Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
743/23.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
FALTA DE CITAÇÃO
REEXPEDIÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA
Data do Acordão: 01/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 187.º, ALÍNEA A), 198.º, E 246.º, N.ºS 2 A 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Se a Ré celebrou com CTT-Correios de Portugal, SA, um contrato de reexpedição de correspondência, impunha-se àquela o cumprimento do contrato nos termos constantes do mesmo, ou seja, que as cartas endereçadas para a sede da Ré fossem reexpedidas para a morada indicada pela mesma, salvo a correspondência excluída no mesmo.
II – A lei não faz qualquer referência à reexpedição de correspondência, no entanto, estando a mesma contratada com os correios e não tendo sido reexpedida para a morada indicada pela Ré a primeira carta registada com AR que lhe foi enviada para citação na sua sede inscrita no RNPC, impõe-se concluir que tal citação não chegou ao conhecimento da Ré por facto que lhe não é imputável e, por isso, verifica-se a nulidade por falta de citação, com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial (artigo 187.º, a), do CPC).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum contra

A..., Ldª, com sede em ...

pedindo que:

NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.ª EX.ª , DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA E CONSEQUENTEMENTE:

A) A ser condenada a pagar ao Autor, a importância de 3.400,00€, a título de retribuição mensal base referente ao período compreendido entre Abril a Julho de 2022;

B) A ser condenada a pagar ao Autor a importância de 419,76€ referente ao subsídio de alimentação referente ao período compreendido entre Abril e Julho de 2022;

C) A Ré ser condenada a pagar ao Autor, a importância de 794,00€, correspondente aos proporcionais de subsídio de férias e subsídio de Natal, referente ao período compreendido entre Janeiro e Julho de 2022;

D) A ser condenada a pagar ao Autor a importância de 397,00€, referente ao proporcional de férias não gozadas (14 dias);

E) A ser condenada a pagar ao Autor a importância de 196,00€, referente à formação profissional (40 horas);

F) Ser o despedimento considerado ilícito nos termos legais e a Ré condenada ao pagamento de uma indemnização ao Autor, no montante de 1.275,00€.

H) A ser condenada a pagar ao Autor juros vencidos e vincendos à taxa legal sobre as importâncias peticionadas desde a data do incumprimento e até efectivo e integral pagamento.”

                                                             *

A Ré não apresentou contestação.

                                                             *

Foi proferida a sentença de fls. 51 a 52 e cujo dispositivo é o seguinte:

“Pelo exposto, julgando procedente a acção, o Tribunal decide:

1) Declarar que entre o Autor/Trabalhador AA e a Ré/Empregadora A...,L.davigorou um contrato de trabalho subordinado sem termo entre 13-06-2021 e Julho de 2022.

2) Declarar ilícito o despedimento por extinção do posto de trabalho do Autor levado a cabo pela Ré.

3) Condenar a a pagar ao Autor as seguintes quantias:

3.1) €.3.400,00 a título de retribuições referentes aos meses de Abril a Abril de 2022;

3.2) €.419,76 a título de subsídio de alimentação;

3.3) €.794,00 a título de proporcionais de subsídios de férias e de Natal;

3.4) €.397,00 a título de férias não gozadas;

3.5) €.196,00 a título de formação profissional não ministrada;

3.6) €.1.275,00 a título de indemnização por despedimento ilícito;

3.7) Juros moratórios, à taxa legal civil, sobre as quantias referidas em 3.1) a 3.6), desde 13-02-2023 até integral pagamento.

4) Fixar o valor da Acção em €.6.481,46 (art.º 306.º/2 CPC).

5) Condenar a no pagamento das custas (art.º 527.º CPC).”

*

Notificada desta sentença, a Ré veio arguir a nulidade da citação.

                                                             *

Foi, então, proferida a decisão de fls. 65 a 66 com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Julgar improcedente a alegada nulidade por falta de citação da para a presente Acção.

2) Condenar a nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça em 1 UC [art.º 7.º/4 RCP].”

                                                             *

A , notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“1. Nos presentes autos foi expedida carta registada com aviso de receção para citação da recorrente em 17.02.2022 para a sede desta tendo sido devolvida aos autos.

2. Em 08.03.2023 foi enviada a segunda carta para citação destinada à recorrente e igualmente para a sede social da empresa.

3. A recorrente também não teve conhecimento desta carta, pelo que não esteve presente na audiência de partes sendo que, nos termos da lei adjetiva, se presumiu citada.

4. Como a sede social é um endereço emprestado por um conhecido sendo que o imóvel se encontra devoluto de pessoas e bens e a recorrente estava ciente de que poderia receber cartas, em 12.10.2022 contratualizou um serviço automático de reexpedição de correspondência para empresas com os CTT, válido pelo período de um ano.

5. À correspondência que é objeto de reencaminhamento automático é aposta uma etiqueta com o endereço de reexpedição, sendo que da consulta dos presentes autos se contata que as únicas missivas recebidas pela ora recorrente e que tinham aposto tal carimbo foi a da guia de custas recebida em 24.04.2023 e a da douta sentença proferida (e recebida em data posterior, após reexpedição); as duas cartas de citação não têm aposta tal etiqueta e a recorrente nunca as recebeu.

6. Na perspetiva do Tribunal a quo, na prática nunca poderá existir nulidade de citação no caso das pessoas coletivas atento o disposto no artigo 246.º, n.º 4, do CPC, sendo que esta interpretação afasta-se da teleologia própria do artigo 246.º, n.º 4, do CPC.

7. O douto Tribunal a quo acaba  por fazer um raciocínio sincopado interpretando de forma redutora o convocado artigo 188.º reportando-o, apenas, à segunda carta de citação, mas desconsiderando a postura da recorrente no que tange à primeira carta para citação violando o artigo 6.º, n.º 1, in fine do CPC pois que não garante a justa composição do litígio dado que há um prejuízo da recorrente ao não lhe ser permitir o direito ao contraditório refugiando-se o Tribunal a quo numa presunção legal que, de facto, foi objetivamente ilidida pela recorrente.

8. O regime legal do artigo 246.º, n.º 4, (e também do 229.º, n.º 5) revela-se como necessário para evitar  delongas processuais desencadeadas por intervenientes processuais contumazes, o que manifestamente não é o caso da recorrente; só foi necessário enviar a segunda carta porque a recorrente não recebeu a primeira, mas não poderia o Tribunal a quo deixar de ponderar a razão pela qual foi enviada a segunda carta; na verdade, no caso concreto, optar-se por uma presunção (aparentemente) inilidível viola, de forma ostensiva, o direito ao acesso e à justiça previsto no artigo 20.º da CRP, pelo que a interpretação feita do artigo 246.º, n.º 4, in casu, revela-se materialmente inconstitucional, o que expressamente se argue.

9. À correspondência que é objeto de reencaminhamento automático é aposta uma etiqueta com o endereço de reexpedição, sendo que da consulta dos presentes autos se contata que as únicas missivas recebidas pela ora recorrente e que tinham aposto tal carimbo foi a da guia de custas recebida em 24.04.2023 e a da douta sentença proferida (e recebida em data posterior, após reexpedição). As duas cartas de citação não têm aposta tal etiqueta e a recorrente nunca as recebeu.

10. O douto Tribunal a quo desconsiderou a dilação que ao caso cabia, pelo que o prazo de contestação não findaria em 11.04.2023, mas, sim, em 10.05.2023.

11. A douta sentença foi proferida em 20.04.2023, pelo que não respeitou o prazo de que a recorrente dispunha para contestar.

12. Sob pena de violação dos artigos 246.º, n.º 4, 229.º, n.º 5, 188.º e 6.º, n.º 1, todos do CPC, bem como o artigo 9.º, n.º 1, do CC, deve o presente merecer provimento e, em consequência, julgar-se como nula a citação efetuada,  ordenando-se a repetição da citação para que a recorrente possa apresentar contestação;

Quando assim não se entenda, o que não se concede,

13. Sob pena de violação dos artigos 245.º, n.º 3, e 3.º, n.º 1 e 3, ambos do CPC deve ser anulada a douta sentença e ordenada a devolução dos autos à primeira instância em ordem a que esta notifique a recorrente para contestar fixando-se o prazo que tiver por adequado ao abrigo do artigo 6.º do CPC, assim se fazendo JUSTIÇA!”

*

O Autor apresentou resposta, concluindo que:

(…).

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que antecede no sentido de que a apelação deverá ser julgada parcialmente procedente.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar as seguintes questões:

1ª – Se ocorreu o vício de falta de citação da Ré.

2ª – Se não foi concedida à Ré a dilação de 30 dias prevista para apresentar a contestação.

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados:

Os constantes do relatório que antecede e ainda:

1. No dia 17/02/2023 foi enviada para a sede da Ré carta registada com AR para citação (constante de fls. 2) e que foi devolvida com a menção de objeto não reclamado.

2. No dia 08/03/2023 foi enviada uma 2ª carta registada com AR para citação da Ré na sua sede e que, na impossibilidade de entrega, em 09/03/2023, foi depositada no recetáculo postal domiciliário da morada indicada (fls. 64).

3. Em 12/10/2022 a Ré celebrou com CTT-Correios de Portugal, SA, um contrato de reexpedição de correspondência (fls. 62), em vigor até 14/10/2023.

                                                                       *

                                                             *

b) - Discussão

Apreciando as questões suscitadas pela Ré recorrente:

1ª – Se ocorreu o vício de falta de citação da Ré.

Alega a Ré recorrente que:

- Nos presentes autos foi expedida carta registada com aviso de receção para citação da recorrente em 17.02.2022 para a sede desta tendo sido devolvida aos autos.

- Em 08.03.2023 foi enviada a segunda carta para citação destinada à recorrente e igualmente para a sede social da empresa.

- A recorrente também não teve conhecimento desta carta, pelo que não esteve presente na audiência de partes sendo que, nos termos da lei adjetiva, se presumiu citada.

- Como a sede social é um endereço emprestado por um conhecido sendo que o imóvel se encontra devoluto de pessoas e bens e a recorrente estava ciente de que poderia receber cartas, em 12.10.2022 contratualizou um serviço automático de reexpedição de correspondência para empresas com os CTT, válido pelo período de um ano.

- À correspondência que é objeto de reencaminhamento automático é aposta uma etiqueta com o endereço de reexpedição, sendo que da consulta dos presentes autos se contata que as únicas missivas recebidas pela ora recorrente e que tinham aposto tal carimbo foi a da guia de custas recebida em 24.04.2023 e a da douta sentença proferida (e recebida em data posterior, após reexpedição); as duas cartas de citação não têm aposta tal etiqueta e a recorrente nunca as recebeu.

- Na perspetiva do Tribunal a quo, na prática nunca poderá existir nulidade de citação no caso das pessoas coletivas atento o disposto no artigo 246.º, n.º 4, do CPC, sendo que esta interpretação afasta-se da teleologia própria do artigo 246.º, n.º 4, do CPC.

- O Tribunal a quo acaba  por fazer um raciocínio sincopado interpretando de forma redutora o convocado artigo 188.º reportando-o, apenas, à segunda carta de citação, mas desconsiderando a postura da recorrente no que tange à primeira carta para citação violando o artigo 6.º, n.º 1, in fine do CPC pois que não garante a justa composição do litígio dado que há um prejuízo da recorrente ao não lhe ser permitir o direito ao contraditório refugiando-se o Tribunal a quo numa presunção legal que, de facto, foi objetivamente ilidida pela recorrente.

- Não poderia o Tribunal a quo deixar de ponderar a razão pela qual foi enviada a segunda carta; na verdade, no caso concreto, optar-se por uma presunção (aparentemente) inilidível viola, de forma ostensiva, o direito ao acesso e à justiça previsto no artigo 20.º da CRP, pelo que a interpretação feita do artigo 246.º, n.º 4, in casu, revela-se materialmente inconstitucional, o que expressamente se argui.

- Sob pena de violação dos artigos 246.º, n.º 4, 229.º, n.º 5, 188.º e 6.º, n.º 1, todos do CPC, bem como o artigo 9.º, n.º 1, do CC, deve julgar-se como nula a citação efetuada, ordenando-se a repetição da citação para que a recorrente possa apresentar contestação.

A este propósito foi proferida a seguinte decisão:

A sede da sociedade tem como morada, devidamente registada na sua matrícula na Conservatória do Registo Comercial, a “Rua ..., ..., ... ...”.

A 17-02-2023, foi expedida carta registada com aviso de recepção para a citação da na respectiva sede; carta que veio devolvida com a menção de objecto não reclamado.

A 08-03-2023, foi expedida 2.ª carta registada com aviso de recepção para a citação da na respectiva sede; tal carta, por impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal da morada da sede da a 09-03-2023.

A 12-10-2022, a celebrou com a “CTT-CORREIOS DE PORTUGAL,S.A.” um contrato de reexpedição de correspondência.

Alega a que não teve conhecimento das cartas de citação dado que a “CTT-CORREIOS DE PORTUGAL,S.A.” não cumpriu o contrato e, portanto, não reexpediu a correspondência.

Porém, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, não é possível concordar que tal alegada falta de conhecimento não seja imputável à à luz do art.º 188.º/1/e) CPC.

Com efeito, a citação da sociedade cumpriu integralmente o disposto no art.º 246.º CPC.

Na verdade, o art.º 246.º/4 CPC remete para o art.º 229.º/5 CPC e este, por sua vez, para o art.º 230.º/2 CPC, o qual determina que a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

Sobre o tema, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA [em anotação ao artigo 230.º no seu CPC Online, publicado no Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.pt)] refere que: “Os n.º 1 e 2 estabelecem, em condições diferentes, uma presunção ilidível de conhecimento do acto que foi citado. A ilisão da presunção exige a (difícil) prova pelo citando de que não teve conhecimento do acto de citação (art. 350.º, n.º 2, CC)...”;

Por sua vez, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE [“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1.º, 3.º Edição, Setembro 2014, página 445] referem que: “Já no caso em que é depositada a carta ou deixado aviso nos termos do art. 229-5 (aplicável quando haja domicílio convencionado, e também quando o citando é pessoa coletiva: art. 246-4), o n.º 2 estabelece uma presunção que é, em princípio, inilidível...”.

No caso concreto, está assente que a 2.ª carta de citação foi depositada no receptáculo postal da morada da sede da sociedade e, portanto, presume-se que a teve oportuno conhecimento do seu teor.

Invoca a que não obteve esse conhecimento dado que a “CTT-CORREIOS DE PORTUGAL,S.A.” não cumpriu o contrato de reexpedição de correspondência e que, portanto, tal falta de conhecimento não lhe é imputável.

É neste ponto fulcral que assenta a nossa discordância em relação à falta de conhecimento não ser imputável à à luz do art.º 188.º/1/e) CPC.

Com efeito, o contrato que a celebrou com a “CTT-CORREIOS DE PORTUGAL,S.A.” é, a nosso ver, claro e inequívoco sobre esta matéria, sendo que o legal representante da declarou ter tomado conhecimento e aceitou as condições gerais do serviço de reexpedição de correspondência.

Ora, compulsada a Condição 3. do contrato sobre reexpedição, constata-se que na Condição 3.2. expressamente se prevê que não são reexpedidas (i) correspondências em que o remetente tenha proibido a reexpedição por meio de anotação inscrita junto ao endereço inicial, (ii) Encomendas, (iii) Correio expresso, (iv) Citações Via Postal 2.ª Tentativa e (v) Notificações Via Postal Simples.

Deste modo, é manifesto que a não poderia esperar que a citação fosse reexpedida em cumprimento do contrato, pois tal objecto postal está expressamente previsto como sendo um dos que não é reexpedido [nem tal reexpedição poderia ocorrer pois a lei é expressa (art.º 229.º/5 CPC) ao obrigar o distribuidor do serviço postal a depositar a carta no receptáculo postal da morada da sociedade citanda e não em qualquer outro local, o que, a acontecer, implicaria a nulidade da citação por não observância das formalidades prescritas na lei (art.º 191.º/1 CPC)].

Assim, impunha-se à que visitasse com a necessária frequência o receptáculo postal da morada da sua sede social de modo a que pudesse recolher toda a correspondência que se encontra excluída do contrato de reexpedição, nomeadamente as citações postais em 2.ª tentativa e notificações por via postal simples.

Em conclusão, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, é imputável à o eventual não conhecimento do acto da sua citação que teve lugar na presente Acção através de citação por via postal 2.ª tentativa que foi depositada no receptáculo postal da morada da sua sede social, pelo que não se verifica a alegada falta de citação à luz do art.º 188.º/1/e) CPC.”

Vejamos:

Conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 188.º do CPC:

<<1 – Há falta de citação:

(…)

e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.

Esta falta de citação é classificada como nulidade principal (artigo 198.º do CPC) e só fica sanada com a intervenção do Réu no processo (artigo 189.º do CPC).

Por outro lado, como refere Lebre de Freitas[2] a propósito da falta de citação, concede-se ao citando a possibilidade “de provar que que dela não chegou a ter conhecimento antes do termo do prazo da defesa, por facto que não lhe seja imputável.”

Por outro lado, as sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes (n.º 1 do artigo 223.º do CPC) e à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nos artigos 225.º e segs. do CPC, com as necessárias adaptações (n.º 1 do artigo 246.º do CPC), sendo que, a carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC – n.º 2 do mesmo artigo 246.º.

Acresce que, conforme resulta dos n.ºs 3 e 4 deste artigo 246.º:

<<3 – Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

4 – Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.>>, ou seja, no caso de a carta registada com AR enviada para citação ser devolvida, é repetida a citação, enviando-se nova carta com aquela advertência de que a citação se considera efetuada, deixando-se a carta na caixa do correio do citando, devendo o distribuidor certificar a data e o local em que depositou o expediente e remeter a certidão ao tribunal.

Pois bem, face aos normativos citados, dúvidas não existem de que este procedimento relatado de repetição da citação só tem lugar no caso de devolução da primeira carta enviada para citação.

Ora, conforme se provou, a primeira carta enviada no dia 17/02/2023 para citação da Ré na sua sede foi devolvida com a menção de objeto não reclamado.  

Acontece que, conforme resulta dos factos provados, em 12/10/2022 a Ré celebrou com CTT-Correios de Portugal, SA, um contrato de reexpedição de correspondência (fls. 62), em vigor até 14/10/2023, pelo que, impunha-se àquela o cumprimento do contrato nos termos constantes do mesmo, ou seja, que as cartas endereçadas para a sede da Ré na Rua ... fossem reexpedidas para a Urbanização ..., salvo a correspondência excluída no mesmo.

A lei não faz qualquer referência à reexpedição de correspondência, no entanto, é nosso entendimento que estando a mesma contratada com os correios e não tendo sido reexpedida para a morada indicada pela Ré a primeira carta registada com AR que lhe foi enviada para citação na sua sede na morada inscrita no RNPC, impõe-se concluir que tal citação não chegou ao conhecimento da Ré por facto que lhe não é imputável.

A não ser assim, ou seja, impondo-se à Ré a obrigação de visitar a caixa do correio da sua sede, ter-se-ia de concluir que o contrato de reexpedição de correspondência ficaria esvaziado de conteúdo, sendo certo que este contrato apenas exclui a reexpedição de citações via postal (2ª tentativa), em consonância com o disposto no n.º 5 do artigo 229.º do CPC que exige o depósito da segunda carta ou que se deixe o aviso.

Todas as considerações constantes da decisão recorrida são aplicáveis à segunda carta enviada para citação (repetição da citação) nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 246.º mas já não à primeira, sendo que, só a presunção a que alude o n.º 2 do artigo 230.º respeitante à segunda citação é que, em princípio, é inilidível posto que, como já referimos, a carta é depositada ou é deixado o aviso nos termos do n.º 5 do artigo 229.º do CPC[3].

Como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 20/10/2016, disponível em www.dgsi.pt:

“Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.

Pode dizer-se, em face disto, que deixou de ser tolerada uma situação de “clandestinidade”, com a manutenção indefinida, voluntariamente ou por simples negligência dos órgãos competentes, de uma sede desatualizada, em prejuízo de terceiros ou do Estado.

O que significa que a lei actual passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha.

(…)

Contudo, existem outros factos apurados que não podem deixar de abalar o acima referido, a saber:

--o pedido que a apelante fez aos CTT para que a correspondência remetida para a morada indicada na pi fosse reexpedida para a morada da nova sede social: R. L... C... nº1, HI F... B..., ...º andar, ....

Reexpedição essa que deveria ocorrer no período em que tiveram lugar a expedição das duas cartas registadas com a/r.

(…)

Como já referimos e aqui reiteramos, a lei actual faz impender sobre a pessoa colectiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal.

Também como já dissemos, a via pela qual a pessoa colectiva tem esse controle está na sua disponibilidade, nomeadamente , utilizar os serviços dos CTT para o efeito.

E foi o que sucedeu, ou seja, a apelante pediu a reexpedição aos CTT, mas por razões estranhas, estes serviços não cumpriram o acordado.

Daí que, sem margem para qualquer dúvida, se possa concluir que a apelante não teve conhecimento da citação por facto imputável a terceiro.”

Face a tudo o que ficou dito, é nosso entendimento que há falta de citação porque a Ré não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que lhe não é imputável e, em consequência, é nulo todo o processado posterior à petição inicial (artigo 187.º, a), do CPC).

Procedem, assim, estas conclusões da recorrente.

                                                             *

2ª questão

Se não foi concedida à Ré a dilação de 30 dias prevista para apresentar a contestação.

Face à anterior decisão no sentido da existência de falta de citação da Ré, a questão ora enunciada encontra-se necessariamente prejudicada.

*

Pelo exposto, na parcial procedência das conclusões da recorrente, impõe-se a revogação da decisão recorrida em conformidade.

                                                             *

                                                              *

IV – Sumário[4]

(…).

*

                                                             *

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso, acorda-se em revogar a decisão recorrida, julgando-se procedente a invocada nulidade de falta de citação da Ré, com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial, devendo a Ré ser notificada para contestar nos termos legais.                                                                       *

                                                             *

Custas a cargo do Autor recorrido, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

                                                             *

                                                             *

                                                                          Coimbra, 2024/01/12


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(Paula Maria Roberto)

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 (Felizardo Paiva)

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(Mário Rodrigues da Silva)



[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Felizardo Paiva
                      Mário Rodrigues da Silva

[2] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 366.
[3] A este propósito cfr. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 445.
[4] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.