Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1683/11.1TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE
SÓCIOS
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 158º DO CSC
Sumário: I – São requisitos da responsabilidade dos antigos sócios liquidatários de sociedade comercial extinta:
a) – Dívida social pré-existente à liquidação;

b) – Culpa ao indicar falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados;

c) – Partilha dos bens da sociedade extinta;

II – Também a partilha, cujo montante recebido por cada antigo sócio limita a sua responsabilidade pelo passivo social é pressuposto essencial da responsabilidade pessoal dos antigos sócios, nos termos do n.º 1 do art.º 163.º do CSC;

III – Tais requisitos são constitutivos do direito do autor (credor social), pelo que a sua alegação e prova (bem como a própria existência de bens) a ele compete (n.º 1 do art.º 342.º do CC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

A... propos, no 3.º Juízo Cível do TJ da Comarca de Leiria, acção com forma de processo sumário contra B... e C... , pedindo a sua condenação no pagamento solidário da quantia de € 16.992,29, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% sobre o valor de € 10.325,98, desde 23 de Março de 2011, até integral e efectivo pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que os Réus foram sócio-gerentes da sociedade “D..., Lda.”, que foi extinta com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2011, sendo que entre o Autor e esta sociedade foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual o primeiro prometeu comprar e a segunda vender uma fracção autónoma correspondente a uma loja, em cuja área a sociedade iria integrar a área dos logradouros em frente desta e delimitar a sua superfície com muros e gradeamento, tendo pago por conta desse contrato o valor de € 77.313,68, gastou ainda a quantia de € 5.964,22 em obras de adaptação e, constituída a propriedade horizontal, verificou-se que a fracção não integrava, afinal, a área do logradouro, nunca foi marcada a escritura pública para formalização do negócio prometido, sendo que em acção judicial intentada na comarca de Pombal as partes “acordaram em dar sem efeito o contrato celebrado, assumindo a ré (a sociedade), a obrigação de restituir ao Autor as quantias dele recebidas e o valor das obras efectuadas na loja”, vindo a sociedade devolver ao Autor o valor de € 72.951,92, ficando em dívida a quantia de € 10.325,98, mais alegando que, de acordo com o decido em tal acção, a sociedade só estaria obrigada a devolver o montante em falta quando vendesse a loja, sobre tal quantia se vencendo juros de mora à taxa legal desde a data do distrate, isto é, após o dia 15 de Dezembro de 2004, sendo que no dia 24 de Maio de 2010 a fracção B foi vendida ao Banco E..., pelo valor de € 100.000,00, mas a sociedade nada pagou ao Autor e a 26 de Janeiro de 2011 os Réus deliberaram dissolver a sociedade em causa, por esgotamento do objecto social, procedendo à imediata liquidação com base na informação de que a sociedade “não tinha passivo”.

Mais alegou que à data da dissolução a sociedade tinha um veículo automóvel e que em 23 de Dezembro de 2010 vendeu por € 80.000,00 uma fracção autónoma e em Janeiro de 2011 vendeu pelo preço de € 55.000,00 uma outra, o que partilhou pelos sócios sem pagamento ao Autor.

Os Réus, citados, contestaram, excepcionando o caso julgado e impugnando a dívida de juros, reportando-a à data da venda da loja, acrescentando que o valor das obras efectuadas na loja pelo Autor não importa na quantia de € 5.964,22 por aqui se incluir o valor de equipamentos que poderia ser retirado e que o produto das vendas que o Autor invoca se destinou a amortizar passivo da sociedade, que foi de € 335.710,64 em 2010 e, portanto, nada foi partilhado pelos sócios.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo a declaração de compensação do crédito que viesse a ser reconhecido ao Autor, em caso de procedência da acção, quanto ao montante de € 2.913,30 correspondentes a custas de parte não reembolsadas pelo Autor, com origem na mencionada acção.

 O Autor respondeu no sentido da improcedência da excepção e da inadmissibilidade da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção de caso julgado e não se admitiu o pedido reconvencional, aí se tendo seleccionado a matéria de facto assente e a controvertida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida decisão sobre a matéria de facto, de que houve reclamação, desatendida por extemporaneidade.

Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e o R. condenado  a pagar ao A. a quantia de € 10.325,98, acrescida juros de mora à taxa anual de 4%, no valor liquidado de € 6.666,31 e a Ré condenada solidariamente em tal importância, mas até ao limite recebido na partilha subsequente à dissolução da sociedade “ D..., Lda.” e ambos os RR. condenados nos juros de mora àquela taxa, desde 23.3.11, até efectivo e integral pagamento, sendo a Ré com aquela limitação.

Inconformados, recorreram os RR., apresentando alegações que finalizaram com as seguintes úteis conclusões:

a) – O facto de o R. ter admitido que o automóvel 91-41-JZ passou para a sua esfera jurídica não permite ao tribunal concluir que tal ocorreu em virtude de partilha, ao contrário, dos documentos juntos pelo próprio A. consta que o veículo foi vendido por € 1.000,00 pela “ D...” ao R. em 27.12.2010, antes, portanto, da liquidação e da dissolução da sociedade e nenhuma outra prova foi produzida no sentido de ter existido tal partilha;

b) - Daí que a resposta ao quesito 3.º deveria passar a ser: “ Encontra-se registada em nome do Réu a propriedade do veículo de matrícula ...JZ, da marca Ford, por transmissão da sociedade “ D..., Lda”;

c) - Não tendo o A. efectuado prova de ter havido partilha do património da sociedade pelos seus sócios, carece a alegação da A. de um requisito essencial – a partilha - sem o qual os RR. não podem ser responsabilizados pessoalmente pelas dívidas da sociedade “ D..., Lda.”;

c) – Na acta de dissolução da sociedade, ficou deliberado que a sociedade “ D... Lda.” não possuía qualquer activo, não existindo quaisquer bens a partilhar, cabendo à A. alegar e provar que aquela declaração de falta de bens no património da sociedade dissolvida não corresponde à verdade, designadamente por existirem bens partilháveis à data da dissolução;

d) - O liquidatário responde apenas para com os credores a quem, por meio da ocultação da existência de passivo social, prejudique a cobrança de um determinado crédito, através da partilha do património da sociedade;

e) - Não existiu nos autos qualquer processo de liquidação;

f) - Sempre o R. considerou que os créditos da sociedade sobre o A., designadamente, os das benfeitorias e reembolso das custas de parte estariam compensada com o crédito do A. e, por outro lado, tinha perfeito conhecimento que não existindo bens a partilhar nenhum prejuízo causaria ao A.;

g) – Os juros de mora importam em € 2.490,67 e não em € 3.623,43;

h) - Na sentença recorrida não se fez a devida interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 158.º e 163.º do Código das Sociedades Comerciais, bem como não foi observado o disposto no artigo 342º. do Código Civil, pelo que deve revogar-se a sentença recorrida e julgar-se improcedente o pedido do A.

Houve lugar a resposta, onde o apelado sustenta a manutenção do decidido.

Cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) – A impugnação da matéria de facto correspondente à resposta dada ao art.º 3.º da base instrutória;

b) – A reapreciação do mérito da causa, o que passa por indagar se no caso houve lugar a partilha do veículo automóvel, requisito da responsabilidade dos sócios para com o credor social.


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2. Fundamentação

2.1. De facto

 São os seguintes os factos provados decorrentes do julgamento da 1.ª instância com a correcção a seguir efectuada quanto à alín. X):

A - Os Réus eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas com a firma “ D..., Lda.”, com o capital social de € 50.000 sendo o Réu titular de uma quota com o valor nominal de € 49.500,00 (quarenta e nove mil e quinhentos euros) e a Ré titular de uma quota no valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria e pessoa colectiva com o número único ... e com sede na Rua ..., concelho de Leiria;

B - A gerência de tal sociedade competia a B...;

C - Por contrato-promessa celebrado no dia 21 de Fevereiro de 2003 entre o Autor e a sociedade “ D..., Lda.” aquele prometeu comprar e a sociedade vender, pelo preço global de € 199.519,16, a fracção autónoma correspondente a “um loja com a área de 125 m2 pertencendo todo o logradouro em frente à loja e um arrumo no sótão com a área de 90 m2 que será destinado tipo T2, situada na ..., Pombal, livre de quaisquer ónus, encargos ou ocupação”, do prédio a constituir em propriedade horizontal, sito na freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal com o número ..., sendo que a escritura de compra e venda respectiva deveria ser celebrada durante o mês de Fevereiro de 2004;

D - Aquando da outorga desse contrato-promessa, a “ D..., Lda.”comprometeu-se a integrar na fracção que lhe viesse a corresponder e prometida vender a área correspondente aos logradouros em frente à loja e a delimitar a respectiva superfície com a construção de muros e gradeamento, uma vez que o Autor pretendia aí expor automóveis para venda;

E - A título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, o Autor entregou à referida sociedade o montante global de € 77.313,68, dos quais € 19.951,92 foram pagos no acto da celebração do contrato-promessa e os restantes € 57.361,76 no dia 14 de Maio de 2003;

F - Já na fase de acabamentos da fracção prometida vender o Autor, com a autorização da promitente-vendedora, procedeu a obras de adaptação da mesma ao fim a que se destinava – stand automóvel – com as quais suportou o custo total de € 5.964,22;

G - Em resultado da constituição de propriedade horizontal sobre o referido prédio, à fracção prometida vender coube a letra “B”, com a seguinte descrição “rés-do-chão esquerdo, destinado a comércio, com a área de 90,20 m2”, sendo que da mesma não constava a área referente ao logradouro prometido vender;

H - Essa menção nunca chegou a ser feita, não tendo sido, sequer, marcada a Escritura Pública, apesar da interpelação feita pelo Autor por carta de 13 de Dezembro de 2004, recebida em 15 de Dezembro de 2004, cujo teor consta de fls. 46 a 48 e que ora se dá por reproduzido;

I - Em 10 de Março de 2005, a sociedade devolveu ao Autor a quantia de € 19.951,92 e, em 03 de Fevereiro de 2006, a quantia de € 53.000,00.

J - O Autor moveu contra a sociedade “ D..., Lda.”, no Tribunal Judicial de Pombal, acção declarativa de condenação a que coube o processo n.º 2299/07.2TBPBL, do 3.º Juízo, através da qual pediu, entre o mais:

I) A título principal:

a) que se declarasse o incumprimento definitivo e culposo por parte da Ré do contrato- promessa celebrado entre ambos em 21/02/2003;

b) A condenação da Ré a ver resolvido o contrato por força daquele incumprimento;

c) a condenação da Ré na quantia global de 99.957,71 €, correspondente ao somatório do sinal em dobro com o valor das benfeitorias realizadas no imóvel, acrescidas de juros à taxa legal;

(...)

II) Subsidiariamente:

d) a condenação da Ré a restituir-lhe o valor correspondente ao sinal e às benfeitorias realizadas no imóvel, acrescido dos respectivos juros e deduzido os valores já entregues.

K - Tal acção foi julgada totalmente improcedente, porquanto se provou que após a recepção da carta referida em H), o Autor e o legal representante da Ré acordaram em dar sem efeito o contrato celebrado, assumindo a Ré a obrigação de restituir ao Autor as quantias dele recebidas e o valor das obras efectuadas na loja, quando vendesse a loja, o que aquele aceitou;

L - Mais se decidiu em tal acção que o Autor teria direito a cobrar juros à taxa legal desde a data da celebração do distrate, quanto ao valor das obras;

M - No dia 24 de Maio de 2010, através do procedimento “Casa Pronta” celebrado no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Leiria, a sociedade “ D..., Lda.” vendeu a “Banco E..., S.A.”, pelo valor global de € 100.000,00, que recebeu, a fracção referida em G);

N - No dia 26 de Janeiro de 2011, os Réus, na qualidade de únicos sócios e em assembleia extraordinária da referida sociedade “ D..., Lda”deliberaram, por unanimidade, dissolver a referida sociedade, consignando na respectiva acta, como fundamento, ter-se esgotado o objecto social;

O - Nessa assembleia deliberaram ainda, por unanimidade, proceder à imediata liquidação com base na informação prestada pelo sócio-gerente B... de que a sociedade não tinha activo nem passivo;

P - As deliberações assim tomadas nessa assembleia - de dissolução e encerramento da liquidação - foram objecto de registo comercial através da apresentação n.º 6/20110131;

Q - No dia 23 de Dezembro de 2010, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial a Cargo de F..., em Pombal, a sociedade vendeu a G..., pelo valor de € 80.000,00, que recebeu, a fracção autónoma designada pela letra “L” do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia e concelho de Pombal e inscrito na matriz respectiva sob o artigo1 ... “L”;

R - Sobre esta fracção incidia uma hipoteca a favor da banco H ..., mas cujo valor a sociedade já havia pago integralmente no dia 06 de Agosto de 2009;

S - No dia 07 de Janeiro de 2011, por escritura pública celebrada no mesmo cartório, a dita sociedade vendeu a “ I..., Lda.”, pelo valor de € 55.000,00, que recebeu, a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de ..., concelho de Pombal e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 5098 “A”;

T - Sobre esta fracção incidia igualmente uma hipoteca a favor da banco H ..., mas cujo valor a sociedade já havia pago integralmente no dia 14 de Junho de 2007;

U - Encontra-se registada em nome do Réu a propriedade do veículo de matrícula ...JZ, da marca Ford, por transmissão da sociedade “ D..., Lda.”;

V - A sociedade “ D..., Lda.” ainda não pagou ao Autor o valor remanescente da dívida, acrescida dos juros, apesar de já ter sido instada a fazê-lo;

W - Os ora Réus tinham perfeito conhecimento de que a sociedade “ D..., Lda.” tinha uma dívida para com o Autor;

X - O registo da propriedade do veículo de matrícula ...JZ data de 27.12.10;

Y - No âmbito do processo judicial referido em J), à sociedade “ D..., Lda.” foi remetida conta de custas no valor de € 737,70 (setecentos e trinta e sete euros e setenta cêntimos).


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            2.2. De direito

            a) A impugnação da matéria de facto

            De acordo com o disposto no art.º 712.º, n.º 1, alín. a) do CPC a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 685.º-B a decisão com base neles proferida e (alín. b)) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

            Em causa está a resposta dada ao art.º 3.º da base instrutória.

            Perguntava-se aí se “o produto das vendas referidas em Q) e S) e o automóvel referido em U) foram objecto de partilha entre os sócios” e respondeu-se (ressalvado o lapso manifesto de se haver trocado esse artigo pelo n.º 4) “provado apenas que o automóvel referido em U) foi objecto de partilha entre os sócios”.

            A convicção do tribunal a quo, quanto a essa resposta, assentou na confissão do R. resultante do depoimento de parte que “admitiu que o carro referido em U) dos factos assentes passou para a sua esfera jurídica”.

            Apreciando, têm razão os recorrentes, desde logo quando sustentam que o R. não admitiu que o veículo tivesse passado para a sua esfera jurídica a título de partilha, inexistindo fundamento para tal conclusão.

            Lida a assentada do depoimento do R. (acta de fls. 214), o que a propósito da matéria em causa o R. depôs foi que, “já em relação à matéria do quesito 3.º confessa que o automóvel passou para a sua esfera patrimonial própria, em virtude de se considerar credor da sociedade D..., Lda.”

            Ora, a conclusão de que o veículo automóvel foi objecto de partilha entre os sócios não passo disso mesmo, de uma conclusão, não alicerçada em premissas!

            Da certidão da Conservatória de Registo Predial e Comercial de Pombal de fls. 180 está provado que a propriedade do veículo automóvel de matrícula ...JZ está registada a favor do R. desde 27.12.10, na sequência da venda que lhe foi efectuada nessa data pela “ D..., Lda.”.

            Por outro lado, está pacificamente demonstrado que no dia 26.1.11 os RR., na qualidade de únicos sócios e em assembleia extraordinária da sociedade “ D...”, deliberaram, por unanimidade, dissolver referida sociedade, consignando na respectiva acta, como fundamento, ter-se esgotado o objecto social, que nessa assembleia deliberaram ainda, por unanimidade, proceder à imediata liquidação com base na informação prestada pelo sócio gerente B..., de que a sociedade não tinha activo nem passivo e que as deliberações assim tomadas nessa assembleia – de dissolução e encerramento da liquidação – foram objecto de registo comercial através da apresentação n.º 6/20110131 (alíns. L) a P) dos factos provados da sentença).

            Quer dizer, à data do registo daquele veículo automóvel, a sociedade tinha plena existência jurídica.

Só em 26.1.11 foi deliberada a sua dissolução e entrada em imediata liquidação, vindo a considerar-se extinta em 31.1.11 com o registo do encerramento da liquidação (art.ºs 142.º, n.º 1, 145.º, n.º 2, 146.º e 160.º, do Código das Sociedade Comerciais – CSC).

            Porque a partilha é uma fase da liquidação, não tem sentido reportá-la a uma data em que a sociedade vigorava em pleno, pelo menos no plano jurídico.

            Assim é que e desde logo, face ao documento autêntico (ertidão registral) respeitante à propriedade do veículo automóvel e uma vez que na alín U) dos factos provados (factos assentes) já resultava a inscrição registral do veículo, a única resposta devida ao referido art.º 3.º era (e é) que “o registo da propriedade do veículo automóvel a que se reporta a alín. U) dos factos assentes data de 27.12.210”.

            Nesse sentido se substitui a resposta que ao impugnado art.º 3.º foi dada.


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            b) - A responsabilidade pessoal dos sócios pela dívida social

            Quanto a esta questão, a razão está igualmente do lado dos recorrentes.

            Dispõe o art.º 158.º, n.º 1, do CSC que “os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do art.º anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados”.

            E o art.º 163.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que, “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.

            Foi com base no 1.º preceito que a sentença recorrida condenou o R., enquanto liquidatário da sociedade, no pagamento ao A. recorrido da dívida da sociedade extinta e com base no 2.º que condenou a Ré, enquanto antiga sócia, no pagamento da mesma dívida, mas até ao limite recebido na partilha, ou seja, do valor do veículo automóvel que, contudo, não foi apurado, nem deixou de ser, porque simplesmente o mesmo se omitiu, sem que ao menos o mesmo fosse remetido para o incidente de liquidação judicial do art.º 378.º do CPC.

            Ora, em qualquer dessas situações a responsabilidade pessoal do liquidatário ou dos antigos sócios para com os credores sociais só existe, a par de outros requisitos, se a partilha “se efectivar” (sic, do cit. art.º 158.º, n.º 1).

            Com efeito, quanto ao liquidatário (art.º 158.º), a responsabilidade para com os credores sociais depende dos seguintes pressupostos:

            a) – Dívida social pré-existente à liquidação;

            b) – Culpa ao indicar falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados;

            c) – Partilha dos bens da sociedade extinta.

            São estes os requisitos que constituem a causa de pedir da respectiva acção contra os liquidatários, nos termos daquele art.º 158.º do CSC, sendo que, também quanto à responsabilidade pessoal do antigo sócio, a partilha é o elemento essencial e limite de tal responsabilidade.

            E, porque constitutivos do direito do autor (credor social), a este incumbe o ónus de alegação e prova, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do CC, sob pena de naufrágio da acção.[1]

            Se aqueles dois primeiros requisitos têm tradução na prova elencada (alins. E), F), I), K), L), O) e W)) já o terceiro, ou seja, a partilha, se não provou fosse efectuada.

            Nem sequer se provou a existência de bens partilháveis à data da dissolução/liquidação, como era ónus do A.

            Em suma, na procedência das conclusões recursivas importa revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção e os RR. absolvido do respectivo pedido.


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            3. Em síntese (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)

            I – São requisitos da responsabilidade dos antigos sócios liquidatários de sociedade comercial extinta:

            a) – Dívida social pré-existente à liquidação;

            b) – Culpa ao indicar falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados;

            c) – Partilha dos bens da sociedade extinta;

            II – Também a partilha, cujo montante recebido por cada antigo sócio limita a sua responsabilidade pelo passivo social é pressuposto essencial da responsabilidade pessoal dos antigos sócios, nos termos do n.º 1 do art.º 163.º do CSC;

            III – Tais requisitos são constitutivos do direito do autor (credor social), pelo que a sua alegação e prova (bem como a própria existência de bens) a ele compete (n.º 1 do art.º 342.º do CC).


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgam a acção improcedente, de cujo pedido absolvem os RR.

            Custas pelo recorrido em ambas as instâncias.


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Francisco Caetano (Relator)

António Magalhães

 Ferreira Lopes


[1] É neste sentido que aponta a maioria da jurisprudência. V. Acs. STJ de 26.6.08, Proc. 08B1184, que por sua vez remete para o Ac. STJ de 23.4.08 da Secção Social, Proc. 07S4745, com um voto de vencido, RL de 18.10.10, Proc. 0033994, RG de 18.1.11, Proc. 929/08.8TBCSC.G1 e RL de 17.2.11, Proc. 685/08.0TJLSB.L1-8, in www.dgsi.pt.
Em sentido contrário, o Ac. RL de 9.3.10, Proc. 4777/06.1TVLSB.L1-1, in www.dgsi.pt.