Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S4104
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
SUSPENSÃO PREVENTIVA
DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
Nº do Documento: SJ200804020041044
Data do Acordão: 04/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I - Em acção destinada a apreciar da licitude, ou não, da resolução do contrato, não é atendível a invocação pelo trabalhador, de que lhe foi instaurado pelo empregador um processo disciplinar “forjado” e de que lhe foi transmitida uma injustificada ordem de transferência do seu local de trabalho, se na declaração escrita de resolução do contrato não invocou tais fundamentos.
II - A suspensão preventiva do trabalhador não constitui uma sanção disciplinar nem, tão-pouco, uma suspensão do contrato de trabalho, mas apenas uma renúncia temporária do empregador à prestação do trabalho, assente no pressuposto de que a presença continuada do trabalhador pode prejudicar o procedimento disciplinar ou o próprio inquérito.
III - Enquanto medida provisória no quadro do procedimento laboral, a suspensão preventiva só deve ser sindicada judicialmente para efeitos de eventual declaração da sua ilicitude e, sendo caso disso, para a consequente responsabilização civil do empregador pelos danos porventura causados.
IV - Daí que tal medida, ainda que ilícita, não tenha a virtualidade, só por si, de integrar uma causa subjectiva de resolução contratual por banda do trabalhador, a menos que, cumulativamente, se surpreenda no comportamento do empregador uma violação do dever de ocupação efectiva.
V - A fundamentação do dever de ocupação efectiva entronca no princípio geral de boa fé, que as partes devem observar, tanto no cumprimento das obrigações, quanto no exercício do dever correspondente.
VI - Não se verifica a violação do referido dever se o empregador suspende preventivamente o trabalhador e lhe remete, posteriormente, antes de decorrido o prazo de 30 dias previsto na lei (art. 417.º, n.º 2, do CT), a nota de culpa, onde anuncia a intenção de lhe aplicar a sanção de “repreensão por escrito”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça




1- RELATÓRIO



1-1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Portimão, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “B…. Hotéis – S…. de P….. e E…. T…… Lda.”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe os montantes discriminados na P.I., quer retributivos – férias, respectivos proporcionais, subsídios de férias e de Natal, trabalho suplementar e trabalho prestado em dias feriados – quer indemnizatórios – decorrentes da resolução com justa causa, que operou, do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
A ré contraria todos os fundamentos aduzidos e reclama, por via disso, a improcedência total da acção.
1-2
Instruída e discutida a causa, a 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente:
1 – Condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 216,18, a título de remanescente do salário relativo a Julho de 2004 e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de cessação do contrato, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento;
2 – absolvendo-a de tudo o mais peticionado.
Sob apelação da Autora o Tribunal da Relação de Évora confirmou integralmente a sentença apelada.
Em síntese, convergiram as instâncias no entendimento de que à Autora apenas era devida a quantia arbitrada e que, ademais, não lhe assistia motivo bastante para operar a resolução do vínculo – embora a Ré tivesse violado regras procedimentais ao suspender preventivamente a demandante.
1-3
Continuando irresignada, a Autora pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
2 – tendo a A. sido suspensa do exercício das suas funções sem a precedência de um processo disciplinar, assistia-lhe o direito de rescindir com justa causa o seu contrato de trabalho e, consequentemente, de ser indemnizada;
2 – tanto mais que, face à matéria que foi dada como não provada quanto aos fundamentos invocados pela entidade patronal para pretender proceder à transferência do local de trabalho da A., também se encontra justificado que esta pudesse rescindir com justa causa o seu contrato de trabalho e, consequentemente, ser indemnizada;
3 – nem mesmo a R., quando instaurou um processo disciplinar à A. (numa altura em que o contrato já estava rescindido!) considerou que fosse necessária a sua suspensão;
4 – o próprio processo disciplinar só foi instaurado como resposta à rescisão do contrato com justa causa e não tinha qualquer suporte factual na instrução que lhe serviu de base, tendo como propósito “tapar o sol com uma peneira”;
5 – a suspensão da A. do exercício das suas funções sem base legal, o processo disciplinar forjado e o propósito de transferi-la de local de trabalho, igualmente sem qualquer fundamento, visavam unicamente que esta não pudesse desempenhar as suas funções no Aparthotel B….., em Armação de Pêra, e diminui-la perante os demais colegas de trabalho;
6 – face à conduta da R, que suspendeu preventivamente a A. sem base legal, e todo o seu comportamento posterior são elucidativos de que a entidade patronal criou uma situação de imediata impossibilidade de subsistência do contrato;
7 – à recorrente devia igualmente ter sido fixada a quantia de € 6.717,63, referente à indemnização pela cessação do contrato com justa causa, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, a acrescentar aos montantes que lhe foram atribuídos, sendo que estes devem ser corrigidos de acordo com o vencimento respeitante à categoria profissional da A. (gerente);
8 – ao não ter decidido assim, o Tribunal recorrido violou os art.ºs 441º nº1 e 2 al. B) e 443 nº1 do Código do Trabalho.
1-4
A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
1 -5 A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, cujo douto Parecer não mereceu resposta das partes, entende que a revista deve ser concedida na parte referente à “justa causa” da resolução.
1 -6
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2 – FACTOS
As instâncias fixaram a seguinte factualidade:
1- a A. foi admitida ao serviço da R. em dia não concretamente apurado, mas situado no ano de 1999, para, sob a orientação e fiscalização desta, mediante retribuição e em regime não permanente, colaborar com a direcção do estabelecimento hoteleiro “Aparthotel B…..”, explorado pela R. e situado na R. Prof. ………, lote …., Armação de Pêra, Silves;
2 – a colaboração referida em 1- traduzia-se em breves deslocações àquele estabelecimento, com a finalidade de recolher o dinheiro das caixas registadoras, verificar a normalidade do dia-a-dia da recepção e, eventualmente, resolver algum incidente em caso de necessidade;
3 – como contrapartida, a A. auferia pelo seu trabalho a retribuição mensal ilíquida de € 308,99;
4 – A A. trabalhava ainda em Armação de Pêra, Concelho de Silves, para a sociedade “C….. – S….. de M….. I…… Lda.”, onde exercia as funções de escriturária principal no estabelecimento da propriedade desta Sociedade Comercial, sito na Rua ……, Edifício N…., Lote …, Loja …, freguesia de Armação de Pêra, Concelho de Silves, com o horário das 9h às 12h 30 e das 14h às 18h30;
5 – explorava também a A. o estabelecimento comercial denominado “Churrasqueira B…..”, instalado na Rua ….., Edifício J….., lote …., loja ….., freguesia de Armação de Pêra, concelho de Silves;
6 – os locais de trabalho da A. na R. e na “C…..”, a “Churrasqueira B…..” e a sua própria residência distam uns dos outros cerca de cem metros;
7 – no dia 2/7/04, encontrava-se a A. a desempenhar as suas funções nas indicadas instalações da sociedade “conjuntura”, quando foi interpelada pelo sócio-gerente daquela sociedade, e que também é sócio-gerente da R., de nome BB, engenheiro civil, casado, residente na Rua D……., nº….., em Faro, o qual teve uma conversa a sós com a A., após o que esta deixou de trabalhar para a sociedade “C……”;
8 – em data não concretamente apurada, mas situada entre 2 e 12 de Julho de 2004, a R. suspendeu preventivamente a A. do exercício das suas funções ao serviço dela, R., sem precedência do processo disciplinar, obstando a que a A. realizasse a sua actividade na “B….. Hotéis”;
9 – em 16/7/04, a A. enviou à R. uma carta registada com A/R, datada do mesmo dia, junta a fls. 9 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, em que a A. designadamente afirma: “venho pela presente comunicar o meu propósito de resolver com justa causa o contrato de trabalho entre nós existente. Na verdade, desde o dia 02/07/2004 que, por comunicação verbal efectuada pelo Eng. CC, me encontro suspensa do exercício das minhas funções. Estou, assim, sem qualquer justificação, impedida de trabalhar. Assim, o contrato entre nós existente deixará de vigorar a partir da recepção da presente”, recepção que ocorreu a 19 de Julho de 2004;
10 – em carta datada de 19/7/2004, a R. enviou à A. nota de culpa, no âmbito de processo disciplinar instaurado contra ela, sem a suspender por escrito, nota que consta de fls. 18 e segs. e que se dá aqui por reproduzida;
11 – no mesmo dia 19 de Julho de 2004, a R. expediu uma ordem de transferência da A., por 6 meses, para outras instalações da R. sitas em Faro, Av. ……….., …, cave, que devia ocorrer a 28/7/04, alegando “ necessidade de fazer face a acréscimo extraordinário de trabalho na delegação de Faro, nomeadamente para suprir a ausência de outra trabalhadora em licença de maternidade, sendo necessário e indispensável a realização nesse local de trabalhos pela trabalhadora acima referida”;
12 – a sociedade R. informou ainda a A. de que lhe seria fornecido, como usualmente, viatura automóvel, bem como a sociedade R. custearia todas as despesas de transporte;
13 – corre termos neste Tribunal uma acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, com o nº …./…..TTP-IM, intentada pela A. contra a referida “C…… – S…… de M….. I…… Lda.”, por também ter posto termo ao contrato de trabalho com essa sociedade por se encontrar suspensa do exercício das suas funções, com o alegado propósito de a quererem transferir para delegação de Faro;
14 – a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2004, e de remuneração do mês da cessação do contrato de trabalho, Julho de 2004” a R. pagou à A. a quantia de €308,99, indicada no documento junto a fls. 92 dos autos, relativa à retribuição do referido mês de Julho e a quantia de € 169,94, indicada no documento junto a fls. 111 dos autos, relativa a subsídio de Natal;
15 – durante o tempo que se manteve ao serviço da R., a A. gozou as respectivas férias em períodos não concretamente apurados.
São estes os factos.
*
3 – DIREITO
3-1
Perante as alegações produzidas na revista e, mormente, o seu núcleo conclusivo, verifica-se que a recorrente retoma, nesta sede, as questões nucleares que já colocara na apelação, a saber:
1ª – se existe, ou não, justa causa para a resolução, que operou, do contrato de trabalho que a ligava à Ré e, consequentemente, se lhe assiste, ou não, o direito indemnizatório que reclama com esteio nesse fundamento;
2ª – se a Autora tem, ou não, direito à categoria de gerente e à retribuição correspondente.
Passemos à sua análise.
3-2-1
No caso dos autos, atenta a data em que se operou a resolução do vínculo laboral – 19/7/2004 – o complexo normativo atendível é o que emerge do Código do Trabalho (art.º 8º nº1 “in fine” a contrario” e 9º al. c) da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto).
Nos termos do art.º 441º nº1 daquele compêndio adjectivo, “ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato”.
A justa causa pode ter natureza subjectiva ou objectiva.
Restringindo-nos à primeira modalidade – como aqui importa – dir-se-á que a mesma se verifica quando o empregador falte culposamente aos deveres emergentes do Contrato, nomeadamente aqueles que vêm exemplificativamente enunciados no nº2 daquele preceito.
Apesar disso, o trabalhador não pode resolver o contrato, por justa causa subjectiva, com arrimo na simples violação, pelo empregador, de uma das suas obrigações legais ou contratuais: torna-se ainda necessário que o comportamento aduzido, além de ilícito e culposo, seja de tal modo grave, em si mesmo e nas suas consequências, que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Embora o Código do Trabalho seja omisso acerca do conceito de “justa causa” subjectiva, para efeitos de resolução do vínculo por iniciativa do trabalhador, deve entender-se que, nesta sede, importa coligir, com as necessárias adaptações, o conceito de justa causa enunciado legalmente para efeitos de despedimento – art.º 396º nº1 do referido diploma.
O art.º 441º nº4, ao remeter expressamente para o nº2 daquele preceito, dissipa quaisquer dúvidas que pudessem subsistir sobre a questão.
Ora, o nº2 daquele art.º 396º determina que “para apuramento da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”.
Relativamente aos procedimentos, a cargo do trabalhador, para operacionalizar a ruptura do vínculo, dispõe como segue o art.º 442º nº1 do Código do Trabalho:
“ A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos”.
E, segundo o seu art.º 443º nº3, “Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº1 do artigo 442º”.
O Regime enunciado nos preceitos transcritos coincide substancialmente – afora a dilatação do prazo de 15 para 30 dias – com aquele que já constava do art.º 34º da L.C.C.T. : também aí se falava em “indicação sucinta dos factos”, como se prescrevia igualmente que apenas seriam atendíveis, “…para justificar judicialmente a rescisão, os factos indicados na comunicação” (nºs 2 e 3, respectivamente).
3-2-2
Ao tentar demonstrar a “justa causa” da resolução contratual que operou, a Autora colige na acção três fundamentos:
- a suspensão ilegal, que lhe foi imposta pela Ré, do exercício das suas funções;
- a instauração de um processo disciplinar “forjado”;
- a injustificada ordem de transferência do seu local de trabalho.
Recordemos antes de mais, a motivação invocada na carta resolutiva:
“Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 441º nº1 e nº2 alínea B) do Código do Trabalho, venho pela presente comunicar o meu propósito de resolver com justa causa o contrato de trabalho entre nós existente.
Na verdade, desde o dia 02/07/2004 que, por comunicação verbal efectuada pelo Eng.º CC, me encontro suspensa do exercício das minhas funções.
Estou assim, sem qualquer justificação, impedida de trabalhar.
Assim, o contrato entre nós existente deixará de vigorar a partir da recepção da presente” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Como se vê a Autora apenas convoca na carta, em abono da sua decisão, um único facto: a suspensão laboral que lhe foi imposta.
Por isso – e à luz do quadro procedimental acima enunciado – é também este o único fundamento a que o Tribunal pode atender na ponderação da justa causa resolutiva.
É dizer, enfim, que de nada releva, neste plano, a ordem de transferência implementada pela Ré.
Pelo mesmo motivo, debalde se afadiga a Autora em convocar agora a instauração do processo disciplinar, aplicando-o de “forjado”, por entender que o mesmo apenas consubstancia uma reacção da empregadora à carta resolutiva do vínculo laboral.
Aliás, a irrelevância desses dois fundamentos também decorre da sua temporalidade: tanto o processo disciplinar, quanto a ordem de transferência, foram accionados pela Ré numa altura em que o contrato já cessara por virtude da dita carta resolutiva.
Deste modo, deve a nossa pronúncia circunscrever-se à mencionada suspensão de funções.
3-2-3
No âmbito do regime geral da acção disciplinar, é lícito à entidade patronal determinar a suspensão preventiva do trabalhador, “…se a presença deste se mostrar inconveniente” – art.º 371º nº3 do Código do Trabalho.
Por via de Regra, tal suspensão deve coincidir com a notificação da nota de culpa – art.º 417º nº1 – podendo, contudo, precedê-la, ali ao limite máximo de 30 dias, “… desde que o empregador, por escrito, justifique que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a sua presença na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de dois factos, e que não foi ainda possível elaborar a nota de culpa” – nº2 do mesmo preceito.
A suspensão preventiva não constitui uma sanção disciplinar nem, tão pouco, uma suspensão do contrato de trabalho, mas apenas uma renúncia temporária do empregador à prestação do trabalho, assente no pressuposto de que a presença continuada do trabalhador pode prejudicar o procedimento disciplinar ou o próprio inquérito (cfr. Júlio Vieira Gomes in “Direito do Trabalho”, vol. I, 2007, página 1008 e nota 2416).
Enquanto medida provisória no quadro do procedimento disciplinar laboral, a suspensão preventiva só deve ser sindicada judicialmente para efeitos de eventual declaração da sua ilicitude e, sendo caso disso, para a consequente responsabilização civil do empregador pelos danos porventura causados.
Queremos com isto significar que tal medida, ainda que ilícita, nunca tem a virtualidade, só por si, de integrar uma causa subjectiva de resolução contratual por banda do trabalhador.
A menos que, cumulativamente, se surpreenda no comportamento do empregador uma violação do dever de ocupação efectiva.
Assim, podemos já adiantar que a pretensão da Autora só vingará se concorrerem, no caso, os pressupostos dessa violação.
3.2.4.
Após longa polémica sobre a sua aceitação no ordenamento jurídico português, a existência de um dever de ocupação efectiva mostra-se agora positivamente consagrado no art.º 122º al. B) do compêndio substantivo laboral, ao expressar que o empregador não pode “obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho”.
A fundamentação desse dever entronca num princípio geral de boa fé, que as partes devem observar, tanto no cumprimento das obrigações, quanto no exercício do dever correspondente – art.ºs 119º do C.T. e 762º nº2 do C.C. (cfr. Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 3ª edição, Abril de 2006, pág. 510).
Uma das emanações desse princípio geral de boa fé é o princípio da igualdade de tratamento, que a entidade patronal deve conferir a todos os seus trabalhadores: à sua luz, mal se entenderia que fosse discricionariamente permitido a essa entidade atribuir ocupação a alguns deles e manter outros em situação de inactividade.
Ademais, sabendo-se que a colaboração creditória assume particular relevo na contratação laboral, torna-se mister que o empregador disponibilize as condições materiais e organizativas bastantes para que o trabalhador exercite, em termos adequados, a sua prestação laboral.
Uma prestação eficaz não reverte apenas em benefício da entidade patronal: ao trabalhador também assiste o direito de implementar a sua realização pessoal e a sua formação profissional.
A actual visão do “trabalho” já ultrapassou, há muito, os paradigmas da “fonte de rendimento” e dos “meios de subsistência”, para ser reconhecido como uma forma de dignificação social do trabalhador.
Deste modo, facilmente se percebe que os obstáculos, propositadamente criados ao exercício da prestação laboral, sejam havidos como factores de inaceitável perturbação daqueles princípios.
O direito do trabalhador à ocupação efectiva é tão relevante que a lei confere ao seu titular a faculdade de exigir do empregador a atribuição das tarefas contratadas – ou de outras equivalentes, para as quais tenha a necessária aptidão – recorrendo, para isso, à figura da sanção pecuniária compulsória (art.º 829ºA do Código Civil).
A par disso, também lhe confere o direito a ser ressarcido dos prejuízos decorrentes da inactividade e, bem assim, de resolver o contrato com justa causa, por violação de uma das suas garantias legais – art.º 441º nº2 al. B) do Código do Trabalho.


3-2-5
Conforme decorre do exposto, o Tribunal pode ser chamado a apreciar a medida de suspensão preventiva em dois contextos distintos:
- para simples aferição da sua ilicitude e eventual ressarcimento dos prejuízos causados ao trabalhador;
- para apreciação da resolução do vínculo laboral com justa causa.
Esta última situação é, justamente, aquela que corresponde ao concreto dos autos.
Retornando à factualidade provada, apenas se sabe que a Ré “ suspendeu preventivamente” a autora do exercício das suas funções, fazendo-o em data não concretamente apurada mas situada entre 2 e 12 de Julho de 2004.
É de todo evidente que essa medida foi indevidamente aplicada por duas razões:
- não coincidiu com a notificação de qualquer nota de culpa;
- não foi acompanhada sequer de alguma justificação escrita.
Apesar disso, a Autora não podia ignorar que se tratava de uma “suspensão preventiva”, que é algo bem diferente da mera colocação do trabalhador em situação de inactividade.
O carácter “preventivo” da suspensão logo deveria alertar a Autora para a existência – ou iminência de instauração – de um processo disciplinar.
Deste modo, enquanto não decorresse o prazo máximo de 30 dias sobre a ordem de suspensão, de que a Ré dispunha para notificar à Autora a nota de culpa – art.º 417º nº2, acima mencionado – estamos em crer que o referido comportamento da empregadora continuava circunscrito à ilegalidade - manifesta – da medida adoptada, mas não podia exorbitar ainda para o fundamento da decisão resolutiva (sem embargo, naturalmente, da reacção que a demandante podia logo desencadear contra essa ilegalidade).
Se, ao invés, a nota de culpa não lhe fosse entregue no sobredito prazo, então sim, já teria a Autora motivo bastante para considerar que a suspensão configurava uma situação de inactividade totalmente descabida e gravemente violadora do seu direito à prestação laboral.
Nem se diga que, nesse caso, a Autora corria o risco de ver esgotado o prazo (para accionar a resolução) previsto no art.º 442º nº1: por se tratar de uma infracção continuada, a contagem desse prazo só se iniciaria com a cessação do comportamento infractor da Ré.
Sucede que a Ré enviou uma nota de culpa à Autora através de carta datada de 19 de Julho de 2004 – antes, pois, do decurso dos falados 30 dias – em cuja missiva anunciava o propósito “ de a repreender por escrito”, não aludindo a qualquer suspensão.
É dizer que a anterior medida preventiva caducava com a recepção dessa carta.
Assim, à luz do entendimento que expressámos, apenas assistia à Autora o direito de impugnar a “suspensão preventiva” que a atingiu, e de reclamar o ressarcimento por eventuais prejuízos que essa medida lhe tivesse causado.
Em contrapartida, já não lhe era facultado resolver o vínculo com a Ré.
3-2-6
Mas, ainda que se entendesse o contrário – isto é, que a Autora podia accionar o mecanismo resolutivo – não vemos que, no contexto em análise, tivesse razões bastantes para o fazer.
Desde logo, perante a factualidade provada e o ónus probatório que cabia à Autora, não poderíamos considerar que a suspensão preventiva tivesse ocorrido antes de 12 de Julho de 2004.
Acontece que a demandante, sem questionar a Ré sobre os motivos da sua suspensão, logo se apressou, quatro dias volvidos, a resolver o contrato.
Acresce que a actividade laboral contratada se limitava a “breves deslocações” ao estabelecimento hoteleiro da Ré, presumivelmente fora do horário laboral (completo) que a Autora mantinha com outra empresa: essa particularidade não poderia deixar de ser relevada na ponderação dos prejuízos que, no caso, a Autora havia de sofrer com a sua inactividade, tudo a aconselhar prudência acrescida na decisão de resolução do vínculo.
Não devemos esquecer que o direito de ocupação efectiva só resultará violado se se evidenciar má fé do empregador.
Ora, este é um pressuposto fundamental cuja verificação não lograríamos alcançar no contexto dos autos.
Embora a Ré tivesse violado grosseiramente as regras procedimentais a que deve obedecer o decretamento da “suspensão preventiva”, não poderia dessa violação inferir-se, sem mais, que tivesse havido, da sua parte, um propósito de marginalizar a Autora no seio da empresa e no confronto com os demais trabalhadores.
Ora – já o dissemos – a justa causa resolutiva pressupõe um comportamento culposo da entidade patronal, violador dos deveres legais ou contratuais do trabalhador, de que resultam efeitos de tal modo graves que determinem a impossibilidade da manutenção da relação laboral.
É necessário, em suma, que esse comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências, por forma a comprometer a viabilidade futura da relação de trabalho.
A final, uma breve nota:
Se a Autora não se tivesse apressado a resolver o contrato, bem poderia vir a obter ganho de causa numa eventual reacção à medida disciplinar proposta e, sobretudo, à ordem de transferência que, nesse entretanto, a Ré também lhe transmitiu.
3-3
Relativamente à categoria profissional de “gerente” – cujo direito reclama e em função do qual peticiona a correcção dos montantes atribuídos pelas instancias – cabe notar que a Autora não produz qualquer alegação na revista em abono dessa pretensão, limitando-se a emitir, tanto no corpo alegatório, quanto nas conclusões, um mero juízo conclusivo.
Como tal, estamos impedidos de sindicar o correspondente segmento decisório.
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4- DECISÃO

Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão impugnado, ainda que com fundamentação parcialmente divergente.
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Custas pela recorrente
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Lisboa 2 de Abril 2008

Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis