Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4993/09.4T2AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL
CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CONTRATO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
RÉU
CITAÇÃO
PETIÇÃO INICIAL
FORÇA EXECUTIVA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
PEDIDO
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 2º REGIME ANEXO AO DEC. LEI Nº 269/98, DE 1/09
Sumário: I – Nas acções de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, instauradas à luz do Dec. Lei nº 269/98, de 1/09, em que o réu citado pessoalmente não tenha deduzido contestação, o juiz não deve limitar-se, à luz do artº 2º do Regime Anexo a esse diploma, a conferir força executiva à petição inicial se a pretensão ali formulada for contrariada, no todo ou em parte, pela doutrina recente fixada, a tal propósito, por acórdão do STJ uniformizadora de jurisprudência, impondo-se-lhe, nesse caso, que entre na análise da viabilidade do correspondente pedido.

II – A manifesta improcedência do pedido reconduz-se aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, A....., instaurou (em 1/9/2009) a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (à luz do DL nº 269/98 de 1/9), contra os RR., B... e C...., pedindo, a final, a condenação solidária destes no pagamento da quantia de € 12.541,48, acrescida de € 1.805,66 de juros de mora vencidos até 1/9/2009, de € 72,23 de imposto de selo sobre estes juros, e juros vincendos à taxa anual de 16,63% desde 2/9/2009, até integral pagamento, bem como ainda o imposto de selo, à taxa de 4%, que sobre estes juros recair.

Para o efeito, e em síntese, alegou seguinte:

Ter o autor concedido aos réus um crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo (formalizado por escrito particular datado de 23/5/2007), emprestando-lhes o montante de € 10.487,00, com juros à taxa nominal de 12,63% ao ano, a pagar em 60 prestações mensais de € 241,98 cada.

Foi ali também acordado que, em caso de mora, acrescia, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, 16,63%.

Nos termos do ali igualmente acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do seu vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.

Por sua vez, os réus solicitaram também ao autor que, por conta e ordem deles, celebrasse um seguro de vida, o que mesmo fez, obrigando-se aqueles a pagarem-lhe mensalmente o valor do prémio respectivo, juntamente com o valor da prestação, que assim passou a ser de € 266,84 a partir de 20/8/2007 (3ª prestação).

Acontece que os réus não pagaram a 17ª prestação, vencida a 20/10/2008, nem as seguintes, vencendo-se então automaticamente todas.

O total das prestações em débito ascende a € 12.541,48, a que acrescem juros, nos termos que acima foram peticionados.

2. Os réus, citados pessoalmente, não deduziram oposição.

3. Após fixar o valor da causa em € 14.419,36, o srº juiz do processo proferiu de seguida sentença, onde, depois de considerar a instância válida e regular, passou a conhecer de imediato do mérito da causa, tendo, no final, julgado a acção parcialmente procedente e condenado os RR. a pagar ao autor as seguintes importâncias:

“- A prestação nº 17ª do contrato nº 821856, no valor de € 266,84, bem como juros de mora sobre esta quantia, à taxa de 16,63%, desde 20/10/2008 até integral pagamento, e o imposto de selo que sobre estes juros recair;

- a quantia, a liquidar, correspondente às restantes prestações do capital mutuado não pagas do contrato nº 821856 (da 18ª à 60ª prestação), acrescida de juros de mora, à taxa de 16,63%, desde 20/10/2008 até integral pagamento, e o imposto de selo que sobre estes juros recair”;

- Absolvendo-se os réus do restante peticionado pelo autor.

4. Não se tendo conformado com tal decisão, o A. dela apelou, concluindo as respectivas alegações de recurso nos seguintes termos:

         […………………………………………………….]

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação.


A) De facto.

Com relevância para a compreensão e apreciação do presente recurso, haverá que atender aos factos que supra se deixaram descritos no ponto I, e bem assim àqueles que o tribunal da 1ª instância de como provados na decisão recorrida e que foram os seguintes:

1. A autora é uma instituição de crédito.

2. No exercício da sua actividade comercial, e com destino à aquisição de um veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula 00-00-TE..., por contrato constante de documento particular datado de 23/5/2007, cuja cópia está junta a fls. 12 e 13, a autora concedeu aos réus um crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo emprestado aos réus a importância de € 10.487,00.

3. Nos termos daquele contrato, a autora emprestou aos réus a importância de € 10.487,00, com juros à taxa nominal de 12,63% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida ser pagos em 60 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 20/6/2007 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes.

4. De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das prestações deveria ser paga mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das prestações, para uma conta bancária titulada pela autora.

5. Conforme consta da cláusula 8ª, alínea b), das Condições Gerais do referido contrato, “a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes”.

6. Conforme a alínea c) da cláusula 4ª das Condições Gerais do referido contrato, “no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13 destas Condições Gerais”.

7. Mais foi acordado entre autora e réus que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 16,63%.

8. Os réus solicitaram também à autora, ao que esta acedeu, que por conta e ordem deles celebrasse um seguro de vida Protecção Total – o que a autora fez – obrigando-se estes a pagarem mensalmente à autora o valor do prémio respectivo, juntamente com o valor da prestação mensalmente acordada, que passou assim a ser de € 266,84 a partir de 20/8/2007, ou seja, da 3ª prestação.

9. Os réus, das prestações referidas, não pagaram a 17ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 20/10/2008, vencendo-se então todas.

10. Os réus não providenciaram pelas transferências bancárias referidas para pagamento das ditas prestações, nem aqueles, ou quem quer que fosse por eles, as pagou à autora.


***

B) De direito.

É sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual a reforma introduzida pelo acima citado DL nº 303/2007 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1, da actual versão do CPC e aqui aplicável) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso -, verifica-se que a única questão que importa aqui verdadeiramente apreciar e decidir traduz-se em saber se no caso dos presentes autos - em que os réus não contestaram a presente acção apesar de terem sido para o efeito pessoalmente citados - o srº juiz a quo se deveria ter limitado a conferir força executiva à petição inicial (tal como defende o apelante) ou se nada impedia que, tal como procedeu, o mesmo pudesse analisar e pronunciar-se sobre o mérito da causa.

Apreciemos.

É inolvidável que estamos perante uma acção de processo de especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, de valor não superior a € 15.000,00, e como tal sujeita à disciplina do Regime Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de Setembro.

Dispõe-se no artº 2º do aludido Regime que «se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente».

Resulta, assim, de tal normativo que o juiz conferirá, sem mais, à petição inicial força executiva (com valor de decisão condenatória) quando se verifiquem as circunstâncias ou pressupostos seguintes: a) ter o réu sido citado pessoalmente; b) não ter deduzido contestação; c) não ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias; d) não ser o pedido manifestamente procedente.

Sendo indiscutível que, in casu, aqueles três primeiros pressupostos se mostram preenchidos, já o mesmo não sucede, pelo menos de forma clara, com o último dos mesmos.

E daí que a resolução do problema ou da questão acima enunciada, que aqui fomos convocados para resolver, passe pela decisão de saber se aquele último requisito se mostra ou não também preenchido, isto é, passa por saber se o pedido formulado na acção pelo A./apelante se mostra ou não manifestamente improcedente.

E para isso importa, antes de mais, clarificar quando é que um pedido se apresenta manifestamente improcedente.

Trata-se de um conceito indeterminado, já que a lei não nos dá uma definição expressa do mesmo.

Conceito esse que, todavia, não constitui uma novidade no nosso ordenamento jurídico, já que ele se encontra também previsto no artº 234º-A, nº 1, do CPC, ao permitir, como regime de excepção, ao juiz o indeferimento da petição inicial quando “o pedido seja manifestamente improcedente”. E já antes, quer no domínio do versão anterior à reforma CPC/95 (no artº 474), quer mesmo no CPC de 1939 (no artº 481), nos aparecia conceito equivalente. Mas a par desses diplomas processuais outros existem ainda em que tal conceito se apresenta plasmado: vidé, por exemplo, o artº 27º, nº 1 al. a), do actual CIRE, onde se dispõe que “o juiz deve indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente.”

E quando é que se deve considerar um pedido manifestamente improcedente?

Advérbio esse que deriva do adjectivo manifesto, que significa algo que é evidente, que é notório, que é patente ou claro (cfr. Grande Dicionário de Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Vol. II., pág. 11).

E, nessa medida, vinha, a tal propósito, constituindo entendimento dominante que o indeferimento da petição, com tal fundamento, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto se (não fosse logo atalhada) da actividade judicial, ou, por outras palavras ainda, quando for evidente ou que a pretensão do autor carece de fundamento. Porém, tal só poderia ser aferido casuisticamente, isto é, só perante cada caso concreto é que se poderia apurar, em função do pedido e dos seus fundamentos de facto e de direito, se a pretensão ou o pedido se apresentavam manifestamente improcedentes. (Vidé, por todos, o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 377 e 378”; o Prof. A Varela e outros, in “Manual do Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 259”; o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 399/400” e Ac. da RE de 24/10/1985, in “CJ, Ano X, T4 – 302”).

Num esforço de maior precisão e delimitação de tal conceito, decorre das palavras de Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª ed., Almedina, pág. 162”) que a manifesta improcedência reconduzir-se-á “aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência”. (sublinhado nosso)

Já, por sua vez, Salvador da Costa (in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., 2005, pág. 95”), comentando o normativo em causa, acima citado, afirma que “a pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável porque a lei a não comporta ou porque os factos apurados, face ao direito aplicável, a não justificam”.

Posto isto, avancemos mais incisivamente para o caso sub júdice.

No caso concreto, a grande questão que se colocava, e que levou o srº juiz a quo a partir para a análise da questão de mérito, era saber se no que concerne às prestações futuras que se venceram, conforme o clausulado estipulado no contrato, antecipadamente - por virtude da falta de pagamento por parte dos réus de uma das prestações convencionadas que se encontrava, à semelhança das demais, escalonada no tempo, o que levou o A., à luz do mesmo clausulado, a resolver o contrato -, eram também devidos os juros remuneratórios ali convencionados (à semelhança do acontecia com aquelas outras que se foram vencendo até então), tal como pedia o Autor?

O srº juiz a quo concluiu que não, louvando-se, essencialmente, no acórdão do STJ nº 7/2009, de 25/03/2009 (publicado no DR Iª S, nº 86, de 5/5/2009), que uniformizou a jurisprudência através da fixação da seguinte doutrina. “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo do artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”.

O simples facto de sobre tal questão ter sido proferido aquele acórdão uniformizador de jurisprudência, tem em si implícito logo a ideia de que a solução da mesma não se apresentava pacífica, nomeadamente ao nível da interpretação que dela vinha fazendo, à luz dos normativos legais aplicáveis ao caso, a nossa jurisprudência (muito embora se deva dizer que na altura era já claramente dominante o entendimento, não só jurisprudencial como também doutrinal, que veio a ser perfilhado por aquele acórdão uniformizador).

E sendo assim, ou seja, não se apresentando a resolução de tal questão de todo pacífica, afigura-se-nos que, e à luz do conceito que atrás deixámos expandido, não se poderia concluir, desde logo, que a pretensão formulada pelo autor se apresentava manifestamente infundada, e nessa medida não se poderia, à partida e em príncpio, deixar de, perante a falta de contestação dos RR. (citados pessoalmente), conferir força executiva à petição.

Só que, a nosso ver, a questão não se apresenta, no caso concreto que nos ocupa, de solução tão fácil.

E tal tem a ver com o facto de, quando a presente acção foi instaurada (e o A., através dela, formulou, além do mais, aquela sua pretensão de condenação também dos RR. no pagamento dos juros remuneratórios incluídos nas prestações futuras que antecipadamente se venceram) e quando a sentença recorrida foi proferida, já havia então sido proferido e publicado o sobredito acórdão uniformizador de jurisprudência, pronunciando-se no sentido de, em tais situações, não haver lugar ao pagamento dos aludidos juros remuneratórios por parte do réu incumpridor.

E sendo assim, coloca-se a questão de saber que implicações tem, in casu, o dito acórdão uniformizador de jurisprudência, para efeitos de aplicação do acima citado artº 2º do Regime Anexo ao DL nº 269/98, de 1/9?

À primeira vista, a resposta seria nenhuma, pois, como se sabe, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência, proferidos pelo STJ, não têm (ao contrário dos antigos “assentos”) força vinculativa, nomeadamente para os tribunais portugueses, para além do processos em que foram proferidos (cfr. artºs 732-A e 732-B do CPC, e, por todos, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, pág. 351”).

Só que tal resposta afigura-se-nos demasiado simplista, e de rigor formalista excessivo.

Muito embora tais acórdãos apenas sejam, como já se referiu, obrigatórios para os respectivos processos em que foram tirados, não se pode olvidar que os mesmos constituem precedentes judiciais qualificados com a autoridade e a força persuasiva que lhes advém do facto de serem decisões do nosso mais alto tribunal, fruto de um julgamento ampliado de revista, isto é, no caso, no plenário das secções cíveis, visando solucionar - a bem da certeza e da segurança das decisões e do prestígio da administração da justiça -, isto é, pôr temo às divergências jurisprudenciais que se vinham arrastando sobre determinada questão de direito, contribuindo, desse modo, para a unidade da ordem jurídica. (Vidé, a propósito, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., págs. 17/172”, Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, págs. 394/395”, e Ac. do STJ de 2371/2002, proc. nº 3744/000, 6ª sec., Sumários, 47º”).

E daí que as decisões que proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, contra a doutrina fixada por tais acórdãos uniformizadores jurisprudência sejam sempre susceptíveis de recurso, independentemente do valor da causa (cfr. artº 678, nº 2 al. c), do CPC).

Aqui chegados, e perante tal, nova interrogação se nos coloca: será que o srº juiz a quo perante a não contestação do R., deveria pura e simplesmente ignorar a doutrina que, a propósito da solução da questão acima enunciada, fora fixada recentemente pelo nosso mais alto tribunal, ou seja, será que não tendo os réus contestado a acção, o srº juiz a quo se deveria tão somente a limitar a conferir força executiva à petição inicial (a qual, como resulta do citado artigo 2º, tem valor de decisão condenatória), mesmo sabendo que parte do pedido do A. não poderia, pelo menos à luz daquele acórdão uniformizador de jurisprudência, proceder, devendo, assim, ficar de “braços cruzados e a assobiar para o lado”?

Com o devido respeito por opinião em contrário, não se nos afigura que essa fosse ou seja a melhor solução.

E daí que - a bem da unidade da ordem jurídica e perante a autoridade adveniente de quem estabeleceu a esse respeito já um precedente qualificado, que visou dissipar e solucionar dúvidas jurisprudenciais então pendentes - numa interpretação actualista e extensiva daquele citado normativo legal, seja de perfilhar o entendimento de que sempre que a pretensão do autor, no seu todo ou parte, contrarie a jurisprudência uniformizadora fixada, a esse propósito, pelo STJ, não poderá o juiz, quando o réu não tenha contestado a acção, limitar-se a conferir força executiva à petição, estendendo-se, assim, a tais situações o conceito de pedido manifestamente improcedente.

E nesse medida impor-se-á ao juiz que aprecie o mérito da causa, ou seja, impõe-se-lhe que aprecie em concreto a viabilidade de tal pedido. (Neste sentido, vidé Acs. da RLx de 22/10/2009, processo 1111/09.2TJLSB.L1-2 e de 16/7/2009, proc. 1256/08.6TBAGH.L1-2, e em sentido contrário, entre outros citados e juntos com a alegações de recursos, Ac. da RC de 16/12/2009, processo 14/09.5TBMLD.C1, todos publicados em www.dgsi.pt).

Logo, por tudo o exposto, somos levados a concluir que bem andou o srº juiz a quo ao não se ter limitado a conferir força executiva à petição inicial, tendo entrado na apreciação do mérito da causa.

E já agora, diga-se (embora não estando tal verdadeiramente em causa neste recurso, como seu objecto) que, na sequência dessa apreciação, chegou a uma solução final que se justifica plenamente, à luz do direito e sobretudo da doutrina fixada pelo sobredito acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência, sendo ainda manifesto (como se demonstra na decisão recorrida e como resulta claramente de uma leitura atenta do aludido acórdão e bem assim do respectivo clausulado do respectivo contrato em que fundamentava aquela sua específica pretensão que não foi atendida) não assistir qualquer razão ao A. quando ainda invoca o ponto nº 10 desse acórdão para concluir, no fundo, que as partes acordaram expressamente um regime diferente do artº 781 do CC (e na base da interpretação do qual foi construída a doutrina ali fixada).

Termos, pois, que se julga improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.

Custas pelo apelante.