Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1391/11.3TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 07/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.224, 230, 410, 436, 442, 790, 791, 801, 808 CC
Sumário: 1.- A resolução extrajudicial de um contrato pode efectivar-se através de mera declaração unilateral receptícia (art. 224º, nº 1, e 436º, nº 1, do CC), e após ser recebida pelo destinatário torna-se irrevogável, salvo acordo em contrário (art. 230º, nº 1, do CC);

2. Se o réu no seu articulado de contestação/reconvenção requereu ao tribunal, em Outubro de 2011, que fosse decretada a resolução do contrato-promessa que celebrou com o autor e se provou que, em resultado de declaração da resolução do contrato comunicada pelo mesmo ao autor por via postal, o contrato se encontrava já extinto desde Junho de 2011, o pedido que se mostrava legal e formalmente admissível, traduzir-se-ia na apreciação judicial da legalidade da resolução que havia sido levada a cabo.

3.- Um dos fundamentos legais para se considerar verificado o incumprimento definitivo é o da impossibilidade superveniente da obrigação imputável ao devedor, incumprimento definitivo a permitir a resolução do contrato (art. 801º do CC);

4.- Se em contrato-promessa de compra e venda de uma fracção habitacional livre de pessoas e bens, o promitente vendedor arrendou a mesma a terceiros até à data da escritura, só pode considerar-se haver incumprimento definitivo, a ele imputável, a partir daquela data, se a probabilidade de realização da sua prestação, a celebração da dita escritura de compra e venda e consequente entrega do imóvel devoluto, se tornar extremamente improvável, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, o que circunstancialmente há que apurar.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. S (…), residente em Castelo Branco, intentou a presente acção declarativa contra L (…), residente em Mação, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 10.000 €, correspondente ao dobro do sinal, acrescido de juros legais desde a data da citação, até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter celebrado contrato-promessa de compra e venda, em Março de 2010, com o R., a quem sinalizou com 5.000 €, sendo o restante a pagar na data da escritura pública de compra e venda, a ter lugar na última quinzena do mês de Abril de 2010. Foi contratado que o apartamento a vender seria a estrear por ele. A escritura não pode ser celebrada por o A. ter tido dificuldade na obtenção de crédito bancário, não obstante ter-se mantido o interesse na celebração do contrato. Entre Setembro a Dezembro de 2010, ficou a saber que o R. tinha arrendado o apartamento prometido vender. Questionou o R. por carta, a tal respeito, tendo-lhe este respondido que mantinha interesse na venda, mas não esclareceu se o arrendou. O R. marcou, em 17.5.2011, escritura de compra e venda para 31.5.2011, a que o A. não compareceu, por o apartamento estar ocupado. Assim, o incumprimento do contrato-promessa é inteiramente imputável ao R.

Contestou o R. dizendo, em suma, ter garantido ao A. por carta de 20.4.2011 que após a recepção da documentação pedida ao A. iria de imediato proceder à marcação da escritura, do que lhe seria dado conhecimento, e a casa ser-lhe-ia entregue no dia da escritura livre e devoluta. Que o A. não tinha originariamente condições para cumprir o contrato que celebrou com o R., competindo aquele obter a quantia de necessária a pagar o preço até à última quinzena do mês de Abril de 2010, devendo o mesmo ter avaliado a possibilidade de obtenção de empréstimo antes de celebrar o contrato de promessa de compra e venda. Que o A. sabia muito bem quando recebeu a carta de 17.5.2011 que o R. se havia comprometido a entregar-lhe o imóvel livre e devoluto no dia agendado para a escritura, de 31.5.2011, conforme resulta da referida carta de 20.4.2011. Quem incumpriu definitivamente o contrato foi o A., por isso resolveu o contrato por carta de 20.6.2011. Que apesar de o contrato prometido não ter sido celebrado até final de Abril de 2010, entendeu dar uma segunda oportunidade ao A. fixando uma data para a escritura. No entanto, a fixação dessa data para a escritura nada acrescentou à relação contratual em causa, nem na sua exigibilidade, nem na sua mora, nem no cumprimento do programa contratualmente assumido pelas partes.

Em face do alegado, o R. peticionou, em reconvenção, que o Tribunal declare a resolução do contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos, por via do incumprimento definitivo por parte do A., tendo, por isso, direito a fazer seu o valor recebido a título de sinal.

O A. respondeu à reconvenção, dizendo que a resolução do contrato-promessa pode efectivar-se através de declaração unilateral, que foi o que o R. fez através da carta dirigida ao A., de 20.6.2011, pelo que carece de sentido a peticionada resolução judicial do mencionado contrato, devendo, ao invés, ter sido pedida a apreciação judicial da legalidade da resolução operada pela dita carta de 20.6.2011. Desta maneira, improcede tal pedido reconvencional. Mais ampliou o pedido formulado na petição inicial, no sentido de ser judicialmente declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda dos autos por culpa e em resultado do incumprimento definitivo do R.

O R. pugnou, em requerimento autónomo, pelo indeferimento da ampliação do pedido, por o considerar alteração não admissível.

Em sede de despacho saneador foi admitida a reconvenção.

*

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente, e, nessa decorrência, julgou legítima a resolução do contrato-promessa por parte do reconvinte/R., através da carta de 20.6.2011 e declarou que o mesmo tem o direito a fazer seus os 5.000 € entregues pelo reconvindo/A. a titilo de sinal.

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2. O A./reconvindo interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões, que se sintetizam (que não se reproduzem por inteiro, por as alegações terem sido apresentadas unicamente em papel):

1. O pedido reconvencional do R. de ver decretada a resolução judicial do contrato-promessa não é legal nem formalmente admissível, mas tão só a apreciação judicial da legalidade da resolução extrajudicial operada pelo R. pela carta de 20.6.2011;

2. A sentença recorrida ao julgar legítima tal resolução extrajudicial proferiu condenação em objecto diverso do pedido, em violação do art. 661º, nº 1, do CPC, pelo que é nula, nos termos do art. 668º, nº 1, e), do CPC;

3. A falta de informação ao recorrente sobre se o andar se encontrava arrendado a terceiros, acrescido de ter ficado provado que assim era, privando o apelante de um elemento essencial do contrato-promessa firmado, conferem plena justificação para que o recorrente não tivesse comparecido à escritura, pois a carta enviada pelo recorrido ao apelante em 17.5.2011 não tem qualquer efeito admonitório;

4. Ao ter arrendado a casa a terceiros o incumprimento do contrato-promessa é imputável ao recorrido, devendo pois decretar-se a resolução do contrato-promessa, como pedido pelo recorrente/A., devendo o R. ser condenado a devolver o sinal em dobro ao apelante, no montante de 10.000 €;

3. O R./reconvinte contra-alegou, tendo apresentado as seguinte conclusões:

1º) Nos termos do contrato celebrado a escritura pública, devia ter sido celebrada na última quinzena do mês de Abril de 2010, o que apenas não aconteceu porque o recorrente não logrou reunir o capital necessário para o efeito, através de crédito bancário;

2º) Assim, o Recorrente ao não outorgar a escritura de compra e venda até final de Abril de 2010, incorreu em mora, dado que o recorrido continuou a manter interesse na celebração do contrato prometido;

3º) E não tendo o Recorrente comparecido à escritura pública que chegou a estar marcada para 31 de Maio de 2011, depois de advertido que tal constituiria sinal derradeiro para o recorrido de que pretendia cumprir aquele contrato, incorreu em incumprimento definitivo sem causa justificativa;

4º) Sendo como tal legítima a resolução do contrato operado através da carta remetida pelo recorrido ao recorrente em Junho de 2011, sem necessidade de qualquer confirmação ou ratificação judicial;

5º) Assim, o recorrido tem direito de haver para si o sinal pago pelo recorrente;

6º) Falecem as conclusões vertidas no recurso;

7º) Não se mostram violados os preceitos legais invocados;

8º) A decisão recorrida deve manter-se.

A finalizar ainda se impetra o douto suprimento de V. Exa. para as deficiências do nosso patrocínio, clamando-se …

JUSTIÇA!!!

II – Factos Provados

A. Por escrito particular datado de 04 de Março de 2010, que as partes denominaram "Contrato Promessa de Compra e Venda", junto nos autos a fls. 7, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Réu declarou vender ao Autor, e este declarou comprar àquele, pelo preço de €147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros) o 1º andar frente (T3) e o parqueamento nº 2 no piso -2, do prédio sito na urbanização ..., em Castelo Branco, licenciado pelo alvará de construção nº 46/2005 da Câmara Municipal da Castelo Branco.

B. Tendo o Autor entregue naquela data ao Réu a quantia de €5.000 (cinco mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento e ficando de entregar o restante €142 000 (cento e quarenta e dois mil euros), na data da escritura pública a celebrar na última quinzena do mês de Abril de 2010.

C. Autor e Réu acordaram que o prédio seria vendido livre de hipotecas.

D. A escritura pública não pode ser realizada no prazo acordado (última quinzena de Abril de 2010) por o Autor, que é de nacionalidade moldava, ter tido dificuldades na obtenção de crédito bancário.

E. O Autor nunca tomou posse do andar.

F. A 02 de Abril de 2011, o Autor enviou ao Réu a missiva constante de fls. 8, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde se refere: “Tendo vindo a tomar conhecimento de que V.EXª terá arrendado a terceiros o andar que (…) me prometeu vender venho solicitar-lhe que me informe se tal facto corresponde à verdade (…).”

G. Em resposta o Réu enviou ao Autor a missiva constante de fls. 9, com o seguinte teor: “Acuso a recepção da sua carta datada de 2/04/2011, referente ao assunto à margem referenciado e decorrido que está praticamente um ano em relação à celebração do contrato.

Em resposta à mesma e como é do conhecimento de V. Exa., a escritura definitiva de compra e venda só não foi efectuada na última quinzena do mês de Abril de 2010 conforme consta do contrato, porque V. Exa. não conseguiu obter o financiamento bancário necessário para proceder ao pagamento do preço da fracção objecto do contrato em causa.

Em consequência de tal facto a mesma não chegou sequer a ser marcada.

Aliás, esta poderia ter sido marcada por V. Exa., o que também não ocorreu.

Em concreto e no que diz respeito ao referido na sua carta informo que mantenho interesse em efectuar a venda, pelo que, se for esse também o seu propósito agradeço me envie no prazo máximo de 8 dias, após a recepção desta carta, fotocópia dos seus elementos de identificação para que eu possa proceder à marcação da escritura de compra e venda objecto do contrato à margem referenciado. Após a recepção da citada documentação irei de imediato proceder à marcação da escritura, do que lhe será dado conhecimento e a casa ser-lhe-á entregue no dia da escritura, livre e devoluta. Informo ainda que se não enviar tal documentação no prazo referido, considerarei que V. Exa. não mantém interesse em efectuar a citada escritura. Fico a aguardar o envio da documentação solicitada.”

H. A 17 de Maio de 2011, o Réu enviou ao Autor a missiva constante de fls. 10, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, comunicando-lhe que a escritura pública de compra e venda realizar-se-ia no dia 31 de Maio de 2011 no Cartório Notarial de Mação.

I. Em resposta, o Autor enviou ao Réu a missiva datada de 20 de Maio de 2011, constante de fls. 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que o Réu recebeu, onde informa: “(…) Fico, ainda, a aguardar que me esclareça, já que ainda não o fez não obstante a minha solicitação por carta de 2 de Abril de 2011, se o apartamento em causa se encontra ou não arrendado a terceiros, como me consta de fonte segura, e, se assim é, como pretende V.Exª cumprir o contrato promessa que firmámos.”

J. O Autor não compareceu na data marcada pelo Réu – 31.05.2011 - para a realização da escritura no Cartório Notarial de Mação.

K. A 20 de Junho de 2011, o Réu enviou ao Autor a missiva constante de fls. 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que aqui se reproduz:

“Face ao facto de V.Exª não ter comparecido no dia designado para a outorga da escritura definitiva de compra e venda (31/05/2011) no Cartório Notarial de Mação, informo que considero resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado a 4 de Março de 2010, uma vez que a sua falta de comparência inviabilizou a realização da escritura, sendo tal facto revelador da sua falta de interesse em efectuar a mesma”.

L. A 31 de Maio de 2011, a Conservatória do Registo Predial de Mação emitiu o certificado de fls. 27, com o seguinte teor: “ Certifico que dia trinta e um de Maio de dois mil e onze, pelas dez horas, na Conservatória do Registo Predial de Mação, esteve marcado um procedimento Casa Pronta, com o número de processo 34923/2011, com o título de compra e venda, da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar frente, com arrecadação número dois no sótão e aparcamento número dois no piso menos dois, para habitação, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal implantado no lote A-cento e vinte e oito, sito na Zona da Granja ou Rua Dr. Vítor Santos Pinto, freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz sob o artigo 14497, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o número seis mil setecentos e trinta e quatro, em que intervinha como vendedor L (…) solteiro, maior, natural da freguesia de (...), concelho de Lisboa, residente na Rua (...), concelho de Mação, (…), titular do CC n.º (…) válido até 16 de Novembro de 2015, como comprador S (…), residente em Castelo Branco, NIF (…)pelo preço de cento e quarenta e sete mil euros, tendo comparecido só o vendedor, a qual não se realizou por falta de comparência do comprador.”

M. O Autor pretendia destinar a facção autónoma à sua residência, uma vez que tinha sido contratado pelo Hospital de Castelo Branco para aí exercer a actividade de médico cirurgião.

N. Desde Setembro de 2010, a fracção autónoma identificada em A) está arrendada a um casal de médicos a exercer funções no hospital distrital de Castelo Branco.

O. O Réu sabia que o andar em causa só interessava ao Autor se, a partir da outorga da escritura pública de compra e venda, estivesse devoluto de pessoas e bens.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Inadmissibilidade do pedido reconvencional.

- Nulidade da sentença.

- Resolução do contrato-promessa pelo A. e dobro do sinal.

2. A resolução extrajudicial de um contrato pode efectivar-se através de mera declaração unilateral receptícia (art. 224º, nº 1, e 436º, nº 1, do CC). E após ser recebida pelo destinatário torna-se irrevogável, salvo acordo em contrário (art. 230º, nº 1, do CC) -------- vide, igualmente, Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, pág. 294.

Ora, quando um dos contratantes declara extrajudicialmente a resolução, já não há necessidade de recurso à via judicial. Isso só ocorre, fora dos casos em que a lei impõe a resolução judicial, quando a contraparte não aceita a declarada resolução (ou contesta os seus efeitos), caso em que se torna necessário haver lugar a uma apreciação judicial, assumindo o tribunal um papel certificativo, por controlo a posteriori, ao confirmar ou infirmar a legitimidade material da declarada resolução. Não há, assim, que propor uma acção rescisória, de natureza constitutiva ---------- vide, neste sentido, o Prof. Antunes Varela, em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao art. 436º, pág.387, D. Obrigações, Vol. II, 5ª Ed., pág. 275, Galvão Telles, D. Obrigações, 2ª Ed., pág. 463/464, e Brandão Proença, ob. cit., pág. 293.

No nosso caso, o recorrido resolveu extrajudicialmente o contrato-promessa (facto K.), por declaração de 20.6.2011, que assim se extinguiu, pelo que não faz qualquer sentido, peticionar reconvencionalmente (em 6.10.2011, data da apresentação do articulado de contestação/reconvenção) o decretamento judicial da resolução do dito contrato (vide arts. 48º e 49º do referido articulado, e formulação a final de tal pedido), quando o contrato já estava extinto.

Por conseguinte, o que o apelado devia ter pedido era justamente a apreciação judicial da legalidade da resolução que havia levado a cabo (neste exacto sentido veja-se o Ac. do STJ, de 11.1.2011, Proc.865/07.5TVPRT, em www.dgsi.pt, acertadamente mencionado pelo recorrente).

De maneira que o pedido reconvencional formulado pelo R./apelado não era legalmente e formalmente admissível, ao contrário do despacho que o admitiu.

O que agora se declara, revogando-se o respectivo despacho.

Consequentemente mostra-se infundado o pedido reconvencional do recorrido, daquele outro dependente, de perda do sinal prestado pelo recorrente, como igualmente infundada a decisão recorrida que determinou que o apelado/reconvinte tinha direito a fazer seus os 5.000 € de sinal prestado.   

3. Face ao acabado de expor e decidido, torna-se inútil saber se a sentença era nula por condenação em objecto diverso do pedido, em violação dos arts. 661º, nº 1, e 668º, nº 1, e), do CPC.

4. Está em causa nestes autos um contrato-promessa de compra e venda de um apartamento e de um parqueamento.

O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato – art. 410º, nº 1, do Código Civil -, que no caso é bilateral, pois ambas as partes contratantes assumiram a obrigação de celebrar o contrato prometido (cfr., por oposição, o art. 411º, do CC).

Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo anda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago (art. 442º, nº 2, do CC).

É conhecida a divergência doutrinal e jurisprudencial sobre se estas sanções do citado preceito consagram um regime específico para o incumprimento no contrato-promessa, segundo o qual bastaria uma simples mora ou demora no cumprimento de um dos promitentes para que o outro recorresse a tais sanções, ou se, pelo contrário, às mesmas é aplicável o regime geral da resolução do contrato, sendo necessário um incumprimento definitivo para serem desencadeadas.

Tem sido predominante o segundo entendimento (entre outros Calvão da Silva, em Sinal e Contrato-Promessa, 5ª Ed., págs. 85 e segs., G. Telles, ob. cit., 6ª Ed., pág. 112, Ana Prata, em Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, 2001, págs. 780 e segs., Meneses Leitão, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 240, e F. Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral – Contratos Promessa em Especial, pág. 202/205). De igual modo, a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido, nos últimos anos, praticamente unânime no sentido desse mesmo segundo entendimento (veja-se os inúmeros arestos mencionados em F. Gravato Morais, ibidem, e em M. Cordeiro, Tratado, II, D. Obrigações, T. II, págs. 388/389).

Temos assim que, de acordo com este entendimento, largamente dominante e que é também o nosso, perante um incumprimento do promitente-vendedor, o promitente-comprador tem duas faculdades, consoante o incumprimento constitui um mero atraso na prestação ou constitui um incumprimento definitivo: no primeiro caso poderá recorrer à execução específica do contrato-promessa, de acordo com o art. 830º do CC, forçando o promitente faltoso a cumprir o acordado; no segundo caso, considerando o contrato findo, poderá recorrer às sanções do referido art. 442º, nº 2, do mesmo código, nomeadamente reclamar a restituição do sinal em dobro.

Por isso, é condição de procedência de resolução do contrato e de restituição do sinal em dobro, formulado pelo ora recorrente/autor, que o incumprimento do réu tenha sido definitivo.

Prosseguindo, diremos que tal incumprimento definitivo se alcança através de cinco fundamentos legais.

Um deles, é através do funcionamento do art. 808º do CC, que prevê os casos em que o incumprimento se torna definitivo, após mora do devedor, quer quando o credor perdeu o interesse que tinha na prestação, quer quando esta não é realizada dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor. No nosso caso nada disso foi invocado pelo A./recorrente.

Outro, é o caso em que o devedor faltoso recusa categoricamente o cumprimento. Também o apelante nada invocou nesse aspecto.

Um terceiro caso, dá-se quando o contrato ficou sujeito a um termo certo essencial subjectivo ou termo objectivo, caso em que ultrapassado se dá o referido incumprimento definitivo. Igualmente, sobre esta situação o apelante nada alegou.

Um quarto fundamento, refere-se à situação de se verificar uma impossibilidade superveniente da obrigação, objectiva ou subjectiva, como previsto nos arts. 790º, nº 1, e 791º do CC. Ou seja impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor, que implica a extinção simples do contrato. O recorrente nada diz, obviamente, sobre esta questão, o que é lógico, pois pretende o dobro do sinal incompatível com tal extinção.

Finalmente, como último caso, temos a hipótese de haver impossibilidade superveniente da obrigação imputável ao devedor, promitente faltoso, incumprimento definitivo a permitir a resolução do contrato (art. 801º do CC).

E é aqui que assenta a pretensão do A., ao alegar que a falta de informação ao recorrente sobre se o andar se encontrava arrendado a terceiros, acrescido de ter ficado provado que assim era, privando o apelante de um elemento essencial do contrato-promessa firmado, conferem plena justificação para que o recorrente não tivesse comparecido à escritura, daí que ao ter arrendado a casa a terceiros o incumprimento do contrato-promessa é imputável ao recorrido.

Relembre-se, do acervo factual apurado, que a escritura pública deveria ter lugar na última quinzena do mês de Abril de 2010, o que não aconteceu porque o A. não logrou reunir o capital para pagar o preço respectivo ao R., por não ter obtido o necessário crédito bancário. Ou seja, o A. ao não outorgar a escritura pública de compra e venda até ao final de Abril de 2010 incorreu em mora. Apesar disso, o R. continuou a manter interesse na celebração do contrato prometido. E solicitou ao A. (em 20.4.2001, conforme fls. 9), praticamente um ano depois, que se o A. continuasse a ter interesse no contrato lhe fornecesse, então, no prazo de 8 dias, os elementos de identificação para marcação imediata da escritura, por ele R., dizendo-lhe também que a casa ser-lhe-ia entregue no dia da escritura, livre e devoluta. Mais o avisou que a falta de envio dos citados elementos importaria para ele R. falta de interesse em efectuar a citada escritura.

Todavia o A. nada respondeu, nem forneceu os elementos de identificação solicitados, mantendo-se em silêncio…..

Mesmo assim, o R. agendou a escritura e comunicou ao A.  

Porém, o A. não compareceu à escritura pública agendada para 31.5.2011.

Desta maneira, torna-se medianamente evidente que se alguém incumpriu definitivamente o aludido contrato-promessa, sem causa justificativa, foi o A., pois a sua conduta patenteou que não queria satisfazer e executar a prestação devida.

O A./recorrente estriba-se, contudo, no facto de a fracção prometida vender estar arrendada.

Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Com efeito, a alegação de que o R. não lhe respondeu cabalmente à carta de Abril de 2011, em particular quanto à questão de saber se a casa estaria ocupada por terceiros, não configura causa legítima para não ter comparecido à escritura de compra e venda, pois que o mesmo R. se comprometeu para consigo a que lhe entregaria na data da escritura a casa livre e devoluta de pessoas e bens. E se, nessa data, assim não sucedesse, então assistiria ao A. o direito a não cumprir a promessa, ou tendo já sido formalizado o contrato prometido, pedir a condenação do R. por perdas e danos.

(…)

Acresce que, no momento em que o R. arrendou a casa em causa, já o A. se encontrava em mora, e só não em incumprimento definitivo porquanto o R. ainda mantinha interesse na celebração do contrato definitivo.

Assim sendo, era inexigível ao R. sequer avisar o A. da constituição de tal ónus pessoal” – fim de transcrição.

Concordamos com o raciocínio da dita sentença. Efectivamente, o R. sabia que o andar só interessava ao A. se a mesma estivesse devoluta, mas só a partir da outorga da escritura pública de compra e venda (facto O.). E até lhe disse isso, na aludida carta de 20.4.2011.  

Mas, até lá nada impedia que o R. tivesse arrendado ou cedido a fracção a terceiros. As partes nada acordaram em sentido contrário, pelo que o R. para cumprir a sua prestação só tinha que, até 31.5.2011, garantir a desocupação da fracção locada a terceiros.

De que maneira o faria não o sabemos em concreto, sabemos sim que estava obrigado a tal resultado.

Só se viesse provado que o A., devedor da prestação, não tinha ao seu alcance meios de obter tal resultado se poderia afirmar, com solidez, que não estava em condições de cumprir a sua prestação, mostrando que a execução da prestação era de todo improvável. Neste sentido, A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 3. ao art. 801º, quando professa que há impossibilidade da prestação, não só quando esta se torna seguramente inviável, mas também quando a probabilidade da sua realização, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torne extremamente improvável.

O que circunstancialmente, como dissemos, não se logrou apurar.

Não se verifica o apontado incumprimento definitivo do R., improcedendo a pretensão do A./recorrente.

5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A resolução extrajudicial de um contrato pode efectivar-se através de mera declaração unilateral receptícia (art. 224º, nº 1, e 436º, nº 1, do CC),  e após ser recebida pelo destinatário torna-se irrevogável, salvo acordo em contrário (art. 230º, nº 1, do CC);

ii) Se o réu no seu articulado de contestação/reconvenção requereu ao tribunal, em Outubro de 2011, que fosse decretada a resolução do contrato-promessa que celebrou com o autor e se provou que, em resultado de declaração da resolução do contrato comunicada pelo mesmo ao autor por via postal, o contrato se encontrava já extinto desde Junho de 2011, o pedido que se mostrava legal e formalmente admissível, traduzir-se-ia na apreciação judicial da legalidade da resolução que havia sido levada a cabo;

iii) Um dos fundamentos legais para se considerar verificado o incumprimento definitivo é o da impossibilidade superveniente da obrigação imputável ao devedor, incumprimento definitivo a permitir a resolução do contrato (art. 801º do CC);

iv) Se em contrato-promessa de compra e venda de uma fracção habitacional livre de pessoas e bens, o promitente vendedor arrendou a mesma a terceiros até à data da escritura, só pode considerar-se haver incumprimento definitivo, a ele imputável, a partir daquela data, se a probabilidade de realização da sua prestação, a celebração da dita escritura de compra e venda e consequente entrega do imóvel devoluto, se tornar extremamente improvável, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, o que circunstancialmente há que apurar.

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso, parcialmente, procedente, assim se revogando, parcialmente, a decisão recorrida, e em consequência absolve-se o A./recorrente do pedido reconvencional do R., no demais se mantendo a referida decisão recorrida.  

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Custas da acção a cargo do A., reconvenção a cargo do R./reconvinte, e do recurso a cargo de ambos, na proporção de ½ para cada.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro