Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
93/07.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: RECEPTAÇÃO
DOLO
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2. JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 231.º, N.º 1, DO CP
Sumário: Para a verificação do crime de receptação previsto no n.º 1 do artigo 231.º do CP basta o conhecimento, pelo arguido, de que a coisa receptada constitui objecto de um crime contra o património, não sendo, por conseguinte, também necessário que o arguido saiba o condicionalismo concreto na ocorrência do referido ilícito.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO:

A) No âmbito do Processo Comum (Colectivo) nº 93/07.0JACBR, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, e em que são arguidos A..., B..., C..., D... e E... , após a realização do julgamento, foi proferido acórdão cujo dispositivo é o seguinte (transcrição):

“DECISÃO

 3.1. Parte Crime

 Considera-se a pronúncia parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

a) Absolve-se o arguido A (...) da prática em autoria material de dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento, previstos e puníveis à data dos factos, pelo artigo 256º, nº1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 255º alínea a) do mesmo diploma legal e, actualmente pelo artigo 256º, nº1, alínea b) do Código Penal, com referência ao artigo 255º, alínea a) do mesmo diploma legal, relativamente aos veículos Audi A 4 de matrícula (...)LL e Ford Focus de matrícula (...)RX ;

b) Absolvem-se os arguidos A (...) e B (...) da prática em co-autoria material de um crimes de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punível à data dos factos, pelo artigo 256º, nº1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 255º alínea a) do mesmo diploma legal e, actualmente pelo artigo 256º, nº1, alínea b) do Código Penal, com referência ao artigo 255º, alínea a) do mesmo diploma legal, relativamente ao veículo Nissan Navarra (...)LZ;

c) Absolvem-se os arguidos D (...) e E (...) da prática em co-autoria material de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punível à data dos factos, pelo artigo 256º, nº1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 255º alínea a) do mesmo diploma legal e, actualmente pelo artigo 256º, nº1, alínea b) do Código Penal, com referência ao artigo 255º, alínea a) do mesmo diploma legal, relativamente ao veículo Peugeot 206 matrícula (...)TQ;

d) Condena-se o arguido A (...) , pela prática em autoria material de dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento, previstos e punidos à data dos factos, pelo artigo 256º nº1, alínea a)  e nº3 do Código Penal, com referência ao artigo 255º alínea a) do mesmo diploma legal e, actualmente pelo artigo 256º, nº1, alínea b) e nº 3 do Código Penal, com referência ao artigo 255º, alínea a) do mesmo diploma legal, relativamente aos veículos Nissan Pickup de matrícula (...)UX e Nissan Pickup de matrícula (...)XG, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), por cada um dos crimes;

e) Condena-se o arguido A (...) , pela prática em co-autoria material de um crime de receptação, previsto e punível pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, relativamente ao veículo Mercedes de matrícula (...)RM, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros)

f) Condena-se o arguido A (...) , pela prática em autoria material de dois crimes de receptação, previsto e punível pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, relativamente aos veículos Nissan Pickup de matrícula (...)UX e Nissan Pickup de matrícula (...)XG, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), por cada um dos crimes;

g) Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora aplicadas, e nos termos do artigo 77º do Código Penal, condena-se o arguido A (...) na pena única de 600 (seiscentos) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros) o que perfaz o montante global de e € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros)

h) Condena-se o arguido C (...) , pela prática em co-autoria material de um crime de receptação, previsto e punível pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, relativamente ao veículo Mercedes de matrícula (...)RM, na pena de 200 dias de multa á taxa diária de €7,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).

3.2 Parte Cível

Considera-se o pedido cível deduzido pela demandante LL..., Lda., parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência condenam-se solidariamente os demandados A (...) e C (...) , a pagar à demandada a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data da notificação até integral pagamento.”

                                                      *

B) Inconformado com tal decisão, em 14.06,2012, dela recorreu o arguido A (...) , finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“CONCLUSÕES

DA MATÉRIA DE FACTO

1.  Foram considerados indevidamente provados os factos 2.1.52, 2.1.53, 2.1.55, 2.1.56, 2.1.68, 2.1.69 (MERCEDES (...)RM); 2.1.71, 2.1.74, 2.1.75, 2.1.76, 2.1.77, 2.1.80, 2.1.81, 2.1.82, 2.1.83, 2.1.85, 2.1.92, 2.1.93, 2.1.94 ( (...)VZ e (...)VX); e 2.1.96, 2.1.97, 2.1.101, 2.1.102, 2.1.103, 2.1.104, 2.1.110, 2.1.111, 2.1.112 ( (...)TM e (...)XG);

2. Não existe suporte documental ou testemunhal suficiente para considerar provados, de modo devidamente fundamentado, tais factos, por um lado, e, por outro, não foram devidamente tidas em consideração as provas produzidas em audiência, pesados com regras da experiência comum;

3. Assim, as declarações prestadas pelo Recorrente são claras e coerentes, merecendo melhor valoração, até em contraponto com o depoimento do Arguido C (...) que reza um discurso atabalhoada, confuso, apologético, sem nexo, em claro contraponto à inocência e honestidade do Recorrente;

4. O arguido C (...) reitera que ao recorrente contou que o carro era dele e em sociedade com a testemunha L (...) .

5. A presença das chaves na ignição da uma viatura ou a entrega das mesmas em mão não é elemento de prova suficiente para concluir que quem a recebe deve inferir ou desconfiar que a viatura foi roubada (outrossim seria se o carro apresentasse fios expostos por baixo do volante forçado)

6. É prática comum nas oficinas de mecânica automóvel, bate-chapa ou pintura, não entregar os documentos do carro.

7. A entrega de um bem para pagamento por conta de dívidas pendentes não determina vantagem patrimonial para quem o recebe para abater ao valor em dívida.

8. A entrega do motor de uma viatura a um mecânico, que é simultaneamente corredor e preparador de viaturas para corridas e conhecedor das particularidades das corridas automóveis, para pagamento de trabalhos feitos e não pagos não gera vantagem patrimonial para efeitos de preenchimento típico do disposto no artigo 231.º do Código Penal.

9. O conhecimento pessoal, do íntimo, dos arguidos apenas poderá resultar provado dos testemunhos ou declarações (confissão) prestadas em audiência ou conversas transcritas em auto de escutas;

10. Não se pode, como tal, deduzir que um dos arguidos teve uma determinada conversa com outro arguido a quem deu a conhecer certos factos, quando tal dedução extrapola manifestamente o juízo provável, sendo facilmente concebíveis outras conversas cujo teor isenta o arguido, Recorrente, da consciência da raiz ilícita dos bens que lhe são vendidos ou dados em pagamento.

11. Acresce ainda que em momento algum é apurado o modo como alegadamente o arguido tomou posse da viatura (...)UX ou da viatura (...)XG;

12. Pelo que não se pode concluir que o modo como tomou posse terá sido forçosamente com conhecimento ou consciência de que a origem das mesmas tinha por base acto ilícito contra o património;

13. Não se pode considerar provado que o arguido, ora Recorrente “sabia ser proveniente (a viatura) de facto ilícito típico contra o património” quando, de outra banda, se considera provado que tal viatura chegou à posse do arguido “de forma não concretamente apurada” (facto 2.1.97)

14. Se não se apurou o modo como o recorrente entrou na posse da viatura, não é possível concluir que ao fazê-lo tinha consciência da ilicitude típica contra o património que tingia a viatura.

15. Tal aferição por dedução extrapola o admissível em processo penal em clara afronta ao princípio da Presunção de Inocência.

16. Não se pode concluir que o facto do arguido, mecânico, levar o carro à inspecção denuncia um conhecimento por parte dele “que o veículo que levou à inspecção só aparentemente correspondia a esta matrícula”

17. Ora, do facto que serviu ao tribunal a quo retirar tal conclusão não é tal dedução lógica ou necessária.

DO DIREITO

18. São elementos constitutivos do crime de receptação do artigo 231º, do Código Penal: a intenção de obtenção de vantagem patrimonial e a ocorrência de dolo directo relativamente à proveniência da coisa, a significar que o agente terá de saber que a coisa foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, no número 1 pelo qual vem o arguido, recorrente, acusado.

19. O tipo penal exige que o agente tenha conhecimento efectivo de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património (dolo específico)

20. Sendo considerado provado que o arguido chegou à posse das viaturas furtadas, no tocante às viaturas Nissan, de modo não concretamente apurado é forçoso concluir que não se preencheu parte do elemento típico.

21. Devendo ser considerado provado que o arguido não obteve vantagem patrimonial quanto à viatura Mercedes, também quanto a esta viatura não se preencheu parte do elemento típico.

22. Termos em que o acórdão do tribunal a quo viola o disposto no artigo 231º, n.º 1 do Código Penal;

Sem prescindir,

23. Ainda se dirá que no tocante à medida da pena, o valor da viatura Mercedes foi duplamente valorado, ora para determinação do valor da multa em que vem condenado o arguido, superior ao determinado para as Nissan, ora para determinação do valor a indemnizar.

24. Termos em que a sentença viola o princípio Non Bis In Idem;

25. Acresce ainda que no crime de receptação p. e p. pelo art.º 329, n.º 1 do CP de 82, e pelo art.º 231, n.º 1 do CP de 95, a circunstância do valor não opera como elemento qualificativo a intervir na moldura penal abstracta, devendo ser revista a medida da pena; Sem prescindir, sempre se dirá que a fundamentação da medida da pena foi preenchida com conceitos vagos e infundados, pelo que a fundamentação da sentença padece do vício de falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379°, n.º 1, al. a), ambos do C.P.P.

26. Pelo que o acórdão peca na determinação da medida da pena, violando o disposto no artigo 47.º, 71.º do Código Penal e 375º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Por último, e ainda,

27. A condenação no pedido cível deveria ter em consideração a reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, pelo que deverá ser tido em conta o valor da viatura à data da sua perda, pelo que uma desvalorização de 30% por contraponto à desvalorização real de cerca de 54%, contabilizada pelas seguradoras e pelo mercado de usados, é gravosa e excessiva;

28. Termos em que o valor do pedido cível em que vem condenado o arguido é excessivo em relação ao dano que importa ressarcir, violando o disposto no artigo 562.º e 566.º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, deverá o arguido A (...) ser absolvido da prática dos crimes de receptação pelos quais vem acusado e absolvido do pedido cível em que vem condenado;

Ou ainda, caso assim não se entenda, deve ser reavaliada a pena de multa ao seu limite mínimo tendo presente as difíceis situações económicas em que se encontra, às necessidades de alimentação e educação da sua família;

Sem prejuízo, deve ser reavaliada a condenação no pedido cível porquanto o valor em que vem condenado é excessivo face ao dano que importa ressarcir, e, em tudo o mais, deve o presente recurso ser julgado procedente, nos termos das conclusões formuladas, como é de Direito, fazendo-se a mais costumada JUSTIÇA!

                                                      *

C) Também inconformado com tal decisão, em 19.06.2012, dela recorreu o arguido C (...) , finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

CONCLUSÕES

1. Da prova produzida na audiência de julgamento não se podem dar como devidamente provados os factos reproduzidos e numerados com 2.1.50., 2.1.51., 2.1.52. e 2.1.68.

2.    A prova documental existente nos autos também não constitui fundamento suficiente para dar-se como provados esses factos.

3.    Os referidos factos são dados como provado, por exercício dedutivo, estribado em imaginadas e hipotéticas conversas entre os arguidos, não testemunhadas nem confirmadas em audiência de julgamento.

4.    Os arguidos não agiram de forma concertada e em conjugação de esforços.

5.    O arguido C (...) tomou posse do veículo sem saber se a sua proveniência vinha de facto ilícito típico contra o património, por si praticado, com intenção de obter vantagem patrimonial.

6.    Nos autos apenas está provado que o veículo chegou à posse do arguido C (...) de forma não concretamente apurada.

7.    O Mercedes tinha uma avaria na caixa de velocidades.

8.    O custo da caixa de velocidades era de entre €12.000,00 a €15.000,00.

9.    O Mercedes foi desmantelamento e vendido às peças pelo arguido A (...) .

10.  “O n.º 1 do art. 231º do Código Penal (receptação) contém um tipo exclusivamente doloso, exigindo o dolo específico: é necessário que o agente saiba que efectivamente a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património, pelo que a simples admissão dessa possibilidade, a título de dolo eventual, não é suficiente para o preenchimento do tipo subjectivo.

11.  Não está concretizado qualquer elemento factual dos elementos objectivo (facto ilícito típico contra o património), nem do elemento subjectivo (dolo específico), pelo que o arguido C (...) não praticou e deveria ter sido absolvido da prática do crime de receptação p. p. nº n.º 1 do art. 231º do C Penal.

12.  O douto acórdão errou na aplicação do direito, violando o artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal.

13.  A desvalorização de 30% atribuída à idade do veículo padece de defeito, pois que atendendo à idade, kilómetros, compra no estrangeiro, essa desvalorização nunca seria inferior a 40%.

14.  O dano porventura sofrido pela lesada e indemnizável emergente do crime (que não foi cometido), deverá ser do montante de €13.284,58 [€ 45.430,00 – 40% (18.172,00) - €12.000,00 - €1.801,42).

15.  O valor da indemnização cível e condenação dos arguidos no pagamento, solidariamente, da quantia de €30.000,00, é um valor excessivo ao dano sofrido pela lesada, pelo que o douto acórdão violou os dispostos nos artigos 562º a 566º do C. Civil.

Termos em que, e nos melhores de Direito, mas sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá ao presente recurso ser concedido provimento e, em consequência, ser a sentença revogada, devendo:

- ser absolvido o arguido C (...) da prática do crime de receptação e mais devendo ser absolvido do pedido cível em que foi condenado,

Ou, caso assim se não entenda,

- ser reavaliado o montante e a condenação no pedido cível fixado pelo tribunal a quo, porquanto é excessivo em relação ao dano da lesada, pelos fundamentos e termos constantes das conclusões.

ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA”

                                                      *

D) O Ministério Público junto da 1ª instância, em 15/10/2012, respondeu em simultâneo aos dois recursos, concluindo do seguinte modo (transcrição):

“1 - Os arguidos A (...) e C (...) foram condenados: o primeiro, pela prática, em autoria singular, de dois crimes de falsificação (ps. e ps. nos termos do artigo 256º nsº 1 e 3 do Código Penal), na pena de 200 dias de multa por cada um dos crimes e, pela prática, em coautoria, de três crimes de recetação, ps. e ps. pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, nas penas de 250 dias de multa, 200 dias de multa e 200 dias de multa; o segundo, pela prática, em coautoria material, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, na pena de 200 dias de multa.

2 - Os recorrentes A (...) e C (...) , verdadeiramente, impugnam os factos de que discordam apenas com base na invocação de “escolhidas” e esparsas passsagens das respetivas declarações    

3 - Tais declarações, além de interessadas, não poem em causa, minimamente, a lógica e clara fundamentação do tribunal, respeitante aos factos impugnados.

4 - Nomeadamente, não permitem “explicar” como seria possível não acharem ilícita a proveniência do Mercedes E 270, face à circunstância de o arguido C (...) ter determinado a venda, em peças, de tal carro, que valia pelo menos 7.000 contos,

5 - Ou porque haveria o recrrente A (...) de ter em seu poder parte da carroçaria do Mercedes, com o número do chassi apagado.

6  - As circunstâncias objetivas do ocorrido com o Mercedes, e a falta de explicação minimamente credível dos recorrentes para a “insólita” situação em apreço, só poderiam levar o tribunal a deliberar como deliberou.

7 - Outra deliberação seria ilógica e irracional, violadora das regras da lógica e da experiência que o art. 127 do CPP impõe.

8 - O recorrente A (...) teve em seu poder o veículo Nissan Pickup de matrícula (...)VZ, e vendeu um veículo furtado, de iguais marca e modelo, mas de matrícula (...)UX (que fora furtado), a um terceiro, depois de nele colocar os elementos identificativos do VZ.

9 - Também foi encontrado em seu poder uma chapa de matrícula e parte do VZ.

10 - Nomeadamente por isso, o tribunal, corretamente, entendeu que o recorrente A (...) conhecia a proveniência penalmente ilícita do UX e o falsificou para o vender.

11 - Por isso, devem manter-se os factos a propósito considerados assentes pelo tribunal.

12 - O tribunal não apurou como, quando, concretamente, e de quem, em especial, o recorrente A (...) recebeu a Nissan Pickup de matrícula (...)XG, que havia sido furtada.

13 - Entendeu, porém, que o arguido sabia da sua proveniência ilícita porque: já antes adquirira salvados de uma semelhante (de matrícula (...)TM) para utilizar os dados identificativos dela; recebeu a XG desacompanhada de quaisquer documentos ou chaves e com um vidro lateral partido.

14 - A conclusão fáctica do tribunal não configura quaisquer erro notório na apreciação da prova ou violação da presunção de inocência do arguido A (...) , apenas respeito dos critérios probatórios previstos no art. 127 do CPP.

15 - As esparsas e escolhidas declarações pessoais, transcritas pelo recorrente A (...) , por serem manifestamente inverosímeis, não infirmam minimamente a correção da deliberação impugnada.

16 - Ao contrário do que refere o recorrente, o valor do Mercedes não foi o fator determinante do agravamento relativo da pena respeitante à receitarão do Mercedes.

17 - Tal fator foi o desmantelamento do veículo, que impediu a sua recuperação (ao contrário do que sucedeu em relação às Nissan).

18 - Não ocorreria qualquer violação do princípio ne bis in idem se o valor do Mercedes tivesse sido ponderado na medida da pena e para fixação do valor da indemnização civil.

19 - Estariam em causa responsabilidades diversas, uma penal e outra civil.

20 - O valor do bem recetado não influencia a moldura penal abstrata correspondente ao crime de recetação,

21 - Mas  pode influenciar a medida concreta da pena relativa a tal ilícito.

22 - O tribunal especificou as razões concretas pelas quais fixou - até com benevolência - as penas relativas aos crimes de falsificação e recetação por cuja prática o recorrente A (...) foi condenado.

23 - Não existe, por isso, qualquer nulidade da sentença por falta de fundamentação da medida de tais penas.

24 - Pelo exposto, os recursos interpostos devem improceder.”

E) Os dois recursos foram, em 23.10.2013, admitidos.

F) Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 26.01.2013, emitiu parecer sufragando a posição evidenciada pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência dos recursos e manutenção do acórdão recorrido.

G) No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

H) Por despacho de fls. 1727 - e detectada que foi pelo relator a falta de cumprimento do disposto no nº 6 do artigo 411º do Código de Processo Penal em relação à assistente/demandante LL (...), Lda. - foi determinada a descida do autos à primeira instância a fim ser dado cumprimento ao referido preceito legal em relação á referida assistente/demandante.

I) Cumprido que foi o assim determinado, em 16.05.2013 voltaram os autos a esta Relação, sem que a assistente/demandante tivesse apresentado resposta a qualquer dos recursos.

J) Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                                      *

II - FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

No caso vertente, e vistas as conclusões dos recursos, as questões a conhecer são as seguintes:

A) Recurso do arguido A (...) :

- impugnação da matéria de facto (saber se foram indevidamente provados os factos 2.1.52, 2.1.53, 2.1.55, 2.1.56, 2.1.68, 2.1.69 (MERCEDES (...)RM); 2.1.71, 2.1.74, 2.1.75, 2.1.76, 2.1.77, 2.1.80, 2.1.81, 2.1.82, 2.1.83, 2.1.85, 2.1.92, 2.1.93, 2.1.94 ( (...)VZ e (...)VX); e 2.1.96, 2.1.97, 2.1.101, 2.1.102, 2.1.103, 2.1.104, 2.1.110, 2.1.111, 2.1.112 ( (...)TM e (...)XG);

- saber se estão ou não verificados os elementos constitutivos do crime de receptação p. e p. pelo artigo 231º nº 1 do Código Penal;

- medida da pena (saber se foi violado o “nom bis in idem” e /ou se a pena relacionada com a viatura Mercedes foi duplamente valorada);

- saber se a o acórdão é nulo por falta de fundamentação da medida da pena;

- saber se foram violados os artigos 47º, 71º do Código Penal e do artigo 375º nº 1 do Código de Processo Penal;

- saber se a condenação no pedido cível é excessiva.

B) Recurso do arguido C (...) :

- impugnação da matéria de facto (saber se o tribunal deu indevidamente como provados os factos 2.1.50, 2.1.51, 2.1.52 e 2.1.68);

- saber se estão ou não verificados os elementos constitutivos do crime de receptação p. e p. pelo artigo 231º nº 1 do Código Penal;

- saber se a condenação no pedido cível é excessiva em relação ao dano causado à  lesada.

                                                      *
Vejamos o que do acórdão recorrido consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à motivação da matéria de facto (transcrição):

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Matéria de facto provada.


A)

Nissan Navarra (...)LZ


2.1.1. O arguido A (...) é mecânico de automóveis, sendo proprietário de uma oficina de reparação de automóveis situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós, desde, pelo menos, o ano de 1997, sendo que num terreno junto à mesma possui um local vulgarmente designado de sucata, onde armazena peças e componentes de veículos automóveis.

2.1.2. Em momento não concretamente apurado, durante o primeiro trimestre de 2005, o arguido A (...) entrou na posse do salvado do veículo de marca Nissan, modelo Navarra, com a matrícula (...)LZ, de cor azul metalizada, que guardou na sua sucata.

2.1.3. Algum tempo volvido, deslocou-se a Espanha, onde obteve uma carroçaria/cabina da mesma marca, cor e modelo, de cor preta, que trouxe para a sua oficina.

2.1.4. Então, retirou a cabina do salvado e no seu lugar, sobre as longarinas/chassis do salvado, aplicou a cabina que tinha obtido em Espanha.

2.1.5. Mais tarde, com instrumento não concretamente apurado, cortou a chapa com o número de chassis do salvado, que retirou e colocou na nova cabina.

2.1.6. Em Abril ou Maio de 2005, o arguido B (...) viu o veículo na oficina de A (...) e mostrou interesse em o adquirir, não obstante ter perfeita consciência de que a cabina ali instalada não pertencia àquele veículo, não só porque o A (...) lhe deu conhecimento desse facto, mas também porque tal era manifesto, nomeadamente porque as duas partes do veículo tinham cores diferentes e eram, visíveis os pontos de união entre ambas.

2.1.7. Assim, acordaram a venda do veículo e, em conformidade, o A (...) entregou o veículo ao B (...) , que em troca lhe entregou a quantia de € 3.500,00, para pagamento do mesmo.

2.1.8. Depois de comprar o veículo, o arguido B (...) levou-o para a sua oficina, onde procedeu a alguns acabamentos, sendo que, nomeadamente, montou o capôt, o guarda-lamas, o radiador e o pára-choques e pintou algumas peças.

2.1.9. Também procedeu ao seu registo em nome da sua mulher – MM....

2.1.10. Por dela não necessitar, o arguido A (...) deslocou a cabina do salvado, ostentando ainda a vinheta da inspecção periódica com menção da matrícula respectiva, para a sua sucata, onde foi encontrada pela Polícia Judiciária, em Fevereiro de 2007.

2.1.11. No decurso da investigação, em 07/05/2007, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão deste veículo e respectivos documentos ao arguido B (...) .

2.1.12. O arguido B (...) informou o arguido A (...) desta apreensão, pelo que este, temendo que as autoridades policiais e judiciárias o pudessem implicar nos factos, logo tratou de limpar a sua sucata, removendo para parte incerta a cabina da viatura Nissan Navarra, assim como muitos despojos de veículos que para lá havia removido.

2.1.13. Os arguidos efectuaram as transformações acima referidas características do veículo acima referido e dos seus sistemas, componentes e acessórios sem para tanto terem solicitado autorização às entidades competentes (anteriormente a DGV e actualmente IMTT).

2.1.14. Os arguidos também omitiram a declaração desse mesmo veículo como salvado e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.15. Acresce que não providenciaram pelo cancelamento da respectiva matrícula.


B)

Audi A4 (...)LL


2.1.16. Em momento não concretamente apurado, no mês de Agosto de 1999, o arguido A (...) entrou na posse do salvado do veículo de marca Audi, modelo A4, com a matrícula (...)LL , bem como dos respectivos documentos, que adquiriu por preço não concretamente apurado, sendo certo que tal salvado tinha a frente destruída. 

2.1.17. Cerca de oito meses mais tarde, o arguido entrou na posse duma frente da mesma marca e modelo, que adquiriu por preço não concretamente apurado.

2.1.18. Então, na sua oficina de reparação de automóveis situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós, procedeu ao corte do monobloco do salvado, pelas colunas da frente de suporte do tejadilho e pelo chão do veículo, por baixo do assente do banco traseiro e, na sua traseira, soldou-lhe aquela frente.

2.1.19. Posteriormente, com um instrumento não concretamente apurado, cortou o número de chassis gravado a frio na frente acidentada e de seguida retirou-a e transplantou-a para a nova frente aplicada na carrinha.

2.1.20. No decurso da investigação, em 03/07/2007, a Polícia Judiciária apreendeu ao arguido A (...) este veículo e as cópias dos respectivos documentos.

2.1.21. O arguido efectuou as transformações das características do veículo acima referido e dos seus sistemas, componentes e acessórios sem para tanto ter solicitado autorização às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT).

2.1.22. O arguido também omitiu a declaração desse mesmo veículo como salvado e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóvel).

2.1.23. Acresce que não providenciou pelo cancelamento da respectiva matrícula.


C)

Ford Focus (...)RX


2.1.24. Em Novembro de 2006, o veículo de marca Ford, modelo Focus, com a matrícula (...)RX , pertencente a P (...) e na ocasião conduzido pela filha deste, sofreu um despiste e capotamento.

2.1.25. Na sequência desse acidente de viação, a Seguradora Açoreana atribuiu perda total ao veículo e entregou ao P (...) a quantia de € 11.120,00, a título de indemnização.

2.1.26. Não obstante, o P (...) decidiu proceder à reparação do seu veículo e, para tanto, colocou-o na oficina do arguido A (...) , situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.27. Então, o arguido A (...) procedeu ao corte do monobloco do veículo, pelas colunas de suporte do tejadilho e pelo chão do veículo, por baixo do assento do banco traseiro e de seguida soldou a traseira com um tejadilho de outro veículo, que entrou na sua posse proveniente de Espanha.

2.1.28. Posteriormente, o arguido A (...) levou o veículo para uma outra oficina, onde as duas metades do veículo foram pintadas de cor preta, e, depois de pronto, entregou-o a P (...) , que pela reparação lhe pagou € 4.500,00.

2.1.29. O arguido A (...) ocultou ao P (...) que havia procedido ao corte do monobloco.

2.1.30. Depois de concluir esta reparação, o arguido A (...) deslocou o que sobrava da traseira do salvado para a sua sucata, onde foi encontrada pela Polícia Judiciária, em Fevereiro de 2007.

2.1.31. Contudo, em Maio de 2007, quando tomou conhecimento de que a Polícia Judiciária havia apreendido o veículo com a matrícula (...)LZ, o arguido A (...) removeu para parte incerta tais despojos.

2.1.32. No decurso da investigação, em 21/09/2007, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão deste veículo e dos respectivos documentos, na posse de P (...) .

2.1.33. O arguido também omitiu a declaração desse mesmo veículo como salvado e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis.)

2.1.34. Acresce que não providenciou pelo cancelamento da respectiva matrícula.


D)

Peugeot 206 (...)TQ


2.1.35. Em 20/02/2007, a viatura de marca Peugeot, modelo 206, com a matrícula (...)TQ, pertencente ao arguido D (...) e por ele conduzido, foi interveniente em acidente de viação, tendo sofrido sérios danos.

2.1.36. Por esse motivo, o arguido D (...) transportou o seu veículo para a oficina do arguido E (...) , situada na (...), nos (...), freguesia de Marrazes, área da comarca de Leiria, a fim de que este procedesse à sua reparação.

2.1.37. Em face dos danos do veículo, logo o D (...) e o E (...) decidiram que era necessário proceder à substituição da carroçaria, na sua totalidade.

2.1.38. Para tanto, o arguido E (...) solicitou a I (...) que lhe fornecesse uma carroçaria de marca Peugeot, modelo 206, com 3 portas, ao que este logo acedeu.

2.1.39. Em conformidade, entregou-lhe uma carroçaria com as características solicitadas, que havia adquirido em Espanha pelo preço aproximado de € 500,00.

2.1.40. Na posse da dita carroçaria, logo o arguido E (...) ordenou a J (...) e a OO..., seus funcionários, que retirassem a carroçaria original do veículo e em sua substituição colocasse a nova carroçaria, ao que estes prontamente acederam e agiram em conformidade.

2.1.41. Posteriormente, ordenou-lhes que retirassem o painel onde estava gravado a frio o número de chassis e o fixassem na nova carroçaria, o que estes, mais uma vez, cumpriram.

2.1.42. O arguido E (...) seguidamente ordenou ao seu funcionário NN... que pintasse o veículo e, finalmente, ordenou a J (...) e a OO (...) que aplicassem as matrículas (...)TQ na nova carroçaria, tendo estes agido em conformidade.

2.1.43. Depois de pronto, o arguido E (...) devolveu o veículo ao arguido D (...) , a quem comunicou que a reparação orçava € 6.500,00, dos quais D (...) apenas pagou € 2.000,00.

2.1.44. O arguido E (...) entregou o que restava da carroçaria original do veículo numa sucata existente na (...), Leiria, que a terá levado para a siderurgia na Marinha Grande.

2.1.45. No decurso da investigação, em 07/01/2008, a Polícia Judiciária, procedeu à apreensão deste veículo e dos respectivos documentos, na posse do arguido D (...) .

2.1.46. Os arguidos efectuaram as transformações das características do veículo acima referido e dos seus sistemas, componentes e acessórios sem para tanto terem solicitado autorização às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente o IMTT).

2.1.47. Os arguidos também omitiram a declaração desse mesmo veículo como salvado e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.48. Acresce que não providenciaram pelo cancelamento da respectiva matrícula.


E)

Mercedes E 270 (...)RM


2.1.49. De forma não concretamente apurada, durante a segunda quinzena de Novembro de 2003, o arguido C (...) entrou na posse do veículo de marca Mercedes, modelo E 270, com a matrícula (...)RM, pertencente à LL (...), Lda., com sede em (...) Pombal, de que é legal representante GG..., e que havia sido retirado em 15/11/2003, do local onde estava parado, junto ao Centro de Inspecções, em (...), Pombal, com a chave na ignição, por desconhecidos.

2.1.50. Quando adquiriu a posse do veículo, o arguido C (...) estava ciente da sua proveniência ilícita, uma vez que se tratava de um veículo de alta cilindrada, mas desacompanhado de quaisquer documentos, apesar de ter as chaves originais na ignição.

2.1.51. Todavia, o veículo não pegava, pelo que o arguido C (...) o transportou no seu pronto-socorro para a oficina de L (...) , situada na (...), Torres Novas, onde o tentou colocar em marcha, sem sucesso, com o auxílio de L (...) e de N (...) .

2.1.52. Entretanto, em Novembro ou Dezembro de 2003, o arguido C (...) deslocou-se à oficina do arguido A (...) , a quem deu conhecimento de que tinha na sua posse aquele veículo e da sua proveniência ilícita e propôs-lhe desmantelarem o veículo, para melhor ocultarem a sua origem, assim evitando que fosse descoberto pelas autoridades e devolvido ao legítimo proprietário, e repartirem entre ambos as suas peças e componentes, a fim de, posteriormente, as venderem a terceiros e utilizarem na reparação de outros veículos.

2.1.53. O arguido A (...) imediatamente aceitou esta proposta, apesar de ter perfeito conhecimento de que o veículo tinha proveniência ilícita, não só porque o C (...) lhe revelou, mas também porque era evidente, visto o veículo, de elevada cilindrada, ter as chaves originais na ignição e estar desacompanhado de quaisquer documentos.

2.1.54. Em conformidade com o acordado, o arguido C (...) levou então o veículo para a oficina do arguido A (...) , situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.55. Este, de comum acordo com o C (...) , logo alterou os elementos identificativos da viatura.

2.1.56. Assim, apagou o número de chassis e o número do motor, para tanto utilizando um maçarico.

2.1.57. De seguida, o A (...) e o C (...) procederam ao desmantelamento do veículo.

2.1.58. O A (...) cortou o monobloco e desmontou o tejadilho, a traseira e a frente e retirou o motor, sendo que ambos desmontaram os restantes componentes.

2.1.59. O A (...) utilizou algumas peças do motor para reparar um outro motor de marca Mercedes.

2.1.60. Este arguido também vendeu o motor, a frente e o tejadilho à sociedade “PP..., Lda.”, de que é legal representante HH (...) .

2.1.61 Esta sociedade, por sua vez, revendeu, pelo preço de € 4.760,00, o motor à sociedade “RR... QQ..., Lda.” de que é legal representante FF..., o qual o colocou no seu veículo de marca Mercedes, modelo E 270 CDI, com a matrícula (...)UU, que em 2006 vendeu a M (...) .

2.1.62. Os arguidos A (...) e C (...) repartiram entre si as demais peças e componentes do veículo, que entregaram a terceiros não identificados, em troca de dinheiro ou gratuitamente.

2.1.63. No decurso das investigações, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão da frente da carroçaria, na posse de HH (...) , e do motor, na posse de M (...) , sendo este entregue ao proprietário

2.1.64. Todavia, não foi possível recuperar as restantes peças e componentes do veículo.

2.1.65. Os arguidos efectuaram as transformações das características do veículo acima referido e dos seus sistemas, componentes e acessórios sem para tanto terem solicitado autorização às entidades componentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT).

2.1.66. Os arguidos também omitiram a declaração desse mesmo veículo como salvado e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.67. Acresce que não providenciaram pelo cancelamento da respectiva matrícula.

2.1.68. Acresce que os arguidos A (...) e C (...) agiram ainda de forma concertada e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de para si obterem uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriram a posse de um veículo que bem sabiam ser proveniente de facto ilícito típico contra o património, que desmantelaram, com o intuito de dissimular a sua proveniência e cuja peças e componentes transmitiram a outros.

2.1.69. Mais sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.


F)

Nissan Pickup (...)VZ


2.1.70. O veículo de Marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)VZ, pertencente a F..., sofreu um acidente de viação em Maio de 2005.

2.1.71. Por esse motivo, em Fevereiro de 2006, F (...) vendeu este veículo, no estado de salvado, a CC..., pelo preço aproximado de €18.000,00.

2.1.72. Com efeito, CC (...) era proprietário de uma viatura de marca Nissan, modelo Terrano e tencionava repará-la na oficina do arguido A (...) , de quem era amigo, utilizando para tanto os salvados daquele veículo.

2.1.73. Assim, CC (...) e o arguido A (...) acordaram que este procedesse à reparação da viatura, utilizando os componentes da Nissan Pickup e, em conformidade, o arguido A (...) procedeu ao reboque desta viatura para a sua oficina de reparação de automóveis, situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.74. Aí, o arguido A (...) desmontou todo o interior e alguns acessórios mecânicos da Nissan Pickup e posteriormente aplicou-os na Nissan Terrano de CC (...) , tarefa em que despendeu aproximadamente duas semanas, ao longo dos meses de Março e Abril de 2006.

2.1.75. Quando acabou essa tarefa, ficou com o que restava dos salvados da Pickup de matrícula (...)VZ, nomeadamente com os seus elementos identificativos.

2.1.76. Concebeu então o plano de aplicar esses elementos identificativos numa outra viatura de proveniência ilícita, de forma a ocultar essa mesma proveniência, para assim a poder vender a terceiros e obter um benefício patrimonial, resultante da circunstância de vender tal veículo a um preço muito superior ao que havia despendido na sua obtenção e viciação.

2.1.77. Em conformidade, em meados de Abril de 2006, de forma não concretamente apurada, o arguido A (...) entrou na posse de um veículo de marca Nissan, modelo Pickup (...)UX, sendo que esta viatura e a anteriormente mencionada eram idênticas, pois além de serem da mesma marca e modelo, eram ambas de cor branca.

2.1.78. A Pickup com a matrícula (...)UX pertencia a O (...) e quando entrou na posse do arguido estava desacompanhada de quaisquer documentos e chaves e tinha um vidro lateral partido, sendo portanto evidente e bem conhecida pelo arguido a sua proveniência ilícita.

2.1.79. Na verdade, este veículo havia sido retirado por desconhecidos, em 18/04/2006, no local onde estava estacionado, para reparação, no parque de estacionamento da oficina de Q (...) , situado em (...), (...), Alcobaça, sendo que para o colocarem em marcha partiram um vidro lateral e, depois de destrancarem a porta e se introduzirem no seu interior, lograram pô-lo em marcha de forma não concretamente apurada.

2.1.80. Quando adquiriu a posse do veículo (...)UX, logo o arguido A (...) alterou os seus elementos identificativos, de forma a evitar que a sua proveniência ilícita pudesse ser conhecida.

2.1.81. Assim, com o auxílio de instrumento não concretamente apurado, cortou os últimos cinco dígitos do número de chassis aposto na longarina do veículo com a matrícula (...)VZ e transplantou-os para a longarina direita do veículo com a matrícula (...)UX, onde os soldou, sobrepondo-os aos últimos cinco dígitos originais, de modo a fazer crer que o número de chassis deste último veículo era “JN1BPUD22U0091430”.

2.1.82. De seguida, utilizando uma rebarbadora, apagou parcialmente o respectivo número de motor, deixando apenas a inscrição “YD25”

2.1.83. Também substituiu as chapas de matrícula por novas, ostentando os dizeres “ (...)VZ”.

2.1.84. De seguida, o arguido A (...) levou o veículo até à sociedade “SS..., Lda.”, com sede em (...), Porto de Mós, onde mandou substituir a caixa de carga metálica por uma nova caixa em madeira, substituição essa que foi facturada em nome da sociedade “EE...Lda.”, de que é legal representante S (...) , primo do arguido A (...) .

2.1.85. Depois de fazer todas estas alterações na viatura, o arguido logrou criar a aparência de que esta era efectivamente o veículo com a matrícula (...)VZ.

2.1.86. Foi neste estado que a levou para ser submetida a inspecção periódica, à “ VV (...), S.A.” de Alcobaça, em 28/08/2006.

2.1.87. E negociou a sua venda com a sociedade “ UU (...), Lda.”, de que é legal representante T (...) , negócio esse que se concretizou em 30/08/2006, entregando o arguido A (...) o veículo e recebendo em troca o valor de € 14.000,00.

2.1.88. Por sua vez, a compradora vendeu o veículo a R (...) , em 08/09/2006, pelo preço de € 16.500,00.

2.1.89. No decurso das investigações, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão deste veículo na posse de R (...) .

2.1.90. O arguido também omitiu a declaração desse mesmo veículo como salvado ( (...)VZ) e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.91. Acresce que não providenciou pelo cancelamento da respectiva matrícula.

2.1.92. O arguido A (...) agiu com o propósito conseguido de para si obter um benefício ilegítimo e para tanto alterou as características construtivas e funcionais do veículo  e alterou os elementos identificativos do veículo (...)UX, bem sabendo que assim falsificava um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando, o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.1.93. Acresce que o arguido agiu ainda com o propósito conseguido de para si obter uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriu a posse do veículo (...)UX que bem sabia ser proveniente de facto ilícito típico contra o património - com o intuito de dissimular a sua proveniência, e vendeu a terceiros.

2.1.94. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


G)

Nissan Pickup (...)TM


2.1.95. Em momento não concretamente apurado, em Fevereiro ou Março de 2006, o arguido A (...) adquiriu, no estado de salvado, o veículo de marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)TM, pertencente a DD..., que tinha sofrido um acidente de viação em 13/07/2005.

2.1.96. Concebeu então o plano de aplicar os elementos identificativos desse salvado numa outra viatura de proveniência ilícita, de forma a ocultar essa mesma proveniência, para assim a poder vender a terceiros e obter um benefício patrimonial, resultante da circunstância de vender tal veículo a um preço muito superior ao que havia despendido na sua obtenção e viciação.

2.1.97. Em conformidade, em meados de Junho de 2006, de forma não concretamente apurada, o arguido A (...) entrou na posse de um veículo de marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)XG, que levou para a sua oficina situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.98. Esta viatura e a anteriormente mencionada eram idênticas, pois, além de serem da mesma marca e modelo, eram ambas de cor branca.

2.1.99. A Pickup com a matrícula (...)XG pertencia a U (...) mas estava registada em nome de “ AD(...) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”  e quando entrou na posse do arguido estava desacompanhada de quaisquer documentos e chaves e tinha um vidro lateral partido, sendo portanto evidente e bem conhecida a sua proveniência ilícita.

2.1.100. Na verdade, este veículo havia sido retirado por desconhecidos, em 09/06/2006, do local onde estava estacionado, no parque de estacionamento da oficina da sociedade “BB..., Lda.”, situada em Alenquer, de que é legal representante U (...) , sendo que para o colocarem em marcha partiram um vidro lateral e, depois de destrancarem a porta e se introduzirem no seu interior, lograram pô-lo em marcha de forma não concretamente apurada.

2.1.101. Quando adquiriu a posse do veículo (...)XG, logo o arguido A (...) alterou os seus elementos identificativos, de forma a evitar que a sua proveniência ilícita pudesse ser conhecida.

2.1.102. Assim, na sua oficina, com o auxílio de instrumento não concretamente apurado o arguido cortou os últimos quatro dígitos do número de chassis apostos na longarina do veículo com a matrícula (...)TM e transplantou-os para a longarina direita do veículo com a matrícula (...)XG, onde os soldou, sobrepondo-os aos últimos cinco dígitos originais, de modo a fazer crer que o número de chassis deste último veículo era “JN1APUD22V0030370”.

2.1.103. Também substituiu as chapas de matrícula do veículo por novas, ostentando os dizeres “ (...)TM” e procedeu a algumas alterações no interior do veículo, nomeadamente substituindo os bancos.

2.1.104. Depois de fazer todas estas alterações na viatura, o arguido logrou criar a aparência de que esta era efectivamente o veículo com a matrícula (...)TM.

2.1.105. Foi neste estado que, em 30/08/2006, a vendeu a S (...) , seu primo, pelo valor de € 14.000,00.

2.1.106. O S (...) , quando adquiriu a viatura, levou-a até à sociedade “ SS (...), Lda.”, com sede em (...), Porto de Mós, onde mandou substituir a caixa de carga em madeira pintada de cinzento por uma nova caixa, também em madeira, substituição essa que foi facturada em nome da sociedade “ EE (...) Lda.”, de que é legal representante.

2.1.107. No decurso das investigações, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão deste veículo na posse do S (...) , a qual foi devolvida ao proprietário U (...) , em 27/05/2008.

2.1.108. O arguido também omitiu a declaração desse mesmo veículo como salvado ( (...)TM) e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT  e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.109. Acresce que não providenciou pelo cancelamento da respectiva matrícula.

2.1.110. O arguido A (...) agiu com o propósito conseguido de para si obter uma benefício ilegítimo e para tanto alterou as características construtivas e funcionais do veículo e alterou os elementos identificativos do veículo (...)XG, - bem sabendo que assim falsificava um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.1.111. Acresce que o arguido agiu, ainda com o propósito conseguido de para si obter uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriu a posse do veículo (...)XG que bem sabia ser proveniente de facto ilícito típico contra o património com o intuito de dissimular a sua proveniência, e vendeu a terceiros.

2.1.112. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou:

2.1.113. O arguido A (...) vive em união de facto, tem dois filhos menores, o casal vive em casa propriedade da mãe do arguido, exerce a actividade de mecânico de automóveis declarando um  rendimento de € 500,00 mensais.

2.1.114. É tido por pessoas das suas relações como pessoa honesta e trabalhadora.

2.1.115. Por decisão proferida em 17/03/2005, no âmbito do processo nº 227/03.3TAPMS, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial, foi o arguido A (...) condenado na pena de 100 dias de multa, pela prática em 04/0672003 de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelo artigo 348º nº2 do Código Penal.

2.1.116. O arguido B (...) , é casado, tem dois filhos menores,  e vive em casa própria. É sócio-gerente da empresa “Arfil, Lda.”, que emprega 16 funcionários.

2.1.117. O arguido B (...) não tem antecedentes criminais.

2.1.118. O arguido C (...) , é solteiro, vive sozinho em casa própria, exerce actividade remunerada de forma irregular, auferindo uma remuneração entre € 300,00 e € 400,00 mensais.

2.1.119. O arguido C (...) é tido por pessoas das suas relações como pessoa honesta e trabalhadora.

2.1.120. O arguido C (...) não tem antecedentes criminais.

2.1.121. O arguido D (...) , vive com a irmã, o cunhado e o sobrinho. Exerce actividade de electricista auferindo cerca de €850,00 mensais de remuneração.

2.1.122. O arguido D (...) não tem antecedentes criminais.

2.1.123. O arguido E (...) é casado, tem dois filhos e vive em casa própria, adquirida com recurso a empréstimo bancário que se encontra a pagar. Exerce a actividade de bate-chapas, auferindo uma remuneração mensal de cerca de €800,00.

2.1.124. O arguido E (...) não tem antecedentes criminais.

Do pedido de indemnização civil, além da factualidade comum à pronúncia e à acusação, e com interesse para a decisão da causa, foi, ainda, dada como provado:

2.1.125. O veículo Mercedes (...)RM  é do ano de fabrico de 2000 e foi adquirido na Alemanha em 30 de Abril de 2001, pelo preço de € 45.430,60 (quarenta e cinco mil quatrocentos e trinta euros e sessenta cêntimos)

2.1.126. A lesada exerce a actividade de transportes nacionais e internacionais de mercadorias e tem uma frota de cerca de 200 camiões.

2.2 Matéria de facto não provada.

Da discussão da causa não lograram provar-se os seguintes factos:

2.2.1. Que o arguido A (...) tenha utilizado uma broca para cortar a chapa com o número de chassis do veículo (...)LZ

2.2.2. Que, em relação ao veículo (...)LZ, os arguidos A (...) e B (...) tenham agido de forma concertada e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de para si obterem um benefício ilegítimo e que para tanto tenham alterado as características construtivas e funcionais do veículo, bem sabendo que assim falsificavam um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.2.3. Que em relação ao veículo (...)LZ os arguidos A (...) e B (...) , soubessem que as suas condutas era proibidas e punidas por lei penal.

2.2.4. Que o salvado do veículo (...)LL tenha sido adquirido pelo arguido A (...) , pelo preço aproximado de €6.250,00.

2.2.5. Que a frente da mesma marca e modelo do (...)LL tenha sido adquirida pelo preço de € 500,00.

2.2.6. Que o arguido A (...) tenha utilizado uma broca para cortar o nº de chassis do veículo (...)LL .

2.2.7 Que, em relação ao veículo (...)LL , o arguido A (...) tenha agido com o propósito conseguido de para si obter um benefício ilegítimo e que para tenha alterado as características construtivas e funcionais do veículo, bem sabendo que assim falsificava um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.2.8. Que, em relação ao veículo (...)LL , o arguido A (...) , soubesse que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

 2.2.9 Que, em relação ao veículo Ford Focus (...)RX , o arguido A (...) tenha agido  com o propósito conseguido de para si obter um benefício ilegítimo e para tanto tenha alterado as características construtivas e funcionais do veículo, bem sabendo que assim falsificava um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.2.10. Que, em relação ao veículo Ford Focus (...)RX , o arguido A (...) soubesse que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

2.2.11. Que os arguidos D (...) e E (...) , soubessem que, em relação ao veículo Peugeot 206 (...)TQ, a substituição da carroçaria fosse proibida.

2.2.12. Que o arguido E (...) , tivesse entregue o que restava da carroçaria original do Peugeot, numa sucata existente na (...), para ocultar uma falsificação.

2.2.13. Que, em relação ao veículo Peugeot 206, (...)TQ, os arguidos D (...) e E (...) tenham agido de forma concertada e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de para si obterem um benefício ilegítimo e para tanto tenham alterado as características construtivas e funcionais do veículo, bem sabendo que assim falsificavam um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.2.14. Que, em relação ao veículo Peugeot 206 (...)TQ, os arguidos D (...) e E (...) soubessem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

2.2.15. Que em relação ao veículo Mercedes (...)RM, os arguidos A (...) e C (...) tenham de forma concertada e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de para si obterem um benefício ilegítimo e para tanto alteraram as características construtivas e funcionais do veículo, bem sabendo que assim falsificavam um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

 2.2.16. Que o arguido A (...) tenha utilizado uma broca, para alterar o nº chassis do veículo (...)VZ

2.2.17. Que o arguido A (...) tenha utilizado uma broca , para alterar o nº chassis do veículo (...)TM.

2.2.18. Que a lesada sofreu o prejuízo patrimonial  diário pelo não uso do Mercedes (...)RM, de € 20,00, durante 90 dias.

2.3. Convicção do tribunal e exame crítico das provas:

2.3.1. Em relação à factualidade dada com provada:

Subordinado sempre ao princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artº127º do Código de Processo Penal, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, nomeadamente nas declarações dos arguidos A (...) , B (...) , C (...) , D (...) e E (...) , conjugadas com o teor das declarações do legal representante do Assistente GG (...) e do depoimento das testemunhas e da análise da larga documentação junta, tudo conjugado, ainda, com as regras da experiência comum.

Prestaram depoimento as seguintes testemunhas:

1 – G... ;

2 – H... ;

3 – I... ;

4 – J... ,

5 – L... ;

6 – M... (...) ;

7 – N... ,

8 – O... ;

9 – P... ;

10 – Q... ;

11 – R... ;

12 – S... ,

13– T... ,

14 – U... ;

15 – V... ;

16 – X...

17 – Z...

18 – F (...) ;

19 – K... ;

20 – W... ;

21 – Y... ;

22 – AA... .

A prova testemunhal foi, como se disse, conjugada com o teor dos seguintes documentos:

a) Autos de exame directo de fls.71 a 74, 197 a 199, 239 a 243, 312 a 315,365 a 371, 391 a 392, 449 a 453 e fls.572 a 574;

b)    Relatório pericial de fls. 517 a 518;

c)    Informação de Serviço de fls. 2 a 24;

d)    Relatos de diligência externa de fls. 26 a 33 e 146 a 148;

e)    Autos de apreensão de fls. 75 a 77, 200 a 201, 244 a 246, 316 a 317, 372 a 374,454 a 459, 528 a 529, 575;

f)    Informações Conservatória do Registo Automóvel de fls. 120, 122, 473 e 506;

g)    Informação Seguradora Açoreana de fls. 128 a 139;

h)    Informação Banco Mais de fls. 164;

i)     Facturas de fls.234, cópias de facturas de fls. 397, 409 e 571,

j)     Declarações de venda de fls. 363 a 364 e 525 a 526;

k)    Documentos aquisição veículo Mercedes fls. 770 a 780;

l)     Cópias de participação acidente viação de fls. 475 a 480;

m)   Informação de fls. 482;

n)    Documentos particulares de fls. 487 e 508(cópia fax);

o)    Termos de entrega de fls. 605 e 606.

p)    Relatórios sociais de fls. 1150 a 1153, 1160 a 1164, 1212 a 1216, 1399 a 1402 e 1403 a 1406;

q)    Certificados de Registo Criminal de fls. 1207 a 1210 e 1407 a 1408.

Optou-se por uma fundamentação repartida em nove grupos diferentes de factos, referentes a cada um dos veículos, condições sócio-económicas e antecedentes criminais dos arguidos e finalmente os factos que apenas dizem respeito ao pedido de indemnização civil.

A - Em relação aos factos atinentes ao veículo Nissan Navarra (...)LZ

Relativamente aos factos descritos nos pontos 2.1.1. a 2.1.15, e que tem por objecto as condutas dos arguidos A (...) e B (...) , baseou-se o Tribunal numa exaustiva análise da documentação junta aos autos, que conjugou com os depoimentos dos próprios arguidos e das testemunhas G (...) e H (...) , inspectores da Polícia Judiciária.

Começando, desde logo pela informação de serviço de fls. 2 a 24, que inclui diversas fotografias, permite, identificar o terreno junto à oficina do arguido A (...) , e onde foram encontradas diversas carroçarias de automóveis, e diversos elementos e componentes de viaturas automóveis.

É possível nas fotografias de fls. 15 a 16 identificar a carroçaria da viatura Nissan Navarra (...)LZ e vinheta de inspecção da mesma, facto que é aliás referido pela testemunha H (...) , Inspector da PJ, que dirigiu a investigação.

Deste primeiro conjunto de documentos destaca-se, ainda, o “print” de fls. 18 da Conservatória do Registo Automóvel, donde se pode concluir pelo registo da viatura em nome de MM (...), mulher do arguido B (...) , situação esta que o próprio arguido B (...) confirmou. De qualquer modo, do auto de apreensão de fls. 75 a 77, resulta manifesto não só que o veículo se encontrava na posse do arguido B (...) , mas também que os documentos estavam em nome da sua mulher MM (...).

Por outro lado, o auto de exame directo de fls. 71 a 74, comparando as fotografias de fls 72 a 74 com as fotografias de fls 15 a 17, permite concluir que a cabine que está montada neste veículo não é a original.

Do relato de diligência externa de fls. 146 a 148, conjugado com o conteúdo das intercepções telefónicas e com as regras da experiência comum resulta, quanto a nós manifesto, que de facto o arguido A (...) tratou de limpar toda a sucata, temendo a sua implicação nos factos.

Do depoimento do arguido A (...) , é de referir que esta admite a aquisição do salvado e a aquisição da cabine, em Espanha, o que também é confirmado pela factura de fls. 234 e resulta inequívoco das intercepções telefónicas, cujas transcrições se encontram no Apenso 1.

Por sua vez, o arguido B (...) , refere a aquisição da viatura ao arguido A (...) , admitindo como possível o preço de € 3.500,00, sendo que posteriormente, ele próprio procedeu a alguns acabamentos na sua oficina.

Relativamente ao facto de os arguidos não terem solicitado autorização para efectuar as transformações dos veículos, assim como não terem seguido os procedimentos legais, tal resulta manifesto dos factos objectivos fixados, que no seu conjunto não podem levar a outra conclusão, até porque não faria sentido.

B -Em relação ao veículo Audi A-4 (...)LL

       Quanto ao Audi, o próprio arguido A (...) refere ter adquirido o mesmo, como salvado, em 1999 à Companhia de Seguros AB(...). Descreve as reparações que efectuou neste veículo com precisão, nomeadamente as peças que substituiu, explicando, ainda, em que parte da viatura se encontrava o nº de chassis.

       Do auto de exame directo de fsl. 197 a 199, permite-se concluir que o nº de chassis da viatura foi transplantado de uma outra viatura, que foi utilizada a frente de outro veículo e que houve corte de monobloco.

       De relevante foi ainda o depoimento do inspector da PJ H (...) , que dum modo geral se referiu também a esta viatura.

       Assim, da análise dos documentos a que se fez referência, conjugado com as declarações do arguido e da testemunha H (...) e, ainda com as regras da experiência comum, resulta a fixação da factualidade apurada em relação a este veículo, nos exactos termos em que foi feito.

       Em relação ao facto de o arguido não ter seguido os procedimentos legais, tal resulta manifesto face à factualidade apurada.

       C)-  Em relação ao veículo Ford Focus (...)RX .

       Quanto aos factos descritos nos pontos 2.1.24. a 2.1.34. e que dizem respeito ao veículo Ford Focus (...)RX , baseou-se o Tribunal nas declarações do arguido A (...) e nas testemunhas inspector H (...) e P (...) , conjugado com os documentos de fls. 2 a 24 (informação de serviço), fls. 122 (informação da Conservatória do Registo Automóvel) fls. 128 a 139 (Informação da Seguradora Açorena) auto de exame directo de fls. 239 a 243 e auto de apreensão do veículo de fls. 244 a 246.

       O arguido A (...) , explicou as condições em que foi procurado pelo P (...) , proprietário do veículo  (...)RX , para proceder à reparação do mesmo, referindo expressamente o estado em que o veículo chegou à sua oficina.

       Referiu que tipo de reparação efectuou e o preço que cobrou ao referido P (...) .

       Por sua vez, esta testemunha P (...) relatou as circunstâncias em que mandou proceder à reparação da viatura no oficina do arguido A (...) e o preço que foi acordado. Referiu-se ainda à indemnização que lhe foi paga pela Companhia de Seguros.

       Quanto à testemunha inspector H (...) , referiu além do mais, que em relação a esta viatura o arguido A (...) terá aplicado metade de outra.

       Relativamente aos documentos, destaca-se a informação de serviço de fls. 2 a 24, nomeadamente a fotografia  de fls. 21, que permite identificar o salvado (...)RX . Por outro lado, da Informação do Registo Automóvel de fls. 122,  pode-se constatar que o veículo está registado em nome de P (...) , tal como resulta também do auto de apreensão de fls. 244 a 246.

       Relativamente à informação da Companhia de Seguros de fls. 128 a 129, resulta que a mesma atribui a perda total a este veículo, e que entregou ao proprietário a importância de € 11.120,00, que o valor venal era superior ao custo da reparação  e que a mesma era tecnicamente possível.  Pode-se mesmo concluir que o critério que foi seguido para a declaração como perda total, foi exclusivamente económico.

       Finalmente do auto de exame directo de fls. 239 a 243, podem retirar-se os factos que permitem descrever o modo como o arguido A (...) procedeu ao corte do monobloco do veículo e como juntou e soldou a metade de outro veículo.

       A conjugação destes diferentes meios de prova, com as regras da experiência comum, permitiu ao Tribunal fixar a factualidade dada como provada, nos exactos termos em que o fez.

       Em relação a também aqui o arguido não ter seguido os procedimentos legais, remete-se para o que já foi dito a propósito dos outros veículos.

       D) – Em relação ao veículo Peugeot 206 (...)TQ

       Relativamente ao veículo (...)TQ, cuja factualidade vem descrita nos pontos 2.1.35. a 2.1.48., o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações dos arguidos D (...) e E (...) e das testemunhas H (...) , I (...) e J (...) , levando-se ainda em consideração as intercepções telefónicas transcritas no Apenso 2.

       As declarações dos arguidos foram ainda conjugadas com o teor  do auto de exame directo de fls. 312 a 315,  auto de apreensão de fls. 372 a 374 e com a cópia da factura de fls. 409.

       Quanto ao arguido D (...) descreveu as circunstâncias em que após ter tido um acidente, colocou a sua viatura na oficina do arguido E (...) para que este procedesse à reparação do mesmo.

       Por sua vez, o arguido E (...) referiu o modo como comprou e a quem a carroçaria que aplicou no veículo Peugeot propriedade do arguido D (...) .

       Relativamente a estes factos teve-se igualmente em conta o teor das intercepções telefónicas, donde é possível concluir a origem da carroçaria que foi aplicada, o que, igualmente resulta do depoimento da testemunha H (...) , inspector da PJ.

       A testemunha I (...) , foi quem vendeu a carroçaria ao arguido E (...) e descreveu as circunstâncias em que o fez e a origem da mesma.

       Finalmente a testemunha   J (...) , funcionário do arguido E (...) , foi quem, a mando do mesmo, executou materialmente a reparação do Peugeot, tendo relatado em pormenor aquilo que fez.

       Também aqui os arguidos não seguiram os procedimentos legais,  sendo que tal resulta inequívoco dos factos apurados, que permitem, sem margem para dúvidas, concluir nesse sentido.

       E) – Em relação ao veículo Mercedes E-270 (...)RM

       Quanto às condutas dos arguidos A (...) e C (...) e que tiveram por objecto a viatura Mercedes (...)RM, cumpre, antes de mais, dizer que o depoimento dos arguidos, não mereceu qualquer credibilidade.

       Com efeito, não é preciso perceber de automóveis ou ser especialista no que quer que seja, para constatar que a versão apresentada pelos arguidos, mesmo para um observador pouco atento, não faz qualquer sentido, é  ilógico e viola de forma grosseira as regras da experiência comum e da normalidade das coisas.

       Nenhum dos arguidos apresentou uma justificação minimamente plausível, para que tenham procedido,  ao desmantelamento de um veículo de luxo com dois anos de uso.

       Não faz qualquer sentido desmantelar um veículo, só porque a caixa de velocidades está avariada. Por outro lado, a explicação que o veículo não tinha documentos, ainda é mais absurda. Qualquer cidadão sabe que pode pedir uma 2ª via de documentos, sejam eles quais forem e que está acessível a qualquer cidadão o teor do registo automóvel. Tanto mais tratando-se de profissionais, habituados a comprar e vender automóveis, os documentos nunca seriam um problema, desde que, naturalmente, o veículo tivesse uma proveniência lícita.

       E a verdade é que nenhum dos dois arguidos apresentou uma explicação minimamente credível, para justificar a posse do veículo.

       Por outro lado, a testemunha L (...) , a quem o arguido C (...) diz ter comprado a viatura e com quem está de relações cortadas, também apresenta uma versão da sua intervenção que é pouco credível. Diz, em síntese, que apenas, e por pouco tempo, cedeu as instalações para o arguido C (...) ver se conseguia pôr o carro a trabalhar. É certo que a viatura lá esteve e que essa foi, pelo menos, uma das finalidades, confirmado pela testemunha N (...) , que partilhava as instalações com o L..., mas duvida-se que a sua intervenção tenha sido só essa. De qualquer modo, foi o que resultou da prova.

       As circunstâncias em que o arguido C (...) levou o veículo Mercedes para a oficina do arguido A (...) e o facto de decidirem, de comum acordo, proceder ao desmantelamento do mesmo, só por si, permite concluir que ambos os arguidos tinham conhecimento da proveniência ilícita do mesmo.

       Acresce que das intercepções das comunicações telefónicas, ainda mais se confirma tal conhecimento: - refira-se apenas a título de exemplo que, a certa altura se diz que “ o golpe do Mercedes foi bem feito..”.

       Refira-se, ainda, o depoimento do Inspector da PJ C (...) , que referiu expressamente terem detectado a traseira do Mercedes com o nº chassis apagado. O depoimento desta testemunha e a larga documentação relacionada com esta viatura, permitiram fixar a factualidade dada como provada sem quaisquer dúvidas.

       Desde logo, o relato da diligência externa de fls. 26 a 33, que refere o modo como foi encontrada a parte da carroçaria do veículo,  o autocolante de fls. 28, onde consta o nº do chassis e as fotografias de fls. 21 a 33 onde é possível identificar alguns componentes do mesmo veículo, nomeadamente partes da carroçaria, da mala, autocolante da tampa do depósito de gasóleo e o local onde constava a gravação a frio do nº de chassis ( que permite concluir que foi destruído por acção de uma maçarico).

       Depois temos, ainda o auto de apreensão de partes da carroçaria a HH (...) e o auto de apreensão do motor que estava na posse de M (...) .

       Foi ainda analisado o teor dos documentos particulares de fls. 525 e 526, donde se extrai a conclusão que o motor, a frente e o tejadilho do Mercedes foram vendidas à “ PP (...)” e esta por sua vez, vendeu o motor à “ RR (...) Lda.”.

       Relativamente ao destino final do motor, refira-se ainda a cópia da factura da “Carclasse”, da análise da qual se retira que o motor acabou por ser montado no Mercedes com a matrícula (...)UU, vindo a final a ser entregue ao seu legítimo proprietário como resulta do termo de entrega de fls. 605.

       Quanto à propriedade original do veículo e o modo como foi subtraído, além das declarações do assistente GG (...) e das testemunhas  V (...) , X (...) e Z (...) , com conhecimento directo dos  factos, já que todos são funcionários da empresa proprietária do veículo, levou-se ainda em consideração a documentação de fls. 770 e 780, cuja análise permite fixar a factualidade ligada à aquisição do veículo, nomeadamente, preço, tempo lugar e modo.

        Foi, ainda ouvida a testemunha M (...) , que relatou as circunstâncias em que adquiriu uma viatura Mercedes, e como veio, mais tarde a descobrir que a mesma tinha colocada o motor de um veículo furtado, neste caso o do veículo (...)RM.

       Em conclusão, pode reafirmar-se que da conjugação de todos estes meios de prova, com as regras da experiência comum, ao Tribunal não subsistiram quaisquer dúvidas em fixar a factualidade provada, nos exactos termos em que o fez.

       F) – Em relação aos veículos Nissan Pickup (...)VZ e (...)UX

       Para fixar a factualidade referente à conduta do arguido A (...) , no que diz respeito aos dois veículos (...)VZ e (...)UX, baseou-se o Tribunal na larga documentação junta aos autos, nomeadamente informação de serviços de fls. 2 a 24, informação bancária de fls. 164, auto de apreensão de fls. 372 a 374, declaração de venda de fls. 363 a 364, auto de exame directo de fls. 365 a 371 e 391 a 392, cópia da factura de fls. 397, documento particular de fls. 487, relatório pericial de fls. 517 a 518 e documento particular de fls. 508, tudo conjugado com o depoimento do arguido A (...) e das testemunha H (...) , O (...) , Q (...) , R (...) e T (...) .

       Relativamente a estas duas viaturas o arguido A (...) pouco adiantou, limitando-se a negar alguns factos, nomeadamente que o (...)VZ não foi vendido no estado de salvado, tendo sido adquirido por CC (...) já reparado pelo Sr. F (...), limitando-se depois de uma forma genérica a referir que tirou algumas peças para o Nissan Terrano e que  vendeu as peças que sobrou ao Sr. JJ (...).

       De qualquer modo, a testemunha H (...) , inspector da PJ, afirmou de forma peremptória que tinham sido identificadas duas Pickup’s como furtadas, referindo-se às viaturas (...)UX e (...)XG.

       Por sua vez a testemunha O (...) , proprietário do veículo (...)UX, referiu as circunstâncias em que o mesmo lhe foi subtraído, e o modo como depois foi identificada já com os elementos identificativos alterados.

       A testemunha Q (...) , mecânico de automóveis, de cujas instalações foi subtraído o veículo (...)UX, relatou as circunstâncias em procedeu à reparação do mesmo e o modo como o mesmo foi subtraído. Foi esta testemunha, que de forma serena e isenta de contradições explicou em pormenor como identificou a mesma viatura, já com outros elementos identificativos.

       O destinatário final da viatura foi a testemunha R (...) , que referiu ter adquirido a mesma no stand “ AC(...)” pelo preço de € 16.500,00.

       Foi ainda ouvido a testemunha T (...) , proprietário do stand “ AC(...)”, que relatou as circunstâncias em que a mesma foi adquirida ao arguido A (...) .

       A prova testemunhal, pode dizer-se que vem apenas confirmar aquilo que já resulta da análise dos diversos documentos.

       Com efeito, logo da informação de serviço de fls. 2 a 24, se verifica na fotografia de fls. 19 o salvado correspondente à viatura (...)VZ. Por outro lado do documento de venda de fls. 363 a 364 e da informação da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 120, pode-se constatar a aquisição da viatura (...)VZ por R (...) , sendo que da informação bancária de fls. 164, resulta que o mesmo veículo foi objecto de contrato de locação financeira, tendo como titular a mesma testemunha, confirmando-se, assim, o depoimento que este prestou, o que também já resultava do teor do auto de apreensão de fls. 372 a 374.

       Da análise do auto de exame directo de fls. 365 a 371 e 391 a 392, pode-se constatar o modo como foi feita a alteração do nº de chassi e apagado o nº motor do mesmo veículo, sendo que em relação ao nº de motor, tal operação resulta inequívoca das conclusões do relatório pericial de fls. 517 a 518.

       Resta a cópia da factura de fls. 397, donde se constata a venda efectauda por SS (...) a “ EE (...) ” duma caixa de carga para o veículo (...)VZ. Compra essa que não se chegou a concretizar já que o adquirente optou por adquirir antes a viatura (...)TM, como abaixo melhor se explicará.

       Finalmente do documento de fls. 508, resulta manifesto que foi o arguido A (...) que levou o veículo com a matrícula (...)VZ à inspecção, o que só por si é revelador que este arguido sabia que o veículo que levou à inspecção, só aparentemente correspondia a esta matrícula, que como se disse pertencia a uma salvado que foi identificado na sua posse.

       A conjugação de todos estes meios de prova, com as regras da experiência comum, levam o Tribunal a concluir que o arguido A (...) colocou propositadamente os elementos identificativos do salvado (...)VZ, no veículo (...)UX, de modo a dissimular a sua proveniência que sabia ser ilícita. Só esta conclusão é compatível com os diversos factos objectivos cuja veracidade, face a toda a prova analisada, é inquestionável.

       G) – Em relação aos veículos Nissan Pickup (...)TM e (...)XG

       Finalmente em relação aos veículos (...)TM e (...)XG,  os procedimentos e actos materiais realizados pelo arguido A (...) , são em tudo idênticos aos utilizados nas alterações que efectuou nos veículos (...)VZ e (...)UX.

       Também em relação a estes facto a prova é fundamentalmente documental, tendo-se, desde logo levado em consideração a cópia da factura de fls. 397, primeiramente destinada à viatura (...)VZ, mas que depôs o próprio adquirente, a testemunha S (...) , vem desmentir, referindo que desistiu da compra da viatura (...)VZ, tendo optado por adquirir antes a viatura (...)TM, como resulta também do auto de apreensão de fls. 454 a 459.

       Relativamente a esta viatura a versão do arguido A (...) é que comprou a viatura (...)TM, como salvado a II..., mas que não foi reparada por ele mas sim por um Sr. JJ (...).

       A verdade porém é que como referiu o proprietário da viatura (...)XG,   a testemunha U (...) , esta foi-lhe subtraída da sua oficina, tendo vindo mais tarde a ser encontrada e devolvida (termo de entrega de fls.606) com os elementos identificativos da viatura (...)TM,  sendo certo que esta viatura ( (...)TM), como resulta das cópias do auto de participação de acidente de fls. 475 a 480, foi interveniente num acidente de viação, tendo os respectivos documentos sido apreendidos em virtude de a viatura não poder circular pelos próprios meios.

       Depois se compararmos o teor do documento de fls. 482 com o auto de exame directo de fls. 449 a 453, constatando-se que ambos os veículos apresentavam o nº de chassis do veículo (...)TM, constatando-se ainda a forma como se procedeu a esta alteração.

       De referir ainda que, como resulta da informação da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 506, o veículo (...)XG, estava registada em nome de AD(...) Instituição Financeira de Crédito S.A.

       Sendo certo que os elementos subjectivos, como a intenção e o conhecimento, integram o foro íntimo de cada um, a verdade é que face aos factos objectivamente considerados, cuja veracidade é patente, é forçoso concluir que o arguido A (...) alterou os elementos identificativos do veículo (...)XG com a intenção de dissimular a sua proveniência que sabia ser ilícita, pretendendo, com essa sua conduta obter um benefício que sabia não ser legítimo já que não correspondia a qualquer direito.,

       H) – Condições sócio económicas dos arguidos e antecedentes criminais

       Relativamente às condições sócio económicas dos arguidos o Tribunal levou em consideração os diversos relatórios sociais fls. 1150 a 1153, 1160 a 1164, 1212 a 1216, 1399 a 1402 e 1403 a 1406, sendo que em relação ao arguido A (...) , ainda se levou em consideração o depoimento das testemunhas K (...) e F (...) , pessoas das relações deste arguido, que depuseram sobre os aspectos relacionados com a personalidade do mesmo, sendo que as suas declarações, na medida do dado como provado, mereceram a credibilidade do Tribunal.

       Também em relação à personalidade ao arguido C (...) , prestaram declarações as testemunhas W (...) , Y (...) e AA (...) , que, na medida do dado como provado, mereceram a credibilidade do Tribunal.

Quanto aos antecedentes criminais levou-se em consideração os Certificados de Registo Criminal de fls. 1207 a 1210 e 1407 a 1408.

       I)- Do pedido de Indemnização Civil

       Relativamente aos factos  referentes ao pedido de indemnização civil, o Tribunal levou em consideração o depoimento das testemunhas V (...) , X (...) e Z (...) , todos funcionários da lesada, com conhecimento directo dos factos, sendo que prestaram declarações duma forma serena e isenta de contradições merecendo, por isso, a credibilidade do Tribunal, na medida do dado como provado.

       O depoimento destas testemunhas foi ainda conjugada com o teor dos documentos de fls. 770 a 780.

2.3.2. Em relação à factualidade dada como não provada.

       Relativamente aos factos referente aos veículos (...)LZ, (...)LL , e (...)RX , e que foram dado como não provados sob os pontos 2.2.2., 2.2.3., 2.2.7., 2.2.9. e 2.2.10., cumpre dizer que não se considerando os factos objectivos susceptíveis de integrarem qualquer ilícito criminal, não faria qualquer sentido considerar que os arguidos tinham com consciência que estavam a praticar de factos criminalmente ilícitos ou que soubessem que a sua conduta era penalmente censurável.

       O mesmo raciocínio se aplica aos arguidos D (...) e E (...) , em relação ao veículo Peugeot 02.42.TQ, relativamente aos factos vertidos nos pontos 2.2.11., 2.2.12., 2.2.13., 2.2.14.

       Quanto aos factos vertidos sob os pontos 2.2.1., 2.2.4., 2.2.5. , 2.2.6., 2.2.16. e 2.2.17.  cumpre dizer que a prova produzida não foi concludente em relação a estes factos, nenhuma testemunha ou documentos os menciona de forma inequívoca, pelo que ao Tribunal não restava outra alternativa, que não fosse dar tal matéria como não provada.

       Relativamente aos factos susceptíveis de integrar os elementos subjectivos da falsificação do Mercedes e que vêm referidos no ponto 2.2.15., não faz sentido considerá-los dado que da restante factualidade apurada o que resulta inequívoco é que a intenção dos arguidos era desmantelar o veículo para dissimular a sua proveniência ilícita e não proceder a qualquer falsificação do mesmo.

       Finalmente em relação aos prejuízos que são referidos no ponto 2.2.18. cumpre dizer que não foi produzida prova testemunhal ou documental, que permita sustentar tais factos.”

O Tribunal recorrido procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha e determinação da medida das penas parcelares e pena única do seguinte modo (transcrição):

“2.4. Aspecto jurídico da causa

2.4.1. Enquadramento jurídico-penal

A) Quanto aos crimes de falsificação

       A1) – Relativamente aos três crimes de falsificação que têm por objecto os veículos automóveis Nissan Navarra de matrícula (...)LZ, Audi A4 de matrícula (...)LL e Ford Focus de matrícula (...)RX , cuja autoria é imputada aos arguidos A (...) e B (...) , este último apenas em relação ao veículo Nissan Navarra (...)LZ.

       Relativamente a estes três veículos, o que resulta da factualidade apurada, e que é comum aos três veículos, é que o arguido A (...) procedeu à reparação de veículos “salvados” utilizando peças de outros veículos.

       Com efeito, no caso do Nissan Navarra, colocou sobre o “salvado” uma carroçaria/cabina, da mesma marca, cor e modelo que adquirira em Espanha e depois cortou a chapa com o nº de chassis do “salvado”, que retirou e colocou na nova cabina (vide 2.1.2. a 2.1.5.).

       No caso do Audi, o procedimento foi idêntico, sendo que nesse caso não foi a cabina mas sim a frente ( vide 2.1.18. a 2.1.21.)

       Por último, no caso do Ford Focus, procedeu da mesma maneira, só que neste caso tratava-se da traseira de outra viatura. (vide 2.1.24. a 2.1.30.).

       Face a esta factualidade, a primeira questão que se põe é saber se é possível, e em que condições, a reparação de uma “salvado”  com a subsequente deslocação do nº chassis duma viatura para outra ou a regravação do mesmo, e por último, e mais importante saber se o nº chassis integra ou não o conceito de “documento” plasmado na alínea a) do artigo 255º do Código Penal.

       Partindo da definição de “salvado” que assume na diversa legislação contornos diferentes, consoante seja para efeitos do Código da Estrada, para efeitos da gestão de veículos em fim de vida (VFV de ora em diante) ou  para efeitos de protecção dos lesados por acidentes de viação baseados no seguros de responsabilidade civil.

       Antes de mais cumpre clarificar que as referências feitas no despacho de pronúncia aos artigos 11º, 14º e 15º do Dec. Lei nº 2/98 de 03/01, devem ser entendidas como sendo do Dec. Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro,  que é a versão mais actualizada, embora a redacção seja a mesma . De referir igualmente que, quando nesses artigos se faz referência à Direcção Geral de Viação (DGV), deve entender-se Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT),  instituto que foi criado pelo Dec. Lei nº 147/2007 de 27 de Abril e que, além do mais, congrega as atribuições que vinham sendo atribuídas à Direcção Geral de Viação (DGV) em matéria de condutores e veículos.

       O referido Dec-Lei 44/2005 de 23 de Fevereiro é o diploma legal que altera o Código da Estrada e é nele, no seu artigo 13º, que encontramos a primeira definição de “salvado”, cuja redacção é, aliás, exactamente a mesma que já vinha, artigo 16º do Dec. Lei 02/98 de 03/01 , cujo teor é o seguinte:

Artigo 13º

Definição de salvado

       Para efeitos do disposto nos artigos seguintes entende-se por salvado o veículo a motor que, em consequência de acidente, entre na esfera patrimonial de uma empresa de seguros por força de contrato de seguro automóvel e:

a)    Tenha sofrido danos que afectem gravemente as suas condições de segurança;

b)    Cujo valor de reparação seja superior a 70% do valor venal do veículo à data do sinistro.

Como resulta deste preceito legal, a definição aqui plasmada, é tida em conta apenas para os casos de venda de salvados (artº14º) e comunicações obrigatórias, quer das companhias de seguro, quer dos proprietários (artº15º). Ou seja estamos no âmbito do Código da Estrada e é neste âmbito que, mais adiante, teremos que fazer a conjugação com os artigos 114º,115º, 116º e 119º do Código da Estrada.

       Volvendo à definição de “salvado” , no âmbito da gestão de VFV o Dec. Lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, quer na redacção original, quer na redacção que lhe é dada pelo Dec. Lei nº 64/2008, de 08 de Abril equipara o “salvado”  a um veículo em fim de vida (VFV) concluindo que se trata de um resíduo, como se retira da alínea l) do artigo 2º do referido diploma legal:

       “l) «Salvado» o veículo que, em consequência de acidente tenha sofrido danos que impossibilitem definitivamente a sua circulação  ou afectem gravemente as suas condições de segurança e que integre a esfera jurídica patrimonial de uma companhia de seguros por força de um contrato de seguro automóvel, nos termos do artigo 13º do Decreto-Lei nº 44/2005, e que constitui um resíduo nos termos da alínea u) do artigo 3º do Dec. Lei nº 178/2006, de 5 de Setembro.”

       Por sua vez a referida alínea u) do artigo 3º do Dec. Lei nº 178/2006 de 5 de Setembro (Regime Geral de Gestão de Resíduos) define resíduo como sendo “..qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer,  nomeadamente os identificados na Lista Europeia de Resíduos…”

       A “Lista Europeia de Resíduos” foi transposta para a nossa ordem jurídica através da Portaria nº 209/2004 de 3 de Março, sendo que nenhuma menção é feita a “salvados” mas apenas a Veículos em Fim de Vida” (VFV) a que é atribuído o código 16 01 04 e considerado como “resíduo perigoso” na acepção que lhe é dada pelo disposto na alínea b) do artigo 3º do Dec. Lei nº 239/97 de 9 de Setembro, o qual por sua vez remete para a “Lista Europeia de Resíduos Perigosos”, transposta para a nossa ordem jurídica através de Portaria nº 818/97 de 5 de Setembro.

       A problemática dos “resíduos” não se esgota nesta referência legislativa, existe todo um manancial de legislação sobre este tema, mesmo a nível da União Europeia, alguns até contraditórios entre si .

       Em todo o caso nesta acepção de “salvado” como resíduo o que ressalta é que o salvado apenas é um resíduo se o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer, do mesmo, nada impede que lhe seja dada outra utilização. Aliás o regime jurídico da gestão de veículos em fim de vida  (o referido Dec. Lei nº 196/2003) admite que os componentes de VFV sejam reutilizados para o mesmo fim para que foram recebidos [Vide artigo 2º alínea j)]

       Finalmente o Dec. Lei nº 291/97 de 21 de Agosto (sistema de protecção dos lesados por acidentes de viação baseado no seguro de responsabilidade civil) no seu artigo 41º, não definindo expressamente o conceito de “salvado” , acaba por considerar que existe uma “salvado” sempre que se verifique uma situação que denomina de “Perda total”, mesmo quando essa situação é definida com base num critério exclusivamente económico.

       Com efeito, dispõe o referido artº 41º:

       “Entende-se que um veículo interveniente num acidente de viação se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:

       a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;

       b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;

       c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo  consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.

       2 – O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.

       3 – O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que o briga à indemnização.

       4 – Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:

       a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade;

       b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;

       c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.

       5 – Nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119º do Código da Estrada.”

       Deste preceito legal, resulta, além do mais, que o proprietário do veículo, pode ficar na posse do mesmo e se o critério for o do valor estimado para a reparação, nada impede que o denominado “salvado” seja reparado. É certo que o preceito refere que a matrícula deve ser cancelada no caso de perda total, mas fá-lo com remissão para o artigo 119º do Código da Estrada, cujos critérios nada têm a ver com o valor da reparação, mas sim com a impossibilidade  definitiva de circulação e as condições de segurança, sendo certo que, em alguns casos, ainda prevê  a reposição de matrículas canceladas.

       Ou seja, é admissível a hipótese em que um veículo seja declarado em “perda total”, exclusivamente com base no facto do valor da reparação ser superior a 100% ao seu valor venal,(foi o que aconteceu com o Ford Focus (...)RX ) sendo tal reparação, material e tecnicamente possível e não tendo sido afectada as condições de segurança do veículo.

       Então neste caso nada impede que o proprietário proceda à sua reparação, impondo-se apenas a obrigatoriedade de inspecção imposta pelo artº116º nº1 alínea e) do Código da Estrada.

       Feitas estas considerações iniciais que tiveram apenas como fim permitir um enquadramento das questão da reparação dos “salvados”, volvemos ao caso dos autos e o que constatamos é que seja qual for o conceito de “salvado” que utilizemos, a verdade é que aqui está em causa nos autos, são reparações efectuadas, as quais eventualmente constituiriam transformações/alterações às características construtivas e funcionais dos veículos em causa.

       Com efeito, o  artigo 115º nº1 do Código da Estrada considera transformação de veículos ”..qualquer alteração das suas características construtivas ou funcionais”, e o nº2 do mesmo artigo admite que possam ser feitas transformações “…nos termos fixados em regulamento”. O problema é que não existe “Regulamento” existem antes uma série de regulamentos , mas não existe um regulamento que expressamente diga, com rigor, que tipo de transformações podem ser feitas em veículos a motor. Apesar de tudo o Decreto nº 39987 de 22 de Dezembro de 1954 (Regulamento do Código da Estrada), apesar de desactualizado, ainda é o mais completo, embora a sua função seja a de definir as características a que devem obedecer os veículos, e não a de descrever que tipo de transformações pode ser feita.

       De qualquer modo, a razão de ser impeditiva da alteração das características construtivas ou funcionais dos veículos, são as condições de segurança dos veículos. Tanto assim é que a própria lei, obriga a uma verificação das condições de segurança dos veículos, sempre que, por qualquer motivo, haja uma alteração das suas características. Conclusão essa que se retira da interpretação conjunta dos artigos 116º nº1 alínea e) do Código da Estrada e artº 2º nº1 alínea b)  do Dec. Lei nº 550/99 de 15 de Dezembro e artº2º nº2 do Dec. Lei nº 554/99 de 16 de Dezembro.

       No que diz respeito ao nº chassis, não há dúvidas que é um elemento identificador do veículo, atribuído pelo fabricante. É através deste número que é possível ao fabricante identificar em concreto o modelo da viatura, as suas características e as suas peças. Trata-se de uma declaração corporizada na própria estrutura do veículo e que permite identificar o emitente e é idónea para provar a identificação do veículo, como tal deve ser qualificado como documento particular e não como documento autêntico, já que não foi atribuído por qualquer autoridade pública.

       Contudo essa característica, não significa que não possa ser regravado, que é aliás o procedimento mais correcto no caso de deterioração daquele número, por corrosão ou acidente. Veja-se a esse propósito o Despacho nº 17114/2003 DR II série de 05 de Dezembro, que no seu nº4 refere: "No caso de substituição parcial da estrutura do veículo, por motivo de reparação, que determine a remoção da gravação original do número de quadro, desde que não exista dúvida quanto à identificação do veículo e aos respectivo número do quadro original, os serviços regionais desta Direcção-Geral, podem autorizar a regravação do mesmo número”.

       Seria esta a atitude correcta que os arguidos deveriam ter tomado. Contudo optaram por deslocar a peça onde estava gravado o nº chassis, de um veículo para outro. De qualquer modo não alteraram os nºs de chassis.

       Em conclusão e neste aspecto particular das alterações das características construtivas e funcionais dos veículos, não restam dúvidas que os arguidos violaram os artigos 114º, 115º e 116º do Código da Estrada, assim como não enviaram à IMTT a declaração como salvado, prevista no artigo 15º nº2 do Dec. Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro.

Contudo, as consequências dessas condutas são meramente contra-ordenacionais. No caso do artigo 15º do Decreto-Lei nº44/2005 a coima pode ir até €3.000,00 e nos restantes casos a coima pode ir até € 1.250,00. Não estamos pois perante um crime mas perante contra-ordenações, cujos factos mais recentes remontam a Novembro de 2006 (vide 2.1.24.)

Ora mesmo na coima de montante mais elevado -  € 3.000,00 - , o prazo de prescrição seria de 3 anos (Artº 27º alínea c) do Dec. Lei nº 433/82  com as alterações introduzidas pela Lei nº 109/2001 de 24/12), prazo ao qual acresce o prazo máximo de 6 meses de suspensão (artº 27º-A nº2 do mesmo diploma legal) e o prazo máximo de 18 meses de interrupção (Artº 28 nº3), pelo que mesmo aplicando o prazo máximo de prescrição esta não ultrapassaria 5 anos ( 3 anos + 6 meses + 18 meses = 5 anos). Encontrando-se decorrido tal prazo, nem sequer a título contra-ordenacional os arguidos serão sancionados.

Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações, relativamente aos três crimes de falsificação que têm por objecto os veículos automóveis Nissan Navarra de matrícula (...)LZ, Audi A4 de matrícula (...)LL e Ford Focus de matrícula (...)RX , cuja autoria é imputada aos arguidos A (...) e B (...) , este último apenas em relação ao veículo Nissan Navarra (...)LZ, importa absolver os arguidos.

A2) Quanto aos dois crimes de falsificação que têm por objecto os veículos automóveis Nissan Pickup de matrícula (...)UX e Nissan Pickup de matrícula (...)XG, imputados ao arguido A (...) .

Quanto à Nissan Pickup (...)UX, o que resulta da factualidade apurada é que o arguido A (...) na posse do salvado e dos elementos identificativos do veículo 17.93-VZ, aplicou os mesmos numa viatura de proveniência ilícita – (...)UX – de marca e modelos idênticos. Nomeadamente alterou o nº de chassis, apagou parcialmente o nº de motor e substituiu as chapas de matrícula (vide 2.1.79 a 2.1.92)

Relativamente à Nissan Pickup (...)XG, o procedimento foi idêntico, entrou na posse do salvado e dos elementos identificativos do  (...)TM e aplicou os mesmos numa viatura de proveniência ilícita (...)XG, de marca e modelos idênticos, alterou o nº de chassis e substituiu as chapas de matrícula.

Com esta sua conduta o arguido criou no veículo (...)UX a aparência que se tratava do veículo (...)VZ e no veículo (...)XG a aparência que se tratava do veículo (...)TM.

Em qualquer dos casos dúvidas não restam que estamos perante falsificação de documentos.

Senão vejamos.

O conceito de documento vem plasmado no artº 255º do Código Penal, que considera documento "a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante.." . Por sua vez um facto é juridicamente relevante quando, extingue, modifica ou cria uma relação jurídica.

O crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artº 256º do Código Penal, preceitua, o seguinte:

“1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a)    Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;

b)    Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;

c)    Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;

d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes, facto juridicamente relevante

       e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores ou

       f) Por qualquer meio facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa

       2 – A tentativa é punível.

       3 – Se os factos referidos no nº1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artº 267º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

       4 – Se os factos referidos no nºs 1 e 3 forem praticados por funcionários, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”

 O referido normativo refere-se, assim, à falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração e à declaração incorporada no documento ou seja, quando apenas o conteúdo é falso. No primeiro caso estamos perante uma falsificação material, no segundo perante uma falsificação ideológica. A falsificação ideológica abrange a falsificação intelectual e a falsidade em documento. Na falsificação intelectual incorpora-se no documento uma declaração que não foi realizada, por sua vez a falsidade em documento "será o relato de um certo facto da vida quotidiana, que é juridicamente relevante (extingue, modifica ou cria uma relação jurídica) e quando utilizado como meio de prova, vai permitir ao seu titular, se assim o podemos designar, uma certa vantagem que terá consequência ao nível jurídico"

       Volvendo ao caso dos autos, dúvidas não restam que , quer o nºs de chassis quer as chapas de matrícula são documentos. O nºs de chassis sendo atribuído pela própria marca é um documento particular e quanto à chapa de matrícula, como é jurisprudência uniforme e obrigatória é um documento autêntico, por atribuída por uma autoridade pública   (à data dos factos DGV). Já quanto ao nº de motor com a entrada em vigor do Dec. Lei nº 178-A/2005 de 28/10 que criou e aprovou o projecto “Documento único Automóvel” criando o Certificado de Matrícula, deixou de ser considerado elemento identificativo, uma vez que o nº de motor já não consta neste novo “Certificado de Matrícula”  .

       Ora o arguido ao alterar os elementos identificativos dos veículos (...)UX e (...)XG, mediante a atribuição de outros elementos que sabia não ser os que legalmente lhes pertenciam, porquanto atribuídos a outros veículos (aos salvados), actuou pondo em causa o valor probatório dos elementos identificativos – documentos autênticos.

Assim sendo, a conduta do arguido integra a alínea b) do  nº1 e nº3 – já que se trata de documento autêntico - do referido preceito legal. 

Face ao exposto, não restam pois, dúvidas, que com esta sua conduta o arguido preencheu os elementos objectivos dos crimes de que vem acusado.

Em relação ao tipo subjectivo o mesmo preenche-se com a intenção específica de obter um benefício ilegítimo (vantagem patrimonial ou de outro tipo). Ou seja, se não houver intenção de obter tal benefício, não haverá, obviamente crime. A intenção compreende a previsão do facto e a vontade de o executar. Quanto ao benefício, será ilegítimo se não corresponder a qualquer direito.

 Ora, o arguido, alterou os elementos identificativos dos veículos em causa para proceder à venda a terceiros dos mesmos, sabendo que se não o fizesse não poderia proceder a tal venda, face à proveniência ilícita dos mesmos.

 Encontra-se, assim, igualmente, preenchido o elemento subjectivo.

Face ao exposto entendemos que a conduta do arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos da prática de dois crimes de falsificação de documento previsto e punível pelo artº 256º nº1 al. b) e nº3 do Código Penal, incorrendo, assim numa moldura penal de prisão de 6 meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

A3) Quanto ao crime de falsificação que tem por objecto o veículo Peugeot 206 matrícula (...)TQ, imputado em co-autoria material aos arguidos D (...) e E (...)

       No caso deste veículo nem sequer se trata de um salvado. Trata-se apenas da substituição duma carroçaria, num veículo acidentado, transpondo depois a peça onde o nº chassis estava gravado para a nova carroçaria.

Para este caso valem as mesmas considerações que foram feitas a propósito dos veículos  Nissan Navarra (...)LZ, Audi A4 (...)LL e Ford Focus (...)RX , seno que neste caso a única obrigatoriedade que recaía sobre os arguidos era de solicitarem uma inspecção extraordinária, tendo violado assim o disposto no artigo 116º nº1 e) e nº3, sancionável com coima até € 1.250,00, há muito prescrita face ao disposto no artigo 27º nº1 alínea do Dec. Lei nº 433/82 de 27 de Outubro  na redacção introduzida pela Lei nº 109/2001 de 24 de Dezembro, pelo que sem necessidade de mais considerações importa absolver os arguidos D (...) e E (...) da prática do crime de falsificação que tem por objecto o veículo Peugeot 206 (...)TQ.

B) Quanto aos crimes de receptação

Ao arguido A (...) é imputada a prática de três crimes de receptação p. e p. pelo artº231º nº1 do Código Penal, sendo dois em autoria material e relativamente aos veículos Nissan Pickup com a matrícula (...)UX e Nissan Pickup com a matrícula (...)XG e um em co-autoria material com o arguido C (...) , relativamente ao veículo Mercedes E-270 (...)RM.

Dispõe o referido preceito legal que:

“ Quem, com intenção de obter para, si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber  em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, a conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa”

Por sua vez o nº 2 dispõe:

“Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.”

Para o preenchimento deste tipo criminal, exige-se que um agente actue sem a necessária cautela, adquirindo ou recebendo a(s) coisa(s), quando previa ou podia prever que a sua origem era criminalmente ilícita, sendo que, em termos subjectivos, se exige apenas "um dolo eventual, mesmo uma negligência grosseira, consubstanciado na suspeita, que razoavelmente não pode deixar de deixar de pôr-se ao agente, quanto à legítima proveniência da coisa, quer pela qualidade da coisa, quer ela condição de quem a oferece, quer, ainda, pelo desconforme do preço proposto ou solicitado" (Carlos Alegre, Crimes contra o Património, Cadernos da Revista do Ministério Público, nº 3, 1988, pag. 151) .

Volvendo ao caso dos autos,  e começando pelo veículo Mercedes E 270- matrícula (...)RM, constata-se que ambos os arguidos, tinham perfeito conhecimento da proveniência ilícita do mesmo, e de comum acordo decidiram desmantelar o mesmo para melhor ocultarem a sua origem e venderem a terceiros as respectivas peças, com intenção de obterem para ambos uma vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito.

Assim sendo resulta manifesto que a conduta dos arguidos A (...) e C (...) , preenche o  artº231º nº1, porque vêm acusados, incorrendo numa moldura penal abstracta de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

É certo que da factualidade apurada consta ainda que os arguidos não declararam o veículo como salvado, nem procederam ao cancelamento da respectiva matrícula, mas a verdade é que não o poderiam fazer já que não só o veículo não chegou à sua posse como salvado, como, tendo o mesmo uma proveniência ilícita, não faria sentido os arguidos pedirem o cancelamento da matrícula. Tais factos são inócuos em relação ao crime de receptação, já que a intenção dos arguidos não era a de procederem à alteração das características construtivas e funcionais do veículo ou de falsificar os elementos identificativos do mesmo, mas tão só o de o desmantelarem com o fim de dissimular a sua proveniência. Quanto muito o que se pode levar em conta e apenas na medida da pena é a conduta posterior à prática do crime

 No que diz respeito aos veículos Nissan Pickup com a matrícula (...)UX e Nissan Pickup com a matrícula (...)XG, também nenhuma dúvida se levanta face à factualidade apurada já que o arguido A (...) entrou na posse destes veículos, sabendo da sua proveniência ilícita e para dissimular a sua proveniência tratou de alterar os elementos identificativos dos mesmos, alterando as matrículas e os nºs de chassis, com intenção de posteriormente os vender a terceiros obtendo assim uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito.

Face ao exposto também neste caso a conduta do arguido A (...) , preenche os elementos objectivos e subjectivos da prática de dois crimes de receptação previsto e puníveis pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, incorrendo, assim, numa moldura penal abstracta de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

2.4.2 Da Medida concreta da pena:

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida, importa agora determinar a natureza e medida da pena a aplicar aos arguidos A (...) e C (...) .

Relativamente ao arguido A (...) .

Tanto nos crimes de falsificação como nos crimes de receptação, são aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade.          

Dispõe o artigo 70° do Código Penal que, "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

O conteúdo deste artigo sintetiza o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminais na nossa ordem jurídica.

Conforme refere Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 74, 75 e 113), face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, existe um princípio de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas. Resulta deste princípio que as medidas de segurança detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa da liberdade esta tem necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente.

Fernanda Palma, (Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pág. 35), afirma "a decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese. (... ) A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão”, isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes.

Assim, tendo por base as finalidades das penas (artigo 40°, n.° 1 do Código Penal), de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade, entende o tribunal, ser de optar por pena não privativa da liberdade porquanto se entende que a pena de multa assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Feita a opção atrás referida, importa agora determinar a pena concreta a aplicar ao arguido, e, na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.° 1 do artigo 71° do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.

Por sua vez, determina o n.º 2 do mesmo normativo legal que, "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,. ".

Para avaliar da medida da pena no caso concreto, Anabela Miranda Rodrigues, (a determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 658 e segs.), entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.

Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.

Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

No que concerne aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.

Assim e em relação aos dois crimes de falsificação, o grau de ilicitude é elevado, os actos praticados são um produto de decisão de praticar este tipo de conduta,  o dolo é directo e, por outro lado, o que determinou a sua prática foi a dissimulação da prática de crimes de receptação, o que não joga a favor do arguido, sendo que a conduta posterior ao crime é altamente censurável, já que o arguido, põe em causa bem jurídicos muito caros à sociedade como seja o património.

Refira-se, ainda, que será ainda levada em conta, favoravelmente ao arguido, de apenas ter como antecedentes criminais a prática de um crime de desobediência.

De qualquer modo, há que fazer sentir ao arguido que errou e que a sociedade não permite actuações como a dos autos, procurando-se com a sanção a aplicar, fazê-lo entender e assimilar os valores subjacentes à norma penal violada .

Finalmente ter-se-á em conta as condições sócio-económicas do arguido, que apesar de exercer actividade remunerada, embora não seja crível que o rendimento declarado seja o real, a verdade é que mesmo assim se afigura uma situação económica modesta. Por outro lado, o arguido está social e familiarmente inserido.

Tudo ponderado, entende-se adequado aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, abaixo da moldura média abstracta, atendendo às circunstâncias plasmadas no art° 71° do Código Penal e que supra referimos, se fixa em 200 dias de multa  à taxa diária de 8 euros, por cada um dos crimes.

Relativamente aos três crimes de receptação, valem os mesmos critérios dosimétricos supra referidos.

Contudo no que diz respeito à receptação do veículo Mercedes afigura-se mais elevada, nomeadamente pelo facto de a gravidade da conduta posterior ao crime ser maior.

Com efeito, se em relação aos outros veículos o arguido é também punido pelo crime de falsificação, a verdade é que manteve a integridade dos veículos o que permite a sua devolução aos lesados. No caso do Mercedes o arguido procedeu ao seu desmantelamento com o fim único de dissimular o crime e embora em termos cíveis possa ser condenado, a verdade é que não será nunca possível repor a situação anterior, pelo que nesta caso a multa a fixar será um pouco mais levada, que no caso dos outros dois veículos.

Relativamente aos dois veículos Nissan Pickup, cremos que em termos de culpa, ela se situará num abstracto ponto médio, tendo em conta que dos autos não resultam factos que apontem para uma maior censurabilidade da sua conduta.

Tudo ponderado, entende-se, relativamente ao crime de receptação do Mercedes, aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, abaixo da moldura média abstracta, atendendo às circunstâncias plasmadas no art° 71° do Código Penal e que supra referimos, se fixa em 250 dias de multa  à taxa diária de 8 euros.

Quanto aos crimes que tiveram por objecto os veículos Nissan Pickup, entende-se adequado fixar a pena em 200 dias de multa à taxa diária de 8 euros, por cada um dos dois crimes.

Cúmulo Jurídico

Fixadas as penas parcelares, resta apenas proceder ao seu cúmulo jurídico com observação pelo disposto no artigo 77º do Código Penal, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar ao arguido se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste.

Mas, antes do mais, há que determinar a moldura legal do concurso, que será compreendida entre um mínimo correspondente à pena mais elevada – 250 dias  e um máximo  correspondente à soma de todas as penas – 1050 dias (Falsificação: 200+200 = 400 dias; Receptação: 250 + 200 +200 = 650 dias)

Ora, é dentro desta moldura que se terá que determinar a pena a aplicar em concreto ao arguido pelos três crimes que cometeu.

E é aqui que se têm que ter em conta os factos e a personalidade do agente, ao lado das exigências de prevenção geral e especial e da sua culpa

No dizer do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – Parte geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 291) “ tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisivo para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”, devendo na avaliação unitária da personalidade do agente elevar “sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o agente (enquanto vertente da prevenção especial).

Assim e volvendo ao caso dos autos, face à factualidade apurada, é manifesta a existência duma personalidade reveladora de desrespeito por bens jurídicos tão caros à sociedade como seja o património, e tendo, ainda, em conta ainda as considerações acima feitas, e operando o cúmulo jurídico nos termos do art. 77º da CP (considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente), condena-se o arguido na pena única de 600 dias de prisão à taxa diária de 8 euros o que perfaz o total de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros)

Relativamente ao arguido C (...)

Este arguido apenas cometeu o crime de receptação que teve por objecto a viatura Mercedes matrícula (...)RM, incorrendo assim numa moldura pena abstracta de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Também nesta caso entendemos ser de optar por pena não privativa da liberdade, desde logo porque se trata de um só crime e pela inexistência de antecedentes criminais. Cremos que o facto de o arguido passar pelas malhas da justiça, ser sujeito a julgamento pela primeira vez e condenado com uma pena de multa, cumpre,  só por si, as exigências de prevenção da prática de futuros crimes.

Assim e em relação a este crime o dolo é directo, a conduta posterior ao crime é manifestamente censurável e a ilicitude é elevada.

No que diz respeito ao arguido, há que levar em consideração que não tem antecedentes criminais, é solteiro, vive em casa própria, exerce a actividade remunerada de forma irregular, com rendimentos modestos, está inserido na sociedade e é tido por pessoas das suas relações como uma pessoa de bem.

Tudo ponderado, entende-se, relativamente ao crime de receptação do Mercedes, aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, abaixo da moldura média abstracta, atendendo às circunstâncias plasmadas no art° 71° do Código Penal e que supra referimos, se fixa em 200 dias de multa  à taxa diária de 7 euros.”

                                                      *

III. Apreciação dos Recursos:

Começaremos por abordar a impugnação da matéria de facto. E porque até em alguns factos comuns os recorrentes a põem em crise, teçamos algumas considerações gerais sobre esta matéria, para depois nos focalizarmos cada um dos recursos.

Em primeiro ligar este arguido A (...) , impugnando a matéria de facto que havia sido fixada pelo tribunal a quo, considera que foram indevidamente provados os factos 2.1.52, 2.1.53, 2.1.55, 2.1.56, 2.1.68, 2.1.69 (MERCEDES (...)RM); 2.1.71, 2.1.74, 2.1.75, 2.1.76, 2.1.77, 2.1.80, 2.1.81, 2.1.82, 2.1.83, 2.1.85, 2.1.92, 2.1.93, 2.1.94 ( (...)VZ e (...)VX); e 2.1.96, 2.1.97, 2.1.101, 2.1.102, 2.1.103, 2.1.104, 2.1.110, 2.1.111, 2.1.112 ( (...)TM e (...)XG).

Por sua vez o arguido C (...) , impugnando a matéria de facto considera que foram indevidamente provados os factos 2.1.50, 2.1.51, 2.1.52 e 2.1.68.


Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportarão os demais normativos citados sem menção de origem) que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da “revista alargada” dos vícios do artigo 410º nº 2 e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artigo 412º.

Na primeira situação (ou seja âmbito da “revista alargada”) decorre do artigo 410.º n.º 2 que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

Ora, lendo e relendo a decisão recorrida, em lado algum da mesma se descortina a existência de um qualquer dos atrás enunciados vícios.

Na segunda situação (ou seja no âmbito da impugnação ampla) a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o(s) concreto(s) facto(s) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar o documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que, segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º, “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Mas de todo o modo, sempre há que ter em atenção que numa concreta reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, como assinala o ac. do STJ de 12/06/2008, no proc. nº 07P4375, Relator Juiz Conselheiro Raul Borges (e acessível pelo site www.dgsi.pt) “sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:
- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.”
Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado da prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol, Coimbra Editora, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem … avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.

Para fundamentar o erro de julgamento quando aos factos que põe em causa e que considera que não se provaram da forma como tinha sido fixada pelo tribunal a quo, o recorrente A (...) , faz uma transcrição parcelar, descontextualizada e cifrada, no essencial, das suas declarações, das declarações do co-arguido C (...) e de algumas testemunhas, salientando que inexistiu prova directa para que o tribunal desse como provados os factos por si postos em crise.

Ora, desde logo, e no que à prova de carácter oral diz respeito, tal não é propriamente indicar provas que imponham decisão diversa. As declarações dos recorrentes e das testemunhas invocadas têm que ser apreciadas no seu todo e, em conjugação com todos os elementos probatórios trazidos aos autos. Certamente terá sido no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção, como parece depreender-se da leitura da motivação da matéria de facto.

O que os recorrentes, à primeira vista, parecem fazer nesta parte das suas peças recursórias é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos eles adquiriram em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127º.

De acordo com o disposto no art. 127º a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

O art. 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.

A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).

Tal como diz o Prof Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, Vol II, pag 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.

Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.

Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. (…) Um tal convicção existirá quando e só quando … o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável" (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, páginas 203 a 205).

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.

O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo: «Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais " (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, páginas 233 a 234).

Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (in C.J., ano XXVII, Tomo II, página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".

Tecidas estas considerações que devem ser tidas em conta quando é impugnada a matéria de facto sob a perspectiva da invocação de erro de julgamento, e porque ambos os recorrentes põem em causa factos relacionados com o veículo Mercedes (...)RM, apreciemos conjuntamente, nesta parte do veículo Mercedes, os recursos destes dois arguidos por forma a evitar duplicação de fundamentações sobre a mesma questão (a que acresce que a procedência no sentido da eliminação de um facto poderá aproveitar ao outro recorrente e torna depois inútil apreciar novamente a mesma questão).

Partindo então nessa base de trabalho, temos que relativamente ao Mercedes (...)RM considera o recorrente A (...) que foram indevidamente dados como provados os factos 2.1.52, 2.1.53, 2.1.55, 2.1.56, 2.1.68, 2.1.69 e considera o recorrente C (...) que foram indevidamente dados como provados os factos 2.1.50, 2.1.51, 2.1.52 e 2.1.68.

Menciona o recorrente A (...) que as suas declarações sempre foram claras e coerentes no sentido de que tais factos não ocorreram dessa forma e que as declarações do arguido C (...) também vão no sentido que de tais factos não ocorreram da forma que foi dada como provada. E transcreveu excertos das suas declarações e das declarações do arguido C (...) .

E o recorrente C (...) transcrevendo algumas das suas declarações e das declarações do arguido A (...) , bem como uma frase da testemunha H (...) (inspector da Polícia Judiciária) concluiu que o tribunal não dispunha de elementos probatórios para dar como provados os factos que põe em crise.

E os factos postos em crise por um ou ambos os recorrentes são os seguintes que, para melhor compreensão e distinção transcreveremos da seguinte forma: a) a negrito relativamente aos impugnados apenas pelo arguido A (...) ; a negrito e sublinhado quando aos impugnados por ambos os recorrentes e a itálico/negrito os impugnados apenas pelo recorrente C (...) (sendo que também transcreveremos os não impugnados por qualquer dos recorrentes para melhor enquadramento sequencial):


E)

Mercedes E 270 (...)RM


2.1.49. De forma não concretamente apurada, durante a segunda quinzena de Novembro de 2003, o arguido C (...) entrou na posse do veículo de marca Mercedes, modelo E 270, com a matrícula (...)RM, pertencente à LL (...), Lda., com sede em (...) Pombal, de que é legal representante GG (...) , e que havia sido retirado em 15/11/2003, do local onde estava parado, junto ao Centro de Inspecções, em (...), Pombal, com a chave na ignição, por desconhecidos.

2.1.50. Quando adquiriu a posse do veículo, o arguido C (...) estava ciente da sua proveniência ilícita, uma vez que se tratava de um veículo de alta cilindrada, mas desacompanhado de quaisquer documentos, apesar de ter as chaves originais na ignição.

2.1.51. Todavia, o veículo não pegava, pelo que o arguido C (...) o transportou no seu pronto-socorro para a oficina de L (...) , situada na (...), Torres Novas, onde o tentou colocar em marcha, sem sucesso, com o auxílio de L (...) e de N (...) .

2.1.52. Entretanto, em Novembro ou Dezembro de 2003, o arguido C (...) deslocou-se à oficina do arguido A (...) , a quem deu conhecimento de que tinha na sua posse aquele veículo e da sua proveniência ilícita e propôs-lhe desmantelarem o veículo, para melhor ocultarem a sua origem, assim evitando que fosse descoberto pelas autoridades e devolvido ao legítimo proprietário, e repartirem entre ambos as suas peças e componentes, a fim de, posteriormente, as venderem a terceiros e utilizarem na reparação de outros veículos.

2.1.53. O arguido A (...) imediatamente aceitou esta proposta, apesar de ter perfeito conhecimento de que o veículo tinha proveniência ilícita, não só porque o C (...) lhe revelou, mas também porque era evidente, visto o veículo, de elevada cilindrada, ter as chaves originais na ignição e estar desacompanhado de quaisquer documentos.

2.1.54. Em conformidade com o acordado, o arguido C (...) levou então o veículo para a oficina do arguido A (...) , situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.55. Este, de comum acordo com o C (...) , logo alterou os elementos identificativos da viatura.

2.1.56. Assim, apagou o número de chassis e o número do motor, para tanto utilizando um maçarico.

2.1.57. De seguida, o A (...) e o C (...) procederam ao desmantelamento do veículo.

2.1.58. O A (...) cortou o monobloco e desmontou o tejadilho, a traseira e a frente e retirou o motor, sendo que ambos desmontaram os restantes componentes.

2.1.59. O A (...) utilizou algumas peças do motor para reparar um outro motor de marca Mercedes.

2.1.60. Este arguido também vendeu o motor, a frente e o tejadilho à sociedade “ PP (...), Lda.”, de que é legal representante HH (...) .

2.1.61 Esta sociedade, por sua vez, revendeu, pelo preço de € 4.760,00, o motor à sociedade “ RR (...), Lda.” de que é legal representante FF(...) , o qual o colocou no seu veículo de marca Mercedes, modelo E 270 CDI, com a matrícula (...)UU, que em 2006 vendeu a M (...) .

2.1.62. Os arguidos A (...) e C (...) repartiram entre si as demais peças e componentes do veículo, que entregaram a terceiros não identificados, em troca de dinheiro ou gratuitamente.

2.1.63. No decurso das investigações, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão da frente da carroçaria, na posse de HH (...) , e do motor, na posse de M (...) , sendo este entregue ao proprietário

2.1.64. Todavia, não foi possível recuperar as restantes peças e componentes do veículo.

2.1.65. Os arguidos efectuaram as transformações das características do veículo acima referido e dos seus sistemas, componentes e acessórios sem para tanto terem solicitado autorização às entidades componentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT).

2.1.66. Os arguidos também omitiram a declaração desse mesmo veículo como salvado e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.67. Acresce que não providenciaram pelo cancelamento da respectiva matrícula.

2.1.68. Acresce que os arguidos A (...) e C (...) agiram ainda de forma concertada e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de para si obterem uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriram a posse de um veículo que bem sabiam ser proveniente de facto ilícito típico contra o património, que desmantelaram, com o intuito de dissimular a sua proveniência e cuja peças e componentes transmitiram a outros.

2.1.69. Mais sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.

Auscultando as declarações do recorrente A (...) (as quais perduraram ao longo de 2horas, 27 minutos e 35 segundos do dia 22-02-2012) delas resultam efectivamente as poucas frases pelo mesmo transcritas na sua peça recursória e da peça recursória do arguido C (...) .

E dessa mesma auscultação das declarações prestadas pelo recorrente A (...) , resumidamente este disse o seguinte:

- O C (...) disse que tinha um carro (reportando-se ao Mercedes) que a caixa automática não passava, as mudanças não metiam. O Mercedes foi lá parar (à sua oficina) para tentar arranjar a caixa de velocidades que era automática e não passava da 2ª velocidade. O C (...) é que levou o carro para a sua oficina …o carro foi lá ficando. O C (...) disse que tinha comprado o carro à sociedade com um tal L (...) …e não conseguia os documentos do carro. O C (...) disse-lhe que o carro tinha então de ir à Mercedes, mas não o levou e o carro foi continuando na oficina. O C (...) chegou lá ir dizer que não conseguia documentos …que entrou em desacordo com o rapaz a quem o tinha comprado e então seria para vender às peças. O depoente foi desmantelando o carro na sua oficina e foi vendendo algumas peças, foi desmantelando o carro na sua oficina. E próximo do final do seu depoimento, a perguntas do seu defensor disse que não suspeitava da proveniência ilícita do Mercedes, pormenorizando que o carro foi sendo desmantelado e não deu dinheiro da venda de peças ao C (...) .

E auscultando as declarações do recorrente C (...) , a propósito do veículo Mercedes, para além de algumas expressões ou respostas constarem quer do recurso do recorrente A (...) quer do seu próprio recurso, o mesmo C (...) resumidamente disse o seguinte:

- Um tal L (...) telefonou-lhe a dizer que tinha o Mercedes para vender. Disse a esse L (...) que não tinha dinheiro para aquele carro. Disse-lhe depois que ficava com parte daquele carro. O L (...) disse-lhe que o tinha comprado mas não andava, porque a caixa de velocidades estava avariada. O L (...) ficou de trazer os documentos. Referiu ter dado a esse L (...) cerca de €3.000,00, mas “o carro era meu e dele” (do L (...) ). Carregou o carro no Sr L (...) e trouxe-o para casa. Entretanto falou com o arguido A (...) para ver se ele o podia pôr a andar. Disse ao A (...) que o carro era seu e do L (...) . Referiu que o A (...) nunca lhe perguntou quanto tinha dado pelo carro nem lhe perguntou pelos documentos. Depois, a perguntas do Sr. Procurador, a saber (uma vez que o A (...) não o conseguia arranjar) por que motivo não levou o levou à oficina da Mercedes, explicou que não o levou à marca porque não tinha os documentos. E a perguntas acerca do motivo pelo qual então não levou o carro para sua casa, disse que “já não ia fazer nada com o carro…” Também respondeu que nunca foi à Conservatória saber quem tinha sido o anterior dono do carro. E também disse que nunca perguntou ao A (...) a quem é que este vendeu as peças. Negando qualquer participação no desmantelamento do carro, disse não saber a quem o A (...) vendeu as peças.

Foram, em síntese, estas as explicações dadas por estes arguidos ao longo dos seus depoimentos, em relação às quais o tribunal a quo não conferiu grande credibilidade, sendo que realçar que das declarações destes dois arguidos/recorrentes decorre que tal veículo apenas teria uma avaria na caixa de velocidades. E segundo o arguido A (...) essa avaria consistia em que não passava da segunda velocidade, ao passo que na versão do arguido C (...) o veículo não andava sequer, apesar do motor trabalhar.

Todavia, os depoimentos das testemunhas L (...) e N (...) contrariam a versão dos arguidos, desde logo, relacionada com a alegada avaria na caixa de velocidades. É que segundo estas testemunhas o Mercedes nem sequer trabalhava/pegava.

Com efeito, auscultando o depoimento da testemunha L (...) o mesmo referiu que: tinha um armazém perto de Torres Novas… e o C (...) , por volta de Novembro de 2013, levou lá um Mercedes cinzento num pronto socorro… o C (...) telefonou-lhe dizendo que tinha um carro avariado no IP6 e passava por lá para ver se o punha a trabalhar… estava lá quando o C (...) ali levou o carro e apenas cedeu as instalações para o C (...) tentar reparar o carro …estava lá quando o C (...) lá foi levar o carro …à tarde esteve ao pé do carro e o C (...) não foi capaz de o pôr a trabalhar e depois foi-se embora … o C (...) foi lá para ver se conseguia pôr o carro a trabalhar.

E ouvindo também o depoimento da testemunha N (...) (pintor de automóveis), o mesmo referiu conhecer a testemunha L (...) e o arguido C (...) e recordar-se de ter estado um Mercedes cinzento no armazém do L (...) , tendo visto o C (...) ali a carregar tal Mercedes que estava avariado …”não pegava”, esclarecendo que quando veio do almoço é que viu lá o carro…”estive ao pé do carro … estava avariado …não pegava …não trabalhava …o motor não trabalhava”. E mais disse que o C (...) carregou-o para o reboque para o levar para a Mercedes, sendo que próximo do final do seu depoimento disse que não tinha visto chegar ali o carro porque estava a almoçar.

Recapitulemos o que na motivação da matéria de facto foi dito pelo tribunal colectivo quando a esta situação do Mercedes:

     Quanto às condutas dos arguidos A (...) e C (...) e que tiveram por objecto a viatura Mercedes (...)RM, cumpre, antes de mais, dizer que o depoimento dos arguidos, não mereceu qualquer credibilidade.

       Com efeito, não é preciso perceber de automóveis ou ser especialista no que quer que seja, para constatar que a versão apresentada pelos arguidos, mesmo para um observador pouco atento, não faz qualquer sentido, é  ilógico e viola de forma grosseira as regras da experiência comum e da normalidade das coisas.

       Nenhum dos arguidos apresentou uma justificação minimamente plausível, para que tenham procedido,  ao desmantelamento de um veículo de luxo com dois anos de uso.

       Não faz qualquer sentido desmantelar um veículo, só porque a caixa de velocidades está avariada. Por outro lado, a explicação que o veículo não tinha documentos, ainda é mais absurda. Qualquer cidadão sabe que pode pedir uma 2ª via de documentos, sejam eles quais forem e que está acessível a qualquer cidadão o teor do registo automóvel. Tanto mais tratando-se de profissionais, habituados a comprar e vender automóveis, os documentos nunca seriam um problema, desde que, naturalmente, o veículo tivesse uma proveniência lícita.

       E a verdade é que nenhum dos dois arguidos apresentou uma explicação minimamente credível, para justificar a posse do veículo.

       Por outro lado, a testemunha L (...) , a quem o arguido C (...) diz ter comprado a viatura e com quem está de relações cortadas, também apresenta uma versão da sua intervenção que é pouco credível. Diz, em síntese, que apenas, e por pouco tempo, cedeu as instalações para o arguido C (...) ver se conseguia pôr o carro a trabalhar. É certo que a viatura lá esteve e que essa foi, pelo menos, uma das finalidades, confirmado pela testemunha N (...) , que partilhava as instalações com o L (...) , mas duvida-se que a sua intervenção tenha sido só essa. De qualquer modo, foi o que resultou da prova.

       As circunstâncias em que o arguido C (...) levou o veículo Mercedes para a oficina do arguido A (...) e o facto de decidirem, de comum acordo, proceder ao desmantelamento do mesmo, só por si, permite concluir que ambos os arguidos tinham conhecimento da proveniência ilícita do mesmo.

       Acresce que das intercepções das comunicações telefónicas, ainda mais se confirma tal conhecimento: - refira-se apenas a título de exemplo que, a certa altura se diz que “o golpe do Mercedes foi bem feito..”.

       Refira-se, ainda, o depoimento do Inspector da PJ C (...) , que referiu expressamente terem detectado a traseira do Mercedes com o nº chassis apagado. O depoimento desta testemunha e a larga documentação relacionada com esta viatura, permitiram fixar a factualidade dada como provada sem quaisquer dúvidas.

       Desde logo, o relato da diligência externa de fls. 26 a 33, que refere o modo como foi encontrada a parte da carroçaria do veículo,  o autocolante de fls. 28, onde consta o nº do chassis e as fotografias de fls. 21 a 33 onde é possível identificar alguns componentes do mesmo veículo, nomeadamente partes da carroçaria, da mala, autocolante da tampa do depósito de gasóleo e o local onde constava a gravação a frio do nº de chassis ( que permite concluir que foi destruído por acção de uma maçarico).

       Depois temos, ainda o auto de apreensão de partes da carroçaria a HH (...) e o auto de apreensão do motor que estava na posse de M (...) .

       Foi ainda analisado o teor dos documentos particulares de fls. 525 e 526, donde se extrai a conclusão que o motor, a frente e o tejadilho do Mercedes foram vendidas à “ PP (...)” e esta por sua vez, vendeu o motor à “ RR (...) Lda.”.

       Relativamente ao destino final do motor, refira-se ainda a cópia da factura da “Carclasse”, da análise da qual se retira que o motor acabou por ser montado no Mercedes com a matrícula (...)UU, vindo a final a ser entregue ao seu legítimo proprietário como resulta do termo de entrega de fls. 605.

       Quanto à propriedade original do veículo e o modo como foi subtraído, além das declarações do assistente GG (...) e das testemunhas  V (...) , X (...) e Z (...) , com conhecimento directo dos  factos, já que todos são funcionários da empresa proprietária do veículo, levou-se ainda em consideração a documentação de fls. 770 e 780, cuja análise permite fixar a factualidade ligada à aquisição do veículo, nomeadamente, preço, tempo lugar e modo.

        Foi, ainda ouvida a testemunha M (...) , que relatou as circunstâncias em que adquiriu uma viatura Mercedes, e como veio, mais tarde a descobrir que a mesma tinha colocada o motor de um veículo furtado, neste caso o do veículo (...)RM.

       Em conclusão, pode reafirmar-se que da conjugação de todos estes meios de prova, com as regras da experiência comum, ao Tribunal não subsistiram quaisquer dúvidas em fixar a factualidade provada, nos exactos termos em que o fez.”

Ou seja, não dando grande credibilidade aos depoimentos dos arguidos/recorrentes que, como referimos atrás até se contradizem em relação à alegada avaria da caixa de velocidades, o tribunal a quo deu relevância ao depoimento das mencionadas testemunhas L (...) e N (...) desde logo quanto ao transporte pelo arguido C (...) daquele veículo para a oficina do L (...) , veículo esse que não pegava, não trabalhava e dali foi, novamente, levado pelo arguido C (...) .

Por outro lado, há que ter em conta as diligências efectuadas pela testemunha H (...) (inspector da Polícia Judiciária) que o mesmo confirmou e constantes do RDE de fls. 26 e 27, conjugadas com os documentos e fotografias de fls. 28 a 33, sendo que a segunda foto de fls. 33 é por demais elucidativa da destruição do número de chassis (VIN) do Mercedes em causa.
Para além disso, para prova de que os arguidos tinham conhecimento da proveniência ilícita de tal veículo, alicerçou-se o tribunal a quo em presunções assentes nas regras da experiência comum, ou seja serviu-se de prova indirecta. E a questão que fundamentalmente se suscita é precisamente a de saber se são lícitas as ilações que o tribunal assim retirou, na avaliação que fez da prova produzida, ou se porventura tais ilações excederam o que lhe era consentido no âmbito da livre valoração da prova.
Sendo, no âmbito do processo penal, admissíveis todas as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125º do Código de Processo Penal, diploma a que se reportarão as demais disposições legais citadas sem menção de origem), nesse leque de provas admissíveis incluem-se as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (art. 349º do Código Civil).

Com efeito, o artigo 349º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
“As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).”- cfr. Ac STJ de 27/05/2010, acessível através do site www.dgsi.pt .
Por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, podem determinados factos (por exemplo aqueles que pela sua própria natureza não são directamente perceptíveis pelos sentidos, havendo que inferi-los a partir da exteriorização de uma conduta) ser comprovados através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como assente. Desde que as máximas da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas.
No entanto, a prova por presunção não é uma prova totalmente livre e absoluta, como aliás o não é a livre convicção (sob pena de abandono do patamar de segurança da decisão pressuposto pela condenação penal, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo) conhecendo limites que quer a doutrina quer a jurisprudência se têm encarregado de formular:
- Desde logo, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação);
- Por outro lado, há-de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se afirma (por exemplo, a autoria – desconhecida – de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido);
- Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo (é esse, aliás, o sentido da restrição referida na parte final do exemplo que antecede).
Ou seja, em resumo dos três itens que acabamos de expor, importa não olvidar um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade. Na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) e a regra, seu corolário, do in dubio pro reo.
Voltando ao caso dos autos, consta-se que no acórdão recorrido, no qual é analisada criteriosamente toda a prova produzida, na parte respeitante ao Mercedes é feito todo o juízo argumentativo no sentido descredibilizar as declarações dos ora recorrentes e de fundamentar pormenorizadamente o motivo de dar como provados os factos da forma como foram exarados.

Com efeito, as espartilhadas explicações dadas pelos recorrentes são esquisitas e vão contra o normal acontecer.

Partindo das explicações dadas pelo recorrente C (...) , consideramos que não é normal entregar 3.000€ a um tal “ L (...) ” (referiu nem sequer conhecer o nome completo de tal “ L (...) ”) para ficar sócio da propriedade de um Mercedes, cuja proveniência alega desconhecer, e do qual não existem documentos. E durante as suas declarações nunca soube identificar quem era esse tal “ L (...) ” nem nunca foi ter com ele para reaver os 3.000€, preferindo deixar que o veículo fosse desmantelado às peças sem receber qualquer quantia das peças (desde logo do motor). A entender-se que esse tal “ L (...) ” seria a testemunha L (...) (como depreendeu o tribunal recorrido) estranha-se o motivo pelo qual não o procurou a fim de ser reembolsado da quantia dos €3.000,00 contra a devolução do Mercedes. E se não tinha documentos do veículo, por que razão não tratou, junto da respectiva Conservatória, de obter uma nova via dos mesmos? E se a avaria se situava apenas ao nível da caixa de velocidade, por que razão não recorreu à própria marca Mercedes no sentido de ali obter a reparação de tal avaria? Ou por que razão não o trouxe para casa, dado que o arguido A (...) não o conseguia reparar? E deixa ficar um veículo Mercedes (que considera apenas parcialmente seu – referiu que fez sociedade dele com o tal L (...) !) na oficina do arguido A (...) durante anos sem que este lhe consiga resolver o problema daquela avaria e então acaba por permitir que o arguido A (...) o desmantele e o vá vendendo às peças, sem lhe dizer a quem as vendeu e sem lhe dar dinheiro em troca – nomeadamente o motor – quando tal veículo até é considerado um carro de luxo?

E em relação ao arguido A (...) , também não colhe a sua explicação de que enveredaram pelo desmantelamento do Mercedes apenas pelo facto de não conseguir reparar a caixa de velocidades e do C (...) não conseguir obter os documentos. Embora tenha assumido que tal desmantelamento foi realizado na sua oficina, não deu explicação para que parte da estrutura daquele Mercedes tenha sido encontrada num terreno adjacente à sua oficina com o nº de chassis anulado/destruído propositadamente por acção de um maçarico (conforme resulta da segunda foto – e respectiva legenda - de fls. 33 )! Qual a necessidade/interesse/intenção em anular/esconder esse número? Obviamente, apenas e tão só, com a finalidade de apagar os sinais/referências/vestígios daquele veículo. Daí que, tal como entendeu o tribunal a quo, não pode sofrer contestação que ambos os arguidos tinham conhecimento da proveniência ilícita do Mercedes em causa.

Assim, por tudo o que atrás expusemos, conjugando todos os elementos mencionados no acórdão recorrido, os dados de facto referentes ao modo desmantelamento e supressão/apagamento de sinais identificativos do veículo e as presunções decorrentes das regras da experiência comum, consideramos que o trajecto lógico-dedutivo seguido pelo tribunal recorrido para dar como provados os factos da forma como o fez é perfeitamente racional e lógico, não encontrado nós argumentos no sentido de infirmar ou pôr em causa os factos que o tribunal deu como provados e postos em crise pelos recorrentes, acrescentando-se sempre que os concretos meios de prova pelos mesmos invocados não são susceptíveis de imporem decisão diversa daquela a que o colectivo de juízes da 1ª instância chegou para dar como provados aqueles sindicados factos.

Daí que, e sem necessidade de mais considerandos, naufragam as pretensões dos recorrentes quanto à alterabilidade dos factos relacionados com o veículo Mercedes, modelo E 270, matrícula (...)RM, ou seja, mantêm os factos 2.1.52, 2.1.53, 2.1.55, 2.1.56, 2.1.68, 2.1.69 que haviam sido impugnados pelo recorrente A (...) e mantêm-se os factos 2.1.50, 2.1.51, 2.1.52 e 2.1.68 que haviam sido impugnados pelo recorrente C (...) .

                                          *

No âmbito da impugnação da matéria de facto, e na parte  respeitante aos veículos de matrícula (...)VZ e (...)UX,  considera ainda o recorrente A (...) que foram indevidamente dados como provados 2.1.71, 2.1.74, 2.1.75, 2.1.76, 2.1.77, 2.1.80, 2.1.81, 2.1.82, 2.1.83, 2.1.85, 2.1.92, 2.1.93, 2.1.94.

Como argumentos para tal impugnação transcreveu algumas e salteadas declarações que prestou em sede de audiência e duas frases da testemunha F (...) .

E tais factos agora também postos em crise pelo recorrente A (...) são os seguintes que, para melhor compreensão e distinção transcreveremos a negrito, sendo que também transcreveremos os não impugnados por este recorrente para melhor compreensão e enquadramento sequencial:


F)

Nissan Pickup (...)VZ


2.1.70. O veículo de Marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)VZ, pertencente a F (...) , sofreu um acidente de viação em Maio de 2005.

2.1.71. Por esse motivo, em Fevereiro de 2006, F (...) vendeu este veículo, no estado de salvado, a CC (...) , pelo preço aproximado de €18.000,00.

2.1.72. Com efeito, CC (...) era proprietário de uma viatura de marca Nissan, modelo Terrano e tencionava repará-la na oficina do arguido A (...) , de quem era amigo, utilizando para tanto os salvados daquele veículo.

2.1.73. Assim, CC (...) e o arguido A (...) acordaram que este procedesse à reparação da viatura, utilizando os componentes da Nissan Pickup e, em conformidade, o arguido A (...) procedeu ao reboque desta viatura para a sua oficina de reparação de automóveis, situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.74. Aí, o arguido A (...) desmontou todo o interior e alguns acessórios mecânicos da Nissan Pickup e posteriormente aplicou-os na Nissan Terrano de CC (...) , tarefa em que despendeu aproximadamente duas semanas, ao longo dos meses de Março e Abril de 2006.

2.1.75. Quando acabou essa tarefa, ficou com o que restava dos salvados da Pickup de matrícula (...)VZ, nomeadamente com os seus elementos identificativos.

2.1.76. Concebeu então o plano de aplicar esses elementos identificativos numa outra viatura de proveniência ilícita, de forma a ocultar essa mesma proveniência, para assim a poder vender a terceiros e obter um benefício patrimonial, resultante da circunstância de vender tal veículo a um preço muito superior ao que havia despendido na sua obtenção e viciação.

2.1.77. Em conformidade, em meados de Abril de 2006, de forma não concretamente apurada, o arguido A (...) entrou na posse de um veículo de marca Nissan, modelo Pickup (...)UX, sendo que esta viatura e a anteriormente mencionada eram idênticas, pois além de serem da mesma marca e modelo, eram ambas de cor branca.

2.1.78. A Pickup com a matrícula (...)UX pertencia a O (...) e quando entrou na posse do arguido estava desacompanhada de quaisquer documentos e chaves e tinha um vidro lateral partido, sendo portanto evidente e bem conhecida pelo arguido a sua proveniência ilícita.

2.1.79. Na verdade, este veículo havia sido retirado por desconhecidos, em 18/04/2006, no local onde estava estacionado, para reparação, no parque de estacionamento da oficina de Q (...) , situado em (...), (...), Alcobaça, sendo que para o colocarem em marcha partiram um vidro lateral e, depois de destrancarem a porta e se introduzirem no seu interior, lograram pô-lo em marcha de forma não concretamente apurada.

2.1.80. Quando adquiriu a posse do veículo (...)UX, logo o arguido A (...) alterou os seus elementos identificativos, de forma a evitar que a sua proveniência ilícita pudesse ser conhecida.

2.1.81. Assim, com o auxílio de instrumento não concretamente apurado, cortou os últimos cinco dígitos do número de chassis aposto na longarina do veículo com a matrícula (...)VZ e transplantou-os para a longarina direita do veículo com a matrícula (...)UX, onde os soldou, sobrepondo-os aos últimos cinco dígitos originais, de modo a fazer crer que o número de chassis deste último veículo era “JN1BPUD22U0091430”.

2.1.82. De seguida, utilizando uma rebarbadora, apagou parcialmente o respectivo número de motor, deixando apenas a inscrição “YD25”

2.1.83. Também substituiu as chapas de matrícula por novas, ostentando os dizeres “ (...)VZ”.

2.1.84. De seguida, o arguido A (...) levou o veículo até à sociedade “ SS (...), Lda.”, com sede em (...), Porto de Mós, onde mandou substituir a caixa de carga metálica por uma nova caixa em madeira, substituição essa que foi facturada em nome da sociedade “ EE (...) Lda.”, de que é legal representante S (...) , primo do arguido A (...) .

2.1.85. Depois de fazer todas estas alterações na viatura, o arguido logrou criar a aparência de que esta era efectivamente o veículo com a matrícula (...)VZ.

2.1.86. Foi neste estado que a levou para ser submetida a inspecção periódica, à “ VV (...), S.A.” de Alcobaça, em 28/08/2006.

2.1.87. E negociou a sua venda com a sociedade “ UU (...), Lda.”, de que é legal representante T (...) , negócio esse que se concretizou em 30/08/2006, entregando o arguido A (...) o veículo e recebendo em troca o valor de € 14.000,00.

2.1.88. Por sua vez, a compradora vendeu o veículo a R (...) , em 08/09/2006, pelo preço de € 16.500,00.

2.1.89. No decurso das investigações, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão deste veículo na posse de R (...) .

2.1.90. O arguido também omitiu a declaração desse mesmo veículo como salvado ( (...)VZ) e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.91. Acresce que não providenciou pelo cancelamento da respectiva matrícula.

2.1.92. O arguido A (...) agiu com o propósito conseguido de para si obter um benefício ilegítimo e para tanto alterou as características construtivas e funcionais do veículo  e alterou os elementos identificativos do veículo (...)UX, bem sabendo que assim falsificava um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando, o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.1.93. Acresce que o arguido agiu ainda com o propósito conseguido de para si obter uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriu a posse do veículo (...)UX que bem sabia ser proveniente de facto ilícito típico contra o património - com o intuito de dissimular a sua proveniência, e vendeu a terceiros.

2.1.94. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”

Recapitulemos o que na motivação da matéria de facto foi dito pelos julgadores do tribunal a quo quando a esta situação dos veículos Nissan Pickup (...)VZ e (...)UX.

“F) – Em relação aos veículos Nissan Pickup (...)VZ e (...)UX

Para fixar a factualidade referente à conduta do arguido A (...) , no que diz respeito aos dois veículos (...)VZ e (...)UX, baseou-se o Tribunal na larga documentação junta aos autos, nomeadamente informação de serviços de fls. 2 a 24, informação bancária de fls. 164, auto de apreensão de fls. 372 a 374, declaração de venda de fls. 363 a 364, auto de exame directo de fls. 365 a 371 e 391 a 392, cópia da factura de fls. 397, documento particular de fls. 487, relatório pericial de fls. 517 a 518 e documento particular de fls. 508, tudo conjugado com o depoimento do arguido A (...) e das testemunha H (...) , O (...) , Q (...) , R (...) e T (...) .

       Relativamente a estas duas viaturas o arguido A (...) pouco adiantou, limitando-se a negar alguns factos, nomeadamente que o (...)VZ não foi vendido no estado de salvado, tendo sido adquirido por CC (...) já reparado pelo Sr. F (...), limitando-se depois de uma forma genérica a referir que tirou algumas peças para o Nissan Terrano e que  vendeu as peças que sobrou ao Sr. JJ (...).

       De qualquer modo, a testemunha H (...) , inspector da PJ, afirmou de forma peremptória que tinham sido identificadas duas Pickup’s como furtadas, referindo-se às viaturas (...)UX e (...)XG.

       Por sua vez a testemunha O (...) , proprietário do veículo (...)UX, referiu as circunstâncias em que o mesmo lhe foi subtraído, e o modo como depois foi identificada já com os elementos identificativos alterados.

       A testemunha Q (...) , mecânico de automóveis, de cujas instalações foi subtraído o veículo (...)UX, relatou as circunstâncias em procedeu à reparação do mesmo e o modo como o mesmo foi subtraído. Foi esta testemunha, que de forma serena e isenta de contradições explicou em pormenor como identificou a mesma viatura, já com outros elementos identificativos.

       O destinatário final da viatura foi a testemunha R (...) , que referiu ter adquirido a mesma no stand “ AC(...)” pelo preço de € 16.500,00.

       Foi ainda ouvido a testemunha T (...) , proprietário do stand “ AC(...)”, que relatou as circunstâncias em que a mesma foi adquirida ao arguido A (...) .

       A prova testemunhal, pode dizer-se que vem apenas confirmar aquilo que já resulta da análise dos diversos documentos.

       Com efeito, logo da informação de serviço de fls. 2 a 24, se verifica na fotografia de fls. 19 o salvado correspondente à viatura (...)VZ. Por outro lado do documento de venda de fls. 363 a 364 e da informação da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 120, pode-se constatar a aquisição da viatura (...)VZ por R (...) , sendo que da informação bancária de fls. 164, resulta que o mesmo veículo foi objecto de contrato de locação financeira, tendo como titular a mesma testemunha, confirmando-se, assim, o depoimento que este prestou, o que também já resultava do teor do auto de apreensão de fls. 372 a 374.

       Da análise do auto de exame directo de fls. 365 a 371 e 391 a 392, pode-se constatar o modo como foi feita a alteração do nº de chassi e apagado o nº motor do mesmo veículo, sendo que em relação ao nº de motor, tal operação resulta inequívoca das conclusões do relatório pericial de fls. 517 a 518.

       Resta a cópia da factura de fls. 397, donde se constata a venda efectuada por SS (...) a “ EE (...) ” duma caixa de carga para o veículo (...)VZ. Compra essa que não se chegou a concretizar já que o adquirente optou por adquirir antes a viatura (...)TM, como abaixo melhor se explicará.

       Finalmente do documento de fls. 508, resulta manifesto que foi o arguido A (...) que levou o veículo com a matrícula (...)VZ à inspecção, o que só por si é revelador que este arguido sabia que o veículo que levou à inspecção, só aparentemente correspondia a esta matrícula, que como se disse pertencia a uma salvado que foi identificado na sua posse.

       A conjugação de todos estes meios de prova, com as regras da experiência comum, levam o Tribunal a concluir que o arguido A (...) colocou propositadamente os elementos identificativos do salvado (...)VZ, no veículo (...)UX, de modo a dissimular a sua proveniência que sabia ser ilícita. Só esta conclusão é compatível com os diversos factos objectivos cuja veracidade, face a toda a prova analisada, é inquestionável.”

De acordo com esta motivação da matéria de factos extrai-se claramente que o tribunal a quo não deu grande credibilidade às declarações do arguido A (...) nem minimamente valorou o depoimento da testemunha F (...) .

É certo que da audição do depoimento desta testemunha F (...) decorre que por ele foi dito que após o acidente (a que se reporta o facto 2.1.70) ainda mandou reparar a Nissan Pickup, de matrícula (...)VZ numa oficina sita na (...), Alcanena, e que depois continuou a correr com ela até final da época. A seguir ao final da época “vendi-a ao A (...) e quem me pagou foi o CC (...)… eles estavam lá dois” esclarecendo que” quem me passou o cheque foi o CC (...)” … que na altura acompanhava o A (...) .

Ora, deste depoimento – a que como vimos o tribunal a quo nem sequer se referiu aquando da motivação da matéria de facto – depreende-se que quem terá comprado a viatura à testemunha terá sido o CC (...), tal como deu como provado o tribunal a quo. Todavia, isso não afasta a possibilidade de tal venda ter sido no estado de salvado, como deu o tribunal deu como provado nos factos 2.1.72 e 2.1.73, factos estes que não foram impugnados pelo recorrente.

E da audição das declarações do arguido A (...) , apesar de ter admitido ter retirado “todos os componentes mecânicos de competição, amortecedores, tirámos o motor, depósitos … essas coisas todas que era para montar num Nissan Terrano desse CC (...)” e de acrescentar ainda que daquela Nissan foi arrancado todo o interior do carro para passar para o Terrano, e de dizer que “ficou lá o resto, cabine, chassis e documentos” – no demais negou todos os demais factos que em relação a tal carro impugna, atribuindo que se de alguma coisa de anormal aconteceu terá sido praticado por um tal “ JJ (...)” que levou tal Nissan e apenas depois veio à sua oficina para que o arguido o conseguisse pôr a trabalhar. E das suas declarações decorre a negação dos factos em relação à Pickup de matrícula (...)UX e acrescentado nada saber em relação a este veículo.

Todavia, embora não haja prova directa dos factos impugnados pelo recorrente, o certo é que como vimos o tribunal recorrido alicerçou-se em outros meios de prova (documental, pericial e testemunhal) que bem assinalou na motivação da matéria de facto.

É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 99.

Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta – também chamada de prova “circunstancial”, “de presunções”, de “inferências” ou “aberta” - incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária – sendo surpreendente que outros tipos de prova de maior solidez e fiabilidade se encontrem detalhados e regulados na lei processual penal e não esta prova de resultados mais inseguros - a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, como acima se disse, terá que ser sempre objectivável e motivável.

A prova indirecta incide sobre factos diversos do tema de prova (sujeita à livre apreciação nos termos do art. 127º do CPP) mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Sendo a prova por concurso de circunstâncias absolutamente indispensável em processo Penal, posto que, se a mesma fosse excluída, ficariam na mais completa impunidade um sem fim de actividades criminais – cfr. Francisco Alcoy, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 25, citando Mittermaier e a jurisprudência constitucional e do STJ do país vizinho.

Trata-se aliás de prova especialmente apta para dilucidar os elementos do tipo subjectivo do crime que de outra forma seriam impossíveis de demonstrar a não ser pela confissão.

Não incidindo directamente sobre o facto tema de prova exige-se um particular cuidado na sua apreciação, sendo certo que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silva, Curso cit., II vol., p. 100/1001.

Na avaliação da prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do julgador – sendo do mesmo passo, mais relevante do que em qualquer outro meio de prova mais ou menos tarifado, o contacto directo e a imediação do julgador com a sua produção, para aquilatar a sua credibilidade.

Ora, apesar da negação por parte do arguido recorrente A (...) da maior parte dos factos que nesta parte impugna, o certo é que da conjugação e concatenação de todos os elementos de prova, no que a esta matéria respeita, nada há a censurar da fixação dos factos feita pelo tribunal.

Apesar de dizer que a estrutura da Pickup (...)VZ (depois de tirado o seu interior) foi para o tal “ JJ (...)” (versão em relação à qual o tribunal a quo não deu qualquer guarida), por que motivo mais tarde parte dessa mesma estrutura vem a ser encontrada em terreno próximo da sua oficina e sem uma parte do número do chassis, parte essa que vem a ser transplantada para a parte final dos número do chassis de uma Pickup de matrícula (...)UX (em substituição de números desta), veículo este que havia sido furtado, tal como o demonstra o auto de exame directo de fls. 365 e 366 e as fotos de fls. 368? E porque razão junto daquela estrutura foram encontradas as chapas de matrícula da verdadeira (...)VZ? E por que razão, a chapa de alumínio (onde também está gravado o número de chassis daquela Pickup (...)VZ) vem a ser colocada, até com rebites de plástico naquela verdadeira (...)UX, tal como demonstra a fotos de fls. 369? E qual a razão de nesta última Pickup (...)UX terem sido apostas as chapas de matrícula correspondentes àquela Pickup (...)VZ, tal como evidenciam as fotos de fls. 367?

Enfim, várias questões, cujas implícitas respostas apenas vêm a dar cobertura à motivação da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido e no sentido da inalterabilidade dos factos que foram dados como provados e que em parte haviam sido postos em crise pelo recorrente A (...) .

A isto ainda acresce que o facto da inspecção do veículo já “transformado/alterado ” para (...)VZ ter sido realizada em 28-08-2006 em nome do arguido A (...) (cfr. documento de fls. 508) também é elucidativa de que este arguido A (...) estava ao corrente de toda a “tramóia” efectuada naquele veículo (...)UX com a aposição neste veículo dos elementos identificadores do veículo (...)VZ. E a isso acresce também o facto de ter sido o recorrente A (...) que vendeu o UX “travestido” de “VZ” à “ AC(...)”, recebendo em troca €14.000€ (conforme ficou provado no facto 2.1.87).

De tudo isto resulta que, o raciocínio efectuado pelo tribunal a quo, seguindo a lógica e critérios de razoabilidade na apreciação da prova é perfeitamente correcto e segue as regras da experiência comum e do normal acontecer.

O que o recorrente pretendia era que o tribunal a quo tivesse adoptado a sua própria (do recorrente) convicção acerca da prova produzida, esquecendo que tem que julgar os factos é o tribunal. E não resulta minimamente demonstrado que ao dar como provados os factos da forma como o fez o tribunal se tivesse alicerçado em provas nulas ou através de meio de prova proibidas, sendo que as concretas prova indicadas pelo recorrente não são susceptíveis de imporem decisão diversa.

Por isso, nada há a alterar quanto aos impugnados factos 2.1.71, 2.1.74, 2.1.75, 2.1.76, 2.1.77, 2.1.80, 2.1.81, 2.1.82, 2.1.83, 2.1.85, 2.1.92, 2.1.93, 2.1.94.

Ainda no âmbito da impugnação da matéria de facto, e na parte  agora respeitante aos veículos Nissan Pickup de matrículas (...)TM e (...)XG, considera ainda o recorrente A (...) que foram indevidamente dados como provados os factos 2.1.96, 2.1.97, 2.1.101, 2.1.102, 2.1.103, 2.1.104, 2.1.110, 2.1.111, 2.1.112.

Como argumentos para tal impugnação transcreveu algumas suas esparsas frases que proferiu em audiência, algumas frases do co-arguido C (...) (mas que tinham a ver com o veículo Mercedes e não com estas Nissan’s) e duas frases da testemunha S (...) .

E os últimos factos também postos em crise pelo recorrente A (...) são os seguintes que, para melhor compreensão e distinção transcreveremos a negrito, sendo que, como anteriormente já tínhamos feitos, transcreveremos os não impugnados (mas já não a negrito) por este recorrente para melhor compreensão e enquadramento sequencial:


G)

Nissan Pickup (...)TM


2.1.95. Em momento não concretamente apurado, em Fevereiro ou Março de 2006, o arguido A (...) adquiriu, no estado de salvado, o veículo de marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)TM, pertencente a DD (...) , que tinha sofrido um acidente de viação em 13/07/2005.

2.1.96. Concebeu então o plano de aplicar os elementos identificativos desse salvado numa outra viatura de proveniência ilícita, de forma a ocultar essa mesma proveniência, para assim a poder vender a terceiros e obter um benefício patrimonial, resultante da circunstância de vender tal veículo a um preço muito superior ao que havia despendido na sua obtenção e viciação.

2.1.97. Em conformidade, em meados de Junho de 2006, de forma não concretamente apurada, o arguido A (...) entrou na posse de um veículo de marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)XG, que levou para a sua oficina situada em (...), freguesia do (...), área da comarca de Porto de Mós.

2.1.98. Esta viatura e a anteriormente mencionada eram idênticas, pois, além de serem da mesma marca e modelo, eram ambas de cor branca.

2.1.99. A Pickup com a matrícula (...)XG pertencia a U (...) mas estava registada em nome de “ AD(...) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”  e quando entrou na posse do arguido estava desacompanhada de quaisquer documentos e chaves e tinha um vidro lateral partido, sendo portanto evidente e bem conhecida a sua proveniência ilícita.

2.1.100. Na verdade, este veículo havia sido retirado por desconhecidos, em 09/06/2006, do local onde estava estacionado, no parque de estacionamento da oficina da sociedade “ BB (...) , Lda.”, situada em Alenquer, de que é legal representante U (...) , sendo que para o colocarem em marcha partiram um vidro lateral e, depois de destrancarem a porta e se introduzirem no seu interior, lograram pô-lo em marcha de forma não concretamente apurada.

2.1.101. Quando adquiriu a posse do veículo (...)XG, logo o arguido A (...) alterou os seus elementos identificativos, de forma a evitar que a sua proveniência ilícita pudesse ser conhecida.

2.1.102. Assim, na sua oficina, com o auxílio de instrumento não concretamente apurado o arguido cortou os últimos quatro dígitos do número de chassis apostos na longarina do veículo com a matrícula (...)TM e transplantou-os para a longarina direita do veículo com a matrícula (...)XG, onde os soldou, sobrepondo-os aos últimos cinco dígitos originais, de modo a fazer crer que o número de chassis deste último veículo era “JN1APUD22V0030370”.

2.1.103. Também substituiu as chapas de matrícula do veículo por novas, ostentando os dizeres “ (...)TM” e procedeu a algumas alterações no interior do veículo, nomeadamente substituindo os bancos.

2.1.104. Depois de fazer todas estas alterações na viatura, o arguido logrou criar a aparência de que esta era efectivamente o veículo com a matrícula (...)TM.

2.1.105. Foi neste estado que, em 30/08/2006, a vendeu a S (...) , seu primo, pelo valor de € 14.000,00.

2.1.106. O S (...) , quando adquiriu a viatura, levou-a até à sociedade “ SS (...), Lda.”, com sede em (...), Porto de Mós, onde mandou substituir a caixa de carga em madeira pintada de cinzento por uma nova caixa, também em madeira, substituição essa que foi facturada em nome da sociedade “ EE (...) Lda.”, de que é legal representante.

2.1.107. No decurso das investigações, a Polícia Judiciária procedeu à apreensão deste veículo na posse do S (...) , a qual foi devolvida ao proprietário U (...) , em 27/05/2008.

2.1.108. O arguido também omitiu a declaração desse mesmo veículo como salvado ( (...)TM) e a comunicação às entidades competentes (anteriormente DGV e actualmente IMTT  e a Conservatória do Registo de Automóveis).

2.1.109.   Acresce que não providenciou pelo cancelamento da respectiva matrícula.

2.1.110. O arguido A (...) agiu com o propósito conseguido de para si obter uma benefício ilegítimo e para tanto alterou as características construtivas e funcionais do veículo e alterou os elementos identificativos do veículo (...)XG, - bem sabendo que assim falsificava um documento autêntico e juridicamente relevante, lesando o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e pondo em causa o seu valor probatório.

2.1.111. Acresce que o arguido agiu, ainda com o propósito conseguido de para si obter uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriu a posse do veículo (...)XG que bem sabia ser proveniente de facto ilícito típico contra o património com o intuito de dissimular a sua proveniência, e vendeu a terceiros.

2.1.112. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”

                                                      *

Recapitulemos também aqui o que na motivação da matéria de facto foi dito pelos julgadores do tribunal a quo quando a esta situação dos veículos Nissan Pickup (...)TM e (...)XG:

       “G) – Em relação aos veículos Nissan Pickup (...)TM e (...)XG

       Finalmente em relação aos veículos (...)TM e (...)XG, os procedimentos e actos materiais realizados pelo arguido A (...) , são em tudo idênticos aos utilizados nas alterações que efectuou nos veículos (...)VZ e (...)UX.

       Também em relação a estes factos a prova é fundamentalmente documental, tendo-se, desde logo levado em consideração a cópia da factura de fls. 397, primeiramente destinada à viatura (...)VZ, mas que depôs o próprio adquirente, a testemunha S (...) , vem desmentir, referindo que desistiu da compra da viatura (...)VZ, tendo optado por adquirir antes a viatura (...)TM, como resulta também do auto de apreensão de fls. 454 a 459.

       Relativamente a esta viatura a versão do arguido A (...) é que comprou a viatura (...)TM, como salvado a II (...) , mas que não foi reparada por ele mas sim por um Sr. JJ (...).

       A verdade porém é que como referiu o proprietário da viatura (...)XG,   a testemunha U (...) , esta foi-lhe subtraída da sua oficina, tendo vindo mais tarde a ser encontrada e devolvida (termo de entrega de fls.606) com os elementos identificativos da viatura (...)TM,  sendo certo que esta viatura ( (...)TM), como resulta das cópias do auto de participação de acidente de fls. 475 a 480, foi interveniente num acidente de viação, tendo os respectivos documentos sido apreendidos em virtude de a viatura não poder circular pelos próprios meios.

       Depois se compararmos o teor do documento de fls. 482 com o auto de exame directo de fls. 449 a 453, constatando-se que ambos os veículos apresentavam o nº de chassis do veículo (...)TM, constatando-se ainda a forma como se procedeu a esta alteração.

       De referir ainda que, como resulta da informação da Conservatória do Registo Automóvel de fls 506, o veículo (...)XG, estava registada em nome de AD(...) Instituição Financeira de Crédito S.A.

       Sendo certo que os elementos subjectivos, como a intenção e o conhecimento, integram o foro íntimo de cada um, a verdade é que face aos factos objectivamente considerados, cuja veracidade é patente, é forçoso concluir que o arguido A (...) alterou os elementos identificativos do veículo (...)XG com a intenção de dissimular a sua proveniência que sabia ser ilícta, pretendendo, com essa sua conduta obter um benefício que sabia não ser legítimo já que não correspondia a qualquer direito.”

De acordo com esta motivação da matéria de factos extrai-se claramente que o tribunal a quo, mais uma vez não deu grande credibilidade às declarações do arguido A (...) , alicerçando-se na prova documental que ali indica, e que todo o sentido na exegese da mesma motivação, conjugada com as presunções e regras da experiência.

Com efeito, e a título de exemplo, resulta do documento (print) de fls. 482 que o número de chassis do verdadeiro veículo (...)TM corresponde àquele que consta aposto no veículo a que se reporta o auto de exame directo de fls. 449 e 450, conjugados com as fotos de fls. 451 a 453, veículo esse que vem a ser apreendido a S (...) (cfr. auto de apreensão de fls. 454). E neste veículo apreendido – que originalmente correspondia à matrícula (...)XG (veículo que havia sido furtado conforme demonstra o não impugnado facto 2.1.100), como decorre do auto de exame directo de fls. 449 e 450 e fotos subsequentes, pelo método de transplante foram apostos os últimos quatro números do número de chassis daquele (...)TM, e apostas chapas de matrícula com o nº (...)TM.

Pretende dar a entender o recorrente A (...) que nada tem a ver com tais alterações.

E auscultando as suas declarações prestadas em audiência de julgamento constata-se que a certa altura referiu ter comprado o (...)TM a um tal “ II (...) ” por cerca de €1.800,00 e que se necessário seria para peças. A certa altura do seu depoimento, e numa primeira versão, disse não saber o que tenha acontecido para que os elementos identificativos desta carrinha fossem parar ao veículo (...)XG (veículo esse que veio a saber ter sido furtado a um seu vizinho), mas acrescentando que imagina saber, porque “no sítio onde tinha a sucata…possivelmente… foram gamados” (dando a entender que os salvados - ou os elementos identificativos - daquele TM nos quais estavam os elementos identificativos de tal viatura teriam sido furtados do terreno que fica próximo da sua oficina). Depois, entrando em contradição com esta primeira versão, referiu que o “ JJ (...)” que, ia muitas vezes à sua oficina, disse que tinha material para reparar aquele carro e reparou-lho por 900 e tal euros, dizendo que nessa reparação o tal “ JJ (...)” terá posto uma cabine e afinal o chassis de outro carro. Todavia de tal reparação não tem qualquer recibo e afirmou que vendeu a carrinha reparada por mais ou menos €10.000,00 à testemunha S (...) , sendo que esta por esta testemunha, conforme resulta da auscultação das suas declarações, foi dito que a carrinha que efectivamente comprou e lhe foi apreendida foi arranjada no A (...) .

Enfim, uma confusão de explicação do arguido A (...) , à qual obviamente o tribunal não atribuiu credibilidade.

E os concretos meios de prova indicados pelo recorrente A (...) no seu recurso, não são susceptíveis de imporem uma decisão diversa daquela dada pelo tribunal a quo em relação aos factos impugnados. Mais uma vez, pretendia o recorrente que o tribunal a quo tivesse feito sua a convicção que o recorrente fez, face aos meios de prova que foram produzidos em julgamento. E tal como decorre do acórdão recorrido na fundamentação da matéria de facto referente a estes veículos (...)TM e (...)XG “os procedimentos e actos materiais realizados pelo arguido A (...) , são em tudo idênticos nas alterações que efectuou nos veículos (...)VZ e (...)UX”, ou seja, pela prova produzida em audiência, ao fim e ao cabo, considerou o tribunal recorrido que o modus operandi foi idêntico nas duas situações em que se destaca. E a essa conclusão fáctica - alicerçada em prova documental e pericial, e conjugadas com as presunções decorrentes das regras da experiência e do normal acontecer e não esquecendo que o tribunal a quo teve perante si os vários intervenientes, em relação aos quais pode plenamente exercer e fazer uso dos princípios oralidade e da imediação (apreciar gestos, olhares, rubores nas faces dos depoentes, não detectáveis através de uma simples gravação da prova sonora) – chegou o tribunal a quo no âmbito da livre apreciação da prova.

Por isso, lendo a motivação da matéria de facto recorrida, é claramente perceptível que o tribunal a quo, num juízo crítico de (livre) apreciação da prova produzida, apurou os factos e formulou a sua convicção alicerçando-se na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência e do senso comum, tendo-se procedido a uma cuidada análise dos depoimentos prestados em conjugação com a prova documental junta aos autos não nos merecendo qualquer censura, também o decidido quantos aos veículos (...)TM e (...)XG, mantendo-se assim a inalterada a matéria de facto provada e não provada.

                                                      *

Questão comum a ambos os recursos – e que por isso vai de seguida ser analisada também de forma conjunta para evitar desnecessárias repetições de argumentos - é a de saber se estão ou não verificados os elementos constitutivos dos crimes de receptação.

No enquadramento jurídico que fez dos factos, e no que ao crime de receptação respeita, a primeira instância considerou verificada a prática de três crimes de receptação p. e p. no artigo 231º nº 1 do Código Penal, por parte do arguido A (...) , e de um crime p. e p. pelo artigo 231º nº 1 do Código Penal por parte do arguido C (...) .

Vejamos o que, quanto a tal questão, foi dito pelo tribunal recorrido:

“B) Quanto aos crimes de receptação

Ao arguido A (...) é imputada a prática de três crimes de receptação p. e p. pelo artº231º nº1 do Código Penal, sendo dois em autoria material e relativamente aos veículos Nissan Pickup com a matrícula (...)UX e Nissan Pickup com a matrícula (...)XG e um em co-autoria material com o arguido C (...) , relativamente ao veículo Mercedes E-270 (...)RM.

Dispõe o referido preceito legal que:

“ Quem, com intenção de obter para, si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber  em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, a conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa”

Por sua vez o nº2 dispõe:

“Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.”

Para o preenchimento deste tipo criminal, exige-se que um agente actue sem a necessária cautela, adquirindo ou recebendo a(s) coisa(s), quando previa ou podia prever que a sua origem era criminalmente ilícita, sendo que, em termos subjectivos, se exige apenas "um dolo eventual, mesmo uma negligência grosseira, consubstanciado na suspeita, que razoavelmente não pode deixar de deixar de pôr-se ao agente, quanto à legítima proveniência da coisa, quer pela qualidade da coisa, quer ela condição de quem a oferece, quer, ainda, pelo desconforme do preço proposto ou solicitado" (Carlos Alegre, Crimes contra o Património, Cadernos da Revista do Ministério Público, nº 3, 1988, pag. 151) .

Volvendo ao caso dos autos,  e começando pelo veículo Mercedes E 270- matrícula (...)RM, constata-se que ambos os arguidos, tinham perfeito conhecimento da proveniência ilícita do mesmo, e de comum acordo decidiram desmantelar o mesmo para melhor ocultarem a sua origem e venderem a terceiros as respectivas peças, com intenção de obterem para ambos uma vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito.

Assim sendo resulta manifesto que a conduta dos arguidos A (...) e C (...) , preenche o  artº231º nº1, porque vêm acusados, incorrendo numa moldura penal abstracta de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

É certo que da factualidade apurada consta ainda que os arguidos não declararam o veículo como salvado, nem procederam ao cancelamento da respectiva matrícula, mas a verdade é que não o poderiam fazer já que não só o veículo não chegou à sua posse como salvado, como, tendo o mesmo uma proveniência ilícita, não faria sentido os arguidos pedirem o cancelamento da matrícula. Tais factos são inócuos em relação ao crime de receptação, já que a intenção dos arguidos não era a de procederem à alteração das características construtivas e funcionais do veículo ou de falsificar os elementos identificativos do mesmo, mas tão só o de o desmantelarem com o fim de dissimular a sua proveniência. Quanto muito o que se pode levar em conta e apenas na medida da pena é a conduta posterior à prática do crime

 No que diz respeito aos veículos Nissan Pickup com a matrícula (...)UX e Nissan Pickup com a matrícula (...)XG, também nenhuma dúvida se levanta face à factualidade apurada já que o arguido A (...) entrou na posse destes veículos, sabendo da sua proveniência ilícita e para dissimular a sua proveniência tratou de alterar os elementos identificativos dos mesmos, alterando as matrículas e os nºs de chassis, com intenção de posteriormente os vender a terceiros obtendo assim uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito.

Face ao exposto também neste caso a conduta do arguido A (...) , preenche os elementos objectivos e subjectivos da prática de dois crimes de receptação previsto e puníveis pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, incorrendo, assim, numa moldura penal abstracta de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.”

Apreciemos então.

Nos termos do artigo 231º, nº 1 do Código Penal “Quem, com intenção de obter para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou por qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.

A receptação pode ser definida como o crime que acarreta a manutenção, consolidação ou perpetuidade de uma situação patrimonial anormal, decorrente de um crime anterior praticado por outrem.

Vários são os modos de receptação, ou as condutas típicas que determinaram a prática do crime: dissimular, receber em penhor, adquirir por qualquer título, deter, conservar, transmitir ou contribuir para a transmissão, ou assegurar por qualquer forma, a posse para si ou para terceiros de coisa obtida mediante facto ilícito contra o património.

A receptação pressupõe, pois, um deslocamento da coisa do poder de quem a detém ilegitimamente para o receptador, o que significa que só a coisa móvel pode ser objecto de receptação. Assim, a coisa objecto de receptação há-de ser produto do crime.

O tipo de ilícito previsto neste normativo consiste “em o agente estabelecer através das várias modalidades de acção descritas, uma relação patrimonial com a coisa obtida por outrem mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, sendo a conduta guiada pela intenção de alcançar, para si ou para terceiro, uma vantagem patrimonial. O conteúdo de ilícito reside, pois, na perpetuação de uma situação patrimonial antijurídica (...), aprofundando a lesão de que foi alvo a vítima do facto anterior (facto referencial) ao diminuir a possibilidade de restaurar a relação com a coisa (...)” - Cfr. Pedro Caeiro, Comentário Conimbricense, Tomo II, pags. 475 e 476.

O objecto da acção é uma coisa que tenha sido obtida por outrem mediante facto ilícito contra o património.

A nível do tipo subjectivo, trata-se de um crime doloso, sendo admissível qualquer das modalidades de dolo previstas no artº 14º do Código Penal. É, portanto, necessário, da parte do agente, o conhecimento ou representação de todos os elementos do tipo já referidos (elemento intelectual) e a vontade de realização ou aceitação do resultado tipificado (elementos intelectual).

Mas, o tipo exige ainda, como elemento subjectivo, a intenção de obter uma vantagem patrimonial.

“Uma das formas que essa vantagem pode revestir encontra-se certamente na aquisição da coisa por preço inferior ao seu valor – mas essa é, apenas, uma das formas de obter vantagem” – Cfr. Pedro Caeiro, ob. cit., pag. 495.

Como efeito, é possível que “o justo preço pago por uma coisa, visando-se somente o ganho normal do negócio, não exclui a ideia de provento” – FRANK, apud Leal Henriques e Simas Santos, Código penal Anotado, 2.º Volume, 3.ª Edição, pag. 231. Neste sentido, veja-se também Pedro Caeiro, ob. cit., loc. cit.

Não é, todavia, necessário, para que a consumação do crime de receptação venha a ocorrer, que se verifique efectivamente essa vantagem patrimonial – basta, na expressão da lei, a intenção de obter vantagem patrimonial.

Ora, no caso em apreço, estão verificados os elementos objectivos e subjectivos de tal crime de receptação dolosa.

Com efeito, no que a tal tipo legal de crime respeita, em relação ao veículo Mercedes de matrícula (...)RM, da matéria de facto, de relevante resulta o seguinte:

“2.1.49. De forma não concretamente apurada, durante a segunda quinzena de Novembro de 2003, o arguido C (...) entrou na posse do veículo de marca Mercedes, modelo E 270, com a matrícula (...)RM, pertencente à LL (...), Lda. (…), e que havia sido retirado em 15/11/2003, do local onde estava parado (…), com a chave na ignição, por desconhecidos.

2.1.50. Quando adquiriu a posse do veículo, o arguido C (...) estava ciente da sua proveniência ilícita, uma vez que se tratava de um veículo de alta cilindrada, mas desacompanhado de quaisquer documentos, apesar de ter as chaves originais na ignição.

(…)

2.1.52. Entretanto, em Novembro ou Dezembro de 2003, o arguido C (...) deslocou-se à oficina do arguido A (...) , a quem deu conhecimento de que tinha na sua posse aquele veículo e da sua proveniência ilícita e propôs-lhe desmantelarem o veículo, para melhor ocultarem a sua origem, assim evitando que fosse descoberto pelas autoridades e devolvido ao legítimo proprietário, e repartirem entre ambos as suas peças e componentes, a fim de, posteriormente, as venderem a terceiros e utilizarem na reparação de outros veículos.

2.1.53. O arguido A (...) imediatamente aceitou esta proposta, apesar de ter perfeito conhecimento de que o veículo tinha proveniência ilícita, não só porque o C (...) lhe revelou, mas também porque era evidente, visto o veículo, de elevada cilindrada, ter as chaves originais na ignição e estar desacompanhado de quaisquer documentos.

2.1.54. Em conformidade com o acordado, o arguido C (...) levou então o veículo para a oficina do arguido A (...) (…).

2.1.55. Este, de comum acordo com o C (...) , logo alterou os elementos identificativos da viatura.

(…)

2.1.57. De seguida, o A (...) e o C (...) procederam ao desmantelamento do veículo.

(…)

2.1.59. O A (...) utilizou algumas peças do motor para reparar um outro motor de marca Mercedes.

2.1.60. Este arguido também vendeu o motor, a frente e o tejadilho à sociedade “ PP (...), Lda. …”

(…)

2.1.68. Acresce que os arguidos A (...) e C (...) agiram ainda de forma concertada e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de para si obterem uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriram a posse de um veículo que bem sabiam ser proveniente de facto ilícito típico contra o património, que desmantelaram, com o intuito de dissimular a sua proveniência e cuja peças e componentes transmitiram a outros.

2.1.69. Mais sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.”

Assim, perante tais apurados factos, e tal como atrás referimos estão perfectibilizados os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de receptação dolosa imputado, em co-autoria, aos arguidos/recorrentes A (...) e C (...) , pelo que, no que ao veículo Mercedes diz respeito, se confirma o enquadramento jurídico efectuado pelo tribunal a quo.

E não se diga, tal como pretendem dar a entender os recorrentes, que por não ter sido concretamente apurado de que forma o arguido C (...) acedeu à posse de tal veículo implica que está afastado um dos elemento objectivo do crime ou que exista uma qualquer contradição pelo facto de não ter sido provada a forma de que forma este arguido acedeu ou adquiriu a posse de tal veículo. Uma variedade de situações podem ter ocorrido (a título de exemplo podem-se mencionar: através de doação, mútuo, compra, mera tolerância de uso, depósito, pratica de actos compagináveis com a inversão do titulo) só que o tribunal não apurou de que concreta forma houve esse acesso. Mas esse não concreto apuramento é inócuo para a verificação do crime, desde que o agente receptor da coisa tenha conhecimento da proveniência ilícita contra o património – o que se verificou.

E em relação aos veículos (...)UX e (...)XG, também ocorrem os crimes de receptação dolosa por parte do arguido A (...) , tal como entendeu o tribunal a quo?

Consideramos que sim.

Vejamos os factos apurados, praticados pelo arguido A (...) , que relevam para tal questão.

Relativamente ao veículo (...)UX:

“2.1.75. Quando acabou essa tarefa, ficou com o que restava dos salvados da Pickup de matrícula (...)VZ, nomeadamente com os seus elementos identificativos.

2.1.76. Concebeu então o plano de aplicar esses elementos identificativos numa outra viatura de proveniência ilícita, de forma a ocultar essa mesma proveniência, para assim a poder vender a terceiros e obter um benefício patrimonial, resultante da circunstância de vender tal veículo a um preço muito superior ao que havia despendido na sua obtenção e viciação.

2.1.77. Em conformidade, em meados de Abril de 2006, de forma não concretamente apurada, o arguido A (...) entrou na posse de um veículo de marca Nissan, modelo Pickup (...)UX, sendo que esta viatura e a anteriormente mencionada eram idênticas (…)

2.1.78. A Pickup com a matrícula (...)UX pertencia a O (...) e quando entrou na posse do arguido estava desacompanhada de quaisquer documentos e chaves e tinha um vidro lateral partido, sendo portanto evidente e bem conhecida pelo arguido a sua proveniência ilícita.

2.1.79. Na verdade, este veículo havia sido retirado por desconhecidos, em 18/04/2006, no local onde estava estacionado (…), sendo que para o colocarem em marcha partiram um vidro lateral e, depois de destrancarem a porta e se introduzirem no seu interior, lograram pô-lo em marcha de forma não concretamente apurada.

2.1.80. Quando adquiriu a posse do veículo (...)UX, logo o arguido A (...) alterou os seus elementos identificativos, de forma a evitar que a sua proveniência ilícita pudesse ser conhecida.

(…)

2.1.85. Depois de fazer todas estas alterações na viatura, o arguido logrou criar a aparência de que esta era efectivamente o veículo com a matrícula (...)VZ.

2.1.87. E negociou a sua venda com a sociedade “ UU (...), Lda.” (…), negócio esse que se concretizou em 30/08/2006, entregando o arguido A (...) o veículo e recebendo em troca o valor de € 14.000,00.

(…)

2.1.93. Acresce que o arguido agiu ainda com o propósito conseguido de para si obter uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriu a posse do veículo (...)UX que bem sabia ser proveniente de facto ilícito típico contra o património - com o intuito de dissimular a sua proveniência, e vendeu a terceiros.

2.1.94. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

E relativamente ao veículo (...)XG:

“2.1.95. Em momento não concretamente apurado, em Fevereiro ou Março de 2006, o arguido A (...) adquiriu, no estado de salvado, o veículo de marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)TM (…).

2.1.96. Concebeu então o plano de aplicar os elementos identificativos desse salvado numa outra viatura de proveniência ilícita, de forma a ocultar essa mesma proveniência, para assim a poder vender a terceiros e obter um benefício patrimonial, resultante da circunstância de vender tal veículo a um preço muito superior ao que havia despendido na sua obtenção e viciação.

2.1.97. Em conformidade, em meados de Junho de 2006, de forma não concretamente apurada, o arguido A (...) entrou na posse de um veículo de marca Nissan, modelo Pickup, com a matrícula (...)XG, que levou para a sua oficina (…).

2.1.98. Esta viatura e a anteriormente mencionada eram idênticas, pois, além de serem da mesma marca e modelo, eram ambas de cor branca.

2.1.99. A Pickup com a matrícula (...)XG pertencia a U (...) mas estava registada em nome de “ AD(...) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” e quando entrou na posse do arguido estava desacompanhada de quaisquer documentos e chaves e tinha um vidro lateral partido, sendo portanto evidente e bem conhecida a sua proveniência ilícita.

2.1.100. Na verdade, este veículo havia sido retirado por desconhecidos, em 09/06/2006, do local onde estava estacionado (…) sendo que para o colocarem em marcha partiram um vidro lateral e, depois de destrancarem a porta e se introduzirem no seu interior, lograram pô-lo em marcha de forma não concretamente apurada.

2.1.101. Quando adquiriu a posse do veículo (...)XG, logo o arguido A (...) alterou os seus elementos identificativos, de forma a evitar que a sua proveniência ilícita pudesse ser conhecida.

(…)

2.1.103. Também substituiu as chapas de matrícula do veículo por novas, ostentando os dizeres “ (...)TM” e procedeu a algumas alterações no interior do veículo, nomeadamente substituindo os bancos.

2.1.104. Depois de fazer todas estas alterações na viatura, o arguido logrou criar a aparência de que esta era efectivamente o veículo com a matrícula (...)TM.

2.1.105. Foi neste estado que, em 30/08/2006, a vendeu a S (...) , seu primo, pelo valor de € 14.000,00.

(…)

2.1.111. Acresce que o arguido agiu, ainda com o propósito conseguido de para si obter uma vantagem patrimonial e para tanto adquiriu a posse do veículo (...)XG que bem sabia ser proveniente de facto ilícito típico contra o património com o intuito de dissimular a sua proveniência, e vendeu a terceiros.

2.1.112. Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Perante estes factos, estão também aqui perfectibilizados os elementos típicos objectivos e subjectivos dos crimes de receptação dolosa imputados ao arguido-recorrente A (...) , pelo que, no que aos mencionados veículos Nissan Pickup de matrícula (...)UX e Nissan Pickup de matrícula (...)XG.

E aqui também não se diga, tal como pretendeu dar a entender o recorrente A (...) , que por não ter sido concretamente apurado de que forma acedeu à posse de qualquer destes veículos tal implica que está afastado um dos elementos objectivos do crime de receptação. Tal como atrás referimos em relação ao veículo Mercedes, também a propósito da recepção/recebimento/aquisição de qualquer destas Nissan’s, uma variedade de situações pode ter ocorrido (a título de exemplo podem-se mencionar: através de doação, mútuo, compra, mera tolerância de uso, depósito, prática de actos compagináveis com a inversão do titulo) só que o tribunal não apurou de que concreta forma ocorreram esses acessos. Mas esses não concretos apuramentos, dizemos mais uma vez, são inócuos para a verificação do crime, desde que o agente receptor das coisas tenha conhecimento da proveniência ilícita contra o património – conhecimento esse que ocorreu.

Assim, improcedem as pretensões de qualquer dos recorrentes quanto à não verificação dos crimes de receptação dolosa.

                                                      *

No âmbito da medida da pena, alegando que o valor da viatura Mercedes foi duplamente valorado, ora para a determinação do valor da multa em que foi condenado (superior ao determinado para as Nissan) ora para a determinação do valor a indemnizar, considera o recorrente Amárico ter sido violado o princípio do nom bis in Idem.

Desde já adiantando inexistir razão ao recorrente, vejamos o que foi dito no acórdão recorrido na parte respeitante à medida das penas em relação ao recorrente A (...) .

Depois de ter sido feita a opção pela pena de multa, e não por pena detentiva, a dado passo é dito:

“… importa agora determinar a pena concreta a aplicar ao arguido, e, na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.° 1 do artigo 71° do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.

          Por sua vez, determina o n.º 2 do mesmo normativo legal que, "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,. ".

          Para avaliar da medida da pena no caso concreto, Anabela Miranda Rodrigues, (a determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 658 e segs.), entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.

          Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.

          Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

          No que concerne aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.

       Assim e em relação aos dois crimes de falsificação, o grau de ilicitude é elevado, os actos praticados são um produto de decisão de praticar este tipo de conduta,  o dolo é directo e, por outro lado, o que determinou a sua prática foi a dissimulação da prática de crimes de receptação, o que não joga a favor do arguido, sendo que a conduta posterior ao crime é altamente censurável, já que o arguido, põe em causa bem jurídicos muito caros à sociedade como seja o património.

          Refira-se, ainda, que será ainda levada em conta, favoravelmente ao arguido, de apenas ter como antecedentes criminais a prática de um crime de desobediência.

                  De qualquer modo, há que fazer sentir ao arguido que errou e que a sociedade não permite actuações como a dos autos, procurando-se com a sanção a aplicar, fazê-lo entender e assimilar os valores subjacentes à norma penal violada .

         Finalmente ter-se-á em conta as condições sócio-económicas do arguido, que apesar de exercer actividade remunerada, embora não seja crível que o rendimento declarado seja o real, a verdade é que mesmo assim se afigura uma situação económica modesta. Por outro lado, o arguido está social e familiarmente inserido.

         Tudo ponderado, entende-se adequado aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, abaixo da moldura média abstracta, atendendo às circunstâncias plasmadas no art° 71° do Código Penal e que supra referimos, se fixa em 200 dias de multa  à taxa diária de 8 euros, por cada um dos crimes.

       Relativamente aos três crimes de receptação, valem os mesmos critérios dosimétricos supra referidos.

       Contudo no que diz respeito à receptação do veículo Mercedes afigura-se mais elevada, nomeadamente pelo facto de a gravidade da conduta posterior ao crime ser maior.

       Com efeito, se em relação aos outros veículos o arguido é também punido pelo crime de falsificação, a verdade é que manteve a integridade dos veículos o que permite a sua devolução aos lesados. No caso do Mercedes o arguido procedeu ao seu desmantelamento com o fim único de dissimular o crime e embora em termos cíveis possa ser condenado, a verdade é que não será nunca possível repor a situação anterior, pelo que nesta caso a multa a fixar será um pouco mais levada, que no caso dos outros dois veículos.

Relativamente aos dois veículos Nissan Pickup, cremos que em termos de culpa, ela se situará num abstracto ponto médio, tendo em conta que dos autos não resultam factos que apontem para uma maior censurabilidade da sua conduta.

         Tudo ponderado, entende-se, relativamente ao crime de receptação do Mercedes, aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, abaixo da moldura média abstracta, atendendo às circunstâncias plasmadas no art° 71° do Código Penal e que supra referimos, se fixa em 250 dias de multa  à taxa diária de 8 euros.

       Quanto aos crimes que tiveram por objecto os veículos Nissan Pickup, entende-se adequado fixar a pena em 200 dias de multa à taxa diária de 8 euros, por cada um dos dois crimes.”

Foi esta a fundamentação dada pelo tribunal recorrido para estabelecer as penas parcelares dos crimes em causa que, desde já adiantamos se mostram adequadas, justas e equilibradas, chamando a atenção que a reacção criminal aplicada a um arguido e decorrente da prática de um crime nada tem a ver com a responsabilidade civil decorrente da prática de um acto ilícito (mesmo que fundado em comportamento tipificado como crime).

Refere o arguido A (...) que a sentença violou o princípio “nom bis in idem”.

Não lhe assiste razão.

O referido princípio, na nossa ordem jurídica, tem assento constitucional no artigo 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa com a seguinte redacção “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

Esta imposição surge igualmente reflectido no art. 4.º, n.º 1 do Protocolo n.º 7, da CEDH, segundo o qual “Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisprudências do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal”.

Consagra-se assim o designado princípio “non bis in idem”, no duplo sentido da proibição de um duplo julgamento e de uma dupla punição.

Pretende-se, deste modo e primordialmente, preservar a segurança jurídica, obstando-se que uma mesma causa seja julgada mais que uma vez, o que conduziria a uma constante perseguição criminal e à inexistência de paz jurídica.

Por outro lado, visa-se igualmente garantir que a decisão judicial tomada e transitada em julgado é aquela que corresponde à verdade (“res judicata pro veritate habetur”), evitando-se assim que uma outra venha contradizê-la – sobre este duplo fundamento veja-se Gaston Stefani, Georges Levasseur e Bernard Bouloc, em “Procédure Pénale” (2004), p. 952 e ss.

Assim, e em princípio, só tem sentido falar-se em autoridade do caso julgado relativamente a decisões judiciais já transitadas.

Tecidas estas pequenas considerações, acerca do princípio nom bis in idem, convenhamos que ao aludir a tal princípio o recorrente está a confundir duas realidades perfeitamente distintas, como atrás dissemos: uma tem a ver com a reacção criminal (com a pena) que lhe é aplicada e decorrente da prática de um crime; a outra tem a ver com a responsabilidade civil decorrente da prática de um acto ilícito (mesmo que fundado em comportamento tipificado como crime). Ou como refere o Ministério Público na resposta ao recurso “Estamos perante responsabilidades diversas: uma pena e outra civil. Aquela destina-se a reparar o mal do crime, visando a reparação social, pela integração de bens jurídico-penalmente relevantes; esta destina-se a reparar a lesão individual do património do lesado

Não se verifica pois, qualquer violação do nom bis in idem.

E do excerto do acórdão que acabámos de fazer, diferentemente do que pretende fazer crer o recorrente A (...) , a mais elevada dosimetria da pena em relação à receptação do Mercedes, em comparação com as penas referentes à receptação das carinhas Nissan, tem a ver, e quanto a nós bem, com a maior gravidade e censurabilidade da sua conduta posterior dado que ao desmantelar o referido veículo impediu a recuperação pela dona, desmantelamento esse que não sucedeu relativamente às carrinhas Nissan.

Por isso, é perfeitamente adequada e justificada a adoptada diferença nos dias da pena de multa em relação à receptação do veículo Mercedes em contraposição com os dias de multa para as receptações das carrinhas Nissan.

                                                      *

Na sua senda recursória, e alegando que a fundamentação da medida da pena foi preenchida por conceitos vagos e imprecisos (apontando-os para a frase “o grau de ilicitude é elevado, os actos praticados são um produto de praticar este tipo de conduta, o dolo é directo…”) considera o recorrente A (...) que o acórdão padece do vício da falta de fundamentação da medida da pena nos termos do arts 374º nº 2 e 379º nº 1 a) do Código Penal.

E a seguir também refere que o acórdão, na determinação da medida da pena violou o disposto no artigo 47º, 71º do Código Penal e 375º nº 1 do Código de Processo Penal.

Vejamos quanto ao alegado vício da falta de fundamentação.

A alínea a) do nº 1 do artigo 379º (na parte em que aqui releva e referente ao processo comum) estatui que é nula a sentença quando não tiver as menções referidas no artigo 374º nºs 2 e 3 al. b), isto é, que tiver falta de fundamentação ou o dispositivo da sentença não contenha decisão condenatória ou absolutória.
A fundamentação é conatural aos actos decisórios, despachos e sentenças. As decisões finais ou despachos que não sejam de mero expediente, mas com repercussão em direitos dos destinatários, só se legitimam e podem ser compreendidas com a respectiva fundamentação. Por isso se diz que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático. Acresce que só a fundamentação possibilita o exercício de um efectivo direito de recurso.
A imposição do dever de fundamentação, tem assento constitucional no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa no qual é dito que:”As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que o artigo 97º n.º 5 do Código de Processo Penal nos diz que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. E a concretização do dever de fundamentação, relativamente aos requisitos da sentença, está plasmado no art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal.
Ora, invoca o recorrente A (...) que existe falta de fundamentação da medida da pena, desde logo porque o tribunal a dado passo usou conceitos vagos e imprecisos ao dizer  que … “o grau de ilicitude é elevado, os actos praticados são um produto de praticar este tipo de conduta, o dolo é directo… “
Não assiste razão ao recorrente.
Lendo o acórdão recorrido, depois de ali se ter optado pela aplicação da pena de multa (seguindo o comando do artigo 70º do Código Penal) e dando aqui por reproduzida a atrás citada argumentação referente à determinação da medida concreta das penas parcelares, constatamos estar devidamente fundamentada a medida concreta de qualquer dessas penas, seguindo os critérios e os cânones estabelecidos nos arts 40º e 72º do Código Penal. E obviamente, para a concretizar a pena, o tribunal recorrido também deu atenção às várias circunstâncias indicadas no nº 2 do artigo 72º do Código Penal, designadamente às indicadas nas alíneas a) e b) de tal número, a saber:
a) O grau de ilicitude do facto …;
b) A intensidade do dolo …”
Ora, embora o recorrente possa discordar da forma como o tribunal o fez, o certo é que ressalta da análise da fundamentação da medida da pena que o tribunal a quo, entre outras coisas, apreciou o grau de ilicitude do facto e foi correctamente ponderado no caso concreto, tendo em conta que estamos perante receptações de veículos automóveis (e não de quaisquer outros bens móveis de pequenas dimensões e que até pudessem ser de escasso valor – exemplos: guarda chuvas, bicicletas, electrodomésticos, etc.) e falsificação dos seus elementos identificativos (note-se que no caso concreto não estamos a falar de elementos identificativos de simples ciclomotores, mas de automóveis). Por outro lado, ao mencionar que a intensidade do dolo é directo o tribunal recorrido apenas o classificou seguindo os elementos intelectual e volitivo constantes dos factos provados, em conjugação com o que estabelece o artigo 14º nº 1 do Código Penal, afastando assim as outras formas de dolo (o necessário e o eventual, a que aludem os nºs 2 e 3, respectivamente do mesmo artigo 14º).
Daí que, não se pode dizer que tenha usado conceitos indeterminados susceptíveis de conduzir à falta de fundamentação. Utilizou, sim, conceitos jurídicos que tinha que utilizar na determinação da medida da pena, tendo em conta a matéria de facto provada.
Inexistindo, pois, falta de fundamentação da medida da pena, improcede a pretensa nulidade de falta de fundamentação da sentença.
                                                      *

Invoca ainda o recorrente A (...) que na determinação da medida da pena violou o disposto no artigo 47º, 71º do Código Penal e 375º nº 1 do Código de Processo Penal.

Vejamos o que estabelecem tais preceitos.

Artigo 47.º

Pena de multa

1 - A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

2 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

4 - Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.

5 - A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.”

Artigo 71.º

Determinação da medida da pena

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Por sua vez, estabelece o artigo 375.º nº 1 do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Sentença condenatória:

“1 - A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.

Salvo o muito devido respeito por opinião contrária, não vislumbramos onde é que o tribunal recorrido possa ter violado qualquer dos mencionados normativos, sendo que o recorrente também concretizou onde e de que forma ocorreu essa violação.

Por isso, tendo em conta que a moldura abstracta da pena de multa quer para cada um dos crimes de falsificação de documento quer para cada um dos crimes de receptação se situa entre os 10 dias (artigo 47º nº 1 do Código Penal) e os 600 dias (cfr. 256º nº 3 e 231º nº 1 do mesmo código) e que a taxa diária da multa se situa entre os €5 e os €500 (cfr. nº 2 do artigo 47º) e que na concretização da medida da pena, como já tivemos oportunidade de analisar e citar parte dos acórdão foi atendido aos parâmetros a que alude o artigo 71º e às condições económicas do aqui recorrente, não vislumbramos que as penas concretas fixadas tenham violado tais preceitos legais, pelo que as mesmas e a pena única encontrada, serão de manter porque justas, adequadas e equilibradas, sendo que o montante da taxa diária de €8 (ou seja muito próximo do mínimo legal) também está em consonância com as apuradas condições económicas (exerce profissão de mecânico, declarando rendimento mensal de €500,00) e inerentes encargos do recorrente A (...) (repare-se que tem dois filhos menores e está a viver em casa propriedade de sua mãe)

E também não existe qualquer violação do artigo 375º do Código de Processo Penal, uma vez que do acórdão em apreço decorre a especificação dos fundamentos que presidiram à escolha da pena (seguindo os comandos do artigo 40º do Código Penal) e à medida da sanção aplicada (seguindo os cânones dos artigos 40º, 47º nºs 1 e 2 e 71º, todos do Código Penal).

Por isso, inexiste qualquer violação dos normativos invocados pelo recorrente A (...) .

                                                      *

Relativamente ao pedido de indemnização civil, qualquer dos recorrentes (e pelos fundamentos que cada um invoca no respectivo recurso) considera excessivo o montante dessa condenação.

Por ambos terem sido condenados solidariamente pagar à demandante LL (...), Lda. a quantia de €30.000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento, teremos, também aqui - quer por uma questão de ser comum a pretensão de ambos os recorrente quer por de facilidade de exposição e de não repetição de argumentos -  de abordar tal questão de uma só vez.

Tendo-se mantida inalterada a matéria de facto provada e não provada que havia sido fixada pelo tribunal a quo, vejamos o que em relação ao pedido de indemnização civil foi dito no acórdão recorrido.

“Do pedido cível

De acordo com o artº 129º do C. Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

Vale neste domínio o princípio consignado no art. 483º do Código Civil, de harmonia com o qual, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva extracontratual ou aquiliana:

- o facto: facto voluntário do agente, facto objectivamente dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, pois só um acto concebido desta forma poderá constituir suporte da aplicação das ideias de ilicitude, culpa e causa de produção do dano,

- a ilicitude: categoria dogmática, que exprime, em termos formais, o carácter antijurídico do facto, e consiste na violação do direito de outrem, quando reprovada pela ordem jurídica, ou na violação da lei que protege interesses alheios;

- o nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante: para que o acto ilícito gere efeitos jurídicos é necessário que o agente tenha agido com culpa, entendida, em termos clássicos, como o nexo de imputação do facto ao agente lesante.

- o dano: entendendo-se por dano a supressão ou diminuição de uma situação favorável, revista a mesma, ou não, contornos patrimoniais;

 - o nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima: que se traduz na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um dado facto, e exprimindo-se essa relação entre o acto ilícito e o dano por um conceito de teor normativo, vulgarmente designado como causalidade adequada. E poder-se-á concluir que, no caso em apreço se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil supra elencados, de forma a poder afirmar-se que a demandante tem o direito de indemnização e a demandada a correlativa obrigação?

Tendo presente que a demandante estriba a sua pretensão indemnizatória na prática, pelos arguidos de um crime de receptação e sendo certo que é jurisprudência constante que, apesar de o receptador não ter participado na subtracção ao seu proprietário, não deixa de ser responsável pelo pagamento da indemnização que visa ressarcir o lesado pelo facto de se ver privado do bem( Vide  Ac. STJ de 13/09/2006 entre outros mencionados no Ac.RC de 30/03/2011 proc. 484/02.2TATMRC2 in www.dgsi.pt.

Assim e  da simples análise do quadro factual anteriormente descrito resulta não existirem quaisquer dúvidas quanto ao preenchimento de todos os pressupostos anteriormente referidos, no que respeita aos arguidos.

A actuação dos arguidos foi, como se disse, a causa necessária e suficiente do prejuízo sofrido pela demandante, pelo que aqueles se constituíram na obrigação de indemnizar a mesma no montante dos prejuízos causados.

Relativamente à liquidação do montante dos prejuízos temos como valor certo o custo de aquisição da viatura €45.430,60, com mais de dois anos de idade, pelo que recorrendo à equidade, julga-se adequado um desvalorização de cerca de 30%, devendo, ainda levar-se em consideração que motor do veículo acabou por ser devolvido, pelo que se considera adequado e equitativo fixar o montante da indemnização em € 30.000,00 (trinta mil euros) a suportar solidariamente pelos arguidos A (...) e C (...) .”

Consideramos perfeitamente adequado que o tribunal a quo tenha enveredado pelo recurso à equidade para fixar o montante da indemnização a atribuir à demandante (seguindo o disposto no artigo 566º nº 3 do Código Civil), face à falta/impossibilidade de concretização de outros valores patrimoniais que não o respeitante ao do valor que havia sido pago pela lesada com a aquisição da viatura em causa (€45.430,60). Teria, pois que ser feita um juízo de ponderação média, segundo a normalidade das coisas e da vida, para atribuição de indemnização à lesada.

Consideram os recorrentes, por um lado que o tribunal fixou uma percentagem de desvalorização inferior à que deferia ter fixado e não terá dado o devido valor ao motor que a lesada veio a recuperar.

Relativamente à percentagem de desvalorização, importa referir que estamos a falar de um carro que havia sido comprado como usado, pelo que a percentagem de desvalorização, segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida, é inevitavelmente inferior àquela que ocorreria se se tratasse de um veículo que tivesse sido adquirido em estado de novo. Aquando da respectiva compra pela lesada, o preço da aquisição, obviamente que já contemplaria a respectiva desvalorização à data dessa mesma compra. E é por demais consabido que a maior percentagem de desvalorização (na ordem dos 30%) ocorre no primeiro ano em que o veículo novo é vendido ao consumidor. Mas não é este o caso porque tinha sido adquirido já usado.

Por isso, tendo também a própria marca do veículo (Mercedes, que mesmo com vários anos de uso mantém um elevado valor comercial) segundo juízos de equidade, a percentagem de desvalorização jamais teria ultrapassado, sequer, os 20%.

É certo que a lesada veio a recuperar o motor de tal veículo. Todavia, não ficou apurado qual o concreto valor de tal motor quer aquando dessa recuperação quer depois, sendo que os factos apurados apenas nos dizem que o arguido A (...) , além de outras peças vendeu o motor à “ AE(...), Lda.”, a qual por sua vez revendeu tal motor pelo preço de €4.760,00 à sociedade “ RR (...), Lda.” motor esse que foi colocado no Mercedes (...)UU, veículo este que foi vendido em 2006 a M (...) (cfr. factos 2.1.58, 2.1.59 e 2.1.61).

Por outro lado, desconhecem-se igualmente quais eram as concretas condições de funcionalidade e desgaste desse motor à data da sua recuperação, quais os quilómetros que o mesmo tinha feito à data dessa recuperação, bem como de quantos quilómetros com tal motor foram feitos entre a data do desapossamento e a data da recuperação. Por outro lado, ao ter sido desanexado da estrutura do veículo a que pertencia (devido à acção de desmantelamento) e ao ter sido transplantado para outro veículo certamente que sofreu danos relacionados com tais actos e manuseamentos próprios relacionados com tais actos.

Da conjugação de todos estes factores e, bem assim, com a normal desvalorização comercial que como dissemos, na nossa óptica não terão ultrapassado os 20%, considera-se que a indemnização que havia sido fixada pelo tribunal a quo, a ser alvo de alguma crítica, apenas poderia ser a de ter sido fixada em montante abaixo do que deveria ter sido fixada. Todavia, como quem dela recorreu foram os demandados (e não a demandante) tal montante não poderá ampliado por este tribunal.

Daí que, e também quanto ao pedido cível, será de confirmar o decidido pela primeira instância.

                                          *

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões dos recorrentes - e não se mostrando violados quaisquer preceitos legais, designadamente os invocados nas suas conclusões dos recursos - terão os recursos que improceder.

                                                      *

IV – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos A (...) e C (...) e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s para cada um.

                                                      *


 (Luís Coimbra - Relator)

 (Cacilda Sena)