Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/23.9GCSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: RECLAMAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO
OBTENÇÃO POSTERIOR DO TÍTULO
Data do Acordão: 04/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA- J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTS. 379º, N.º 1, AL. C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 608º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - Ao Tribunal de recurso não compete proferir decisão sobre questões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, antes se devendo circunscrever aos elementos probatórios que este último tribunal teve ao seu dispor, analisar a decisão por ele proferida, aferindo da sua conformidade com as provas e com as normas legais.
II - A posterior obtenção por banda do arguido do seu título de condução, não tendo sido objeto de ponderação pelo tribunal da primeira instância, como não podia, dado ter sido posterior à prolação da decisão recorrida, também não o poderia ser por este tribunal.
Decisão Texto Integral: Relator: Cândida Martinho
Adjuntos: Jorge Jacob
Maria José Guerra
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Acordam, em conferência, os Juízes na 4ªSecção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.

Por acórdão desta Relação de Coimbra de 10.01.2024, foi decidido julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a decisão recorrida.

Com o recurso interposto insurgia-se o arguido com a pena de 12 meses de prisão efetiva que lhe fora aplicada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º/1 do DL nº 2/98 de 3/01, pretendendo a sua redução e a sua suspensão na execução ou o seu cumprimento em regime de permanência na habitação.

 II.

          Após a prolação do acórdão veio o recorrente reclamar do mesmo, através de requerimento apresentado no passado dia 24 de janeiro, invocando a sua nulidade por omissão de pronúncia, cfr. artigos 379º, nº1, al.c) e 425º,nº4, do CPP.

          Centra o recorrente a invocada omissão de pronúncia no facto de no dia anterior à realização da conferência ter feito chegar aos autos um requerimento no qual dava conta a este Tribunal que havia, entretanto, obtido a carta de condução, juntando para o efeito cópia da mesma, pretendendo a sua consideração no acórdão a proferir por este Tribunal de recurso, o que a não ter ocorrido é fundamento da nulidade arguida.

                                                                      

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  Notificado da reclamação apresentada pelo arguido, veio o Ministério Público pronunciar-se no sentido do seu indeferimento.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II.

Como se tem entendido, as normas atinentes aos recursos, nomeadamente o artigo 425.º do Código de Processo Penal, não remetem diretamente para o artigo 374.º, desse mesmo diploma, mas para o artigo 379.º, estabelecendo o n.º 4 daquele artigo 425.º que “é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento”.

Daqui resulta que o artigo 374.º só indiretamente é aplicável, através do artigo 379.º, mas com as devidas adaptações (correspondentemente), sendo que essas adaptações têm de levar em conta que os tribunais de relação, tendo embora competência para conhecer de facto e de direito, exercem um poder de controlo sobre a decisão recorrida numa ótica de reexame do decidido, com vista a detetar concretos erros in judicando ou in procedendo, mas não a proceder a um segundo julgamento da causa.

O recorrente invoca a nulidade do acórdão por violação do disposto no artigo 379.º, n.º 1, c).

O artigo 379.º, n.º 1 estabelece as situações em que uma sentença é nula, sendo uma delas, no que ora interessa, a prevista na sua alínea c), o que sucederá quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

O recorrente aponta ao acórdão objeto de reclamação a nulidade prevista nesta alínea na vertente omissão de pronúncia, isto é, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

 A omissão de pronúncia traduz-se numa ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas. As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual

Tal nulidade só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença. Assim, só em relação àquelas e não a estes se pode colocar a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia (cfr. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 1182; Acórdãos do STJ de 24/10/2012, Proc.º nº 2965/06.0TBLLF.E1 e de 16/09/2009, Proc.º nº 08P2491, in www.dgsi.pt.).

            Na sequência das considerações tecidas, facilmente poderá concluir-se pelo afastamento da nulidade por omissão de pronúncia.

No caso vertente, como já referimos, o reclamante centra a nulidade na omissão de pronúncia deste Tribunal relativamente a um requerimento por si junto, no qual dava conta que havia, entretanto, obtido carta de condução, pretendendo que tal circunstância fosse tida em conta na decisão a proferir.

É um facto que tal requerimento foi junto aos autos na véspera da realização da conferência e que sobre o mesmo não foi tomada qualquer posição por este Tribunal.

Todavia, tal não torna o acórdão reclamado nulo.

A omissão de pronúncia existiria sim, na senda das considerações tecidas, se este Tribunal de recurso se tivesse abstido de conhecer de alguma das questões levantadas pelo recorrente no seu recurso, o que não ocorreu.

Tais questões, delimitadas pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, foram objeto de conhecimento.

Aliás, em momento algum o ora reclamante alega que o tribunal se tenha abstido de conhecer alguma das questões por si levantadas no seu recurso.

Ademais, a este Tribunal de recurso não compete proferir decisão sobre questões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, antes se devendo circunscrever aos elementos probatórios que este último tribunal teve ao seu dispor, analisar a decisão por ele proferida, aferindo da sua conformidade com as provas e com as normas legais.

        Dito de outro modo, com o recurso ordinário está em causa reapreciar as decisões em função dos elementos processuais constantes dos autos no momento em que foram proferidas, e não “reformá-las” em função de outros documentos que não foram tidos em consideração.

E dai que a posterior obtenção por banda do arguido do seu título de condução, não tendo sido objeto de ponderação pelo tribunal da primeira instância, como não podia, dado ter sido posterior à prolação da decisão recorrida, também não o poderia ser por este tribunal.

Note-se, que, diferentemente, estar-se-ia a apreciar ex-novo e não a reponderar ou reapreciar a apreciação já feita na 1ª instância, o que estaria vedado face ao modelo do recurso ordinário que o direito português consagra.

Em suma, não configurando a invocada omissão qualquer nulidade e conhecidas que foram todas as questões que se impunham conhecer, resta concluir pela improcedência da presente reclamação.

                                          

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III.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ªsecção penal deste Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a presente reclamação ao acórdão de 10 de janeiro de 2024.

                                          

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - (artigo 8.º, n.º 9 do RCP e tabela III, anexa).

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