Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4386/14.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRAZO
NEGLIGÊNCIA
EXEQUENTE
AUDIÇÃO
Data do Acordão: 06/14/2016
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SECÇÃO DE EXECUÇÃO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 281º, NºS 1, 3, 4 E 5 NCPC.
Sumário: I – Desaparecida, com o NCPC, a interrupção da instância por ausência de impulso processual das partes, a anteceder a deserção da mesma, interrupção essa que logo as alertava para a futura ocorrência daquela no caso de o processo (ou o incidente) não vir a ser impulsionado, entende-se que o prazo curto de 6 meses agora consagrado nos nºs 1, 3 e 5 do citado artº 281º, face às consequências gravosas - para o Autor/Exequente, em regra - da deserção da instância e bem assim da necessidade de verificação segura de que a ausência de impulso processual há mais de seis meses se deve a negligência das partes, impõem que o Tribunal, antes de proferir uma tal decisão e na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria (artºs 3º, nº 3 e 7º, nº 1, do NCPC).

II - Tendo o Exequente requerido, no processo executivo, determinadas diligências tendentes à penhora, tem o direito de ser informado, pelo Agente de Execução (AE), do resultado dessas diligências de execução ou de outras que, na frustração destas, tal Agente, “motu proprio”, haja entendido levar a cabo (754º nº 1, alínea a), do NCPC).

III - Só depois de ter ficado de posse dessa informação é que caberá ao Exequente requerer, ao AE ou ao Tribunal, o que tiver por conveniente, em ordem a perseguir o escopo visado no processo.

IV - A deserção da instância executiva não dispensa que se apure, concretamente, que a falta de impulso processual dos autos se deve a negligência das partes.

V - Considera-se também que, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do artº 281 do C.P.C., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente.

Decisão Texto Integral:

O recurso é o próprio e foi admitido no modo de subida correcto e na espécie devida.[1]

Decisão sumária (Art.ºs 656º, 652º nº 1, al c), ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 [2]):

I - A) - 1) - Nos autos de acção executiva instaurados pelo “Banco M..., S.A.”, contra A... e mulher, a correr termos na Instância Central - Secção de Execução - J2 da Comarca de Coimbra, foi, com data de 16/02/2016, lavrada, pelo Sr. Oficial de Justiça, a cota cujo teor ora se transcreve:

“Constata-se que os autos se encontram a aguardar o impulso processual há mais de seis meses. Assim nos termos do art.º 277.º, alínea c) e artigo 281, n.º 5, ambos do C.P. Civil, extingue-se a instância executiva.

Tendo sido paga e arrecadada pelo I.G.F. a taxa de justiça devida nos autos, e não havendo lugar a pagamento de encargos, nos termos do art.º 29.º, n.º 1, al. c) da Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro, não há lugar à elaboração da conta.”.

2) - O Exequente veio reclamar da declarada extinção da instância, alegando, em síntese, que continuava a aguardar que o Solicitador de Execução o notificasse, na pessoa do respectivo advogado, nos termos do artigo 754º, nº 1, alínea a), do NCPC, do resultado da penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, penhora essa logo requerida no requerimento executivo, desconhecendo as diligências que Solicitador de Execução havia levado a efeito, ou que não realizara, para a implementação da dessa penhora.

Terminou pedindo, que, deferindo-se a reclamação, se ordenasse o normal e regular prosseguimento dos autos com notificação do Solicitador de Execução para dar cumprimento aos preceitos que a lei lhe impunha, designadamente, «…a notificação ao exequente das diligências que tem levado a efeito, ou que não realizou, para a implementação da penhora que requerida foi e/ou de outras que se justifique.».

B) - Sobre essa reclamação recaiu o despacho de 30-03-2016, onde se consignou:

«Veio o exequente reclamar da deserção da instância, verificada por cota datada de 16.2.2016, alegando, para o efeito e síntese, que se encontra a aguardar que o sr. AE localize bens penhoráveis, nomeadamente os que indicou no requerimento executivo) e que não foi cumprido o disposto no art. 754º, n.º 1, al. a).

Os presentes autos executivos foram instaurados em 17.6.2013. A última comunicação efectuada pelo AE data de 22.1.2015, dando conta de “pesquisa de bens penhoráveis”. Desde então e até à notificação da cota supra referida que o exequente nada requereu (nomeadamente quanto ao comportamento do AE).

De igual modo o sr. AE vem agora pretender mostrar as diligências efectuadas, mas que, oportunamente, não comunicou aos autos.

Ora, verificando que os autos estiverem sem qualquer movimentação durante bem mais de seis meses, não pode concluir-se de outra forma que não seja pela negligência do exequente (em última linha, dado que que lhe cabe reagir contra eventuais paragens nas diligências executivas não podendo ficar a aguardar, indefinidamente, por comunicações do AE, sendo-lhe exigível uma atitude activa na condução e acompanhamento do processo, desde logo pelo cumprimento deste no que às comunicações aos autos respeita). Não podem as partes olvidar - nem o AE - que o processo executivo é, ainda, um processo jurisdicional e que eventuais diligências havidas entre exequente e agente de execução têm que ser comunicadas ao processo (para o respectivo controlo, quer do prazo de deserção, quer da legalidade das mesmas) pelo que confirmo o acto da secretaria e julgo deserta a presente instância - art. 281º, n.º 1 e 5, do nCPC.. (…)».

II - Inconformado com o assim decidido, o Exequente apelou para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação recursiva, concluindo assim:

«…por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, deve, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido substituindo-se o mesmo por Acórdão que, aliás deferindo o requerido a fls.-, aos 16/02/2016 pelo ora recorrido ordene o normal e regular prosseguimento da execução, nos termos que requeridos foram, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei…».
III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
E a questão a solucionar é a de saber se se verificam os pressupostos legais que habilitavam o Tribunal “a quo” a declarar a deserção da instância.

IV - A) - O circunstancialismo processual e a factualidade com interesse para a resolução do presente recurso encontram-se vertidos em I “supra”.

B) - O nº 1 do artº 281º do NCPC preceitua: “Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.

Por sua vez, consignam os nºs 3 e 4 deste artigo:

“3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.”.

Finalmente, o nº 5 do referido artº 281º, preceitua: “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.

Desaparecida, com o NCPC, a interrupção da instância por ausência de impulso processual das partes, a anteceder a deserção da mesma, interrupção essa que logo as alertava para a futura ocorrência daquela no caso de o processo (ou o incidente) não vir a ser impulsionado, entende-se que o prazo curto de 6 meses agora consagrado nos nºs 1, 3 e 5 do citado artº 281º, face às consequências gravosas - para o Autor/Exequente, em regra - da deserção da instância, bem assim da necessidade de verificação segura de que a ausência de impulso processual há mais de seis meses se deve a negligência das partes, impõem que o Tribunal, antes de proferir uma tal decisão e na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria (artºs 3º, nº 3 e 7º, nº 1, do NCPC).

Ora, no caso, omitiu-se essa audição das partes a anteceder a cota que se lavrou e em que se declarou a extinção da instância, mas, mesmo após a reclamação do Exequente não se “emendou a mão”, antes se considerando que a falta de impulso processual sempre se deveria considerar imputável a negligência do Exequente, pois que «…em última linha, dado que que lhe cabe reagir contra eventuais paragens nas diligências executivas não podendo ficar a aguardar, indefinidamente, por comunicações do AE, sendo-lhe exigível uma atitude activa na condução e acompanhamento do processo, desde logo pelo cumprimento deste no que às comunicações aos autos respeita…».

Ora, o Exequente, tendo requerido, no processo executivo, determinadas diligências tendentes à penhora, tem o direito de ser informado, pelo Agente de Execução (AE), do resultado dessas diligências de execução ou de outras que, na frustração destas, tal Agente, “motu proprio”, haja entendido levar a cabo (754º nº 1, alínea a), do NCPC).

Só depois de ter ficado de posse dessa informação é que caberá ao Exequente requerer, ao AE ou ao Tribunal, o que tiver por conveniente, em ordem a perseguir o escopo visado no processo.

O que sucedeu, no caso “sub judice” é que se constatou que o processo estava a aguardar impulso processual há mais de seis meses e imputou-se, por presunção, essa falta de impulso, ao Exequente.

Ora, a deserção da instância executiva não dispensa que se apure, concretamente, que a falta de impulso processual dos autos se deve a negligência das partes, sendo que, no caso, não se apurou essa negligência relativamente ao Exequente.

Lembra-se, para confortar o que se tem vindo a dizer, o que esta Relação já entendeu na Decisão Sumária de 07 de Janeiro de 2015 (Apelação nº 368/12.6TBVIS.C1)[4]: «Se atentarmos na redacção do artº 281 nº 1 do C.P.C. constata-se que o que determina a deserção da instância é não só o processo estar parado há mais de seis meses, mas também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o ser andamento. O comportamento omissivo da parte tem assim de ser apreciado e valorado.

(…)

Considera-se também que, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do artº 281 do C.P.C., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente. Aliás, tal dever decorre expressamente do artº 3º, nº 3 do N.C.P.C. ao dispor que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.».

Em caso idêntico ao que ora se analisa, versando decisão da Instância Central - Secção de Execução - J2, da Comarca de Coimbra, escreveu-se na Decisão Sumária de 10 de Maio de 2016, proferida pela Exma. Sr.ª Desembargadora Sílvia Pires, nos autos de Apelação n.º 191/12.8TBTBU.C1 desta Relação:

«Nos processos executivos a lei não exige a prolação de qualquer decisão judicial a julgar a deserção, dado que, conforme decorre do art.º 849º, n.º 3, do C.P. Civil a própria verificação da extinção da execução executiva também ocorre independentemente de decisão judicial, sendo o agente de execução quem a deve constatar o qual fará o arquivamento electrónico e automático do processo, notificando a extinção ao executado, exequente e credores reclamantes.

A dispensa legal da intervenção do juiz na verificação da deserção nos processos executivos, não dispensa no entanto o agente de execução da verificação do outro requisito que lhe confere à inércia da parte força extintiva da instância, ou seja essa inércia, como se disse tem que resultar de uma negligência efectiva da parte da parte em impulsionar o seu andamento.

(…)

Não tendo a Exequente sido notificada da penhora por si inicialmente requerida é forçoso concluir que na data em que foi verificada a extinção da instância ainda não haviam passado os seis meses de inércia necessários para a deserção ocorrer caso se apurasse da negligência da exequente.».

Ora, no caso “sub judice”, pelo menos quanto ao Exequente, não vemos que o despacho recorrido contenha elementos para concluir pela apontada negligência, ou seja, nesse despacho chega-se a uma conclusão que os elementos que nele se referem não permitem tirar quanto ao preenchimento dos pressupostos que o citado artº 281º, nº 5 exige para ser declarada a deserção da instância.

Não resultando dos elementos constantes dos autos, pois, quanto ao Exequente, que haja sido por sua negligência que aqueles se quedaram sem impulso por mais de seis meses, não podia ser declarada a deserção da instância, pelo que o despacho recorrido não se pode manter.

V - Decisão:

Em face do exposto, decide-se, revogar o despacho recorrido e determinar que os autos sigam os respectivos termos, notificando-se o Exequente, no Tribunal “a quo”, para que requeira o que tiver por conveniente.

Sem custas.

Coimbra, 14/06/2016


(Luiz José Falcão de Magalhães)


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[1] Na presente decisão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, evidentemente, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Doravante NCPC, para se distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC.
[3] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais Acórdãos, em texto integral, do STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -,  em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.
[4] Relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Maria Inês Moura e consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.