. Prescrição do direito de indemnização;
5. Valor da indemnização.

FUNDAMENTAÇÃO

De facto

No tribunal de 1ª instância foi fixada a matéria de facto da seguinte forma (que se reproduz):

Factos provados:

A) Encontra-se inscrito a favor do Autor o prédio urbano, sito no Bairro de ..., na freguesia de ..., do concelho de ..., composto de terreno para construção urbana, com a área de 1.364,00 m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo nº 2768, a confrontar a norte com Caminho Publico, Sul com ..., nascente com ... e poente com Caminho Publico, e descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de ... sob o nº 4234/20130117, com o valor patrimonial de 14.520,00.

B) A propriedade do prédio referido no ponto anterior encontra-se inscrita a favor do Autor, pela Ap. 1216 de 2013/08/02, por via de divisão de coisa comum.

C) Em 2004 e 2005, o prédio referido em A) integrava o artigo rústico registado na Caderneta predial Rustica da freguesia de ..., sob o artigo 965, objeto de aludida ação de divisão de coisa comum.

D) A Ré mantém colocado, pelo menos desde 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que actualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento).

E) O réu não consentiu as instalações referidas em D).

F) A ré sabia que o terreno em causa não é público e que tinha e sempre teve dono.

G) Em virtude do descrito em D), o Autor está impedido de usar e fruir o dito terreno;

H) Estando impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado arvores;

I) Não conseguindo retirar do terreno qualquer proveito até à presente data.

J) Alem disso, o Autor tem o terreno em questão à venda em agências imobiliárias.

 K) O terreno em questão, tem sido alvo de propostas de aquisição.

L) No entanto, todas essas propostas de aquisição foram retiradas pelo facto dos interessados, ao visitarem o local, se depararem com a instalação do referido poste e demais estruturas implantadas no terreno, vendo nisso, um claro e evidente obstáculo à construção de uma habitação, e ainda o livre uso e fruição do terreno.

M) O Autor deixou de poder ajudar a sua filha H., de 40 anos, regressada de França, que se encontrava desempregada até há bem pouco tempo, no momento em que esta pretendeu estabelecer-se em negócio próprio, tal como veio a suceder.

N) De ajudar ainda a sua filha mais nova I., também ela regressada de França, igualmente desempregada até há pouco tempo, no momento em que esta também quis estabelecer-se em negocio próprio de cabeleireira, o que sucedeu.

O) Assim, o Autor viu as suas filhas passarem por dificuldades que poderiam ter sido evitadas se dispusessem dos meios financeiros que lhe adviriam da venda do seu terreno, o que lhes causou imenso sofrimento, angustia e preocupação.

P) O Autor deixou ainda de poder contar com o produto da venda do terreno para se deslocar a França com a frequência que desejava e que sempre perspetivou poder fazer durante a sua reforma, para visitar os seus amigos de toda uma vida.

Q) Por tudo isto, esta situação está a causar ao Autor sérios incómodos, aborrecimentos, arrelias e preocupações diários.

R) O autor não pretende construir no terreno em causa, nem possui meios financeiros disponíveis que lhe permitam custear qualquer construção ou edificação no referido terreno.

S) O autor pretende proceder à venda do prédio.

T) Desde 2006 que o autor tem conhecimento da ocupação referida em D).

U) Em resposta à missiva datada de 30.09.2019 que o autor enviou à ré a reiterar o pedido de remoção dos equipamentos de telecomunicações, a ré remeteu ao autor a carta datada de 22.10.2019 que constitui o doc. nº 10 junto à petição, na qual comunica, além do mais, o seguinte: (…)

“Em resposta, informamos que o traçado/poste supra referenciado foi implantado, ao abrigo do artigo 124º, do Decreto nº 5786, de 10 de Maio de 1919. No âmbito da legislação então em vigor, assistia à Telecom Portugal, SA, o direito de colocar postes ou apoios particulares o direito de aceder a terrenos e edifícios públicos e privados, bem como passar fios condutores em propriedades particulares (…)”, sempre que tal se mostrasse necessário à gestão e exploração do serviço publico de telecomunicações. O referido direito foi transferido para a PT Comunicações SA, por força do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, e do Decreto Lei nº 219/2000, de 09 de Setembro. Empresa que alterou a sua denominação para MEOSERVIÇOS DE COEMUNICAÇÕES E MULTIMEDIA, S.A..(…)” ,,.

“(…) Esclarecemos que a remoção/desvio da referida infraestrutura é legalmente exigível apenas nos casos previstos no §segundo do artigo 124 do decreto nº 5786 de 10.05 de 1919, isto é, desde que pretenda realizar obras de reparação, construção, reconstrução, ou ampliação do ou respectivo prédio, devendo para o efeito, exibir ou juntar documento que permita concluir nesse sentido”.

V) A acção deu entrada em juízo em 28.11.19 e a ré citada em 3.12.2019.

Factos não provados: nenhuns.

De Direito
1. Rejeição do recurso por falta de conclusões.
O recorrido nas suas contra-alegações sustenta que o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões, dado que foram apresentadas 51 conclusões, para resumirem em 31 páginas, as 39 páginas de motivação expostas.
Com a data de 21-09-2021 foi proferido pelo Juiz Relator despacho de aperfeiçoamento, convidando o recorrente a vir sintetizar as conclusões do recurso.
O recorrente respondeu a esse convite, e apresentou um novo requerimento limitado às conclusões que reduziu para 41, ao longo de 23 páginas.

Nos termos do nº 1 do artigo 639º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

 As conclusões delimitam o objeto do recurso, isolando as questões a que as alegações tenham, antes, dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir ao tribunal de recurso que identifique, com nitidez, as matérias a tratar.

Conforme refere o Ac. do STJ, de 6-02-2020[1] “Na sequência da resposta ao despacho de convite ao aperfeiçoamento no sentido da sintetização das conclusões, proferido ao abrigo do art.º 639º, nº 1, o relator deve reponderar e de forma discriminada, se e em que medida o teor das novas conclusões apresentadas justifica ou não a rejeição total ou parcial do recurso. Essa apreciação deve integrar necessariamente um juízo de proporcionalidade entre eventuais falhas e os efeitos que determinam, devendo ser ponderado não apenas o número de conclusões, mas ainda a variedade e a complexidade das questões suscitadas no recurso. Apenas em casos em que manifestamente não seja possível extrair outro resultado se admite que aspetos de ordem formal prevaleçam sobre a apreciação do mérito da ação ou do recurso”.

“Seria um excessivo formalismo considerar que o recurso interposto pela Ré deveria ter sido rejeitado quando as conclusões apresentadas em nada prejudicam o contraditório.”[2]

No caso concreto, atento o disposto nos artigos 639º e 640º do CPC, não ocorre no caso concreto, quer em face das conclusões da apelação que foram inicialmente apresentadas, quer daquelas que foram apresentadas em sua substituição.

Assim sendo, conclui-se não assistir razão ao recorrido.


2. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem uma decisão diversa”.

Os factos postos em causa são os que constam das alíneas D), E), G), H), I), K) e T) da matéria de facto provada.

D) A ré mantém colocado, pelo menos desde 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que atualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento).

A sentença recorrida fundamentou a sua convicção quanto a esta factualidade da seguinte forma: “Quanto à data da colocação do poste atendeu-se ainda aos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré, sendo que, não obstante nenhuma ter revelado conhecimento seguro do ano certo da instalação, permite concluir que, pelo menos desde 1995, que o poste se encontra no terreno”.

A recorrente pretende que seja alterada a formulação da alínea D) para: “A ré mantém colocado, pelo menos desde antes de 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que atualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento).

A testemunha Eng. K., funcionário da recorrente afirma de forma perentória que o poste foi colocado antes de 1995, segundo os registos que a sua empresa tem, mas curiosamente não indica uma data aproximada para essa colocação.

A testemunha José Carlos Santos Ferreira, também funcionário da recorrente afirmou que a colocação do poste é anterior a 1995, mas também não precisou minimamente uma data.

A menção “pelo menos antes de 1995” é uma referência temporal muito vaga, que engloba um período temporal muito lato, sem qualquer precisão, e como tal não deve constar dos factos provados.

Acresce dizer, que a ré no artigo 3º da sua contestação alega “Acontece que, diferentemente do que vem alegado pelo A., esta ocupação ocorre pelo menos desde o ano de 1995”, embora no artigo 19º alegue que “Na verdade, o traçado de telecomunicações e os respetivos postes que servem de sustentação aos fios de telecomunicações em causa foi implantado em data anterior a 1995” e no artigo 20º refira que “Alias já consta instalado no cadastro de 1995, sendo essa mais ou menos a data de instalação do traçado de comunicações, que cobre a área do Bairro de ...- ...”.

E analisando o documento junto a fls. 44 (cadastro da Rede Telefónica ... Traçado de Cabos) pela ora recorrente, constata-se que a data aposta no mesmo é 95.02.26

E) O réu não consentiu nas instalações referidas em D).

O Tribunal de 1ª instância considerou que a prova dos factos em A) a F) e R) A V) resulta do acordo das partes, manifestado através dos respetivos articulados, das certidões predial e matricial, das cartas trocadas entre autor e ré, juntas à petição, e do aviso de recepção referentes à citação efectuada no âmbito destes autos.

A apelante pretende alterar a formulação da alínea D) para: “O Recorrido à data da implantação do poste de telecomunicações não era o dono, e portanto, não lhe cabia dar qualquer consentimento para a sua instalação, ou mantendo-se que o Recorrido não consentiu as instalações referidas em D), mas à data da instalação do poste não era ele o dono do prédio”.

Consta da alínea B) dos factos provados que “A propriedade do prédio referido no ponto anterior encontra-se inscrita a favor do Autor, pela Ap. 1216 de 2013/08/02, por via de divisão de coisa comum”, pelo que não se vislumbra qualquer necessidade em alterar a formulação da alínea D).

G) Em virtude do descrito em D), o autor está impedido de usar e fruir o dito terreno.

H) Estando impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado árvores.

I) Não conseguindo retirar do terreno qualquer proveito até à presente data.

K) O terreno em questão, tem sido alvo de propostas de aquisição.

T) Desde 2006 que o autor tem conhecimento da ocupação referida em D).

A sentença recorrida formou a sua convicção relativamente a esta factualidade da seguinte forma: “As consequências da implantação do equipamento no terreno do autor derivam da análise conjugada das fotografias juntas à petição, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento.

Com efeito, D. e E. , trabalhadores empresas imobiliárias, deram conta do terreno do autor ter estado à venda nas respetivas agências e que os interessados que surgiram perderam o interesse na compra em virtude do poste existente no local. Por sua vez, as fotografias juntas à petição pelo autor, mostrando a localização do poste, fios e cabos que dele emanam e restantes elementos estruturais que o prendem no solo, permitem concluir com segurança que a extensão da área térrea e área ocupada no prédio, para além o desfiguraram, impedem o seu livre aproveitamento agrícola e/ou construtivo, vedando o autor a possibilidade de dele fruir ou dispor, já que naquelas condições é óbvio que ninguém pretenderia adquirir ou arrendar aquele terreno”.

O recorrente pretende que estes factos sejam dados como não provados com os seguintes fundamentos, que se mencionam, de forma sintética:

-Al. G) - aquando da implantação do poste de telecomunicações tratava-se de um terreno rustico (artigo 965º), e o dono do mesmo continuou o seu aproveitamento para fins agrícolas e o poste de telecomunicações da Recorrente, não impedia o seu cultivo, como certamente não impediria ainda hoje, caso fosse esse o interesse do recorrido, o que não é, face aos factos provados nas alíneas R) e S) e não existe um único documento junto aos autos que prove tal facto.

-Al. H) -  o recorrido nunca quis fazer esse aproveitamento do terreno para o efeito da agricultura conforme consta dos factos provados nas alíneas R) e S), e não existe um único documento junto aos autos que prove tal facto, mais, se o pai do recorrido (primitivo dono do terreno), podia fazer tal aproveitamento, qual o motivo de o recorrido não poder continuar essa atividade, como sempre aconteceu.

-Al. I)- O requerido nunca quis fazer esse aproveitamento do terreno para efeito da agrícola conforme consta dos factos provados nas alíneas R) e S).

-Al. K)- A MMª Juiz entrou em erro ao confundir potencial interesse e visitas com propostas sérias e credíveis.

-Al. T)- Atento o depoimento da testemunha C. , resulta que o recorrido tinha de saber que há muito lá se encontrava o poste de telecomunicações, pois se em criança quando visitava o terreno já aquele lá se encontrava e se a filha sabia da existência daquele poste de telecomunicações, então o pai também sabia da sua existência, ao que acresce a existência da escritura de doação, com as suas necessárias consequências legais.

A testemunha C. afirmou de forma perentória que dada a colocação do poste no meio do terreno não é possível utilizar um trator.

As testemunhas H., I. e C. , filhas do recorrido disseram que foi sempre intenção do pai em vender o terreno para as ajudar financeiramente.

As testemunhas D. e E. , consultores imobiliários da F.e da G., respetivamente, afirmaram de forma perentória que a colocação do poste no meio do terreno do autor, ora recorrido, inviabilizava a construção e que os interessados que visitaram o terreno pretendiam comprar para construir.  Mais referiram que não obstante a baixa de preço, não foi possível a sua venda. Acresce dizer que a testemunha D. referiu que os clientes chegados ao local diziam que o “poste desfigurava o ambiente”.

Teve-se também em conta, os documentos de fls. 13-v, 14, 18, 19, 20, 21, 22, 23.

As testemunhas I. e C. afirmaram que este regressou a Portugal em 2006, depois de viver em França durante mais de 40 anos e que o poste colocado no terreno tem uma configuração diferente. Antigamente era um poste em madeira com um ou dois fios e que foi tendo cada vez mais fios, apresentando agora uma base em cimento.

Não é assim possível concluir, que o recorrido tinha conhecimento do poste, desde a data da doação, como afirma a recorrente.

Em face do exposto, entende-se que apenas a factualidade da alínea K) deve transitar para os factos não provados, porquanto nenhuma das testemunhas inquiridas referiu que foram formuladas propostas de aquisição do terreno. Também não foi junto aos autos documento que comprovasse tal factualidade.

A matéria de facto fica assim estabilizada da seguinte forma:

Factos provados:

A) Encontra-se inscrito a favor do Autor o prédio urbano, sito no Bairro de ..., na freguesia de ..., do concelho de ..., composto de terreno para construção urbana, com a área de 1.364,00 m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo nº 2768, a confrontar a norte com Caminho Publico, Sul com ..., nascente com ... e poente com Caminho Publico, e descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de ... sob o nº 4234/20130117, com o valor patrimonial de 14.520,00.

B) A propriedade do prédio referido no ponto anterior encontra-se inscrita a favor do Autor, pela Ap. 1216 de 2013/08/02, por via de divisão de coisa comum.

C) Em 2004 e 2005, o prédio referido em A) integrava o artigo rústico registado na Caderneta predial Rustica da freguesia de ..., sob o artigo 965, objeto de aludida ação de divisão de coisa comum.

D) A Ré mantém colocado, pelo menos desde 1995, no terreno referido em A), um poste de infraestrutura de telecomunicações que actualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento).

E) O réu não consentiu as instalações referidas em D).

F) A ré sabia que o terreno em causa não é público e que tinha e sempre teve dono.

G) Em virtude do descrito em D), o Autor está impedido de usar e fruir o dito terreno;

H) Estando impedido de preparar a terra, cultivando-o ou nele plantado arvores;

I) Não conseguindo retirar do terreno qualquer proveito até à presente data.

J) Alem disso, o Autor tem o terreno em questão à venda em agências imobiliárias.

 K)- Transitou para os factos não provados.

L) No entanto, todas essas propostas de aquisição foram retiradas pelo facto dos interessados, ao visitarem o local, se depararem com a instalação do referido poste e demais estruturas implantadas no terreno, vendo nisso, um claro e evidente obstáculo à construção de uma habitação, e ainda o livre uso e fruição do terreno.

M) O Autor deixou de poder ajudar a sua filha H., de 40 anos, regressada de França, que se encontrava desempregada até há bem pouco tempo, no momento em que esta pretendeu estabelecer-se em negócio próprio, tal como veio a suceder.

N) De ajudar ainda a sua filha mais nova I., também ela regressada de França, igualmente desempregada até há pouco tempo, no momento em que esta também quis estabelecer-se em negocio próprio de cabeleireira, o que sucedeu.

O) Assim, o Autor viu as suas filhas passarem por dificuldades que poderiam ter sido evitadas se dispusessem dos meios financeiros que lhe adviriam da venda do seu terreno, o que lhes causou imenso sofrimento, angustia e preocupação.

P) O Autor deixou ainda de poder contar com o produto da venda do terreno para se deslocar a França com a frequência que desejava e que sempre perspetivou poder fazer durante a sua reforma, para visitar os seus amigos de toda uma vida.

Q) Por tudo isto, esta situação está a causar ao Autor sérios incómodos, aborrecimentos, arrelias e preocupações diários.

R) O autor não pretende construir no terreno em causa, nem possui meios financeiros disponíveis que lhe permitam custear qualquer construção ou edificação no referido terreno.

S) O autor pretende proceder à venda do prédio.

T) Desde 2006 que o autor tem conhecimento da ocupação referida em D).

U) Em resposta à missiva datada de 30.09.2019 que o autor enviou à ré a reiterar o pedido de remoção dos equipamentos de telecomunicações, a ré remeteu ao autor a carta datada de 22.10.2019 que constitui o doc. nº 10 junto à petição, na qual comunica, além do mais, o seguinte: (…)

“Em resposta, informamos que o traçado/poste supra referenciado foi implantado, ao abrigo do artigo 124º, do Decreto nº 5786, de 10 de Maio de 1919. No âmbito da legislação então em vigor, assistia à Telecom Portugal, SA, o direito de colocar postes ou apoios particulares o direito de aceder a terrenos e edifícios públicos e privados, bem como passar fios condutores em propriedades particulares (…)”, sempre que tal se mostrasse necessário à gestão e exploração do serviço publico de telecomunicações. O referido direito foi transferido para a PT Comunicações SA, por força do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, e do Decreto Lei nº 219/2000, de 09 de Setembro. Empresa que alterou a sua denominação para MEOSERVIÇOS DE COEMUNICAÇÕES E MULTIMEDIA, S.A..(…)” ,,.

“(…) Esclarecemos que a remoção/desvio da referida infraestrutura é legalmente exigível apenas nos casos previstos no §segundo do artigo 124 do decreto nº 5786 de 10.05 de 1919, isto é, desde que pretenda realizar obras de reparação, construção, reconstrução, ou ampliação do ou respectivo prédio, devendo para o efeito, exibir ou juntar documento que permita concluir nesse sentido”.

V) A acção deu entrada em juízo em 28.11.19 e a ré citada em 3.12.2019.

Factos não provados:

-O terreno em questão, tem sido alvo de propostas de aquisição


3. Remoção dos equipamentos instalados no prédio do autor.

Na sentença recorrida concluiu-se que “não se vislumbra que a invocada servidão emirja directa e imediatamente da lei como defende a ré. Por outro lado, a ré não alegou ter alguma vez desencadeado o procedimento tendente à constituição de servição administrativa, pelo que, ao ocupar o prédio do autor sem o consentimento e contra a vontade deste actua ilegalmente. Está, pois, obrigada a proceder à remoção dos equipamentos instalados no prédio do autor.”

A apelante pelo contrário, sustenta, que foi constituída uma servidão “ope legis” sobre a área em que se encontra implantada a estrutura de telecomunicações, uma vez que a recorrente se encontrava investida de poderes e prerrogativas de autoridade (ius imperii), e podiam implantar as respetivas infraestruturas de telecomunicações observando o disposto no Decreto 14881, de 13 de janeiro de 1928, i.e. poderiam constituir servidões administrativas ex vi legis, exercendo os direitos e cumprindo as formalidades previstas no Decreto 5786, de maio de 1919, conjugados.

Vejamos, então, se é de manter ou não a decisão recorrida.

Em causa nos autos está a colocação, pelo menos desde 1995, num terreno do autor, de um poste de infraestrutura de telecomunicações que atualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal (em cimento) (alínea D) da matéria de facto dada como provada.

Em 1995 vigorava a Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infraestruturas e Serviços de Telecomunicações (Lei 88/89, de 11-09).

O seu artigo 4º, nº 2, al. i) dispõe que “Incluem-se, ainda, nas atribuições do Estado em matéria de regulamentação, superintendência e fiscalização das telecomunicações a declaração de utilidade pública das expropriações e a constituição de servidões necessárias ao estabelecimento de infra-estruturas de telecomunicações e à fiscalização do domínio público radioeléctrico”.

E o artigo 12º, nº 2 estabelece que “É permitida, nos termos da lei, a expropriação de imóveis, bem como a constituição das servidões administrativas indispensáveis à instalação, protecção e conservação das infra-estruturas da rede de telecomunicações de uso público”.

No ano de 1995 foi publicado o DL nº 40/95, de 15-02 que aprovou as bases da concessão do serviço público de telecomunicações que no seu art.º 29º dom a epígrafe “Direitos da Concessionária” dispunha:

“Pelo contrato de concessão é a concessionária investida nos seguintes direitos:
a) Explorar a concessão nos termos das presentes bases;
b) Cobrar os preços dos serviços que presta;
c) Proceder, de acordo com a lei nos termos do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei 445/91, de 20 de novembro, com dispensa de licenciamento municipal, a obras e trabalhos necessários à implantação, conservação e manutenção das infra-estruturas de telecomunicações afectas á concessão ou à construção, remodelação e conservação dos edifícios a elas afectos;
d) Requerer expropriações por utilidade publica, requerer a constituição de servidões administrativas, estabelecer zonas de proteção e aceder a terrenos e edifícios públicos e privados, sempre que tal se mostre necessário à exploração dos serviços concessionados e com observação da legislação em vigor;
e) Ocupar e utilizar, nos termos fixados na lei, as ruas, praças, estradas, caminhos e cursos de água, bem como terrenos ao longo dos caminhos de ferro e de quaisquer vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e de quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objeto da concessão;
f) Utilizar frequências radioelétricas necessárias à prestação dos serviços objeto da presente concessão e que lhe sejam consignadas pela ICP”.
O DL nº 140/95, de 15-02 foi revogado pelo DL nº 31/2003, de 17-02, cujo artigo 14º sob a epígrafe “direitos da concessionária” estabelecia no nº 2 da al. c) que “constituem direitos da concessionária requerer expropriações por utilidade pública, requerer a constituição de servidões administrativas, estabelecer zonas de proteção e aceder a terrenos e edifícios públicos e privados, sempre que tal se mostre necessário ao cumprimento das obrigações de concessão e com a observância da legislação em vigor”.
O DL nº 35/2014, de 7-05 revogou o DL nº 31/2003, de 17-02.
A Lei nº 5/2004, de 10 de fevereiro (com sucessivas alterações, sendo a última introduzida pelo DL nº 49/2020, de 4-8), atualmente em vigor, estabelece no artigo 24º com a epígrafe “Direitos que passagem que “Às empresas que oferecem redes de comunicações públicas e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é garantido o direito de requerer, nos termos da lei geral, a expropriação e a constituição de servidões administrativas indispensáveis à instalação, protecção e conservação dos respectivos sistemas, equipamentos e demais recursos (nº 1, alínea a)).

“As servidões são encargos impostos por lei, ato ou contrato sobre certo prédio em beneficio da utilidade pública de uma coisa. Em termos de conteúdo, a servidão administrativa não se distingue da servidão civil, impondo ambas uma oneração do prédio serviente, a limitação do direito do proprietário para praticar atos que afetem a servidão e a concessão de utilidade ao prédio dominante. Distingue-as a circunstância de a servição administrativa ter como escopo a satisfação de necessidades coletivas públicas.”

(…)

“As servidões administrativas podem ser constituídas por diversas vias (artigo 8º do CE). Em primeiro lugar, a lei pode ser fonte de servidões administrativas “pela submissão automática a regimes uniformes e geneticamente predeterminados de todos os prédios que se encontrem em determinadas condições, objetivamente fixadas na lei. O mesmo pode acontecer através de ato administrativo individual e concreto que reconhece a utilidade pública justificativa da servidão e define aspetos do seu regime, nomeadamente quanto à área serviente e aos encargos aí impostos. Finalmente, também é de encarar a existência de um contrato como meio substitutivo do ato administrativo de constituição da servidão administrativa (contrato sobre o exercício de poderes públicos).

As servidões administrativas legais são assim as que resultam diretamente da lei, não sendo necessária a prática de qualquer ato de vontade subsequente para o preenchimento da decisão legal. Exemplo típico deste tipo de servidões é o caso das servidões non aedificandi a que está sujeito o proprietário confinante com a estrada (nacional ou municipal). Este tipo de servidões está constituído e definido com a publicação da lei.

Na maior parte dos casos, aliás, as servidões administrativas resultam de atos administrativos. O artigo 8º, n.º 1 do Código das Expropriações prevê a possibilidade genérica da sua constituição, sempre que as mesmas sejam necessárias à realização de fins de interesse público, funcionando nestes casos como lei habilitante.

Esta norma confere uma ampla margem de discricionariedade à administração na instituição das servidões públicas, mas a sua constituição impõe a realização do ato administrativo de reconhecimento da utilidade pública justificativa da servidão

Entre as servidões administrativas que exigem a prática de um ato definidor da Administração, estão sem dúvida as servidões indispensáveis à instalação, proteção e conservação das infraestruturas da rede de telecomunicações[3].”

No caso presente, não há elementos que permitam concluir que existiu um ato definidor da administração exigido pela servidão em causa.

Nestas circunstâncias, ainda que existente, a servidão ao não se encontrar regulamente constituída, carecendo de um ato da administração definidor, não pode ser imposta legitimamente, consubstanciando a sua implantação uma agressão ao direito de propriedade do autor[4].

Ou seja, por outras palavras, é ilícita a atuação da ré que contra a vontade do proprietário do prédio mantém neste pelo menos desde 1995, um poste de infraestrutura de telecomunicações que atualmente suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e ainda um armário de rua em base pedestal, quando essa ocupação não foi feita a coberto de ato expropriativo, nem servidão administrativa[5] (cuja prova competiria à ré, ora apelada).

Consequentemente, impõe-se confirmar o primeiro segmento da sentença recorrida em que se condenou a ré a “retirar o poste da infraestrutura de telecomunicações que suporta a rede de serviços em fibra ótica, onde há uma confluência de vários traçados, e o armário de rua em base pedestal (cimento) colocados no terreno descrito no ponto A) dos factos provados, restituindo ao Autor o espaço ocupado”.

 
4. Prescrição do direito de indemnização.

Na sentença recorrida considerou-se que “Resulta assente que, desde 2006, o autor tem conhecimento da ocupação do prédio pela ré (cfr, facto provado T), e que adquiriu o seu direito de propriedade, em 02.08.2013 (cfr. factos provados A) e B). Por outro lado, a carta endereçada pelo autor à ré em 2019 já a interpelava para a remoção do poste e dos equipamentos (cfr. facto provado U)), o que pressuponha o entendimento de que tal ocupação era ilegal, para além de que é o próprio autor que alega na petição que nem ele nem os antepossuidores autorizaram a colocação do poste e demais equipamentos, tendo sido por isso que exigiu à ré a sua remoção (cfr. arts. 12º a 16ª da petição). Assim sendo, considera-se que o autor, a partir do momento em que adquiriu a propriedade tomou consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos dessa ocupação não autorizada, iniciando-se o prazo de prescrição na data da aquisição.

Sucede que o acto ilícito da ré não tem carácter instantâneo, sendo, ao invés, uma conduta ilegal continuada ou permanente, em que a cada diz produz um novo dano.

(…).

Os danos reclamados não se produziram todos na data da aquisição, mas a cada dia da ocupação pela ré.

Considerando que a presente ação foi proposta em 29.11.19 e que a prescrição se interrompeu com a citação em 03.12.19 (art.º 323º, nº 1 do C.CIVIL), o direito de indemnização que o autor pretende fazer valer prescreveu relativamente aos danos causados pela ocupação do prédio até ao dia 03.12.16. mantendo-se, todavia, incólume relativamente ao período que decorreu desde tal data (3 anos)”.

Sustenta o recorrente que o prazo de 3 anos previsto no art.º 498º do Código Civil já tinha decorrido quando a ação deu entrada em juízo em novembro de 2019, já que o mesmo tem de contar-se desde a data em que o prédio onde se encontra implantado o poste veio à posse do autor em 1997 e não da divisão da propriedade.

No âmbito da prescrição da responsabilidade civil por facto ilícito, dispõe o art.º 498.º, n.º 1, do Código Civil (CC):

“O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.

Como decorre desta norma legal, o prazo de três anos, para a prescrição do direito de indemnização, decorrente da responsabilidade civil por facto ilícito, tem o seu termo inicial no conhecimento, pelo lesado, dos respetivos pressupostos, ou seja, que sabe ter o direito à indemnização.

Esta prescrição especial de curto prazo, justificada por razões de interesse social, destina-se a compelir o lesado a exercer o direito à indemnização em prazo curto, de modo a facilitar a respetiva prova em tribunal[6].

Para a efetivação da responsabilidade civil não é indispensável o conhecimento exato do montante dos danos sofridos, como decorre, expressamente, do disposto no art.º 569.º do CC, nos termos do qual quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos. No entanto, os danos, assim como os restantes pressupostos da responsabilidade civil, têm de existir.

Por isso, se compreende também que o prazo especial da prescrição de três anos comece a correr a partir do momento em que o lesado toma conhecimento do seu direito à indemnização, que pode coincidir, ou não, com o facto ilícito.

De resto, se assim não fosse, não se perceberia o sentido conferido à norma do n.º 4 do art.º 498.º do CC, nomeadamente que a prescrição do direito de indemnização não importa a prescrição da ação de reivindicação, havendo cumulação de pedidos.

Assim, mesmo que persistam efeitos do facto ilícito, designadamente os danos, o começo do prazo da prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização.

Nestas circunstâncias, o prazo da prescrição do pedido de indemnização começou a correr a partir de 2-08-2013, data em que adquiriu o seu direito de propriedade sobre o terreno onde está implantado o poste, sendo certo que tem conhecimento dessa ocupação desde 2006. Ou seja, desde 2-08-2013 que o recorrido sabe que pode exercer o direito à indemnização pelos danos causados pela recorrente.

A ação, porém, foi proposta apenas em 28-11-2019, vindo a recorrida a ser citada em 3-12-2019, pelo que, nesta ocasião, tinha já transcorrido o prazo da prescrição de três anos, a partir do momento em que o recorrido soube que tinha o direito de indemnização sobre a recorrente.

Como se referiu, a circunstância relevante para a determinação do começo do prazo da prescrição é o conhecimento do direito à indemnização e não o facto, sendo certo também não ser indispensável conhecer a extensão integral do dano.

Deste modo, não se pode aceitar o entendimento sufragado pela sentença recorrida, de que o ato ilícito da ré não tem caráter instantâneo, sendo, ao invés uma conduta ilegal continuada ou permanente, em que cada dia produz um novo dano, para concluir que “considerando que a presente ação foi proposta em 29.11.19 e que a prescrição se interrompeu com a citação em 03.12.19 (art.º 323º, nº 1 do Código Civil) o direito de indemnização que o autor pretende fazer valer prescreveu relativamente aos danos causados pela ocupação do prédio até ao dia 3.12.2016. Mantendo-se, todavia, incólume relativamente ao período que decorreu desde tal data (3 anos)”.

De resto, tal entendimento redundaria na dilatação do início do prazo da prescrição, claramente contrária ao propósito tido em vista pelo legislador[7].

No sentido de que o termo inicial do prazo de prescrição, para os efeitos do disposto no art.º 498.º, n.º 1, do CC, conta-se a partir do conhecimento que o lesado tem do direito à indemnização, decidiram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 1996[8]  e de 4 de novembro de 2008[9].

Assim sendo transcorrido o prazo de três anos desde que o recorrido tem conhecimento do direito à indemnização, este encontra-se prescrito.

Com a procedência da exceção da perentória da prescrição, ficou extinto o direito de crédito peticionado na ação, acarretando a absolvição da recorrente do pedido (art.º 304.º n.º 1, do CC)[10].

                                                                                              x

                Fica assim prejudicado o conhecimento da questão do valor fixado a título de indemnização- artigo 608º, nº 2 ex vi do artigo 663º, nº 2, ambos do CPC.

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):

(…)

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar parcialmente a apelação, revogando-se o segmento da sentença recorrida “Pagar ao Autor, a título de danos, o valor de €3.000,00 (três mil euros)” que se substitui por outro com a seguinte redação: Absolvo o réu, do pedido de indemnização formulado contra si.

No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida.

Custas pela apelante e apelado neste recurso e na 1ª instância em partes iguais.

                                                                                              Coimbra, 18 de janeiro de 2022

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Jaime Ferreira- adjunto

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se,

no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original


[1] Proc. 898.17.9T8SNT.L1.S1, relator Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.

[2] AC. do STJ, de 3-03-2021, proc. 12489/19.0T8LSB.L1.S1, relator Júlio Gomes, www.dgsi.pt.

[3] João Miranda, Direito Administrativo dos Bens- Introdução à Teoria Geral dos Bens Públicos, AAFDL Editora, pp. 242-244.
[4] Ac. do TRL, de 26-06-2003, proc. 8793/2002-2, relatora Graça Amaral, www.dgsi.pt.
[5] Ac. do TRC, de 03-02-2009, proc. 2337/04.XLSB.C1, relatora Isabel Fonseca, www.dgsi.pt.

[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, 2004, pág. 625, e A. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 107.º, 1974, 299).
[7] Rodrigues Bastos, Das Obrigações em Geral, 1972, pág. 131.
[8] BMJ n.º 445, pág. 441.
[9] Proc. 08A3127, relator Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.
[10] Ac. do STJ, de 21-06-2018, proc. 1006/15.0T8AGH.L1.S1, relator Olindo Geraldes, www.dgsi.pt.