Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE MANUEL LOUREIRO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO PREVENTIVA DO TRABALHADOR PRÁTICA DE ACTOS DE ASSÉDIO SEXUAL NO LOCAL E TEMPO DE TRABALHO | ||
Data do Acordão: | 04/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – J2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL | ||
Legislação Nacional: | ARTº 29º/3/5 DO CT 2009 | ||
Sumário: | Justifica-se a suspensão preventiva do trabalhador pelo empregador se este desencadeia contra aquele procedimento disciplinar imputando-lhe na nota de culpa a prática de actos contra uma colega de trabalho, no local e tempo de trabalho, passíveis de serem integrados nos tipos de ilícito contra-ordenacional de assédio sexual, p.p. no artº 29º/3/5 do CT2009, e criminal de importunação sexual, p.p. no artº 170º do C. Penal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório O requerente propôs contra a requerida a presente providência cautelar comum, tendo deduzido os pedidos seguidamente transcritos: “Deve ser julgada procedente, por provada, a presente providência, e por via dela ser a requerida condenada a aceitar a prestação de trabalho do autor, nos termos em que vinha aceitando, com as mesmas funções, horários, retribuições e regalias que existiam até 26 de Outubro de 2017. Subsidiariamente, ser a requerida condenada a pagar ao requerente a retribuição integral, por referência ao quanto este recebia antes de ser suspenso preventivamente de funções, acrescido da viatura de serviço e plafond de telemóvel com internet ou, em alternativa, pagando o valor económico que tal benefício importa, nunca inferior a 300€. Condenando-se a requerida a pagar uma sanção pecuniária compulsória de 100€ por cada dia em que incumpra o pedido supra.”. Alegou o requerente, em resumo, que sendo trabalhador da requerida esta suspendeu-o preventivamente do exercício de funções, de forma ilícita, de tudo resultando para si um conjunto de danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve na petição, além de que durante a suspensão a requerida vem pagando ao requerente uma retribuição inferior à que é devida. A requerida deduziu oposição, pugnando pela improcedência da pretensão do requerente. Sustentou, em resumo, que é lícita a suspensão preventiva do requerente e que a retribuição que lhe vem sendo paga durante a suspensão corresponde à devida. O procedimento prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida decisão final que julgou improcedentes as pretensões deduzidas pelo requerente. Não se conformando com o assim decidido, apelou o requerente, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: “1. A sentença em crise fez um errado julgamento da matéria de facto e do Direito a aplicar ao caso sub judicie, designadamente: o facto dado como provado no ponto 10) não foi correctamente julgado; inexiste ordem de suspensão do trabalhador dada pelo Conselho de Administração Executiva; o direito de instaurar o processo disciplinar caducou; e, em todo caso, a suspensão preventiva do trabalhador não tem justificação. 2. No que respeita ao erro sobre o julgamento da matéria de facto, verifica-se que o facto dado como provado no ponto 10) [O Presidente do Conselho de Administração Executivo da requerida tomou conhecimento dos factos constantes no Relatório da DAI (e atinentes ao aqui requerente), em 05.09.2017, ratificada pelo Conselho de Administração Executivo, em sessão de 28.09.2017, tendo sido deliberado, conforme proposta, instaurar processo disciplinar ao requerente, com intenção de despedimento, bem como a suspensão preventiva do mesmo.], não se encontra correctamente julgado. 3. Porquanto, não há qualquer respaldo probatório, documental ou testemunhal, que permita concluir que a deliberação do Conselho de Administração Executivo foi no sentido de suspender preventivamente o trabalhador. 4. O que existe é uma proposta dos Recursos Humanos dizendo que se justifica a eventual suspensão do requerente. Tal proposta, enquanto tal, incluía uma eventualidade, que em todo o caso não se encontrava justificada, a que o CAE terá simplesmente dado o seu acordo não especificando, - como se impunha-, se o trabalhador deveria ser suspenso. 5. A fls. 81.º e 82.º do PP (despacho do conselho de administração executivo da requerida), não se pode concluir pela existência de qualquer ordem de suspensão do requerente emanada pelo CAE. 6. Desta forma, a parte final do facto 10 dado como provado, concretamente, a parte onde se refere: bem como a suspensão preventiva do mesmo, não poderia ser dada como provada. 7. A ser remediado o julgamento do facto 10, como se espera, inexiste qualquer ordem do Conselho de Administração Executivo ou qualquer Administrador, no sentido de suspender o requerente. 8. Não se encontra junta aos autos qualquer acta do Conselho de Administração Executivo e, dos manuscritos insertos na proposta DRH 33.../2017-09-05, também não resulta qualquer decisão sobre a eventual suspensão do trabalhador, não se reconhecendo ao trabalhador L... quaisquer poderes para o efeito, o qual por sua vez também não podia determinar ao Instrutor que suspendesse o trabalhador. 9. Conforme anota Diogo Vaz Marecos5 , «Salienta-se contudo que o Instrutor não poderá substituir o empregador ou o superior hierárquico em certos actos, como instaurar procedimento disciplinar, cfr. nº 4 do artigo 329.º, suspender preventivamente o trabalhador, cfr. n.º 5 do artigo 329.º e n.º 1 do artigo 354.º, comunicar a nota de culpa ao trabalhador, cfr. n.º 1 do artigo 353.º, ou proferir a sanção, cfr. n.º 1 do arigo 357.º Ao instrutor está reservada a redacção, por conta do empregador, de todos os documentos que se mostrem necessários ao procedimento disciplinar como a suspensão preventiva, a nota de culpa, a comunicação da intenção de despedir, e mesmo a decisão final. Contudo, não poderá assinar nenhum desses documentos. (…)» 10. Posto isto, notariamente inexiste qualquer decisão da empresa no sentido de suspender o trabalhador, donde a sua suspensão é inválida. 11. Entrando na caducidade de exercício do poder disciplinar, já que a mesma influirá necessariamente na (in)existência do Direito de a entidade empregadora suspender o trabalhador. 12. Resulta da nota de culpa reproduzida sob o ponto 18 dos factos provados: «5º Em 2017-07-14 foi dirigido à DAI um e-mail do Vogal do Conselho de Administração Executivo, com o Pelouro da área Comercial, Sr. H... (11649-8), com o seguinte teor: "Agradeço contacto urgente com a colaboradora D... (Gestora .../ 00...) a exercer funções no Balcão x.... Face aos factos que me foram descritos de natureza muito grave, interagi ontem com a DRH tendo-lhe sido disponibilizado apoio especializado. Aparentemente a estrutura não identificou a gravidade de situação, ocorrida no local de trabalho, agradeço assim que me seja dado reporte, ficando disponível para a interação necessária com as estruturas da Rede Retalho/DCC. (…)». 13. Resulta também dos factos provados que o requerente apenas foi notificado da nota de culpa em 26 de Outubro de 2017, portanto, dizemos nós, mais de 60 dias se passaram desde que o mencionado vogal tomou conhecimento dos factos e que o requerente foi notificado da nota de culpa. 14. Ora, não se poderá deixa de entender que alguém que vincule a entidade patronal não tenha ele próprio o poder disciplinar, de facto, H... , ou melhor H... , até outorgou (em conjunto com R...) a procuração forense constante dos autos. 15. Dispõe o artigo 408.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais: «As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos administradores, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade.» 16. Este preceito, conforme anota Alexandre Soveral Martins6, «é dedicado à representação passiva da sociedade perante notificações ou declarações de terceiros à sociedade. Estabelece aquele preceito que tais notificações ou declarações podem ser dirigidas as qualquer dos administradores. O que daí resulta é que, depois de chegarem ao poder ou serem conhecidas por qualquer um dos administradores, as notificações ou declarações de terceiros produzem efeitos perante a sociedade. (…) Se o administrador que recebe a notificação ou declaração à sociedade não dá conta disso aos restantes administradores, isso já não é um problema do terceiro. Nesse caso a sociedade é que deve sofrer as consequências da escolha que efectuou.» 6 Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. VI, Almedina, 2013., P. 457-458. 17. O artigo 329.º, n.º 2 do CT estabelece que o procedimento disciplinar se deva iniciar nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infracção. 18. A notificação da nota de culpa ao trabalhador ou o procedimento prévio de inquérito, quando necessário e desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo, interrompem a contagem do prazo de caducidade (n.º 3 do artigo 353.º e artigo 352.º do Código do Trabalho). 19. Contudo, face aos elementos do processo, em 13.07.2017 o Administrador H... tomou conhecimento dos factos. Entre essa data e a notificação da nota de culpa (26.10.2017) decorreram mais de 60 dias. 20. Igualmente, e caso se entendesse que se em 13.07.2017, houvesse apenas suspeitas de comportamento irregular, tornando necessária a instauração de um procedimento prévio de inquérito com vista à fundamentação da nota de culpa, a verdade é que não se reconhecendo à DAI qualquer competência disciplinar, mas mesmo que se entendesse ser esse um inquérito prévio, certo é que o mesmo foi concluído e 31-08-2017 (fls. 8 do PD) e o trabalhador não foi notificado da nota de culpa 30 dias despois desta data, ou mesmo 30 dias depois da entrega desse mesmo processo aos Recursos Humanos em 5.09.2017 21. Em face da presente constatação afigura-se existir uma caducidade do procedimento disciplinar, sendo ilícito o procedimento disciplinar e, por isso, a suspensão que ao abrigo do mesmo foi determinada. 22. Sem prescindir, inexiste de fundamento para suspender o trabalhador, dado não estar alegado qualquer inconveniente à presença do trabalhador no seu posto de trabalho no decorrer do procedimento disciplinar. Senão vejamos, 23. Conforme precedentemente foi referido, não se conhece, porque não existe nos autos, qualquer decisão emanada pelo CAE da requerida no sentido de suspender o trabalhador. 24. Mas se entender que o CAE aceitando a proposta DRH 33.../2017-09-05 aceitou a eventualidade de o trabalhador ser suspenso, o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio, certo é que tanto a proposta como o despacho nela inserto (e que terá como base uma deliberação do CAE, cujo conteúdo se desconhece) nada existe para fundamentar tal decisão. 25. Só na carta que notifica o requerente da nota de culpa, assinada pelo Instrutor, se encontra referido, no penúltimo parágrafo: «Informo ainda que nos termos da mesma decisão supra indicada [referindo-se à decisão do Presidente do CAE e Ratificação], foi ainda decidida a sua suspensão preventiva com a notificação da nota de culpa, sem perda de retribuição, por se mostrar inconveniente a sua presença dentro das instalações da B... durante a pendência do procedimento disciplinar.» 26. Antes deste comunicado do Sr. Instrutor do processo não havia qualquer palavra sobre a inconveniência de o trabalhador permanecer ao serviço e, se durante meses o requerente não foi inconveniente, também não seria a partir da notificação da nota de culpa que passaria a ser. 27. A suspensão do trabalhador ao abrigo do disposto no artigo 354.º, n.º 1 é uma das raras situações em que o empregador pode obstar à prestação efectiva de trabalho, mas é proibido que o faça injustificadamente – 129, n.º 1, alínea b) do CT. 28. Aliás, tem-se entendido que a suspensão preventiva do trabalhador realizada em violação dos requisitos legais confere ao trabalhador uma indemnização por danos não patrimoniais – 483º código civil, conforme decisão do STJ, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ae212de553015d4e8025746a0052ee51 29. Por assim ser, se a suspensão preventiva que não respeite os requisitos concede ao trabalhador direito de ser indemnizado, necessariamente o trabalhador tem direito, em sede cautelar, de ter tutela. 30. Na factualidade dada como provada, mostra-se assente que: 11 - O requerente vem desempenhando desde 12.06.2017 e até ao presente as funções de Gerente no Balcão de y..., tendo anteriormente exercido essas mesmas funções nomeadamente no Balcão de x.... ; 28 - (…) 3º Efectivamente, e em síntese, resulta dos factos que infra melhor se descreverão, que o trabalhador arguido, na data da prática dos factos colocado no Balcão de x..., adotou um comportamento inadequado, consubstanciado na prática de assédio sexual da trabalhadora D... (nº 00...), assédio que ocorreu nomeadamente em 02.06.2017; 4º Sendo certo que, a situação ocorrida em 02.06.2017 ocorreu no seguimento de, pelo menos, outra situação, ocorrida em Janeiro de 2017 na qual o trabalhador arguido fotografou, de forma inapropriada, a mesma trabalhadora D... . (…) 31. Assim, o processo disciplinar iniciou-se com a notificação da nota de culpa ao trabalhador requerente em 26 de Outubro de 2016 e a factualidade que lhe é imputada terá ocorrido em 02 de Junho de 2017, e outra em Janeiro de 2017, em circunstâncias de tempo, modo, motivações e intervenientes devidamente consolidadas, conforme referidas na nota de culpa. 32. Deste modo, o requerente já não está, por decisão da requerida, e por razões que, conforme resulta da nota de culpa, nada terão que ver com a imputação que lhe é feita (v. declarações de C... a p. 36 da nota de culpa), em funções no local onde a situação terá ocorrido, nem em contacto com a queixosa; 33. E quanto ao alegado móbil, a queixosa já terá inclusivamente logrado os seus intentos no que toca à situação do seu crédito. 34. Deste modo, não se vislumbra e não está justificada qual a inconveniência que existe para a requerida, para que o requerente se mantenha em funções. 35. Deve atentar-se que A suspensão preventiva não constitui uma sanção disciplinar nem, tão pouco, uma suspensão do contrato de trabalho, mas apenas uma renúncia temporária do empregador à prestação do trabalho, assente no pressuposto de que a presença continuada do trabalhador pode prejudicar o procedimento disciplinar ou o próprio inquérito (cfr. Júlio Vieira Gomes in “Direito do Trabalho”, vol. I, 2007, página 1008 e nota 2416). 36. Conforme escreve Diogo Vaz Marecos7, o empregador por se ter ou não decidido pela suspensão preventiva do trabalhador, não está condicionado na decisão final que vier a proferir a entender o comportamento disciplinarmente relevante do trabalhador como apto a tornar impossível a subsistência da relação laboral. 37. Continuando o mesmo autor, Inexistindo fundamento para proceder à suspensão, por a presença do trabalhador não se mostrar inconveniente, o empregador incorre na obrigação de indemnizar o trabalhador por danos não patrimoniais (art. 483.º do Código Civil) 38. Ora, entende o requerente que não tendo a suspensão por base qualquer inconveniente, que não existe e por isso não lhe foi dado a conhecer, tem a legítima interpretação de que a suspensão tem como propósito prejudicá-lo, transtorná-lo e agudizar a situação, agindo a requerida em manifesta má-fé e violando os seus deveres enquanto entidade patronal de ocupação efectiva do requerente. 39. Para lá dos direitos laborais do trabalhador, a conduta da requerida, atenta contra a sua integridade física e moral e reserva da intimidade da vida privada, violadora igualmente dos seus direitos de personalidade. 40. Aliás, e como se espera, provando-se a inocência do requerente, todo este período não poderá ser apagado, assim como o sentimento, transtorno e danos na sua saúde que tal situação lhe causa. 41. Sendo a suspensão preventiva ilegal a mesma redunda, na prática pelo empregador de uma violação ao direito à ocupação efectiva, devidamente consagrada no nº 1, alínea b), do artigo 129º do Código do Trabalho. 42. Conforme se escreveu no Ac. da STJ de 09-09-2015: No entanto, não se trata dum direito absoluto do trabalhador, pois como anotam Pedro Romano Martinez, Pedro Madeira de Brito e Guilherme Dray, a propósito daquela norma: “[E]m todo o caso, na medida em que se afirma que o empregador não pode obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, não deixa de ser dispensável o recurso à boa fé para efeitos de apuramento e concretização daquele conceito indeterminado. Como dispõe o nº 2 do artigo 762º do CC, o empregador (credor da prestação), no exercício do direito correspondente, deve proceder de boa fé. Importa apurar, caso a caso, se a não atribuição ao trabalhador de uma ocupação efectiva é ou não, à luz da boa fé, justificável, o mesmo é dizer, se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis…”. / Também Bernardo Xavier sustenta que a conduta do empregador em manter um trabalhador inactivo, mesmo pagando-lhe o ordenado, será de censurar quando constituir quebra do dever de boa-fé ou constitua um abuso do direito. 43. Ora, não se vislumbra qualquer utilidade para o desenvolvimento do processo disciplinar a suspensão do trabalhador, não estando justificada, devendo estar. 44. O artigo 354.º, n.º 1 do CT 2009 reza o seguinte: 1- Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição. 45. O artigo precedente, do CT 2003, era o 417.º, n.º 1, que determinava o seguinte: 1- Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador, sem perda de retribuição, sempre que a sua presença se mostrar inconveniente. 46. Por sua vez, o artigo 11.º, n.º 1 da LCCT determinava o seguinte: 1- Com a notificação da nota de culpa pode a entidade empregadora suspender preventivamente o trabalhador, sem perda de retribuição. 47. Da sucessão legislativa verificada resulta que a possibilidade de suspender o trabalhador no decurso do processo disciplinar terá de resultar de um inconveniente, dado que na primitiva redação (11.º da LCCT) não se impunha qualquer valoração acerca da suspensão. 48. A requerida, na sua oposição, alegou que a factualidade imputada ao requerente é grave e impunha que o requerente fosse afastado do seu local de trabalho, pois em qualquer local de trabalho, poderia reincidir na sua conduta assediante. 49. Ora, esta justificação da requerente assenta num pré-juízo sobre a culpabilidade do requerente, o que é de todo lamentável e tornaria, na prática, desnecessário qualquer processo disciplinar. 50. Julgando, sem apelo nem agravo, um trabalhador dedicado, com mais de 14 anos de casa, sem qualquer antecedente disciplinar o qual, por mérito reconhecido pela requerida, tinha ascendido à categoria de gerente de balcão. 51. Julgamos nós que, na boa interpretação dos Princípios de Direito, só será reincidente quem tenha praticado um facto devidamente apurado e demonstrado, o que necessariamente ainda não aconteceu, dado que o processo disciplinar ainda não findou. 52. Mas mais, na decisão (que já se disse entendemos que não partiu do CAE) deveria, ela própria, conter justificação o que não sucedeu. 53. O Tribunal a quo, a este respeito, não deu como provada a possibilidade de reincidência, face à inexistência de quaisquer factos demonstrativos dessa intenção alegados e imputados ao trabalhador arguido 54. O Tribunal a quo, em justificação da posição da entidade empregadora, exarou na sentença o seguinte: «No caso em apreciação, a suspensão preventiva do requerente foi efetuada com a notificação da nota de culpa, resultando da leitura da mesma as razões porque a presença do requerente no seu local de trabalho se mostra inconveniente. Ou seja, a suspensão preventiva decretada pela empregadora foi efetuada dentro da regra prevista no n.º 1 do art. 354.º do CT2009, e da leitura efetuada à nota de culpa atenta a gravidade e a natureza sensível dos factos que se lhe imputam, é compreensível que a presença do requerente no seu local de trabalho (pese embora, em balcão distinto daquele em que os factos alegadamente terão ocorridos), provoque mal-estar, constrangimentos, e incompreensão, com reflexos potencialmente negativos no desenrolar e conclusão do procedimento disciplinar, e eventual perturbação do mesmo, sendo legítimo à requerida/empregadora o poder lançar mão desse mecanismo por forma a precaver-se contra as desvantagens da presença do trabalhador no local de trabalho.» 55. Ora, não compreende o requerente, com base em que elementos de facto alegados pela requerida que necessariamente deveriam resultar do próprio processo disciplinar e da concreta comunicação ao requerente de suspensão, que mal-estar, constrangimentos, incompreensão, e que reflexos negativos poderá a sua presença ao serviço causar no desenrolar e conclusão do procedimento disciplinar. 56. Pelo contrário, o que resultou para o requerente da suspensão, para lá de questões patrimoniais, foi que: 12) Em consequência da suspensão preventiva, o requerente, que sempre foi saudável e enérgico, teve de recorrer a cuidados médicos. 13) Já que passou a estar num estado depressivo, sentindo-se angustiado e triste, com um sentimento de inutilidade, de falta de confiança e de auto-estima, e perturbações de sono. 14) De tal forma que lhe foi prescrita medicação com anti depressores (conhecidos como inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e ansiolítico. 57. 58. O que se procurou com a providência foi que o Tribunal a quo sancionasse a inexistência de justificação para que o trabalhador fosse suspenso, não se exigindo ao Tribunal que se imiscuísse ou substituísse a empresa na decisão de suspender. 59. O fumus boni iuris necessário à providência, existe porque o trabalhador tem direito à ocupação efectiva, dado que falece o direito da empresa em suspender o trabalhador. 60. No que respeita ao periculum in mora, sendo o requerente titular do direito potestativo de ocupação efectiva e, estando a requerida obrigada ao dever de ocupação efectiva daquele, existe violação de Direitos do requerente– cfr. o disposto nos artigos 120.º, alíneas c) e d), e 122.º, alínea b), ambos do Código do Trabalho, e ainda o disposto nos artigos 53.º, 58.º, n.º 1 e 2, mormente a alínea c), e 59.º, n.º 1 alínea b), da Constituição da República Portuguesa. 61. De facto conforme escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira 8 em anotação ao artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa, é sem dúvida significativo o facto de o direito ao trabalho ser o primeiro dos direitos económicos, sociais e culturais (…) Ele dispõe também de algumas importantes dimensões negativas ou de garantia, nomeadamente: (…) (c) direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho, sendo proibida a manutenção arbitrária do trabalhador na inactividade (colocação «na prateleira») ou a suspensão não justificada nos termos da lei(…). 62. Com a sua inactividade, o Requerente não se está a realizar profissionalmente, sofrendo danos na sua integridade física que se tendem a agudizar. 63. Também o requerente, sofre diminuições patrimoniais como seria o uso da viatura, e Direitos que dependem de assiduidade, como o caso de promoções, direito a férias (na medida em que passa o ano civil suspenso).”. Contra-alegou a apelada, pugnando pela improcedência da apelação. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação. Colhidos os vistos legais, importa decidir. * II - Principais questões a decidir* Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 2ª) se ocorreu caducidade do direito de exercício do poder disciplinar por parte da apelada; 3ª) se é ilícita a suspensão preventiva de trabalhador que a apelada impôs ao apelante. * III – Fundamentação A) De facto A primeira instância descreveu como provados os factos seguidamente transcritos: “1) O Requerente é funcionário da requerida desde 20.01.2003, detendo atualmente a categoria profissional de Gerente, desde 02.05.2016, encontrando-se colocado no balcão de y..., desde 12.06.2017. Dá-se ainda como provado que consta da nota de culpa deduzida pela apelada e notificada ao apelante, o seguinte: 23º Em 02.06.2017. pelas 11:00h, o A...., ora arguido, enviou uma mensagem à trabalhadora D... questionando-a se esta não o ia comer. 24º Decorrida, aproximadamente uma hora e meia, a trabalhadora D... deslocou-se à cave do balcão de .... para encher uma garrafa de água, na máquina dispensadora de água situada naquele local do balcão de .... 25º Nesse momento, ao encher a garrafa naquele dispositivo e debruçando-se sobre o mesmo dispositivo, foi surpreendida pelo gerente, Sr. A...., ora arguido, que, por trás, agarrou a referida trabalhadora D...., apalpou-a nas partes intimas e disse à mesma "tenho aqui um preservativo no bolso. Vamos lá?". * B) De direitoPrimeira questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada. No ponto 10º) dos factos descritos como provados, deu-se como demonstrado que “O Presidente do Conselho de Administração Executivo da requerida tomou conhecimento dos factos constantes no Relatório da DAI (e atinentes ao aqui requerente), em 05.09.2017, ratificada pelo Conselho de Administração Executivo, em sessão de 28.09.2017, tendo sido deliberado, conforme proposta, instaurar processo disciplinar ao requerente, com intenção de despedimento, bem como a suspensão preventiva do mesmo.”. Pretende o apelante que se altere o assim enunciado, de forma a que do aludido ponto se elimine o segmento “… bem como a suspensão preventiva do mesmo.”. Não acompanhamos o apelante. Assente, a nosso ver, que a DRH propôs efectivamente a instauração de procedimento disciplinar, com intenção de despedimento e suspensão do apelante de funções, importa não perder de vista que essa proposta foi presente ao Presidente do Conselho de Administração Executivo da apelada que, no dia 5/9/2017, despachou nos seguintes de termos: “De acordo, a ratificar em CDE”. A significar que tal Presidente acolheu integralmente aquela proposta da DRH, incluindo o segmento nela contido de suspensão do trabalhador, decidindo integralmente no sentido da proposta e sujeitando a sua decisão a ulterior ratificação do Conselho de Administração Executivo da apelada. Finalmente, de fls. 81 consta a informação, cuja autenticidade não se logra fundamento para ser colocada em causa[3], que aquela decisão de 5/9/2017 foi ratificada pelo Conselho de Administração Executivo da apelada de 28/9/2017. Deve subsistir intocado, assim, o ponto 10º) dos factos descritos como provados, improcedendo o recurso fáctico do apelante. + Segunda questão: se ocorreu caducidade do direito de exercício do poder disciplinar por parte da apelada.
Admitindo-se, apenas por comodidade de raciocínio e porque tal não se afigura incontroverso, que na sua petição inicial o apelante tivesse suscitado a questão da caducidade do direito de exercício de acção disciplinar por parte da apelada (art. 13º), o certo é que tal questão não foi abordada na sentença recorrida. A caducidade decorrente do cominado no art. 329º/2 do CT/2009 está-o em matéria que não está excluída da disponibilidade das partes, não sendo por isso de conhecimento oficioso (arts. 303º e 333º do CC), não tendo o tribunal recorrido conhecido dessa excepção e não tendo o apelante arguido qualquer nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia. Neste enquadramento, não pode este tribunal conhecer da questão da caducidade invocada na apelação. + Terceira questão: se é ilícita a suspensão preventiva de trabalhador que a apelada impôs ao apelante. No caso em apreço e como resulta dos factos provados, o aqui apelante foi suspenso preventivamente do exercício de funções conjuntamente com a notificação da nota de culpa – pontos 7 e 8 dos factos descritos como provados. Como assim, tratando-se de suspensão preventiva do trabalhador que foi decidida antes da notificação da nota de culpa mas que apenas veio a ser implementada com a notificação de tal peça, deve aplicar-se o art. 354º/1 do CT/2009, nos termos do qual “Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.”. Resulta da norma acabada de transcrever que a lei faz depender a licitude da ordem de suspensão preventiva do trabalhador contemporânea da notificação da nota de culpa de dois requisitos, a saber: i) registar-se uma situação de inconveniência da presença do trabalhador na empresa; ii) manter-se o pagamento ao trabalhador da retribuição. A divergência instalada nestes autos entre apelante, apelada e tribunal recorrido relaciona-se, nesta fase recursiva, com a (in)verificação do primeiro dos apontados requisitos. A regra numa relação laborar é a de que o trabalhador preste a sua actividade laboral ao empregador, mesmo nas situações em que este desencadeie contra aquele uma acção disciplinar; excepcional e cautelarmente, com a notificação da nota de culpa o empregador pode suspender o trabalhador se a presença do mesmo na empresa for inconveniente. Por outro lado, mesmo a entender-se que nessas situações o empregador não necessita de fundamentar a suspensão porque as razões dessa inconveniência resultarão da própria nota de culpa, ou seja, da descrição dos factos aí imputados ao trabalhador preventivamente suspenso (Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, p. 213), menos certo não é que esse juízo do empregador relativo à inconveniência não pode deixar de ser passível de sindicância judicial, sob pena de se consentirem possíveis arbitrariedades por parte do empregador concretizadoras de violações do direito à ocupação efectiva consagrado no art. 129º/1/b do CT/09. Torna-se necessários, assim, encontrar um ponto de equilíbrio entre o direito do empregador à suspensão preventiva do trabalhador, por um lado, e o direito à ocupação efectiva por parte do trabalhador, por outro lado. A significar que aquele conceito indeterminado de “presença inconveniente” exige um esforço de densificação concretizadora por forma a que os factos reais submetidos à apreciação jurisdicional em matéria de sindicância de decisões de suspensão preventiva de trabalhadores possam integrar-se em situações de suspensões lícitas ou de suspensões lesivas do direito à ocupação efectiva dos trabalhadores Tudo está em saber, assim, quando é que a presença de um trabalhador se torna inconveniente pela circunstância de contra ele ter sido exercida a acção disciplinar pelo empregador. Estarão em causa, desde logo, aquelas situações em que a presença do trabalhador contende com a condução do processo disciplinar pelo empregador em plena liberdade, gerando dificuldades para a instrução, designadamente no que respeita à aquisição, conservação ou veracidade da prova. Num outro plano estarão aquelas situações em que a simples presença do trabalhador gera riscos de continuação de actividades ilícitas, em qualquer das dimensões que essa ilicitude pode manifestar-se. Num terceiro plano estarão aquelas situações em que os factos ilícitos imputados ao trabalhador sejam de uma gravidade tal que a simples presença do mesmo no seu meio de trabalho possa representar uma fonte de riscos: i) para a imagem da organização empresarial do empregador; ii) para a disciplina no trabalho absolutamente necessária para o bom funcionamento de qualquer organização e, por essa via, para a sua produtividade; iii) para o ambiente de trabalho que se pretende sadio e pautado por valores como os de respeito recíproco e de obediência hierárquica. Ora, no caso em apreço, a entidade empregadora assumiu a responsabilidade de acusar o trabalhador da autoria, em relação a uma subordinada hierárquica, de actos praticados no local e no tempo de trabalho, passíveis de integrar a prática do ilícito contra-ordenacional de assédio sexual p. e p. no art. 29º/3/5 do CT/09, bem assim como do criminal de importunação sexual p. e p. no art. 170º do CP. Por outro lado, é sabido que a sociedade em geral, incluindo a portuguesa, tem vindo a ganhar, justificadamente, uma consciencialização cada vez mais apurada e tem dedicado uma atenção crescente no que concerne aos temas relacionados com a violação dos direitos humanos, entre os quais se inclui a violência de género de que o assédio sexual constitui uma das formas mais típicas e correntes. Basta recordar, apenas a título de exemplo: i) a proliferação de instrumentos normativos relacionados com tal temática[5]; ii) a proliferação de estudos e obras incidindo sobre a mesma temática[6]; iii) a multiplicação de organizações que dedica o cerne da sua actividade à promoção da igualdade de género e ao combate à violência contra as mulheres[7]. Por outro lado e também como decorrência do referido no antecedente parágrafo, importa não perder de vista a crescente censura ético-social que a sociedade portuguesa vem protagonizando relativamente a situações de violência de género de que o assédio sexual constitui uma das formas mais típicas e correntes. Além disso, importa não perder de vista o interesse e atenção crescentes que a comunicação social vem dedicando à violência de género em geral e ao assédio sexual em especial, assumindo os media uma importância crescente neste âmbito, não apenas como instrumento de visibilidade crescente e de conscientização, mas também como meio de denúncia pública, de tudo emergindo uma exteriorização e publicitação crescentes e sem retorno desse tipo de violência, assim como uma mobilização crescente de diferentes sectores da sociedade no sentido de se exigir uma actuação cada vez mais intensa contra este tipo de situações, seja a nível preventivo, seja a título repressivo. A demonstrá-lo está, como é público e notório, o número crescente de notícias nos diferentes órgãos de comunicação, com particular relevo para a televisão, sobre a temática em questão[8]. Finalmente, importa não perder de vista que a apelada opera num sector de actividade fortemente concorrencial e em que se exige respeito intransigente por valores como a confiança, a ética, a transparência, o rigor, o respeito, a honestidade, a responsabilidade, a boa-fé na actuação das instituições que integram aquele sector e de todos aqueles que no âmbito das mesmas exerçam desempenhos profissionais. Em face de tudo quanto vem de referir-se facilmente se percebe que seria uma importante fonte de riscos para a imagem pública da apelada, enquanto organização empresarial bancária, manter em efectivo desempenho funcional em qualquer das suas unidades orgânicas um trabalhador contra o qual desencadeou uma acção disciplinar associada à prática por aquele de comportamentos passíveis de serem integrados nos tipos de ilícito acima referenciados e que visam prevenir e punir situações de assédio sexual, sobretudo se a apelada dispunha e se tivesse abstido de dele se socorrer de um mecanismo legal[9] que lhe permitia afastar preventivamente aquele trabalhador daquele desempenho no decurso do procedimento disciplinar. A possível denúncia pública de uma situação desse jaez, eventualmente amplificada pela sua difusão reiterada pelos diferentes órgãos de comunicação social, geraria riscos de identificação da apelada enquanto organização complacente com práticas de assédio sexual no sentido top-down entre trabalhadores seus e nos próprios local e tempo de trabalho, facilmente se antevendo os danos nefastos e irreparáveis que daí emergiriam para a imagem pública da apelada. Assim sendo e nesse enquadramento, justifica-se que a apelada tenha considerado inconveniente a manutenção do apelante em exercício de funções e que, por isso, o tenha suspendido preventivamente daquele exercício. Deve ser negativa, assim, a resposta a esta questão. * Acordam os juízes que integram esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Coimbra, 12/4/2018. ..................................... (Jorge Manuel Loureiro) ........................................ (Paula Maria Roberto) ................................. (Ramalho Pinto)
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