Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
421/23.0GAPNI-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
CONDIÇÃO REBUS SIC STANDIBUS
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 213º E 212º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Sumário: I. A decisão que aplica medida de coação está sujeita à condição rebus sic stantibus, no sentido de se manter a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que assentam.
II. Se o arguido entender que existem circunstâncias relevantes susceptíveis de atenuarem as exigências cautelares que ditaram a aplicação ao mesmo da medida de coacção de prisão preventiva, deve requerer a revogação ou substituição de tal medida de coação, nos termos do art. 212º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:

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            Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

            I-Relatório

            1. No âmbito do Inquérito ( Atos Jurisdicionais ) com o NUIPC 421/23...., a correr termos nos Serviços do Ministério Público da Procuradoria da República da Comarca ... – Procuradoria do Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ... -  por despacho proferido em 28 de agosto de 2023, no final do 1º interrogatório judicial de arguido detido, a que AA foi sujeito, veio a ser determinado que o mesmo aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, decisão essa que, por acórdão datado de 22 de novembro de 2023, veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na sequência do recurso interposto oportunamente interposto pelo arguido.


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           2. Na primeira revisão trimestral dos pressupostos da referida medida de coacção, o Mmo. Juiz de Instrução, por despacho de 13 de novembro de 2023, decidiu-se pela manutenção do estatuto coactivo aplicado ao mencionado arguido, determinando que o mesmo aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coação de prisão preventiva que lhe tinha sido aplicada aquando do 1º interrogatório.

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3. Notificado de tal decisão e discordando da mesma, veio o arguido AA, por requerimento apresentado em 6 de dezembro de 2023, dela interpôr recurso, formulando neste as seguintes conclusões, que se transcrevem:

            “A- Presentemente, o Recorrente vem dizer que existe alterações de facto, que devem Revogar e Substituir a medida de coação aplicada de prisão preventiva por outra medida de coação mais adequada e proporcional.

                B - O Recorrente está indiciariamente acusado pelo crime de roubo agravado, extorsão tentada e detenção de arma proibida, p. e p. pelo Art. 210.º, n.sº 1 e 2, al. b), 204.º, n.º 1, al.f), n.º 2, al. f) e n.º 4, 223, n.º 1 e n.º 2, al. b) e c), todos do Código Penal e 86.º, n.º 1 al. d) do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições.

                C- O Recorrente não tem qualquer condenação no seu registo criminal, pelos crimes que está agora indiciado.

               D- O Recorrente é uma pessoa que não põe em perigo a tranquilidade pública, nem muito menos a perturbação do inquérito e não há qualquer risco quanto à sua segurança pessoal nem para com os terceiros.

                E- A questão essencial é saber se há um risco sério de voltar a acontecer o que aconteceu?

                F- Parece – nos, que não há qualquer perigo de o Recorrente poder vir a voltar a violar a tranquilidade do ofendido, ou cometer novos crimes contra o mesmo, e muito menos o perigo de fuga.

               G- Atualmente, o Recorrente encontra – se detido no Estabelecimento Prisional ....

               H - Quando o Recorrente reunir as condições e os pressupostos para a aplicação da Obrigação de Permanência em Habitação, com vigilância eletrónica, irá para sua casa do seu pai em ... – Alentejo.

               I - Presentemente, o Recorrente não tem condições económicas para poder “fugir à justiça” e muito menos para se deslocar para a vila de ... para cometer novos crimes.

               J- Quer isto dizer, que o Recorrente quer aguardar o desenrolar do processo em casa do seu pai, e também procurar novo emprego na região onde se encontra a sua família.

               L- Na verdade, o Recorrente necessita de voltar a poder ir trabalhar, que é apanhador de fruta de profissão e no Alentejo há muita oferta neste tipo de emprego.

               M - Ao encontrar-se privado da liberdade, está a impedi-lo de poder honrar os seus compromissos financeiros, bem como de poder a ajudar a contribuir para a alimentação e bem estar da sua filha que quem vive com a sua mãe.

                O - Quer isto dizer, que os fundamentos da Prisão Preventiva nos termos dos artigos 202.º e 204.º do C.P.P., já não se encontram preenchidos.

                P- Não há perigo de continuação da atividade criminosa, nem de perturbação do inquérito e muito menos perigo de fuga.

               Q- Pode o Recorrente perfeitamente, apresentar – se diariamente ou semanalmente no Posto Policial da área de residência, ou então;

               R- Aguardar os trâmites processuais, em sua casa sob o regime de obrigação de permanecia na habitação, mas com a possibilidade de se ausentar de casa para trabalhar durante os dias úteis.

               S - Perante os factos ora aqui narrados, verifica – se a necessidade de revogar ou alterar os pressupostos que determinaram a aplicação da medida de coação.

               T - O Douto Despacho proferido pelo Tribunal “a quo” encontra – se em conflito com o artigo o n.º 2 do Artigo 18.º da C.R.P., não interpretando a norma no sentido seguinte:

               - “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar – se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

                U - A C.R.P., diz – nos que a Prisão Preventiva tem carácter excecional, nunca deve ser utilizada como forma de punir.

                Nestes termos:

               Deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:

                - Deve ser Revogado o Douto Despacho que Reexaminou os Pressupostos da Prisão Preventiva, vir a ser aplicado ao Recorrente a obrigação de apresentação periódica, diariamente ou semanalmente no Posto Policial da sua área de residência, nos termos do Artigo 198.º do C.P.P., ou; caso V.ª Exas, não entendam;

               - Deve ser aplicado ao Recorrente a possibilidade de aguardar os trâmites processuais, em sua casa dos eu pai na cidade ... (Alentejo), sob o regime de Obrigação de Permanecia na Habitação, mas com a possibilidade de se ausentar de casa para trabalhar durante os dias úteis.

               - Deve ainda, ser reconhecida a Inconstitucionalidade do Despacho que mantém a medida de coação da prisão preventiva, face à violação do artigo 18.º, n.º 2 da C.R.P..

               VOSSAS EXCELÊNCIAS, PORÉM, FARÃO A COSTUMADA E ESPERADA

                                                                JUSTIÇA!”


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            4. O recurso foi admitido.

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          5. A Exma. Procuradora da República na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo na resposta ao mesmo apresentada da seguinte forma, que igualmente se transcreve:

                  “1. O recurso ora apresentado pelo arguido é igual àquele sobre o qual o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra já se pronunciou, por douto Acórdão de 22-11-2023, nem sequer tendo sido alterada a parte relativa à alteração da qualificação jurídica dum dos crimes em sede de despacho final do inquérito.

                    2. Tal recurso apresenta motivação e conclusões em tudo iguais, com exceção de a primeira estar elencada por números e as segundas por letras.

                     3. Salvo melhor opinião, tal configura motivo para rejeição do recurso, ao abrigo do artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pois “a repetição integral da motivação do recurso nas conclusões, equivale à falta destas, constituindo motivo de rejeição do recurso – artigo 414º, nº 2, do Código de Processo Penal” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-06-2019, proferido no processo n.º314/17.0GAPTL.G, tendo como relator Mário Silva, acessível em www.dgsi.pt).

                   4. Assim não se entendendo, sempre deverá ser dirigido convite ao arguido para apresentar verdadeiras conclusões, nos termos e com as limitações do artigo 417º, n.ºs. 3 e 4, do Código de Processo Penal.

                    5. Ainda assim não se entendendo, sempre se dirá o seguinte:

                    6. O arguido jamais dirigiu requerimento aos autos, designadamente ao Mmo. Juiz de Instrução, pugnando pela revisão/atenuação da sua situação coativa, com base nos fundamentos alegados no recurso ou quaisquer outros, como poderia ter feito, ao abrigo do artigo 212º, n.ºs. 1 e 3, do Código de Processo Penal.

             7. O arguido também nada comprova quanto às circunstâncias que alega em sede de recurso para fundamentar a saída da prisão.

                  8. Diga-se, de passagem, que essas circunstâncias, a existir, não serão novas, antes já existindo à data em que o arguido praticou os factos imputados nestes autos, integradores de criminalidade especialmente violenta no que ao crime de roubo respeita (artigo 1º, al. l), do Código de Processo Penal), sem que as mesmas o tenham demovido a afastado da criminalidade.

                   9. Também a recente condenação em pena de prisão suspensa na execução não demoveu o arguido da prática dos factos, ocorridos em plena suspensão.

                   10. O percurso delituoso do arguido vem-se acentuando em termos de gravidade objetiva, pois começou com um crime de ofensa à integridade física simples, passou por um mesmo tipo de crime, mas qualificado, e já está no patamar do crime de roubo.

               11. Roubo esse especialmente grave porquanto foi praticado em casa da vítima, onde se introduziu ilegitimamente, e mediante exibição e ameaça de objeto cortante.

              12. Mais, a vítima trata-se de indivíduo idoso e de fraca compleição física, para além de ter dado trabalho ao arguido, de lho ter pago e até de o ter deixado ficar em sua casa sem por isso cobrar qualquer contrapartida.

                   13. É altamente provável a condenação do arguido em pena privativa da liberdade, bem como a revogação da suspensão de que beneficiou no anterior processo, nos termos do artigo 56º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

                    14. Em momento algum do seu recurso ou dos autos o arguido manifestou algum arrependimento ou consideração para com a vítima, antes se focando apenas em si e nos seus interesses, o que, aliado à sua situação pessoal considerada em sede de primeiro interrogatório judicial, que em nada se vislumbra ter sido alterada desde então e que não o demoveu da prática dos factos, não permite fazer um juízo de prognose favorável acerca da sua conduta caso deixe de estar sujeito a prisão preventiva.

             15. As medidas coativas sugeridas pelo arguido são insuficientes perante a gravidade dos factos imputados, o real perigo de continuação da atividade criminosa (contra a mesma ou qualquer outra vítima, caso o arguido precise de dinheiro) e o também real perigo de fuga, pois o arguido não possui demonstradas raízes em qualquer lugar, sejam familiares sejam laborais ou de qualquer outra ordem, e caso seja condenado, o que se afigura como provável (se assim fosse não teria sido deduzida acusação) poderá ser em pena privativa da liberdade, o que também se afigura provável e necessariamente o mesmo terá consciência, em face dos seus anteriores contactos com a justiça penal.

                       16. Em conformidade, não se verificando qualquer atenuação das exigências que fundamentaram a aplicação e manutenção da prisão preventiva, nem tendo o arguido requerido o que quer que seja nesse sentido ao Mmo. Juiz de Instrução, bem andou este ao proferir o despacho recorrido, o qual não enferma de qualquer ilegalidade e muito menos inconstitucionalidade, antes tendo feito uma correta aplicação da lei ao caso concreto, sendo a prisão preventiva a única medida de coação simultaneamente adequada, proporcional e necessária, designadamente perante os concretos perigos de fuga e de continuação da atividade delituosa verificados, os quais se mantém os mesmos.

                                                                                               Porém, V. Exas., Venerandos Senhores

                                                                                               Juízes Desembargadores, como sempre, decidirão com Justiça!”


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           6. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que não devem merecer acolhimento as pretensões formuladas no recurso interposto pelo arguido.  

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            7. Cumprido o disposto 417º nº 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

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            8. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no Art. 419º, nº3, al. b), do diploma citado.

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            II- Fundamentação
A) Delimitação do Objeto do Recurso

          Dispõe o art. 412º, nº1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

           Definindo-se o objecto do recurso pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, nas quais deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso ( Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994,pág. 340, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág. 1027 a 1122, Simas Santos, in Recursos em Processo Penal, 7ª Ed, 2008, pág.103), no caso em vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente – cujo convite ao aperfeiçoamento, previsto no art. 417º, nº3 do CPP se dispensa,  apesar do respectivo elenco não respeitar a imposição de síntese que impõe o nº1 do art. 412º do CPP, por se apresentarem cabalmente perceptíveis as pretensões do recorrente e se mostrarem deduzidas num processo de natureza urgente-  as questões a decidir são:

           - aferir da verificação da manutenção das exigências cautelares que determinaram a aplicação ao arguido da medida de coação de prisão preventiva e da necessidade, adequação e proporcionalidade desta.


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            B) Apreciação do recurso

           Conforme resulta do relatório supra, o presente recurso vem interposto do despacho do Mmo. Juiz de Instrução que, ao efectuar o primeiro reexame dos pressupostos da prisão preventiva aplicada ao arguido e ora recorrente AA aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que foi sujeito, nos termos em que para tal dispõe o art. 213º do CPP, se decidiu pela manutenção de tal medida de coacção.

            Vejamos, pois, o teor do despacho recorrido, que se transcreve:

           “ Nos presentes autos, o arguido AA foi interrogado judicialmente em 28/08/2023 e nessa ocasião sujeito a prisão preventiva (cfr. fls. 66 a 75).

               Nessa decisão considerou-se só poderem salvaguardar-se as exigências cautelares do caso concreto, nomeadamente os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, mediante a imposição de prisão preventiva, estando em causa crimes de roubo, extorsão tentada e detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 210º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 204º, n.º 1, al. f), n.º 2, al. f) e n.º 4, 223º, n.º 1 e n.º 3, 22º, n.º 1 e n.º 2, al. b) e c), todos do C. Penal e 86º, n.º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições.

                O arguido recorreu dessa decisão, sendo ainda desconhecida a decisão de tal recurso.

               O Ministério Público encerrou o inquérito em 02/11/2023 deduzindo acusação contra o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), ex vi artigo 204.º, n.º 1, al. f) e n.º 2, al. f), todos do Código Penal, bem como pelo artigo 4.º do Decreto Preambular ao Código Penal; um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, al. m) e al. ax), 3.º, n.º 2, al. e) e 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro e um crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 22º, n.ºs. 1 e 2, al. a), 23º, 154º, n.ºs. 1 e 2, e 155º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 131º do Código Penal.

               Não se mostra excedido o prazo máximo de prisão preventiva, o qual só seria atingido às 24 horas de 28/02/2024 se até essa data não tivesse sido deduzida acusação – artigos 210º, n.º 1, do C. Penal e 1º, al. j) e l) e 215º, n.º 1, al. a) e n.º 2, estes do C. P. Penal.

               As medidas de coacção regem-se pelo princípio/condição rebus sic stantibus (estando assim as coisas), determinando que o decidido nessa matéria é inatacável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação. Dito de outro modo, a revogação ou substituição da prisão preventiva por outra ou outras medidas de coacção só poderia ocorrer se verificados factos dos quais resultasse uma atenuação das exigências cautelares que justificasse alteração do estatuto coactivo imposto (artigo 212º, n.º 3, do C. P. Penal).

               Ora, no caso dos autos, o encerramento do inquérito com dedução de acusação contra o arguido pela factualidade que motivou a sua sujeição ao estatuto coactivo fixado, reforça o assim decidido, nada justificando a alteração da medida de coacção imposta já que nenhuma factualidade se alterou. Existe mera alteração, irrelevante para estes fins, da qualificação jurídica de um dos crimes menos graves.

               Razões que justificam também a desnecessidade de ouvir o arguido neste momento (artigo 213º, n.º 3, do C. P. Penal).

               Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 1º, al. j); 191º, n.º 1; 192º, n.ºs 1 e 6; 193º, n.ºs 1 e 2; 194º, n.ºs 1 e 2; 195º; 202º, n.º 1, al. a) e b); 204º, al. a) e c) e 213º, n.º 1, al. b), todos do C. P. Penal, mantenho a medida de coacção de prisão preventiva relativamente ao arguido AA.

                Notifique, comunique ao TEP e devolva ao DIAP ....”


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           Antes de mais, cumpre salientar que, antes da interposição do presente recurso, o arguido interpusera anteriormente também recurso da decisão, proferida em 28 de agosto de 2023, que determinou a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva na sequência do seu interrogatório judicial, vindo tal decisão veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão datado de 22 de novembro de 2023, quer quanto à indiciação da factualidade, quer quanto à afirmação da existência, pelo menos, dos perigos de fuga e de continuação a actividade criminosa que foram determinantes para a aplicação de tal medida de coação no final do primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que o mesmo foi sujeito.

           Enfatizando-se, também, que o arguido não requereu, por qualquer outra via, a alteração de tal medida de coacção, ao abrigo do disposto no art. 212º do CPP, interpondo, apenas,  presente recurso .

           Pelo que, não está em causa, apreciar neste momento e no presente recurso, saber se a medida de coação imposta ao arguido e ora recorrente aquando daquele seu 1º interrogatório o foi em conformidade, ou não, com as exigências prescritas nos artigos 191º, 193º, 201º, 202º e 204º a) a c) do Código de Processo Penal.

           O que está agora em causa é saber se após o 1º interrogatório judicial de arguido detido, em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, surgiu algum facto ou circunstância que, implicando a insubsistência ou a diminuição das exigências cautelares então consideradas para efeitos de aplicação de tal medida, deveriam ter sido levadas em conta na decisão recorrida aquando do reexame dos pressupostos da mesma, pois que, a discordância do arguido vem direccionada a esta. 

            Pois bem.

            No presente recurso que visa atacar a decisão de manutenção da medida de coação de prisão preventiva a que o arguido e ora recorrente se encontra sujeito, limita-se o mesmo a repetir a argumentação que esgrimiu no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra da decisão que, no final do 1º interrogatório, lhe aplicou tal medida, e nada mais, como bem se vê do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, em de 22 de novembro de 2023, que integra a certidão dos presentes autos.

                O Mmo. Juiz de Instrução fundamenta no despacho em crise a manutenção do arguido e ora recorrente à sujeição da medida de coação de prisão preventiva, por entender que continua a verificar-se a existência de fortes indícios da prática pelo mesmo da factualidade indiciada aquando do seu 1º interrogatório e que motivou a sua sujeição ao estatuto coactivo que nesse momento lhe foi fixado, reforçada pela acusação que, entretanto, veio a ser deduzida contra o mesmo e na qual se lhe imputa a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de: um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), ex vi artigo 204.º, n.º 1, al. f) e n.º 2, al. f), todos do Código Penal, bem como pelo artigo 4.º do Decreto Preambular ao Código Penal; um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, al. m) e al. ax), 3.º, n.º 2, al. e) e 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro e um crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 22º, n.ºs. 1 e 2, al. a), 23º, 154º, n.ºs. 1 e 2, e 155º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 131º do Código Penal, e a verificação dos perigos, nomeadamente, de fuga e de continuação da actividade criminosa, que foram determinantes para a aplicação de tal medida de coação no final do primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que o mesmo foi sujeito ( adiantando-se que na decisão que impôs a sujeição do recorrente a tal medida de coacção se afirmou, para além da existência de tais perigos, também a do perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade pública, não tendo, porém, a verificação deste último sido sufragada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em sede de recurso).

           Constituindo a obrigação de reexame periódico oficioso dos pressupostos da prisão preventiva uma importante garantia de defesa dos direitos do arguido, pois obriga a uma pronúncia explícita periódica do juiz sobre a manutenção dos pressupostos da medida de coação, a fundamentação da decisão de reexame, quando não haja nenhuma alteração das circunstâncias desde a última decisão, satisfaz-se com a remissão para os fundamentos de facto e de direito, do despacho que aplicou a medida de coação – neste sentido, vide,  Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, 3ª Edição Revista, pag. 829.

           No caso concreto, como deflui do despacho recorrido, foi considerado que se mantinham os pressupostos de facto que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva imposta ao arguido AA, a qual, ao nível da qualificação jurídica, sofreu ligeira alteração na acusação entretanto deduzida nos autos ( mantendo a indiciação pelos crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), ex vi artigo 204.º, n.º 1, al. f) e n.º 2, al. f), todos do Código Penal, bem como pelo artigo 4.º do Decreto Preambular ao Código Penal e pelo crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, al. m) e al. ax), 3.º, n.º 2, al. e) e 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e alterando a indiciação considerada aquando do 1º interrogatório relativamente ao crime de extorsão, previsto e punido pelo art. 223º, nºs 1 e 3 do CP, para a indiciação pelo crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 22º, n.ºs. 1 e 2, al. a), 23º, 154º, n.ºs. 1 e 2, e 155º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 131º do Código Penal, e, por não se mostrar excedido o prazo máximo da sua aplicação, foi determinado que o mesmo continuasse a aguardar os ulteriores termos processuais sujeito a tal medida.

           A decisão que aplica medida de coação está sujeita à condição rebus sic stantibus, no sentido de se manter a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que assentam.

            A modificação das medidas de coacção – fora das situações de procedência de recurso que a vise – está prevista no Código de processo Penal:

            - a) por violação das obrigações impostas ( art. 203º);

            - b) por razões de saúde, de gravidez e de puerpério ( art. 211º );

            - c) por revogação e substituição (Art. 212º); e

            - d) em sede de reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação.

           A sujeição das medidas de coação à cláusula rebus sic stantibus, implica que o tribunal que aplicou a medida só a pode substituir ou revogar quando tenha ocorrido uma alteração dos pressupostos de facto ou de direito, por isso, enquanto não ocorrerem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi aplicada a medida de coação, não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios.

           No caso vertente, como já deixamos dito, o Mmo. Juiz a quo, no despacho de reexame dos pressupostos da prisão preventiva aplicada nos autos ao arguido ora recorrente, proferido ao abrigo do disposto no art. 213º, nº1 a) do CPP, entendeu manterem-se os pressupostos que determinaram a sujeição do mesmo a tal medida de coação aquando da sua aplicação, na sequência do 1º interrogatório judicial a que foi sujeito.

           Da argumentação recursiva apresentada pelo recorrente resulta que o mesmo discorda do entendimento sufragado na decisão que lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva aquando do primeiro interrogatório judicial a que foi sujeito, a respeito da necessidade, suficiência e proporcionalidade de tal medida de coação, discordância essa que, sem êxito e com os mesmos motivos, já fez valer no recurso que dela interpôs para este Tribunal da Relação, o qual, por acórdão datado de 22 de novembro de 2023, mereceu as considerações neste expendidas, rematadas com a  decisão de manutenção a medida de coacção preventiva que lhe foi aplicada, assim nele sintetizada “... sufragando a matéria indiciada levada em consideração aquando da aplicação de tal medida, descortinando nesta o preenchimento de um crime de roubo consumado, p. e p. pelo art. 210.º, nº1, do CP (a que corresponde pena de prisão de um a oito anos), um crime de extorsão qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art. 223.º, nº 1 e 3-a, 204.º, nº2, f), e 22.º, nºs 1 e 2-a-b, 23.º, nºs 1 e 2, e 73.º, nº1, a) e b), do CP (a que corresponde pena de prisão de sete meses e seis dias a dez anos), e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, nº1, d) da Lei das Armas (a que corresponde pena de prisão de um mês a quatro anos ou, em alternativa, pena de multa entre dez e quatrocentos e oitenta dias) e a verificação dos perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, este em grau mais intenso do que aquele.”

            A entender que existem circunstâncias relevantes susceptíveis de atenuarem as exigências cautelares que ditaram a aplicação ao mesmo da medida de coacção de prisão preventiva, deveria o arguido ter enveredado por requerer a revogação ou substituição de tal medida de coação, lançando mão do disposto no art. 212º do CPP, como lhe permite o nº4 do mesmo, o que não fez.

            Daí que, não resultando dos autos, como não resulta, qualquer motivo susceptível de poder ser ponderado aquando da prolação da decisão ora recorrida  - prolatada aquando do 1º reexame dos pressupostos da prisão preventiva - como atenuante das exigências cautelares que justificaram a aplicação de tal medida de coacção ao arguido ora recorrente, é manifesto que não pode este pretender fazer valer as circunstâncias que densifica em sede recursiva, visando a revogação da decisão recorrida, e, por via disso, a revogação ou substituição de tal medida de coação por outra menos gravosa.

           De notar, ainda, que no despacho em que se decidiu a sujeição do recorrente à medida de coação de prisão preventiva, o Mmo. Juiz que o proferiu, ponderando a importância de dar prevalência a medidas de coação não privativas da liberdade em detrimento das privativas da liberdade, e dentro estas, ainda à menos gravosa em detrimento da mais gravosa, optou pela aplicação ao recorrente da mais gravosa medida de coação privativa da liberdade, opção essa que fundamentou, mantendo tal decisão perfeita actualidade, tendo em conta que se mantêm inalteradas as circunstâncias com base nas quais assim se decidiu.

           Conforme se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/09/2020, disponível em www.dgsi.pt “ A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação; II-Ou seja a decisão que determina a prisão preventiva, se não for objecto de recurso ou, tendo-o sido, mas mantida nos seus precisos termos, adquire força de caso julgado, sem prejuízo do princípio “rebus sic stantibus” condição a que, pelas continuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas às medidas de coacção. Assim enquanto não ocorrerem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi determinada a prisão preventiva, não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios”.

           No mesmo sentido se pronunciaram também o Ac. do STJ, de 07.01.1998, in BMJ 473, pag. 564 e o Ac. do TC de 30.07.2003, Proc. 485/03, DR II Série, de 04.02.2004.

Donde, nenhum reparo nos merece a decisão recorrida que determinou a manutenção da sujeição do arguido ora recorrente à medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada aquando do 1º interrogatório, não se vislumbrando - nem em rigor o recorrente o desenvolve argumentativamente em sede recursiva - em que medida o despacho recorrido se teria desviado, na interpretação da norma contida no art. 18.º, nº2, da CRP, notando-se, em todo o caso, que se é certo que o direito constitucional dos cidadãos à liberdade (art. 27.º, nº1, da CRP) apenas pode ser restringido nos limites do necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos, a mesma Constituição, nos art. 27.º, nº3, c), e 28.º, contempla a concreta restrição decorrente da aplicação de prisão preventiva e da sua manutenção nos termos e prazos previstos na lei, os quais, in casu, se mostram respeitados.

Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso e mantém-se o despacho recorrido.


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            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:

           1. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, e, consequentemente, manter a decisão recorrida.

           2. Condenar o recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs ( Art. 513º nº1 CPP, 8º nº9 do RCP e Tabela III a este anexa).


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            Coimbra, 21 de fevereiro de 2024

               (Texto elaborado pela relatora e revisto por todas as signatárias – art. 94º, nº2 do CPP )

(Maria José Guerra – relatora)

(Maria José Matos – 1ª adjunta)

(Cândida Martinho – 2ª adjunta)