Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
512/13.6TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: IRCT
ESTABELECIMENTO DE ENSINO
ENSINO PROFISSIONAL
REGIME
SUSPENSÃO
PAGAMENTO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Data do Acordão: 06/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º DA LRCT; 552º, Nº 1 DO CT DE 2003;, E 496º DO CT DE 2009; DL 4/98, DE 8/01; ARTº 21º DA LEI Nº 64-B/2011.
Sumário: I – Independentemente das regras de aplicação de IRCT’s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que trabalhador e empregador, no exercício da sua autonomia de vontade (artº 405º do C. Civil), estabeleçam que o contrato de trabalho seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo.

II – Para que tal ocorra necessário se torna que no contrato de trabalho conste uma cláusula que sujeite a relação de trabalho ao regime jurídico globalmente decorrente daquele CCT ou de parte determinada dele.

III – De acordo com o disposto nos artºs 7º da LRCT, 552º, nº 1 do CT de 2003, e 496º, nº 1 do CT de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscreverem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

IV – Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só tem aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.

V – Os estabelecimentos de ensino profissional, atentas as suas características próprias, estão sujeitos a um regime jurídico específico, expressamente excluído do EEPC (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo), e que consta do DL nº 4/98, de 8/01.

VI – Sendo a Ré uma empresa municipal, estava a mesma sujeita à obrigação de suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de natal, nos termos do artº 21º da Lei nº 64-b/2011, de 30/12, por remissão para o artº 19º/9/t da Lei nº 55-A/2010, de 31/12.

Decisão Texto Integral: O autor instaurou a presente acção com a forma de processo comum contra a ré, pedindo a condenação desta no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo, em vigor desde 1 de Setembro de 2004, bem assim como no pagamento de € 82.766,42 (fls. 14 e 116), a título de diferenças remuneratórias decorrentes de uma diminuição da sua retribuição levada a efeito pela ré em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, de outras diferenças remuneratórias decorrentes da não aplicação de um determinado Contrato Colectivo de Trabalho que identifica, e de subsídios de férias e de Natal não pagos pela aplicação levada a efeito pela ré da Lei de Orçamento de Estado.

Contestou a ré, sustentando a incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho e que não são devidos os créditos a que o autor se arroga.

Saneado o processo, com improcedência da excepção de incompetência material, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença do cujo dispositivo consta o seguinte:

Condena-se a ré a

- Reconhecer a existência de um contrato individual de trabalho sem termo, como o autor, em vigor desde 01.09.2004;

- Pagar ao autor a diferença entre o que lhe foi pago de Maio de 2007 a Agosto de 2011, e o vencimento do Presidente Executivo de uma Escola Secundária, que se encontrasse no mesmo índice/escalão, a liquidar em execução de sentença, incluindo subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros sobre os montantes líquidos devidos, contados desde a data de vencimento das prestações, absolvendo-se a ré do restante pedido.

Custas na proporção de 3/5 para o autor e 2/5 para a ré.

Registe e notifique.”.

 Dessa sentença recorreu o autor, que apresentou as conclusões a seguir transcritas:

[…]

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Ajunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

*

II - Principais questões a decidir


Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) saber se deve conhecer-se do recurso na parte em que o mesmo incide sobre a matéria de facto e, na afirmativa, se esta deve ser alterada;

) saber se à relação de trabalho entre o autor e a ré se aplica o CCT outorgado entre a AEEP e a FNE e outros, publicado no BTE n.º 5, de 8/2/2009;

) saber se o autor estava sujeito à proibição do pagamento de subsídios de férias e de Natal imposta pelo art. 21º da Lei 64-b/2011, de 30/12;

) saber se a ré violou o princípio da irredutibilidade da retribuição.

*


III – Fundamentação


A) De facto


A.1) Recurso relativo à decisão sobre a matéria de facto


Primeira questão: saber se deve conhecer-se do recurso na parte em que o mesmo incide sobre a matéria de facto e, na afirmativa, se esta deve ser alterada.


Nos termos do disposto no art. 640.º n.ºs 1 e 2 do NCPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa – e, no caso de prova gravada, incumbe-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, podendo proceder a transcrição de excertos - e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ora, o que se passa no caso concreto em análise é que o recorrente pretende que seja dado como provado que “…para elaboração de contratos individuais de trabalho, cálculo de vencimentos, progressão na carreira e mesmo para orientação global, a recorrida socorre-se das normas aplicáveis ao ensino particular e cooperativo.”.

Simplesmente, essa concreta matéria de facto não se mostra alegada pelo autor em qualquer parte da petição inicial ou da resposta à contestação.

Tratando-se de matéria não alegada e não se descortinando nos autos o recurso a qualquer mecanismo que permita atender a matéria desse tipo, evidente é que o recurso tem de improceder.

De resto, trata-se de matéria de facto que não releva para a correcta decisão da causa nos estritos termos em que a mesma foi sujeita à apreciação jurisdicional, pois mais do que saber qual o CCT que a ré aplicava aos contratos em que outorgava, o que realmente importa determinar é se esse CCT era o real e obrigatoriamente aplicável pela ré, por si ou por força de portaria de extensão.

Como assim, sem necessidade de outras considerações, decide-se não conhecer do recurso na parte em que o mesmo incide sobre a matéria de facto.

+

A.2) Os factos provados


A primeira instância deu como provados os factos a seguir transcritos:

[…]

*

B) De direito


Segunda questão: saber se à relação de trabalho entre o autor e a ré se aplica o CCT outorgado entre a AEEP e a FNE e outros, publicado no BTE n.º 5, de 8/2/2009.



Sustenta o autor que deve aplicar-se à relação de trabalho entre ele e ré o CCT outorgado entre a AEEP e a FNE e outros, publicado no BTE n.º 5, de 8/2/2009.

Numa primeira linha de argumentação considera que essa aplicação deveria fazer-se directamente, por remissão para aquele regime convencional contida no próprio contrato de trabalho.

Como recentemente se decidiu neste Tribunal da Relação, em acórdão de 20/3/2014, de que foi relator o aqui segundo adjunto, “ … independentemente das regras de aplicação de IRCT´s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que trabalhador e empregador, no exercício da sua autonomia de vontade (405.º do Código Civil), estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo.”.

Para que tal ocorra, necessário se torna que no contrato de trabalho conste uma cláusula que sujeite a relação de trabalho ao regime jurídico globalmente decorrente daquele CCT ou de parte determinada dele.

Lidos os contratos de trabalho em que o autor outorgou, deles não resulta qualquer cláusula remissiva genérica para o CCT outorgado entre a AEEP e a FNE e outros, publicado no BTE n.º 5, de 8/2/2009.

O que desses contratos se extrai é, apenas, que o autor cumprirá as responsabilidades e deveres atribuídas e exigidas aos professores do ensino particular e cooperativo (cláusulas 3ª), que poderá ter direito a ajudas de custo e deslocação igual à do contrato colectivo do ensino particular e cooperativo (cláusula 4ª) e que o período experimental tem a duração prevista no mesmo contrato (cláusula 9ª).

Tratam-se, assim, de remissões puramente pontuais para três aspectos concretos do regime da relação do contrato de trabalho que não são suficientes para se optar por uma aplicação generalizada daquele regime convencional à relação de trabalho entre o autor e a ré.

+

Num segundo segmento, sustenta-se essa aplicação por força do estatuído nas Portarias de Extensão 1483/07, de 19/11, e 462/2010, de 1/7.

Comece por dizer-se que a ré é uma sociedade que se dedica ao ensino profissional em estabelecimento privado de ensino – ponto 1º dos factos provados.

De acordo com o disposto nos artºs 7º  da LRCT, 552º, nº 1, do CT de 2003, e 496º, nº 1, do CT de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.

Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.

No caso dos autos, não consta da factualidade provada que o autor e/ou a ré fossem membros das organizações signatárias do CCT por cuja aplicação o autor pugna.    

Por sua vez, o regulamento/portaria de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral, surgindo, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 12/5/2012, in www.dgsi.pt

Nos termos do art. 1º/1 do CCT acima identificado, “O presente contrato colectivo de trabalho (CCT) é aplicável, em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, abrangendo 553 empregadores e 12100 trabalhadores.”.

Nos termos do nº 2 da mesma norma legal, “Entende-se por estabelecimento de ensino particular e cooperativo a instituição criada por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos.”.

Não resulta dos autos que o autor e/ou a ré fossem sócios de qualquer das estruturas que outorgaram naquele CCT, pelo que a sua directa aplicação à situação em apreço estava vedada por forma do princípio da dupla filiação

Por outro lado, e como é pacífico entre as partes, a ré dedica-se em exclusivo ao ensino profissional.

A PE 1483/2007, de 19/11, veio estender no território do continente as condições de trabalho constantes de diversos contratos colectivos de trabalho, celebrados entre a AEEP e diferentes federações sindicais, incluindo aquele a que se reportam os autos, às “relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado, para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas.” - al. a) do seu artº 1º - e às “relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes.” -  al. b).

No preâmbulo da aludida portaria salienta-se que a extensão se circunscreve aos empregadores filiados na AEEP com trabalhadores não representados por associações sindicais outorgantes, bem como – e na parte que aqui interessa – a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante que tenham como denominador comum a comparticipação financeira do Estado em despesas de pessoal e de funcionamento através, nomeadamente, de contratos de associação, contratos simples, contratos de patrocínio e contratos de cooperação assegurando-se, assim, condições de concorrência equivalentes.

Por sua vez, a PE 25/2010, de 11/1, alargou o leque de trabalhadores e entidades envolvidos, ao estender a aplicação de tal CCT “às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria n.º 1483/2007, de 19 de Novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais.” - sublinhado nosso.

No artº 75º da CRP, e sob a epígrafe “Ensino público, particular e cooperativo”, estabelece-se:

“1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.

2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”.

Assim, este princípio constitucional consagra dois tipos de ensino - o público e o particular e cooperativo.

Segundo o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 553/80, de 21/11, “As escolas particulares que se enquadrem nos objectivos do sistema educativo, bem como as sociedades, associações ou fundações que tenham como finalidade dominante a criação ou manutenção de estabelecimentos de ensino particular, gozam das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública.” -  artº 8º, nº 1.

Acontece que é o próprio EEPC que, no seu artº 3º, nº 3, alínea g), exclui expressamente do seu âmbito de aplicação o ensino profissional:

3 - O presente decreto-lei não se aplica:

(…)

g) Aos estabelecimentos em que se ministre ensino intensivo, que será objecto de regulamentação própria, ou o simples adestramento em qualquer técnica ou arte, o ensino prático das línguas, a formação profissional ou a extensão cultural.”.

Assim, os estabelecimentos de ensino  profissional,  atentas as suas características próprias, estão sujeitos a um regime jurídico específico, expressamente excluído, como vimos, do EEPC, e que consta do DL nº 4/98, de 8 de Janeiro.

E atenta a distinção constitucional a que fizemos referência, parece-nos inquestionável que os estabelecimentos de ensino profissional, quando criados por pessoas, singulares ou colectivas, de natureza privada, devem qualificar-se como estabelecimentos de ensino particular - cf. artºs 2º, 4º e 13º e seguintes desse DL 4/98.

A convenção colectiva tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, 2005, pág. 111).

A primeira respeita às regras que disciplinam as relações entre as partes signatárias da convenção, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão; a segunda corresponde às normas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores.     

Segundo o entendimento maioritário sustentado na doutrina (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 112, e Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2ª edição, págs. 212 a 214 e 1085, entre outros) e a jurisprudência firme e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 28/09/2005, processo nº 1165/05 da 4.ª secção, Diário da República, I Série-A, nº 216, de 10 de Novembro de 2005, págs. 6484-6493), na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos artºs 236º e seguintes do Cod. Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artº 9º do Cod. Civil no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.

E, no caso concreto, sendo de presumir que os outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados, a interpretação que deve ser feita do CTT que nos ocupa não pode ser outra senão a de que as partes, ao aludirem “a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior” e certamente conscientes da expressa exclusão das escolas profissionais do âmbito de aplicação do EEPC, quiseram regular as relações de trabalho para vigorar entre elas deixando de fora o ensino profissional.

E, assim sendo, e porque as portarias de extensão não podem estender aquilo que não consta do CCT ao qual se referem, nomeadamente o universo das actividades ali previstas, facilmente se intui que as citadas PE´s não são aplicáveis à relação dos autos.

Foram, a nosso ver, tais fundamentos que ditaram o decidido   no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do recurso 2565/08-4, em 25 de Fevereiro de 2009, e cujo sumário está disponível em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2009.pdf”, na página na internet daquele Supremo Tribunal (ainda que reportando-se a diferente contrato colectivo, enquanto outorgado por diferente federação sindical):

(…)

XII – Não sendo a ré associada da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), signatária da convenção colectiva de trabalho (CCT) outorgada entre a mesma associação e a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e Outros [(FNE), publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 43, de 22 de Novembro de 1999] – sendo, sim, signatária da Associação Nacional do Ensino Profissional (ANESPO) – e não se demonstrando filiação sindical da autora, não pode à relação entre as partes ser aplicável o referido CCT, seja directamente, seja através de Portaria de Extensão, uma vez que esta apenas contempla empresas que exerçam a sua actividade em Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a ré dedica-se, em exclusividade, ao ensino profissional.” (Realce nosso).

Debruçando-se sobre a referida PE 1483/2007, refere-se no Ac. da Rel. de Évora de 17/1/2012, disponível em www.dgsi.pt, que os termos da mesma, ao reportarem-se aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, sem menção expressa dos estabelecimentos de ensino profissional, associados a tais especificidades, admitem a interpretação restritiva subjacente ao acórdão do STJ  mencionado.

Como tal, não se verificam os pressupostos que legitimam a aplicação do CCT em questão por força das analisadas portarias de extensão. – neste sentido decidiu esta Relação nos seus acórdãos 23/1/2014, proferido nos processos 204/12.3TTGRD.C1, e de 13/2/2014, proferidos nos processos 201/12.9TTGRD.C1 e 203/12.5TTGRD.C1.

Uma última palavra para dissentir do recorrente quanto este considera que para efeitos de decidir no sentido da aplicação do CCT pela qual pugna o tribunal recorrido e este tribunal deveriam socorrer-se de um conjunto de depoimentos testemunhais prestados no decurso da audiência.

Com efeito, a determinação ou não daquela aplicação não pode ser feita com base na opinião expressa sobre essa matéria pelas testemunhas, antes terá de fazer-se exclusivamente em função da interpretação dos normativos convocáveis para efeitos de decisão da questão em causa.

Bem decidiu a sentença recorrida, assim, ao não reconhecer ao autor todos os créditos pelos quais este pugnava com fundamento naquele CCT.

*


Terceira questão: saber se o autor estava sujeito à proibição do pagamento de subsídios de férias e de Natal imposta pelo art. 21º da Lei 64-b/2011, de 30/12.

A ré é uma sociedade unipessoal por quotas, sendo seu único sócio o Município de K...– ponto 1º dos factos provados.

O sector empresarial local integra as empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas, doravante denominadas «empresas».” – art. 2º/1 da Lei 53-F/06, de 29/12.

São empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais os municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, respectivamente, possam exercer, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:

a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;

b) Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização.”.

À face daquele elemento de facto e destes normativos legais, afigura-se-nos evidente que a ré é uma empresa municipal.

A igual conclusão se chega face ao estatuído na Lei 50/2012, de 31/8, atentos os seus arts. 2º e 19º/1.

Consequentemente, estava a mesma sujeita à obrigação de suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, nos termos do art. 21º da Lei 64-b/2011, de 30/12, por remissão para o art. 19º/9/t da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de Dezembro.

Repare-se que a remissão contida naquele art. 21º para este art. 19º visa, apenas, identificar as pessoas sujeitas à suspensão do pagamento, não comportando a remissão a autorização, justificação e adaptação referidas na parte final desta última norma, o que parece apontar no sentido de que está em causa naquele art. 21º uma suspensão de natureza absoluta, insusceptível das adaptações autorizadas e justificadas pela natureza empresarial e consentidas pela Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de Dezembro.

Além disso, mesmo a não se entender assim, o certo é que não decorre dos factos provados nenhuma autorização de qualquer adaptação justificada pela natureza empresarial da ré que justificasse qualquer excepção ao regime proibitivo do citado art. 21º.

Bem andou a sentença recorrida, assim, ao aplicar tal proibição à situação dos autos e ao negar ao autor o direito a que este se arrogava a receber os subsídios de férias e de Natal.

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Quarta questão: saber se a ré violou o princípio da irredutibilidade da retribuição.

Importa referir que o que está aqui em causa é uma especial retribuição que ao autor era devida pelo desempenho, em comissão de serviço, do cargo de Director Técnico-Pedagógico da ré (pontos 21 e 22 dos factos provados), tendo sido acordado entre ambos que essa retribuição equivaleria ao de um Presidente do Conselho Executivo de uma Escola Secundária que se encontrasse no mesmo índice/escalão – ponto 22 dos factos provados.

Portanto, na retribuição base dada como provada ponto 23.º dos factos provados, está incluída uma parte fixa (a enunciada no ponto 19º dos factos provados), acrescida daquela retribuição especial pelo desempenho em comissão de serviço das funções de Director Técnico-Pedagógico da ré.

Ora, como resulta do art. 1º/2 do DL 355-A/98, de 13 de Novembro, único que conhecemos e sem que outro tenha sido alegado nos autos para efeitos de se determinar a remuneração de um Presidente de um Conselho Executivo de uma Escola Secundária, tal remuneração especial não é fixa, antes é calculada, entre outros factores, com base na população da escola, estando assim em causa uma retribuição de natureza variável.

Como assim, ao remeter-se a retribuição do autor para aquela que seria devida a um Presidente de um Conselho Executivo de uma Escola Secundária, tal remissão também se fez para o segmento dessa retribuição que é variável.

E, justamente, foi em função da variação do número de alunos que a ré fez variar aquela retribuição específica do autor, como claramente flui do que se seu como provado no ponto 25º dos factos provados.

Não resulta desses factos provados – e nesta matéria o ónus da prova impendia sobre o autor - que a redução operada pela ré tenha desrespeitado o estatuído naquele art. 1º/2, conjugado com o anexo 1 dessa Lei.

Como assim, não se vê que a ré tenha violado a proibição da irredutibilidade da retribuição ao operar as variações enunciadas no ponto 25 dos factos provados.

Consequentemente, tem de proceder o recurso da ré.

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IV - Decisão

Deliberam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar improcedente o recurso interposto pelo autor e de julgar procedente o recurso interposto pela ré, com a consequente revogação da decisão recorrida no segmento em que condenou a ré a pagar ao autor as diferenças aludidas a fls. 142.

Custas pelo autor.

Coimbra, 27/6/2014.

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)