Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1903/15.3T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: EMA
INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 01/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE POMBAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 170.º DO CE; ARTS. 58.º, 66.º E 75.º DO RGCOC; PORTARIA 1542/07 DE 16-12
Sumário: 1- Tendo a infracção sido aferida por instrumento devidamente aprovado nos termos legais e regulamentares, não só tem plena aplicação o disposto na referida alínea b) do nº 1 do art. 170º do C. da Estrada como a prova através dele obtida tem o valor que lhe é conferido pelos nºs 3 e 4 do mesmo artigo ou seja, faz fé em juízo até prova em contrário.

2-No âmbito do exercício da condução rodoviária, recai sobre todo e qualquer condutor o dever de respeitar as regras do direito rodoviário, designadamente, as que integram o grupo das que disciplinam as situações cuja inobservância é, estatisticamente, responsável pelos elevados índices de sinistralidade rodoviária nacional e consequente mortalidade, aqui se incluindo, além de outras, as normas que estabelecem os limites de velocidade.

3-Não padece a decisão administrativa de insuficiência de fundamentação, causadora da sua nulidade, já que a sua leitura permite, sem dificuldade de relevo, ao cidadão médio, entender os factos nela imputados ao recorrente, a sua qualificação jurídica e as sanções aplicadas, desta forma facultando o pleno direito de defesa.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

            Por decisão delegada de 31 de Dezembro de 2013 do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o arguido A... , com os demais sinais nos autos, foi condenado, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 27º, nºs 1 e 2, a), 138º, 143º e 145º, b), todos do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sessenta dias, suspensa na respectiva execução pelo período de trezentos e sessenta e cinco dias, condicionada à frequência, durante o período de suspensão, de uma acção de formação no módulo velocidade.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial o qual, por sentença de 29 de Setembro de 2015, depositada no dia imediato, foi julgado improcedente, com a consequente confirmação da decisão administrativa nos precisos termos em que foi proferida.


*

            De novo inconformado com a decisão, recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1.ª A sentença de fls., debalde douta, deve ser revogada.

2.ª Com efeito, subsiste nos autos um vício que inquina todo o processado, i.e. a falsa e deficiente fundamentação da decisão administrativa recorrida.

3.ª Vício gerador da Inconstitucionalidades desta e da nulidade processual, que deve determinar a absolvição do Recorrente, com todas as legais consequências.

4.ª O Tribunal "a quo" deu como provado que – cfr. ponto IV:

1. No dia 04.06.2013, pelas 09h46m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula LL... , na AE1, sentido Norte/Sul, ao km 144,400, Covinhas, Pombal, à velocidade de 168 km/h registada, correspondente à velocidade relevante de 159 km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/hora.

2. A velocidade foi verificada através Radar MULTANOVA MUVR-6FD, nº 2627, aprovado pela ANSR desp. 15919/11, de 12.08.2011, e pelo IPQ, através do despacho de aprovação nº 111.20.06.343, de 18Jun07, verificado em 17.05.2012, rolo nº 347/21, operador de radar nº 2653.

3. O arguido ao actuar da forma descrita revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

4. O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima, através de depósito.

5. O arguido tem averbado no seu registe individual de condutor a prática de uma contra-ordenação, auto nº 967358582, por factos de 30.05.2012, por condução com excesso de velocidade.

5.ª A verdade é que não estamos perante um segmento de factualidade pura, não tendo sido concretizada a adjectivação "prova" ou forma de obtenção dessa.

6.ª De acordo com a decisão administrativa recorrida, não concretiza Decisão, como legalizou a recolha da prova e provou os factos e, muito menos especifica qual a falta de cuidado e prudência.

7.ª Como é sabido, a decisão administrativa proferida no quadro de um procedimento contra-ordenacional deve ser devidamente fundamentada, mediante a enunciação concreta, ainda que sucinta, de factos susceptíveis de integrar os normativos (alegadamente) violados.

8.ª Fundamentar implica, por isso, alegar razões de facto e fundamentos de direito.

9.ª Dizer que tem averbado em 2012 no seu cadastro uma contra-ordenação idêntica sem a especificar é o mesmo que nada dizer.

10.ª Tudo conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 433/83, de 27.10.

11.ª Ora, ao invocar-se que a prova e os factos de forma generalizada e sem a prova devida, salvo o devido respeito, faz-se uso de um ou diversos "conceitos indeterminados" e descontextualizados.

12.ª Com efeito, são conceitos que necessitam de ser adequadamente preenchidos com factos, que como se constata não ocorreram.

13.ª Donde, a decisão administrativa recorrida padece de um vício de fundamentação, gerador de nulidade, face ao conteúdo das disposições conjugadas dos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP.

14.ª Nulidade que persiste, que inquina todo o processado, e que por isso se invoca.

15.ª E da qual o Tribunal "a quo" deveria ter conhecido, daí extraindo todas as ilações e consequências.

16.ª O que não fez, ao invés procurou enquadrar as omissões e Nulidades com uma nova prova generalizada e sem conteúdo de que o Arguido tem averbado no seu cadastro infracção idêntica, isto sem a concretizar.

17.ª E a verdade é que não se compreende o entendimento professado pelo Tribunal recorrido.

18.ª Com efeito, é sabido que as entidades autuantes têm o – mau … – hábito de transporem para os autos de notícia o texto integral dos tipos de ilícito.

19.ª Deixando pouca margem para factos concretos.

20.ª O que é tanto mais significativo quando o tipo legal de contra-ordenação não assenta numa actuação objectiva e directamente apreensível, mas em conceitos indeterminados.

21.ª Como é o caso.

22.ª Assim, dizer-se "condução com manifesta falta de cuidado e negligência" é, reitera-se, o mesmo que nada dizer.

23.ª Donde, o auto de fls. e a decisão administrativa que se lhe seguiu não assenta em factos.

24.ª Pelo que a decisão é nula, por vício de fundamentação, o que uma vez mais se invoca. Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências e em conformidade com as conclusões.

DO DIREITO

O processo de contra-ordenação no seu início é meramente administrativo e que sé se torna judicial se o Arguido pretender impugnar a decisão proferida na fase administrativa.

Na fase administrativa do processo, nem o auto de notícia, nem a posterior notificação para apresentação da defesa, no domínio da fase administrativa do processo de contra-ordenação equivalem à acusação em processo crime.

É a apresentação pelo M.P. ao juiz dos autos provenientes da autoridade administrativa que equivale à acusação. É este o momento em que a autoridade judiciária adquire a notícia do crime.

Ora, tendo o recorrente impugnado a Decisão e esta sido apresentado a juízo, perdeu estao cariz meramente administrativo, passando a ser este judicial.

Refere o Tribunal Recorrido que a aplicação das normas de direito penal a este tipo de processo só faz sentido nos casos omissos e ainda, que a notificação que a Recorrente recebeu da ANSR, apenas tem que obedecer aos requisitos do disposto no Art.170.º nº 1 do C. Estrada.

A decisão administrativa é nula por falta de especificação do facto imputado, ao não concretizar os factos em concreto em que assenta a condenação.

A decisão administrativa é ainda nula por falta de motivação, posto não indicar concretamente as provas obtidas, nem fazer tão pouco o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do decisor (arts. 58.º- 1, al. b), 374.º- 2, 379.º, citados).

O reconhecimento da nulidade implicará a devolução do caso à autoridade administrativa para que repare o vício; não se sanando o mesmo com a emergência da decisão judicial.

A falta de documentação dos actos da audiência, supostamente autorizada pela lei (art. 66.º, DL 433/82), assim como a proibição de recurso na matéria de facto (art. 75.º), afrontam os princípios constitucionais do processo equitativo e do direito de defesa do arguido (arts. 20.º- 4, 32.º- 10, Const.), padecendo aquelas normas de inconstitucionalidade material.

A decisão judicial sofre de contradição insanável da fundamentação, como se diz na alegação, quanto às questões relacionadas com os meios como foi obtida a prova e outros, como a apresentação ou o facultar a prova ao Arguido – que não ocorreu – que violam a Constituição por não terem ocorrido, o que além de serem insuficientes para a decisão a matéria apurada, convolam na Nulidade toda a prova obtida, nomeadamente quando os técnicos que são aqueles que validam a prova carreada para o Tribunal, são os próprios militares e estes, contradizem o que o próprio Auto refere no que se traduz no máximo erro admissível.

Termos em que e, com o sempre Douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado Provimento ao recurso e, consequentemente seja revogada a decisão recorrida, determinando-se a final o Arquivamento dos Autos por falta de prova em concreto.

Só assim se fará a costumada e esperada JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando que o recorrente, apesar de considerar que o auto de notícia está mal feito, não identifica o defeito, nem o que deveria ter para perceber que apenas circulava, naquele lugar e àquela hora, com excesso de velocidade, sendo estes factos indicados e referidos os meios como foram obtidos, tratando-se, portanto, de uma situação em que a discordância é meramente artificial, e concluiu pela confirmação da sentença recorrida.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, afirmando o acerto da decisão recorrida quanto às nulidades invocadas, a inexistência do vício da contradição insanável da fundamentação e a inexistência de qualquer inconstitucionalidade, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, afirmando a contradição entre a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento e a prova documental existente nos autos, reiterando o teor das conclusões da motivação e concluiu pelo provimento do recurso.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que,a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [doravante, RGCOC], as questões a decidir, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, são:

- A insuficiência de fundamentação da decisão administrativa e consequente nulidade;

- A nulidade da sentença recorrida por vício de fundamentação e por contradição insanável da fundamentação;

- A inconstitucionalidade material dos arts. 66º e 75º do RGCOC.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram apreciadas as seguintes nulidades:

            “ (…).

            Vem o arguido invocar que foi sancionado ainda antes de poder apresentar a sua defesa relativamente a toda a matéria.

Ora, resulta claro dos autos que o arguido foi notificado do teor do auto de contra-ordenação nº 911549099 no próprio dia dos factos, tendo assinado tal auto (cfr. fls. 5).

Da análise do mesmo auto verifica-se que ali constam todos os elementos objectivos sobre a prática da contra-ordenação, não podendo o arguido invocar que desconhecia os factos, e portanto, não podia exercer o seu direito de defesa – aliás, impugnou a decisão administrativa.

Como tal, nenhuma nulidade se verificou.


*

Já em relação à valoração de outra contra-ordenação praticada pelo arguido, bastará a simples análise do RIC do condutor para concluir que ali tem averbada a prática de uma contra-ordenação, em data recente, e também por excesso de velocidade, cuja suspensão da sanção acessória terminou em 26.05.2013.

Como tal, também não assiste razão ao impugnante.

(…)”.

B) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. No dia 04.06.2013, pelas 09h46m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula LL... , na AE1, sentido Norte/Sul, ao km 144,400, Covinhas, Pombal, à velocidade de 168 km/h registada, correspondente à velocidade relevante de 159 km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/hora.

2. A velocidade foi verificada através do Radar MULTANOVA MUVR-6FD, nº 2627, aprovado pela ANSR desp. 15919/11, de 12.08.2011, e pelo IPQ, através do despacho de aprovação nº 111.20.06.343, de 18Jun07, verificado em 17.05.2012, rolo nº 347/21, operador de radar nº 2653.

3. O arguido ao actuar da forma descrita revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

4. O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima, através de depósito.

5. O arguido tem averbado no seu registo individual de condutor a prática de uma contra-ordenação, auto nº 967358582, por factos de 30.05.2012, por condução com excesso de velocidade.

(…)”.

C) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em sede de audiência, e nomeadamente:

No depoimento da testemunha B... , militar da GNR, a prestar serviço, à data dos factos, no Destacamento Trânsito GNR de Leiria; depôs de forma clara e convincente, esclarecendo que foi o próprio que elaborou o auto de notícia, com base na prova da fotografia de radar, tendo o arguido sido autuado no local. Já a testemunha C... , militar da GNR e operador do radar, no caso concreto; depôs de forma convincente esclarecendo que o aparelho de radar se encontrava em perfeitas condições, pois que o radar anula o registo quando detecta uma variação de cerca de 3 kms/hora.

Ajudou ainda a formar convicção do Tribunal todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o RIC, o auto de notícia e fls. 6-7.

(…)”.

D) E a seguinte qualificação jurídica dos factos:

“ (…).

O arguido encontra-se acusado da prática da contra-ordenação prevista no artigo 27º, nº 1 e nº 2, a), 2º do Código da Estrada, dispõe que “quem exceder os limites máximos de velocidade é sancionado de € 120 a € 600, se exceder em mais de 20 km/h e até 40 Km/h, dentro das localidades, ou em mais de 30 km/h e até 60 km/h, fora das localidades”.

Resultou provado que no dia 04.06.2013, pelas 09h46m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula LL... , na AE1, sentido Norte/Sul, ao km 144,400, Covinhas, Pombal, à velocidade de 168 km/h registada, correspondente à velocidade relevante de 159 km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/hora.

A velocidade foi verificada através do Radar MULTANOVA MUVR-6FD, nº 2627, aprovado pela ANSR desp. 15919/11, de 12.08.2011, e pelo IPQ, através do despacho de aprovação nº 111.20.06.343, de 18Jun07, verificado em 17.05.2012, rolo nº 347/21, operador de radar nº 2653.

Acresce que, de acordo com o Decreto-lei nº 291/90, de 20.12., no seu artigo 4º, nº 5, estipula que “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário.” Como tal, encontrava-se tal aparelho devidamente certificado (com validade até 31.12.2013).

Por outro lado, o arguido ao actuar da forma descrita revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

Pelo exposto, o arguido praticou a contra-ordenação de que se encontra acusado.

A contra-ordenação imputada ao arguido é considerada grave, nos termos conjugados dos artigos 138º e 145º, nº 1, al. b), ambos do Código da Estrada, pelo que é sancionada também com sanção acessória de inibição de conduzir – artigo 139º do mesmo Código.

Face aos factos provados, dúvidas não existem sobre a sua prática, tendo o recorrente efectuado o pagamento voluntário da coima.

(…)”.


*

Da insuficiência de fundamentação da decisão administrativa e consequente nulidade

1. Alega o recorrente – conclusões2ª, 3ª e 5ª a 14ª – que a decisão administrativa está ferida de nulidade e inconstitucionalidade, por ter deficiente fundamentação, já que menciona alguns dos factos de forma generalizada e descontextualizada, e não concretiza a prova, a forma da sua obtenção e a valoração que dela fez, tudo ao arrepio dos arts. 41º e 58º, nº 1, b) do RGCOC e 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal.

No corpo da motivação densifica a alegação, dizendo que a autoridade administrativa considerou a existência de uma outra contra-ordenação, que foi impugnada e não decidida, contra-ordenação que nem sequer concretiza, dizendo que o agente da autoridade que depôs na audiência afirmou que o radar anula o registo quando detecta uma variação de 3 km/h, o que é incongruente com o erro máximo admissível de 10 km/h e que nem a diferença vem explicada no auto de contra-ordenação, sendo desta forma nula a prova obtida, dizendo que é nulo o próprio auto por não estar suficientemente fundamentado, em violação do disposto no art. 283º, nº 3, b) do C. Processo Penal, aplicável, ex vi, arts. 41º do RGCOC e 132º do C. da Estrada, e dizendo ter solicitado os elementos constantes dos autos o que não lhe foi concedido e por isso pagou a coima e deduziu a impugnação. Como se vê, outras questões aqui são suscitadas, que não foram levadas às conclusões formuladas, o que bastaria para delas não conhecer, atento o fim que às conclusões é assinalado na lei do processo. Não obstante.

1.1. Não se percebe o alcance da afirmação do recorrente quando diz que solicitou os elementos constantes dos autos, supõe-se que à autoridade competente, pois não a identifica, e não os obteve, na medida em que todos os elementos relevantes cujo conhecimento necessitava para a sua defesa efectiva constam do auto de notícia [cujo original, devidamente assinado pelo arguido, se encontra a fls. 5], cuja cópia foi então entregue, sendo certo que dos autos não consta, até à impugnação judicial, qualquer outro requerimento onde o recorrente tenha solicitado qualquer elemento, v.g., elemento de prova, à autoridade administrativa.

1.2. O auto de contra-ordenação de fls. 5 observa integralmente os requisitos previstos no art. 170º, nºs 1 e 5 do C. da Estrada, pois dele constam os factos integradores da infracção, o dia, hora, local e circunstâncias em que foi praticada, o nome e qualidade do agente da autoridade que o levantou, a identificação do agente da infracção, o valor registado e o valor apurado, da velocidade, após a dedução do erro máximo admissível [doravante, EMA] previsto no respectivo regulamento de controlo metrológico, e a assinatura do agente autuante, o qual, note-se, declarou não ter presenciado a infracção. E ainda que não seja aplicável ao auto, o disposto no art. 283º do C. Processo Penal, uma vez que o mesmo não é uma acusação, os requisitos supra referidos correspondem, com as necessárias adaptações, ao exigido pela alínea b) do nº 3 do artigo citado.       

Não padece pois o auto de contra-ordenação de nulidade por insuficiência de fundamentação.

1.3. Quanto à invocada nulidade da prova, obtida através do radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, nº 2627, cumpre dizer desde logo dizer que o EMA considerado de 5% [e não de 10 km/h, como parece admitir o recorrente] é o previsto no art. 8º e quadro anexo, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Cinemómetros [doravante, RCMC], aprovado pela Portaria nº 1542/2007, de 6 de Dezembro, sendo a sua consideração imposta pela alínea b), do nº 1 do art. 170º do C. da Estrada.

Nos termos desta última disposição legal, para efeitos de preenchimento da contra-ordenação, a velocidade relevante é a do o valor resultante da dedução do EMA ao valor registado pelo cinemómetro. E como imposição legal que é, a dedução do EMA não carece de explicação e, muito menos, no auto, nem pode entrar nunca em conflito com declarações de testemunhas [que esta Relação desconhece, apenas podendo ser tido em conta o que, a tal respeito, consta da motivação de facto da sentença e aqui, o que se diz, é que a testemunha C... , militar da GNR e operador do radar afirmou o equipamento «se encontrava em perfeitas condições, pois que o radar anula o registo quando detecta uma variação de cerca de 3 kms/hora», referindo-se a testemunha a um mecanismo de segurança do próprio aparelho, que não faz a medição quando não se encontrem reunidas determinadas condições objectivas para tal efeito, e não ao EMA que, como é sabido, tem uma outra finalidade].

Por outro lado, o modelo de cinemómetro utilizado in casu foi aprovado pelo Instituto Português da Qualidade (cfr. art. 5º do RCMC) em 18 de Junho de 2007, como consta de fls. 5 e 7, valendo a aprovação por dez anos (art. 6º, nº 4 do RCMC), e tendo sido objecto de verificação periódica em 17 de Maio de 2012, como consta de fls. 7, esta verificação manteve-se válida até 31 de Dezembro de 2013 (art. 4º, nº 5 do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro), sendo certo que o recorrente foi fiscalizado a 4 de Junho de 2013.

Deste modo, tendo a infracção sido aferida por instrumento devidamente aprovado nos termos legais e regulamentares, não só tem plena aplicação o disposto na referida alínea b) do nº 1 do art. 170º do C. da Estrada como a prova através dele obtida tem o valor que lhe é conferido pelos nºs 3 e 4 do mesmo artigo ou seja, faz fé em juízo até prova em contrário.

É certo que o recorrente podia ter posto em causa, justificadamente, o bom funcionamento do cinemómetro usado, o que conduziria à sua sujeição a uma verificação extraordinária (cfr. art. 5º do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro). Sucede que, após a notificação do auto de contra-ordenação nada requereu, e só no requerimento do recurso de impugnação judicial, reconhecendo que no auto se menciona que o radar fotográfico havia sido verificado em 17 de Maio de 2012, e afirmando que a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, concluiu, sem adiantar qualquer razão que suportasse validamente a tirada conclusão e portanto, de forma contraditória, que o equipamento não estaria em perfeitas condições técnicas de funcionamento no dia 4 de Junho de 2013 [cfr. arts. 8º a 10º do requerimento em questão], para mais adiante afirmar que afinal, no auto, não é feita a indicação de que o aparelho havia sido submetido ás verificações legais e que por isso, não restava outra alternativa que não fosse requerer a verificação extraordinária ou a junção de prova inequívoca de que o aparelho obedecia às condições legais e regulamentares exigíveis e que se encontrava em perfeitas condições de funcionamento [cfr. art. 24º do requerimento em questão], vindo por despacho de 19 de Maio de 2015 [fls. 39], com fundamento em que já constavam dos autos, quer a prova fotográfica, quer o certificado de verificação do radar emitido pelo IPQ, a ser indeferidas tais diligências.

Ora, consistindo a verificação periódica no conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo (art. 4º, nº 1 do Dec. lei nº 291/90, de 20 de Setembro), deve presumir-se que assegura aquela qualidade durante o respectivo período de validade, e por isso que só quando existam fundadas razões para duvidar da efectividade daquela  presunção é que haverá lugar a inspecção extraordinária. E como se disse, nenhuma razão válida apontou o recorrente.

Em suma, não descortinamos qualquer nulidade e muito menos, inconstitucionalidade, na prova obtida através do radar fotográfico identificado no auto de contra-ordenação de fls. 5.

1.4. No que respeita à insuficiente fundamentação da decisão administrativa, começa o recorrente por dizer que esta refere a alegada prática de uma outra contra-ordenação idêntica, em 2012, sem a concretizar, nem especifica a falta de cuidado e prudência, contendo uma invocação de prova e factos generalizada com recurso a conceitos indeterminados.

Vejamos.

Dispõe o art. 58º do RGCOC, na parte em que agora releva:

1 – A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

            b) A descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas;

            c) A indicação das normas segundo as quais de pune e a fundamentação da decisão;

            d) A coima e as sanções acessórias.  

            O que a alínea b) exige, à luz do efectivo direito de defesa, é que a descrição dos factos que consta da decisão administrativa seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se do que lhe é ali imputado e poder, com base nessa percepção, defender-se em termos adequados. Trata-se, como se sabe, de uma norma privativa do direito de mera ordenação social que, por isso, afasta o regime do C. Processo Penal, cuja aplicação é meramente subsidiária [cfr. art. 41º, nº 1 do RGCOC], o que significa que não é exigível que a decisão administrativa contenha os requisitos de fundamentação da sentença penal, previstos no art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal [cuja omissão determina a sua nulidade, nos termos do art. 379º, nº 1, a) do mesmo código] designadamente, o exame crítico das provas que fundamentaram a convicção do decisor.

            Posto isto.

            1.4.1. Basta ler a decisão administrativa para facilmente concluir que dela constam os meios de prova exigidos pela alínea b) do nº 1 do art. 58º do RGCOC pois que no seu ponto 1 se refere o radar fotográfico Multanova como equipamento verificador da velocidade e no seu ponto 4 se menciona o valor de probatório deste equipamento, nos termos do nº 4 do art. 170º do C. da Estrada.

            1.4.2. No ponto 7 da decisão administrativa lê-se: «Nestes termos, ponderados os elementos determinantes da medida da sanção constantes do artigo 139.º do Código da Estrada (nomeadamente, o facto de o arguido ter averbado no seu registo de condutor 1 contra-ordenação grave (auto n.º 967358582) ao Código da Estrada, praticada(s) e sancionada(s) nos últimos cinco anos, o que torna o arguido reincidente, nos termos do artigo 143.º do Código da Estrada, implicando que o limite mínimo da sanção acessória seja elevado para o dobro), determino: A aplicação ao arguido da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, suspendendo-se a execução da mesma por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma acção de formação no módulo velocidade devendo esta ser frequentada durante o período da suspensão.».     

           

            É inquestionável que consta do registo individual do condutor de fls. 10, ter aí o recorrente registada a prática de uma contra-ordenação, em 30 de Maio de 2012, por condução com excesso de velocidade, sancionada com 30 dias de inibição de conduzir, suspensa na respectiva execução, cujo período de cumprimento decorreu entre 27 de Novembro de 2012 e 26 de Maio de 2013.

            Como resulta da transcrição supra feita, o facto relevado na decisão administrativa, exclusivamente para a determinação da medida abstracta da sanção acessória, foi o da existência no registo de condutor, da prática de contra-ordenação grave, nos últimos cinco anos. Trata-se, como é evidente, de um facto, e não de um conceito indeterminado, não carecendo de mais precisa concretização, na medida em que se destinou apenas a reincidência do recorrente.

            1.4.3. No ponto 6 da decisão administrativa lê-se: «Com a conduta descrita o(a) arguido(a) revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional. Assim, os factos descritos e provados levam a concluir que a infracção dói praticada a título de negligência, nos termos do art.º 133º do Código da Estrada, porquanto o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.».   

            Prende-se este trecho com o tipo subjectivo da contra-ordenação imputada e por cuja prática foi o recorrente sancionado, em concreto, com a conduta negligente do recorrente.

            Como é sabido, a negligência traduz-se na omissão do dever de cuidado a que o agente da infracção, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz (cfr. art. 15º do C. Penal). No âmbito do exercício da condução rodoviária, recai sobre todo e qualquer condutor o dever de respeitar as regras do direito rodoviário, designadamente, as que integram o grupo das que disciplinam as situações cuja inobservância é, estatisticamente, responsável pelos elevados índices de sinistralidade rodoviária nacional e consequente mortalidade, aqui se incluindo, além de outras, as normas que estabelecem os limites de velocidade. Significa isto que sobre o recorrente, no exercício da condução, recaia o especial dever de não exceder o limite de 120 km/h estabelecido para as auto-estradas. Não observou tal dever objectivo de cuidado, tendo sido fiscalizado a conduzir a 159 km/h, tendo assim agido por conduzir desatento ou, com desatenção, como conta da decisão administrativa, e de forma imprudente, ou com falta de prudência, como também consta daquela decisão, e em tudo isto se objectiva a imputada falta de cuidado, referida à concreta condução e norma estradal violada.

            Estamos, consequentemente, perante um facto, um facto subjectivo, por pertencer à vida interior do recorrente, e não perante um qualquer conceito indeterminado, sendo certo que não vemos, neste concreto contexto, como, de outra forma descrever a negligência verificada na conduta automobilística do recorrente.

            1.4.4. Em conclusão do que fica dito, não padece a decisão administrativa de insuficiência de fundamentação, causadora da sua nulidade, já que a sua leitura permite, sem dificuldade de relevo, ao cidadão médio, entender os factos nela imputados ao recorrente, a sua qualificação jurídica e as sanções aplicadas, desta forma facultando o pleno direito de defesa.


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            Da nulidade da sentença recorrida por vício de fundamentação e por contradição insanável da fundamentação

            2. Alega o recorrente – conclusões 15ª a 22ª – que o tribunal a quo, em vez de extrair as necessárias consequências da nulidade da decisão administrativa, procurou enquadrar as omissões e nulidades com uma nova prova generalizada e sem conteúdo, com a referência ao cadastro e a infracção idêntica averbada não concretizada e fazendo assentar a contra-ordenação em conceitos indeterminados pois dizer-se, «condução com manifesta falta de cuidado e negligência» é nada dizer.

            Como se vê, o recorrente transpôs para a sentença que decidiu a impugnação judicial, a mesma argumentação que havia desenvolvido para demonstrar a por si pretendida, mas não procedente, insuficiência de fundamentação da decisão administrativa. Aliás, com ressalva do devido respeito, a falta de organização e clareza da exposição argumentativa levada à motivação do recurso, causa sérias dificuldades na identificação da decisão que o recorrente critica, se a administrativa e esta, para nós, é apenas a decisão delegada de 31 de Dezembro de 2013 do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, se a judicial, e esta é, obviamente, a sentença recorrida.

            Quanto ao mais.

            2.1. Do facto provado 3 da sentença em crise não consta a frase referida pelo recorrente e supra transcrita, mas uma ligeiramente diferente. Com efeito, o ponto 3 em referência tem a seguinte redacção: O arguido ao actuar da forma descrita revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

            Comparando este ponto de facto provado com ponto 6 da decisão administrativa, constata-se a sua quase total coincidência.

            Deste modo, dando-se aqui por reproduzido o que se deixou exposto em 1.4.3., que antecede, concluímos como ali, que estamos perante um facto subjectivo e não perante um qualquer conceito indeterminado, não se descortinando outra forma de descrever a negligência verificada na conduta automobilística do recorrente.

            2.2. No que concerne à não concretização da infracção idêntica, constando do ponto 5 dos factos provados da sentença que, o arguido tem averbado no seu registo individual de condutor a prática de uma contra-ordenação, auto nº 967358582, por factos de 30.05.2012, por condução com excesso de velocidade, é evidente a falta de razão da alegação.

            2.3. Diremos ainda, para concluir este ponto, que, lida a sentença recorrida, fácil é verificar que a mesma contém todos os requisitos previstos no art. 374º do C. Processo Penal [ressalvadas as diferenças impostas pela natureza dos presentes autos].

            3. No último parágrafo do segmento intitulado «Do Direito» que se segue às conclusões do recurso, afirma o recorrente que a sentença sofre de contradição insanável da fundamentação. Sendo oficioso o conhecimento dos vícios da decisão previstos no art. 410º, nº 2 do C. Processo Penal (Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995), vejamos se a sentença em crise padece do que lhe aponta o recorrente. 

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]. 

Lida a sentença recorrida, nela não detectámos oposição entre os factos provados, os meios de prova referidos na motivação de facto suportam os factos provados, estes preenchem a previsão das normas que sancionam a contra-ordenação e estas, determinam a condenação do arguido.

Aliás, os fundamentos em que o recorrente sustenta a existência do vício – as questões relacionadas com a forma como foi obtida a prova e outros, tais como, ter-lhe sido ou não, e não foi, facultada a prova, e a nulidade decorrente de os técnicos que validam a prova serem os militares que a obtêm, contradizendo estes o próprio auto quanto ao EMA – nada têm a ver com ele, tal como acaba de ser definido, sendo certo que foram já abordados e conhecidos no presente recurso.

Em conclusão, a sentença recorrida não enferma do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e nela não se evidencia igualmente a presença de qualquer dos outros vícios da decisão previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal.


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Da inconstitucionalidade material dos arts. 66º e 75º do RGCOC

4. No nono parágrafo do segmento intitulado «Do Direito» que se segue às conclusões do recurso, afirma o recorrente que a supostamente autorizada pelo art. 66º do RGCOC da não documentação dos actos da audiência e a proibição de recurso da matéria de facto estabelecida no art. 75º do mesmo regime geral, violam os princípios constitucionais do processo equitativo e do direito de defesa, previstos nos arts. 20º, nº 4 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa [doravante, CRP], sendo por isso materialmente inconstitucionais. Para além disto, relativamente a esta problemática, nada mais foi adiantado no corpo da motivação.

Seguindo de perto o acórdão desta Relação de 18 de Março de 2015, proferido no recurso nº 13/14.5T8SCD.C1 (in, www.dgsi.pt), diremos o que segue. 

O direito ao processo equitativo, consagrado no art. 20º, nº 4 da CRP tem como núcleo essencial, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 415), a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, cuja densificação é feita pela própria Constituição em sede de processo penal ou seja, no seu art. 32º. E o nº 10 deste artigo assegura ao arguido de processo de contra-ordenação, bem como de quaisquer processos sancionatórios, os direitos de audiência e de defesa, nesta se incluindo o direito ao recurso.

Mas como fazem notar os mesmos autores (ob. cit., pág. 418), o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não fundamentam um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador de liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, só não podendo regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva.   

           

Face à exiguidade da alegação, limitamo-nos a concluir que as restrições previstas nos arts. 66º e 75º do RGCOC resultam do exercício daquele poder de conformação do recurso, não constituindo sequer uma limitação excessiva ao mesmo, na medida em que, no processo de contra-ordenação, a decisão da 1ª instância é já uma decisão proferida em reapreciação [da decisão administrativa]. E tanto assim é que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado pela conformidade daquelas normas com a CRP (cfr. Acs. nº 55/99, de 19 de Janeiro de 1999 e nº 73/2007, de 5 de Fevereiro de 2007, in, www.tribunalconstitucional.pt). 

Em conclusão, não enfermam os arts. 66º e 75º do RGCOC de inconstitucionalidade material.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS. (art. 93º, nº 3, do RGCOC, art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Coimbra, 27 de Janeiro de 2016


(Vasques Osório – relator)


(Orlando Gonçalves – adjunto)