Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1580/12.3TBPBL-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CAUSAS DE VALOR SUPERIOR A €275.000
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
REQUERIMENTO DE DISPENSA DESSE PAGAMENTO
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 6º, Nº 7, E 31º, Nº 2 DO REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS.
Sumário: I – Segundo o disposto no artº 6º, nº 7 do Regulamento de Custas Processuais, “Nas cau­sas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é conside­rado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta pro­cessual das partes, dispensar o pagamento.”

II - Regra geral, as partes, mais a mais estando representadas por profissionais do foro, têm sufici­entes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o artº 6º, nº 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâ­neo fazê-lo em sede de reclamação da conta.
III - Portanto, ou as partes suscitam a questão da aludida dispensa em re­querimento precedendo a decisão que vai por termo ao processo e proferir deci­são sobre custas, ou, não o tendo feito, resta-lhes a possibilidade de requererem essa dispensa quando forem notificados dessa decisão e constatarem que nela não foi referida aquela.
IV - O requerimento da parte solicitando uma tal dispensa, após ser notifi­cada da conta de custas, em reclamação desta, não só é extemporâneo, como é desajustado, pois que tal reclamação, que é dirigida ao juiz, há-de reportar-se a acto ou omissão que não seja imputável a este, mas antes ao funcionário judicial contador e de que resulte uma desarmonia da conta com as disposições legais (nº 2 do artº 31º do RCP).
Decisão Texto Integral:



Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Ré C..., S.A., na sequência da notificação para o pagamento do remanescente da taxa justiça requereu a dispensa do paga­mento do remanescente da taxa de justiça.
Esta pretensão foi indeferida por despacho proferido em 5.6.2018, considerando que o pedido formulado foi deduzido extemporaneamente.
A Ré C..., S. A. interpôs recurso, formu­lando as seguintes conclusões:
...
A Ré M..., L.da aderiu ao recurso interposto.
Não foi apresentada resposta.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, cumpre apreciar se o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça pode ser efectuado após a elaboração da conta.
2. Os factos
Com interesse para a decisão deste recurso são de considerar os factos acima referidos.
3. O direito aplicável
A questão que é colocada para apreciação no presente recurso é a de saber se o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser efectuado após a elaboração da conta de custas.
A Ré C...,SA defende que só com a notificação da conta é que a parte pode saber qual é o valor fixado a final e que deverá pagar, nomeada­mente com a verificação de existência de remanescente a liquidar, é que pode a parte reagir a tal liquidação.
A decisão recorrida entendeu que essa dispensa deve ser deverá ser concedida na decisão final do processo, tendo em consideração o conceito de “processo” no Regulamento das Custas Processuais e a intervenção do juiz no sentido da dispensa excepcional do pagamento do remanescente da taxa de jus­tiça não depende de requerimento das partes, podendo ser decidida a título ofi­cioso, na sentença ou no despacho final.
No entanto, se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas, no prazo de 10 dias ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação (cfr. artigos 616.º, n.º 1, 666.º, n.º 2 e 149.º, n.º 1, do Código de Pro­cesso Civil)
Sobre esta questão já se pronunciaram as decisões proferidas neste Tribunal [1], nas quais nos revemos, nos seguintes termos:
… Começa-se por relembrar o disposto no artº 6º, nº 7 do RCP: “Nas cau­sas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é conside­rado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta pro­cessual das partes, dispensar o pagamento.”

Sabemos que já se tem entendido que a dispensa em causa pode ser re­querida pelas partes depois de estas serem notificadas da conta de custas, mas não descartando que haja casos muito específicos em que tal se possa admitir - pensamos, designadamente, naqueles casos, raros serão, todavia, em o processo vai conhecendo diversos valores, só a final se encontrando o valor definitivo - entendemos que, regra geral, onde tem perfeito cabimento o presente caso, as partes, mais a mais estando representadas por profissionais do foro, têm sufici­entes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o artº 6º, nº 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâ­neo fazê-lo em sede de reclamação da conta.

Na verdade, não é minimamente correcto afirmar-se que só após a elaboração da conta é que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa e que só nessa altura podem as partes concluir que são exorbitantes.
Com efeito, caso não tenha sido determinado, oficiosamente pelo juiz, na sentença, a dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 7 do art.º 6º, quando da notificação da decisão final, a parte conde­nada em custas tem todos os dados para saber qual a taxa de justiça que será então devida e que será incluída na conta de custas, porquanto tal taxa de justiça tem então necessariamente por referência o valor da acção e a tabela I-A anexa ao RCP (cfr. parte final do nº 1 do art.º 6º do RCP).[…]».
Podendo ser oficiosamente declarada a aludida dispensa, deve, pois, em regra, ser ponderada e decidida pelo juiz antes da remessa dos autos a conta, o que ocorrerá, normalmente, na decisão que ponha termo à acção ou ao recurso.
Esta anterioridade tem a ver com a circunstância de não fazer sentido que se deixe elaborar a conta sem que o contador possa ter em consideração essa dispensa.
Então, se, sendo caso de dispensar o pagamento do remanescente, o juiz deve, oficiosamente, declarar essa dispensa em decisão anterior à remessa dos autos à conta, o que faz sentido é que as partes também requeiram essa dis­pensa antes dessa remessa, designadamente, quando confrontadas com uma deci­são que, tendo-se pronunciado quanto às custas, nada referiu quanto a essa dis­pensa.
O que terão de fazer as partes, então, é requerer a reforma da decisão quanto a custas, pedindo que, na decisão reformada, se as dispense do pagamento do remanescente de taxa de justiça.
Portanto, ou as partes suscitam a questão da aludida dispensa em re­querimento precedendo a decisão que vai por termo ao processo e proferir deci­são sobre custas, ou, não o tendo feito, resta-lhes a possibilidade de requererem essa dispensa quando forem notificados dessa decisão e constatarem que nela não foi referida aquela.
O requerimento da parte solicitando uma tal dispensa, após ser notifi­cada da conta de custas, em reclamação desta, não só é extemporâneo, como é desajustado, pois que tal reclamação, que é dirigida ao juiz, há-de reportar-se a acto ou omissão que não seja imputável a este, mas antes ao funcionário judicial contador e de que resulte uma desarmonia da conta com as disposições legais (nº 2 do artº 31º do RCP).
Só dessa desarmonia e não daquela que, porventura, quanto à matéria de custas, incorreu o juiz, é possível a reclamação e a reforma de que trata o artº 31º do RCP.
E assim, estamos plenamente de acordo com o que, citando o Sr. Cons. Salvador da Costa, se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20/10/2015 (proc nº 0468/15, da 1ª Secção), e ora se transcreve: «[…] A parte sabe que tem que pagar o remanescente e sabe o valor da causa pelo que, se o juiz não usou oficiosamente da possibilidade de, no momento da decisão decidir a referida dispensa, a parte deve fazê-lo em sede de pedido de reforma de custas.
É que a reclamação sobre a conta há-de ser por motivos inerentes à própria conta e não com fundamentos que impliquem uma decisão por parte do juiz ainda que apenas contenda com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artº 6º, nº7 do RCP.
Se a lei diz que o remanescente (ou seja, o valor da taxa de justiça que correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efetivo valor da causa para efeito de determinação da taxa) deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento, está a dizer que essa dispensa tem de ocorrer antes da conta final.
Aliás, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201, refere que “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de deci­são do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas” e mais à frente, págs. 354 e 355, refere ainda que “Discordando as partes do segmento conde­natório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Pas­sado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar al­gum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados”.
Pelo que, o juiz ao ser colocado perante a dispensa do remanescente nos termos deste preceito, depois do trânsito em julgado da decisão, está a rever a questão das custas nomeadamente fazendo interferir juízos valorativos e jurídi­cos sobre a concreta taxa de justiça a pagar ainda que tal não interfira com o concreto responsável pelo seu pagamento.
Assim, transita em julgado não só a decisão quanto ao responsável pelas custas mas também o quantum dessa responsabilização estando a fixação do montante em concreto através da elaboração da conta abrangida pelo caso julgado.
Não pode, assim, o responsável pelas custas, em sede de reclamação da conta que venha a ser elaborada e que lhe seja notificada, requerer, nessa altura, a dispensa ou atenuação do pagamento do remanescente da taxa de jus­tiça, por estar em causa um valor desproporcionado, por esta possibilidade do art. 6º nº7 contender com o trânsito em julgado da decisão final.
Estamos, pois, perante uma situação de reforma de custas e não de conta.
Pelo que não pode o juiz, na sequência de reclamação da conta, man­dar reformá-la sem que tal signifique uma alteração ao já decidido em matéria de custas.
Devemos, pois, interpretar esta disposição legal no sentido de que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado, após prolação da sentença, quanto à interferência de motivos que justifiquem uma determinada quantia de taxa de jus­tiça.
Perante o exposto é forçoso concluirmos que é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente taxa de justiça, sendo inevitável a im­procedência do recurso e a consequente confirmação da decisão recorrida.
Decisão:
Nos termos expostos, confirmando-se a decisão recorrida julga-se im­procedente o recurso.
Custas pela recorrente e pela aderente.
Coimbra, 19/12/2018
                   

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[1]       
Decisões relatadas por Falcão de Magalhães e nas quais a agora relatora interveio como 2ª adjunta proferidas em 15.12.2016 na apelação n.º 669/10.8TBGRD-B.C1, esta confirmada pelo acórdão do S. T. J. de 13.7.2017 relatado por Lopes do Rego, e na proferida em 28.11.2018 na apelação 1638/08.3TTBACB-D.C1.
No mesmo sentido, entre vários, o acórdão deste tribunal relatado em 15.5.2018 por Pires Robalo, acessível em www.dgsi.pt.