Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
195/13.3TBPCV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: EXECUÇÃO
OBRIGAÇÃO
EXIGIBILIDADE
RESOLUÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
CITAÇÃO
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - 1ª SEC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.224, 805, 809 CC, 713 CPC
Sumário: 1 – Na cláusula resolutiva expressa têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo não cumprimento dará direito à resolução.

2 – Pese embora demonstrada a circunstância objectiva do incumprimento das obrigações pelos Executados, a Exequente/recorrente teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.

3 – Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento.

4 – Na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo [“quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”], mas tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, situação que se manteve inalterada na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06).

Decisão Texto Integral:       






      Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

R (…) (Número de Identificação Fiscal: (…)) e cônjuge, M (…) (Número de Identificação Fiscal (…), Executados no Processo Executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados, vieram deduzir Oposição à Execução contra a Exequente, “B (...) S.A.(Número de Identificação de Pessoa Colectiva: (…)).

*

De referir que a Exequente havia intentado, a 29-04-2013, a dita acção executiva com base em dois contratos de mútuo, um celebrado a 01-03-2007 e outro a 26-02-2010.

a) Em relação ao contrato de mútuo de 01-03-2007: alegou a Exequente que emprestou aos Executados a quantia de €55.000,00(cinquenta e cinco mil euros) que os mesmos receberam e da qual se confessaram devedores; convencionou-se que o empréstimo seria retribuído com o pagamento de juros remuneratórios, à taxa nominal anual de 7,7%, e que, em caso de mora, a taxa seria agravada com uma sobretaxa de 4% ao ano, a título de cláusula penal; clausularam que o reembolso do dinheiro e dos juros remuneratórios deveria ser efectuado em 384 prestações mensais e sucessivas; porém, desde Novembro de 2012, os Executados deixaram de pagar a prestação mensal; pede a Exequente a cobrança coactiva das seguintes quantias:

– €49.129,40; de capital;

– €2.784,68; de juros moratórios, à taxa anual 11,7% (7,7%+4%), desde o início do incumprimento até a 15-04-2013;

– €111,40; de Imposto do Selo;

– €28,40; de comissões e despesas;

– Juros moratórios vincendos até efectivo e integral pagamento.

¨¨

b) Em relação ao contrato de mútuo de 26-02-2010: alegou a Exequente que emprestou aos Executados a quantia de € 29.500,00(vinte e nove mil e quinhentos euros) que os mesmos receberam e da qual se confessaram devedores; convencionou-se que o empréstimo seria retribuído com o pagamento de juros remuneratórios, à taxa nominal anual de 7,7%, e que, em caso de mora, a taxa seria agravada com uma sobretaxa de 4% ao ano, a título de cláusula penal; clausularam que o reembolso do dinheiro e dos juros remuneratórios deveria ser efectuado em 324 prestações mensais e sucessivas; porém, desde Agosto de 2012, os Executados deixaram de pagar a prestação mensal; pede a Exequente a cobrança coactiva das seguintes quantias:

– €29.328,77; de capital;

– €2.539,30; de juros moratórios, à taxa anual 11,7% (7,7%+4%), desde o início do incumprimento (12-08-2012) até a 15-04-2013;

– €101,60; de Imposto do Selo;

– Juros moratórios vincendos até efectivo e integral pagamento.

*

Os Executados deduziram Oposição contra a execução alegando em síntese:

Aceitam que celebraram com a Exequente os contratos de mútuo de 01-03-2007 e de 26-02-2010.

Aceitam que deixaram de cumprir pontualmente as obrigações contratuais de pagamento das prestações convencionadas, embora não sendo verdadeiras as datas indicadas no requerimento executivo como sendo as datas do início dos incumprimentos.

Alegam que nunca a Exequente emitiu qualquer declaração resolutória dos contratos, pelo que é inexigível a pagamento das dívidas exequendas.

Por outro lado, quanto ao contrato de mútuo de 01-03-2007, na data de 03-03-2013, apenas se encontrava vencida e não paga a quantia de €10,68, pelo que inexistia uma situação de incumprimento que legitimasse a Exequente a considerar a resolução do contrato.

Quanto ao contrato de mútuo de 26-02-2010, na data de 03-03-2013, a quantia que se encontrava vencida e não paga era de €963,96.

Pugnam pela procedência da oposição e pela extinção parcial do Processo Executivo, com a correcção do valor em dívida e respectivos juros.

*

A Exequente contestou.

Alega que efectivamente procedeu à resolução dos contratos de mútuo por carta datada de 25-05-2012.

E por carta datada de 10-01-2013 novamente comunicou aos Executados a resolução dos contratos, sendo clara a exigibilidade da obrigação exequenda.

Quanto aos incumprimentos contratuais reafirmam a alegação constante do requerimento executivo.

Pugna pelo total improcedência da Oposição à Execução.

*

Proferiu-se despacho saneador e despacho a dispensar a condensação da matéria de facto.

*

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, em duas sessões, de acordo com os legais formalismos, e proferiu-se despacho de fixação da matéria de facto, relativamente ao qual não houve reclamações.

Foi na sequência prolatada sentença, através da qual se entendeu, em síntese, no que às invocadas resoluções contratuais dizia respeito, que não se podia considerar que a Exequente optara efectivamente pelas mesmas ou as efetivara de modo eficaz e válido, pelo que, os contratos de mútuo não se encontravam extintos, mas sim vigentes, embora em situação de incumprimento por parte dos Executados mutuários, donde, sendo inexigível todo o capital ainda vincendo, apenas assistia à Exequente “o direito de exigir, nos termos contratuais, a cobrança coerciva de todas as quantias vencidas e não pagas à data da propositura do processo executivo”, sendo que, em conformidade e correspondência, se definiu quais as quantias vencidas e exigíveis aos Executados, termos em que se concluiu pelo seguinte concreto “dispositivo”:

«D) DECISÃO:

Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a Oposição à Execução, o Tribunal decide:

1) Determinar a extinção parcial do Processo Executivo na parte em que excede, as quantias de:

1.1) €974,64(novecentos e setenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), de capital;

1.2) Juros moratórios vincendos, sobre o capital referido em 1.1), à taxa anual de 11,7%, vencidos desde 03-03-2013 e vincendos até efectivo e integral pagamento.

2) Condenar os Executados e a Exequente no pagamento das custas na proporção dos respectivos decaimentos.

*

Registe e notifique.

Notifique o(a) Sr.(a) Agente de Execução.»

                                                           *

   Inconformada com essa sentença, apresentou a Exequente, “B (...) S.A.”, recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«(…)

Apresentaram os Executados as suas contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- desacerto da decisão de considerar que não se havia verificado no caso ajuizado uma válida e operante resolução dos contratos de mútuo ajuizados (por comunicação que os Executados recebessem ou que deles fosse conhecida), na medida em que essa ausência (da emissão da declaração resolutiva, da parte inadimplente dirigida à parte não inadimplente) pode ser suprida pela propositura da acção em que o pedido formulado manifesta a vontade de resolver o contrato.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi fixado pelo tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido não questiona expressamente a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto. 

1. A Exequente “B (...) S.A.” instaurou, a 29-04-2013, o Processo Executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados contra os Executados R (…) e cônjuge, M (…) com vista à cobrança coactiva de créditos no valor global de € 84.051,25 (fls.1 a 5 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

2. No Processo Executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados é título executivo um “contrato de mútuo” celebrado a 01-03-2007 (cópia a fls.6 a 20 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

3. No Processo Executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados é título executivo um “contrato de empréstimo” celebrado a 26-02-2010 (cópia a fls.32 a 44 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

4. Os Executados deixaram de cumprir pontualmente as obrigações contratuais de pagamento das prestações acordadas em ambos os contratos.

5. À data de 15-01-2013, o incumprimento das obrigações contratuais por parte dos Executados quanto ao “contrato de mútuo” celebrado a 01-03-2007 ascendia a €196,98

(fls.12 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

6. À data de 15-01-2013, o incumprimento das obrigações contratuais por parte dos Executados quanto ao “contrato de empréstimo” celebrado a 26-02-2010 ascendia a € 882,28 (fls.12 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

7. À data de 15-02-2013, o incumprimento das obrigações contratuais por parte dos Executados quanto ao “contrato de mútuo” celebrado a 01-03-2007 ascendia a € 196,98 (fls.13 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

8. À data de 15-02-2013, o incumprimento das obrigações contratuais por parte dos Executados quanto ao “contrato de empréstimo” celebrado a 26-02-2010 ascendia a € 963,96 (fls.13 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

9. À data de 03-03-2013, o incumprimento das obrigações contratuais por parte dos Executados quanto ao “contrato de mútuo” celebrado a 01-03-2007 ascendia a € 10,68 (fls.14 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

10. À data de 03-03-2013, o incumprimento das obrigações contratuais por parte dos Executados quanto ao “contrato de empréstimo” celebrado a 26-02-2010 ascendia a € 963,96 (fls.14 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

11. As obrigações contratuais dos Executados quanto ao “contrato de mútuo” celebrado a 01-03-2007 foram integralmente cumpridas até à prestação n.º 71, com vencimento a 12-01-2013, sendo que a prestação n.º 73, com vencimento a 12-02-2013, obteve pagamento parcial (€ 214,90 de € 225,58) (fls.62v. e 63 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

12. As obrigações contratuais dos Executados quanto ao “contrato de empréstimo” celebrado a 26-02-2010 foram integralmente cumpridas até à prestação n.º 30, com vencimento a 12-08-2012, sendo que a prestação n.º 31, com vencimento a 12-09-2012,

obteve pagamento parcial (€ 107,85 de € 185,02) (fls.63v a 64v. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

                                                                       *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Incorreção da decisão de considerar que não se havia verificado no caso ajuizado uma válida e operante resolução dos contratos de mútuo ajuizados (por comunicação que os Executados recebessem ou que deles fosse conhecida), na medida em que essa ausência (da emissão da declaração resolutiva, da parte inadimplente dirigida à parte não inadimplente) pode ser suprida pela propositura da acção em que o pedido formulado manifesta a vontade de resolver o contrato:

Que dizer?

Será correta a decisão do Tribunal a quo assente no entendimento de que não se podia considerar que a Exequente optara efetivamente pela resolução dos contratos ou a efetivara de modo eficaz e válido?

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório! – pode e deve efetivamente ser sancionado o entendimento perfilhado na decisão recorrida, na medida em que apreciou adequadamente a situação.

Senão vejamos.

De referir, desde logo, que a Exequente/recorrente ainda intentou questionar  esse entendimento – o de que não operara uma resolução dos contratos por via de comunicação recetícia aos Executados – ao sustentar que havia comunicado, «por carta registada de 10/01/2013, a resolução do contrato aos Apelados, por força do incumprimento existente. O que implicou a consequente instauração da acção executiva. Pelo que, e contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo, não restam dúvidas, que a Apelante optou pela resolução dos contratos e tornou eficaz essa declaração através da comunicação da mesma aos Executados/Apelados.».

Salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer suporte para uma tal linha de argumentação, pois que tal factualidade não consta dos factos “fixados”/“provados” que como tal foram enunciados pela decisão recorrida, pelo que só se compreende a “insistência” na versão diversa – e sem se deduzir qualquer impugnação à matéria de facto – por um qualquer lapso ou deficiente compreensão dos dados processuais… 

 Importa também ter presente que a resolução, enquanto declaração recetícia ou recipienda – que é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário – à luz do disposto no art. 224º do C.Civil, é eficaz nos casos seguintes:

- quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (nº 1 do citado normativo);

- quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (nº 2 do mesmo normativo).

Dito de outra forma: sendo a declaração recipienda, não podia ser considerada eficaz pela sua simples emissão.

Sendo certo que a Exequente/recorrente nem sequer provou que efectivamente emitiu as correspondentes declarações de resolução, acrescendo que não invocou sequer o conhecimento das mesmas, por parte dos Executados, através de uma outra qualquer forma!

Ora se assim é, naufraga inapelavelmente essa primeira via de sustentação para o recurso deduzido.

Sem embargo, por a mesma Exequente/recorrente porventura ter intuído a sua incontornável sem razão nessa base, prosseguiu com a argumentação de que «Acresce ainda e mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que, a jurisprudência tem assente que não há necessidade de interpelação admonitória dado que as partes excedendo o texto do art. 781º do CC, introduziram no contrato a expressão “(...)consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida”, conforme cláusula 13ª e 15ª, respetivamente, dos contratos celebrados[2]. O vencimento é automático, não estando dependente de qualquer interpelação ao devedor, razão porque todas as prestações em falta passam a ser imediatamente exigíveis.».

Neste particular, desde logo importa sublinhar que se desconhece se efetivamente é o citado o conteúdo das ditas cláusulas 13ª e 15ª, na medida em que tal não figura nos factos “fixados”/“provados” que como tal foram enunciados pela decisão recorrida, acrescendo, aliás, não constarem destes autos de recurso um original ou cópia desses contratos…

Em todo o caso, nunca lhe assistiria razão quanto a esta linha de argumentação: é certo invocar ela a denominada “cláusula resolutiva expressa”, que consabidamente é aquela em que “as partes convencionam que, se ocorrer determinado facto, uma delas terá o direito de, se assim o entender, resolver o contrato.”[3]

Sucede que, conforme melhor entendimento nesta matéria, para uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa (identificando-as) às obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução; “a chamada cláusula resolutiva expressa deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo «em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido»”; Na verdade, “A cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”[4]

Tendo presente estes ensinamentos, e revertendo-os ao caso ajuizado, o que se constata é que no mesmo se teria precisamente utilizado uma cláusula que não identificou com precisão cada um dos incumprimentos que justificaria o direito de resolução, antes se elegeu uma previsão genérica e indeterminada, donde, na linha do vindo de expor, nunca poderia ter lugar uma válida resolução ao abrigo da mesma.[5]

Ademais, como bem foi aduzido na sentença recorrida, na fundamentação exposta quanto aos factos “não provados”, «Por outro lado, muito estranho e contraditório seria que a Exequente, a 25-05-2012, ou a 10- 01-2013, considerasse resolvidos os contratos, mas continuasse a receber pagamentos e a imputá-los no pagamento das prestações até 12-09-2012 e 12-02-2013»…

Finalmente, essa mesma Exequente/recorrente invoca o argumento de que, a não se dar acolhimento aos argumentos precedentemente analisados, a resolução foi comunicada e operada com a citação dos executados nos presentes autos, «Ou seja, se considerassemos que era necessário a interpelação e que a mesma não havia sido feita, a citação para a execução vale como comunicação da resolução», posto que «A Exequente/Apelante demonstrou com a instauração da presente execução, a vontade de resolver por incumprimento o contrato celebrado com os Apelados», sendo certo que «Não restam dúvidas que a exigência da totalidade do valor em divida (rendas vencidas e vincendas) constituiu uma declaração tácita de resolução do contrato».

Será assim?

Mais uma vez a resposta tem que ser negativa.

É que, salvo o devido respeito, com tal argumentação desconsidera-se o que são as condições de exequibilidade de um qualquer título executivo.

Na verdade, atenta a necessidade e suficiência do título, a obrigação exequenda tem de dele constar, claramente descriminada e individualizada, vencida e quantificada, ou quantificável: a isto se chama as condições de exequibilidade; ou, no dizer da lei, como regra geral, a obrigação tem de ser “certa, exigível e líquida” (cf. art. 713º do n. C.P.Civil).

Ora, não obstante se ter apurado um efetivo incumprimento do contrato, haveria que primeiramente se ter efetuado a competente resolução do contrato o que, como vimos, não foi feito ou, pelo menos, não está demonstrada.

É certo que está provado que os Executados entraram em incumprimento quanto às obrigações assumidas no contrato, porém, de acordo com as normas gerais sobre a responsabilidade contratual, a eficácia ou validade da resolução do contrato não se basta com a verificação do incumprimento de uma ou mais das obrigações; antes se torna ainda necessário: (i) a entrada em mora, (ii) a interpelação admonitória (no caso de obrigações sem prazo fixo), (iii) que da mora resulte perda de interesse para o credor e (iv) que o incumprimento seja imputável ao devedor a título de culpa.[6]

Acresce que «II - A resolução do contrato não equivale, por si só, a que se considere existir inquestionado, incumprimento, muito menos, que com a resolução, o devedor "reconheça" a existência do direito do credor, ao ponto deste passar, desde logo, a dispor de título executivo - o contrato.».[7]

Dito de outra forma: pese embora demonstrada a circunstância objectiva – o incumprimento das obrigações pelos Executados – a Exequente/recorrente teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.

Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento.

O que, como já se viu, não foi operado…

Temos presente que na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”.

Tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

Comentando essa eliminação, foi doutamente sublinhado o seguinte: «É evidente que, no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805º, nº 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.

Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 812º-A, nº 1, alíneas c) e d) e 812º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.»[8].

Sucede que tal interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva, não se mostra efectuada!

De referir que este entendimento vale de pleno para a situação vertente[9], na medida em que, tendo em conta a data da instauração da execução apensa, muito anterior a 1 de Setembro de 2013[10], a resposta a dar à questão decidenda tem de ser efetuada em função da redação dos preceitos do Código de Processo Civil anterior à redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em conformidade com o art. 6º, nº 3 dessa Lei, in casu, na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro (cf. arts. 812º-C a 812º-F, por este último diploma aditados).[11]

O que tudo serve para dizer que, também por aqui, importa concluir não estarem verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela Exequente/recorrente.

Posto que, no quadro normativo aplicável à situação, a citação dos Executados não permite suprir a prévia manifestação e comunicação a estes da vontade de resolver os contratos por parte da Exequente, dado que a interpelação ao pagamento consequente de tal, teria de ser antecedente à instauração da execução!

Termos em que improcedem “in totum” as alegações recursivas.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Na cláusula resolutiva expressa têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo não cumprimento dará direito à resolução.

II – Pese embora demonstrada a circunstância objectiva do incumprimento das obrigações pelos Executados, a Exequente/recorrente teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.

III – Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento.

IV – Na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo [“quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”], mas tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, situação que se manteve inalterada na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06).                                                                                                                                                                      *

6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar o recurso improcedente, mantendo-se nos seus precisos termos a sentença recorrida.  

Custas pela Exequente/recorrente.

Coimbra, 6 de Dezembro de 2016

                                              

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Onde invocam encontrar-se consignado que: “O não cumprimento de quaisquer obrigações decorrentes deste contrato de empréstimo, confere ao Banco o direito de considerar o mesmo rescindido com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida”.
[3] Na definição feita por DANIELA BAPTISTA, em “Da cláusula resolutiva expressa”, págs. 199, dos “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Heinrich Ewald Hörster”.
[4] Assim BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186-187, e bem assim na respectiva nota 77; no mesmo sentido, CALVÃO DA SILVA, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Livª Almedina, Coimbra, 1987, a págs. 321 e segs.
[5] Cf. neste mesmo sentido, na jurisprudência, inter alia, o acórdão do STJ de 08.10.2013, no proc. nº 6431/09.3TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Cf. acórdão do STJ de 19.05.2005, no proc. nº 05B958, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Assim no acórdão do T. Rel. do Porto, de 31.01.2005, no proc. nº 0457308, acessível www.dgsi.pt/jtrp.
[8] Citámos CARLOS LOPES DO REGO, no artigo “Requisitos da Obrigação Exequenda”, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, nº 7, 2003, Almedina, a págs. 70-71.
[9] Com paralelismo, vide o acórdão do T. Rel. de Coimbra de 08.09.2015, no proc. nº 22/11.6TBFIG-A.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[10] Data de entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, nos termos do art. 8º desta, Lei essa que aprovou o n.C.P.Civil.
[11] Em contraponto com o que se vem de dizer, no actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), se fosse ele o aplicável, ao ser assegurada na forma ordinária, como sublinhado no respectivo preâmbulo, “a intervenção liminar do juiz e a citação do executado em momento anterior à penhora”, sendo que, “em face desta nova formulação, haverá um maior controlo na fase introdutória da execução, pois execuções que até agora principiavam pela penhora passarão a ser submetidas a despacho liminar, o que reforçará as garantias do executado”, parece que a resposta à questão decidenda seria outra, no acolhimento da pretensão da Exequente/recorrente relativamente ao aduzido neste particular…