Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
520/12.4PBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÍMETRO
VERIFICAÇÃO
MARGEM DE ERRO
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 7º, Nº 2, DO RCMA, APROVADO PELA PORTARIA 1556/2007, DE 10 DE DEZEMBRO, 4º, Nº 5, DO DEC. LEI Nº 291/90, DE 20 DE SETEMBRO, 14º Nº 1 DA LEI 18/2007 DE 17/5 E PORTARIA Nº 1556/2007 DE 10 DE DEZEMBRO
Sumário: 1.- No que concerne aos alcoolímetros quantitativos, em matéria de verificação periódica, valem as seguintes regras:
- Estão sujeitos a uma verificação periódica em cada ano civil;

- A verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.

2.- Os EMA ( erros máximos admissíveis ), não se destinam a atuar nas medições concretas efetuadas por cada aparelho aprovado ou verificado. O seu papel é anterior às medições concretas, são apenas considerados nas operações de aprovação e verificação.

3.- Depois de aprovado ou verificado o alcoolímetro nos termos prescritos na lei, o mesmo, em cada concreta utilização pelas autoridades policiais, fornece medições válidas e fiáveis para os fins legais.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

No 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, da arguida A..., com os demais sinais nos autos, a quem imputou a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

            Por sentença de 29 de Agosto de 2012 foi a arguida condenada, pela prática do imputado crime, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5 e na pena acessória de sete meses de proibição de conduzir veículos com motor.

*

            Inconformada com a decisão, recorre a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            “ (…).

            1ª A douta sentença recorrida é nula nos termos do art.379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do C.P.P., o que expressamente se invoca.

2ª Impugna a matéria de facto dada como não provada relativa aos arts. 7 (in fine) 8° a 10º da contestação, os quais devem ser considerados provados.

Chega-se a tal conclusão pela análise do depoimento prestado pela arguida e pela ausência de qualquer prova em contrário.

Parte do depoimento que se transcreve:

A ... depoimento gravado em CD desde 14.51.57h. até 15.01.21h (identificado como sendo depoimento de B ...).

"Juiz – Tem empregados?

Arg. – Não, tenho um irmão a ajudar.

J – Tem filhos?

Arg – sim, dois.

J – Que idade têm?

Arg – 18 e 16 anos.

J – Estão consigo?

Arg – sim, senhor.

J – Os filhos trabalham?

Arg – Não o mais velho acabou agora o curso, não trabalha...

Adv. – Os seus filhos têm carta de condução?

Arg – Não só eu é que tenho.

Adv. – A srª necessitada da carta de condução para ir a algum sítio em particular?

Arg – A todos os lados.

Adv. – Diga.

Arg – para ir buscar coisas para o café e assim."

3ª Na quantidade de álcool apurada e constante a acusação tem de ser considerada a margem de erro fixada na Portaria (1006/98 de 30 de Nov) e na Portaria n.° 1556/2007, de 10 de Dezembro, em sintonia com a Convenção Internacional a que Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo nº 34/84, de 11 de Julho, a aplicação dessas margens de erro reporta-se à aprovação do modelo e às verificações dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade.

No caso dos autos a margem de erro não foi considerada.

4ª Considera o tribunal "a quo" que cada verificação é válida até ao 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.

Acha a recorrente que tal interpretação viola o disposto e o espírito do art.7º, nº 2 do regulamento controlo metrológico (portaria nº 1556/2007 de 10 Dez.), uma vez que com esse entendimento caso o aparelho tivesse sido verificado no dia 01 de Janeiro de um determinado ano estaria válida a verificação até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte, isto é a verificação passava a ser bienal e não anula tal como consta do dito regulamento.

A lei quando impõe a verificação periódica destes aparelhos, tal funda-se na alta probabilidade de "desafinação" e da sua fiabilidade não ser correcta a 100%, o que decorre da aplicação de margens de erro nas leituras verificadas. Assim, quando a portaria nº 1556/2007 de 10 Dezembro impõe a verificação anual do aparelho pretende dizer que o início da contagem deste período ocorre no dia seguinte à verificação pelo IPQ e ocaso do referido período ocorre às 24h do dia, mês e ano seguinte ao da última verificação.

Consta do nº 6 da sentença recorrida que a última verificação periódica do aparelho DRAGER utilizado nos autos foi efectuada em 05/05/2011.

A verificação efectuada ao aparelho utilizado na detecção da taxa de alcoolemia havia sido efectuada há mais de um ano relativamente à data da fiscalização (Cfr. factos provados nº 1, 2 e 6 da sentença recorrida).

Assim, deverá ser considerado não provada a taxa de álcool constante do nº 2 dos factos provados, porque a mesma só é determinável por exame do aparelho (alcoolímetro) e no caso tal aparelho não se encontrava legalmente verificado pelo que a prova que dele resulta é nula.

5ª Considerou o juiz "a quo" justo aplicar a sanção acessória de 7 meses de inibição de condução à arguida, em virtude de a alta sinistralidade rodoviária estar associada a condução sob o efeito do álcool – não duvidamos de tal causa da sinistralidade – e da perigosidade do agente.

A recorrente não se conforma com tal sanção de inibição de condução, considerando que é excessiva, uma vez que não tem antecedentes criminais, ingeriu bebidas alcoólicas num evento festivo, a recorrente não tem por habito beber, a arguida iria conduzir cerca de 1 km, a arguida é o sustento dos seus filhos, é ela quem os transporta à escola, a arguida é emigrante encontrando-se sozinha com os seus filhos num país estranho, sendo que a carta de condução é essencial para o desenvolver da sua actividade laboral (única fonte de rendimento), está arrependida, pelo que não irá repetir o acto.

Afigura-se razoável a aplicação de pena acessória de 3 meses de inibição de condução, caso não venha a obter provimento no seu recurso face aos motivos supra alegados.

Nestes termos, requer a V.EXªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência:

Absolver-se a arguida;

Subsidiariamente caso não seja absolvida ou sentença declarada nula reduzir a sanção acessória ao mínimo legal.

(…)”.

*

            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando que a sentença não é nula pois, do que constava da contestação, só não foi considerada a matéria conclusiva, que o alcoolímetro tinha certificação válida pois que apenas tinha que ser a tal sujeito uma vez em cada ano civil, o que aconteceu, e que a medida concreta da pena acessória se mostra devidamente doseada, atenta a TAS de que a arguida era portadora, e conclui pelo não provimento do recurso.

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a posição do Ministério Público junto da 1ª instância, referindo critérios de fixação da pena acessória em decisões desta Relação, e concluindo pela improcedência do recurso.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

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*

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            As conclusões constituem, nos termos do disposto no art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal, o limite do objecto do recurso, delas devendo ser extraídas as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- A invalidade da prova da TAS por falta de certificação válida do alcoolímetro;

- A falta de dedução da margem de erro à TAS medida pelo alcoolímetro;

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- A excessiva medida da pena acessória.

*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevo consta da sentença recorrida. Assim:

           

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1 – No dia 17.08.2012, pelas 04 horas e 33 minutos, a arguida conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ( ...) pela Avenida Nuno Alvares, nesta cidade de Castelo Branco, quando foi sujeita a fiscalização pelos agentes da Esquadra de Transito da PSP de Castelo Branco.

2 – Feito o teste para controlo de alcoolemia, mediante análise ao ar expirado, a arguida revelou ser portadora de uma TAS de 2,16 g/l.

3 – A arguido tinha estado momentos antes a consumir bebidas com teor alcoólico, em quantidade e qualidade adequadas a determinar-lhe a TAS que lhe foi detectada, coisa que ela estava em condições de saber, dispondo-se em seguida a conduzir no estando em que se encontrava, actuando sempre de forma livre, voluntária e consciente sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4 – A arguida aufere um rendimento concretamente não apurado, com o qual suporta o pagamento de uma renda de casa no valor de 330,00 Euros por mês e assegura o seu sustento e o de dois filhos, com 16 e 18 anos de idade, que consigo residem e que ainda estudam.

5 – A arguida não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC.

6 – O alcoolímetro de marca Drager, modelo alcotest 7110 MK IIIP, com o modelo n.º 211/06.07.3.06, estava à data da fiscalização, aprovado pelo despacho n.º 11.037/2007, publicado no DR 2.ª série – n.º 109, de 06 de Junho de 2007, e em concreto o alcoolímetro com o n.º de série ARZL –  0161 foi submetido a verificação periódica no dia 05 de Maio de 2011, tendo tido como resultado a sua aprovação (cfr. fls. 50 dos autos).

7 – No dia e hora da prática dos factos, a arguida deslocava-se das "Docas", local onde esteve com alguns amigos, por ter sido convidada a participar num evento festivo pelo proprietário do estabelecimento comercial "Domus", sito em Campo Mártires da Pátria, até casa.

8 – A distância que iria percorrer de carro até sua casa, seria de cerca de um quilómetro.

9 – A arguida não ingere bebidas alcoólicas regularmente e quando o faz é com moderação.

10 – No dia da autuação a arguida tinha estado a trabalhar até às 02h da manhã e não tinha jantado.

11 – A arguida quando foi submetida ao controlo de alcoolemia tinha acabado de beber duas ou três cervejas.

12 – Durante o trajecto a arguida não causou quaisquer danos a terceiros ou acidentes.

13 – A arguida é empresária, explora o café-bar de uma escola de ténis (albisport), e precisa da carta de condução para desenvolver a sua actividade profissional, nomeadamente deslocar-se até ao bar.

14 – A arguida é a cabeça do seu agregado familiar, composto por si e dois filhos.

(…)”.

B) Não existem factos não provados, e dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

O Tribunal formou a sua convicção acerca da matéria de facto provada com base nas declarações da própria arguido e bem assim da testemunha por ela arrolada, que nos pareceram coerentes e objectivas; e bem assim com base no seu CRC junto aos autos e no registo escrito do teste de alcoolemia feito àquela e que se encontra junto aos autos.

Quanto ao teste de alcoolemia e a validade do resultado obtido com o alcoolímetro utilizado, compre dizer o seguinte:

A arguida, na contestação que apresentou veio requerer que se apurasse se o aparelho de alcoolímetro usado na fiscalização se encontra devidamente aprovado e verificado.

Ficou demonstrado que o alcoolímetro de marca Drager, modelo alcotest 7110 MK IIIP, com o modelo n.º 211/06.07.3.06, estava à data da fiscalização, aprovado pelo despacho n.º 11.037/2007, publicado no DR 2.ª série – n.º 109, de 06 de Junho de 2007, e em concreto o alcoolímetro com o n.º de série ARZL –  0161 foi submetido a verificação periódica no dia 05 de Maio de 2011, tendo tido como resultado a sua aprovação (cfr. fls. 50 dos autos).

Questão que se poderia colocar e que a defesa colocou em alegações, é a de saber se, tendo em conta que à data da fiscalização, a verificação já operada do aparelho ainda era válida naquele dia 17.08.2012, atento a que já havia decorrido 1 ano.

Aprofundemos:

A arguida apoia-se na interpretação que faz do art. 7º, nº 2, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA], aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro.

A fiscalização da condução sob influência de álcool encontra-se regulada no art. 153º do C. da Estrada o qual dispõe, no seu nº 1 que, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

A Lei nº 18/2007, de 17 de Maio aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas [RFCASP]. Este Regulamento prevê no seu art. 1º, as modalidades admissíveis de detecção e quantificação da taxa de álcool. Assim, nos termos do seu nº 1, a presença de álcool no sangue é indiciada através de teste ao ar expirado, efectuado com analisador qualitativo, Nos termos do seu nº 2, a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita através de teste ao ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise ao sangue [sendo que esta, nos termos do nº 3, só terá lugar nos casos de impossibilidade de realização do teste em analisador quantitativo].

E, em conformidade com o disposto no supra referido art. 153º do C. da Estrada, estabelece o art. 14º, nº 1, deste Regulamento que, nos testes quantitativos do álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. Aprovação esta que, face ao disposto no nº 2, é precedida de homologação de modelo pelo IPQ, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

De tudo isto resulta que a medição da taxa de álcool no sangue [TAS] é feita através de um aparelho específico, de um analisador quantitativo. E o regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se previsto no Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro.

Estabelece o nº 2, do art. 1º deste diploma que, os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respectivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português da Qualidade.

Neste diploma prevêem-se quatro operações de controlo metrológico, a saber: aprovação do modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária (art. 1º, nº 3), operações estas que se encontram definidas nos seus arts. 2º, 3º, 4º e 5º, respectivamente.

Releva para a questão de que cuidamos a verificação periódica, definida no art. 4º, nº 1, como, o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.

Por sua vez, dispõe o nº 5 do mesmo art. 4º que, a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário.

No que aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos respeita, o regime do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro foi, nos termos do seu art. 15º, regulamentado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA].

Este Regulamento define, no seu art. 2º, nº 1, os alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos como, os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.

O seu art. 5º estabelece que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do IPQ e compreende quatro operações a saber: aprovação do modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária. Até aqui, portanto, tudo em conformidade com o diploma regulamentado (cfr. art. 1º, nº 3, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).

Relativamente à verificação periódica, rege o art. 7º, nº 2, dispondo que, a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.

Enunciados que ficaram os elementos de facto e de direito relevantes, passemos de imediato à resolução da questão proposta.

Em primeiro lugar, cabe referir que, sendo verdade que, na hierarquia dos actos normativos, o decreto-lei se sobrepõe ao regulamento, é também seguro que a Constituição da República Portuguesa designadamente, o nº 5 do seu art. 112º, não proíbe o reenvio normativo, assim permitindo que a lei remeta para a administração a emissão de normas regulamentares executivas ou complementares (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume, II, 4ª Edição Revista, pág. 70). E o art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro prevê expressamente que a frequência da verificação periódica por si fixada possa, em certos casos, ser diferente.

Ainda assim, não cremos do confronto entre as normas do art. 4°, n° 5, do Dec. Lei n° 291/90, de 20 de Setembro e do art. 7º, n° 2, do RCMA resulte um choque de conteúdos normativos, tudo não passando de uma mera argumentação. Explicando,

O Dec. Lei n° 291/90, de 20 de Setembro, como já tivemos oportunidade de referir, estabelece o regime de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal. Por isso, o seu universo de aplicação, quanto aos instrumentos de medição, é muitíssimo mais vasto do que o campo específico dos analisadores quantitativos, razão pela qual nenhum sentido faria que um diploma legal com tal amplitude, estabelecesse a frequência temporal da verificação periódica especificamente aplicável a cada grupo de aparelhos abrangido pelo seu vasto campo de aplicação. Daí que se tenha limitado afixar o termo do período de validade de cada verificação periódica, fazendo-o coincidir com o último dia do ano seguinte ao da sua realização (art. 4°, nº 5).

Já o RCMA, como aliás, seria expectável, estabeleceu a frequência temporal da verificação periódica para os únicos aparelhos abrangidos pelo seu campo de aplicação, os analisadores quantitativo (art. 7°, nº 2), sem fixar, por outro lado, qualquer prazo de validade da mesma [o que bem se compreende, pois o diploma regulamentado já o havia fixado]. Ou seja, enquanto o Dec. Lei n° 291/90, de 20 de Setembro fixou o termo do período de validade de cada verificação periódica, relativamente a todos os aparelhos de medição, o RCMA fixou apenas a frequência temporal da verificação periódica dos alcoolímetros quantitativos, o que vale dizer que mio existe sequer intersecção parcial entre o âmbito de previsão das duas normas referidas.

Daí que, o art. 7º, nº 2, do RCMA, não constitua uma regulamentação específica em contrário, relativamente ao art. 4°, n° 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro.

E por isso, quando no art. 7º, nº 2, do RCMA se lê que a verificação periódica é anual, o sentido a extrair da frase, tendo em conta a presunção do art. 9°, n° 3, do C. Civil, é o de que a verificação periódica tem lugar todos os anos ou seja, que os alcoolímetros a ela têm que ser submetidos, pelo menos uma vez, em cada ano civil. Com efeito, pretender ler na norma, como faz a defesa, que entre as sucessivas verificações periódicas do mesmo alcoolímetro não pode decorrer mais de um ano ou seja, não podem decorrer mais de 365 dias contados dia a dia, é dar-lhe, ressalvado sempre o devido respeito, interpretação que ela, manifestamente, não comporta pois não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

Desta forma, no que aos alcoolímetros quantitativos respeita, podemos fixar as seguintes regras:

- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7º, n° 2, do RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro);

- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4°, n° 5, do Dec. Lei n° 291/90, de 20 de Setembro).

Assim, tendo o alcoolímetro quantitativo, Drager 7110 MK III, com o qual foi o arguido submetido a exame de pesquisa de álcool, feito a verificação periódica em 05 de Maio de 2011, quando em 17 de Agosto de 2012 é efectuado aquele exame, estava a decorrer o período de validade da verificação, o qual só terminaria em 31 de Dezembro de 2012.

Logo, a valoração pelo tribunal do resultado do exame não significa valoração de prova proibida nem determina a verificação de qualquer nulidade, podendo e devendo ser valorada, como foi, nos termos dos arts. 125° e 127º do C. Processo Penal.

(…)”.

            C) E dela consta a seguinte fundamentação de direito quanto à pena acessória:

            “ (…).

            A pena acessória encontra o seu fundamento na perigosidade do agente e destina-se a actuar psicologicamente sobre o imprudente condutor visando, pela privação do uso do veículo ou da sua condução, influir preventivamente na conduta futura do infractor.

Deverá ser tanto mais elevada a sua duração quanto mais grave for a perigosidade revelada pelo agente, medida em função da condução havida, das circunstâncias que a rodearam e do grau de alcoolemia de que era portador e a indiferença revelada pelas anteriores condenações.

Note-se que a condução em estado de embriaguez se revela de grande gravidade no nosso pais, atenta o nível de sinistralidade portuguesa (das maiores da Europa), onde se colocam em causa, muitas vezes com a maior ligeireza de espírito e desprezo pelos utentes, valores de particular relevo como a vida, a integridade física, a liberdade e o património próprios e alheio.

E nesta conformidade, repetindo nesta sede toda a ponderação que se fez a propósito do crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, decido aplicar à arguida uma pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses.

            (…)”.

*

*

            Da nulidade da sentença por falta de fundamentação [conclusão 1ª]

            1. Diz a arguida que na sentença recorrida não constam considerados como não provados os factos constantes dos arts. 7º, parte final, 8º, 9º e 10º da contestação, não contendo a fundamentação pronúncia sobre os mesmos pelo que, é a sentença nula, nos termos dos arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal. Vejamos se assim é.

O art. 379º do C. Processo Penal consagra um regime especial de nulidades para a sentença. A sentença é nula quando não contenha as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º, o que vale dizer que é nula, além do mais, quando falte a fundamentação. A sentença é nula quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos arts. 358º e 359º. E a sentença é nula quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – omissão de pronúncia – ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – excesso de pronúncia.

            A arguida invoca a nulidade por falta de fundamentação. Pois bem, o dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração no art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e mostra-se reflectido, na lei processual penal, nos arts. 97º, 194º e 374º, do C. Processo Penal. O princípio geral está previsto no nº 5 do art. 97º, e o art. 194º, nº 5 respeita ao despacho que aplica medida de coacção ou de garantia patrimonial.

Especificamente para a sentença rege o art. 374º, nº 2 que dispõe:

Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

A fundamentação é uma exigência de transparência da sentença. Ela permite o auto-controlo de quem proferiu a decisão, permite que os destinatários directos desta e a comunidade compreendam os juízos de valor e de apreciação nela levados a cabo, e abre a via de controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, quanto à validade da prova e à impugnação da matéria de facto. Ela compõe-se de dois sectores:

- A enumeração dos factos provados e não provados;

- A exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, que inclui a indicação e o exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

A enumeração dos factos provados e dos factos não provados consiste na narração metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base, a matéria alegada na acusação ou na pronúncia, na contestação, e no pedido de indemnização, e ainda os factos provados que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração que permite verificar se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.

A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa e concisa, e deve conter a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta análise, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros. A exposição dos motivos de direito consiste, brevitatis causa, na determinação do direito aplicável aos factos e na sua aplicação ao caso concreto. 

Lida a sentença, é evidente que dela consta a enumeração dos factos provados. E não pode dizer-se que não consta a enumeração dos factos não provados, precisamente porque o que nela se decidiu é que não existiam factos não provados.

Sendo assim, nunca poderia verificar-se a nulidade prevista na alínea a), do nº 1, do art. 379º do C. Processo Penal.

2. Aliás, a questão suscitada é outra, se bem percebemos a arguida. Na verdade, o que a arguida entende é que a sentença não considerou como não provados os factos constantes dos arts. 7º, parte final, 8º, 9º e 10º da contestação. E, acrescentamos agora nós, também não os considerou como provados [tanto assim é, que na parte do recurso em que impugna a matéria de facto, pretende que tal matéria passe a constar dos factos provados]. Ora, colocada a questão nesta perspectiva, o que a arguida diz efectivamente é que a sentença omitiu decisão sobre determinados factos alegados na contestação, omissão que teve como consequência, que não fossem considerados, nem como provados, nem como não provados.

Sendo objecto da discussão da causa os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, desde que relevantes para a boa decisão da causa (art. 339º, nº 4, do C. Processo Penal), temos por seguro que o não conhecimento pelo tribunal de algum destes factos com a apontada relevância, conduz a uma omissão de pronúncia e portanto, à nulidade da sentença com tal fundamento (art. 379º, nº 1, c), do C. Processo Penal).

            Atentemos então no teor dos artigos da contestação:

            - [7] A arguida é empresária, explora o café-bar de uma escola de ténis (albisport), pelo que precisa da carta de condução para desenvolver a sua actividade profissional, nomeadamente deslocar-se até ao bar, ir junto dos fornecedores que abastecem o mesmo, negociar preços de mercadorias, etc.

            - [8] A arguida é a cabeça do seu agregado familiar, composto por si e dois filhos. Sendo que estes não têm carta de condução, sendo ela que os transporta.

            - [9] A arguida é pessoa séria, honesta, respeitadora da lei, tem uma vida económica estável, portadora de um forte carácter e emocionalmente estável e está totalmente inserida socialmente.

            - [10] A arguida está arrependida do seu comportamento.

            Relativamente ao art. 7º, admitindo que o que a arguida questiona é o segmento, nomeadamente deslocar-se até ao bar, ir junto dos fornecedores que abastecem o mesmo, negociar preços de mercadorias, etc, porque se trata de uma mera concretização da sua actividade empresarial, e esta consta integralmente do ponto 13 dos factos provados, concluímos que se trata de matéria irrelevante para a boa decisão da causa pelo que não tinha o tribunal que sobre ela se pronunciar.

            Relativamente ao art. 8º, o seu parágrafo inicial consta, não de um, mas de dois pontos dos factos provados, concretamente, dos pontos 4 e 14. Já o parágrafo final não foi contemplado na matéria de facto provada. Mas a circunstância de os filhos da arguida não terem carta de condução, presume-se que de veículos automóveis [e consta do ponto 4 dos factos provados que um deles tem 16 anos de idade, sendo portanto, inábil para obter tal licença] é irrelevante para a boa decisão da causa. Por outro lado, a idade de ambos – um jovem adulto e um adolescente – e a circunstância de viverem com a mãe e, portanto, numa cidade, capital de distrito, torna quase incompreensível a alegação de que é a mãe que os transporta. Assim, também aqui o tribunal não omitiu pronúncia.

            Relativamente ao art. 9º, a seriedade, honestidade e respeito pela lei são mera conclusões de facto, que se extraem da inexistência de antecedentes criminais e esta consta, como provada, do ponto 5 dos factos provados, enquanto a sua estabilidade económica e inserção social resultam do desempenho da sua actividade empresarial e do sustento do seu agregado familiar, aspectos já abrangidos pelos pontos 4, 10, 13 e 14 dos factos provados. As características da sua personalidade, não contempladas nos factos provados, são também conclusões de facto e, em todo caso, absolutamente irrelevantes, sobretudo tendo em conta o específico tipo de ilícito imputado à recorrente. Por isso, de novo não ocorreu omissão de pronúncia.

            Finalmente, e quanto ao art. 10º, que versa o arrependimento, é evidente que o mesmo só releva, enquanto conclusão de facto, com a existência de actos demonstrativos da sinceridade de tal sentimento. Ora, nenhum destes actos concretos foi alegado pela arguida, e também nenhum acto praticado pela arguida, com tal valor, se provou. Se assim não tivesse sido, isto é, provando-se um concreto acto demonstrativo do arrependimento sincero, seria ele, e não propriamente, esta conclusão de facto, que deveria constar dos factos provados. Também aqui, portanto, não existiu omissão de pronúncia.

Em conclusão, não enferma a sentença da nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do art. 379º do C. Processo Penal.

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Da invalidade da prova da TAS por falta de certificação válida do alcoolímetro [conclusão 4ª]

            3. Resulta dos factos provados que a arguida foi submetida, pelas 04h33m, do dia 17 de Agosto de 2012, quando conduzia um veículo ligeiro de passageiros, na via pública, na cidade de Castelo Branco, a teste de controlo de alcoolemia mediante análise ao ar expirado, tendo o alcoolímetro Dräger, Alcotest 7110 MK IIIP, modelo nº 211/06.07.3.06, com o nº de série ARZL – 0161, aprovado em verificação periódica de 5 de Maio de 2011, com que foi realizado o teste, medido uma TAS de 2,16 g/l.

              Com base nestes factos, a arguida alega que o alcoolímetro utilizado no exame a que foi sujeita não tinha inspecção periódica válida nos termos prescritos pelo art. 7º, nº 2, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, pelo que a prova através dele obtida é nula. Vejamos se assim é.

            No acórdão desta Relação de 13 de Dezembro de 2011, proferido no recurso 89/11.7GCGDD.C1, in www.dgsi.pt, relatado pelo aqui relator, foi abordada esta problemática razão pela qual para aí remetemos [não o reproduzindo aqui, até porque foi amplamente seguido, para mais não dizermos, pela sentença recorrida], limitando-nos agora a realçar os aspectos mais relevantes do entendimento ali expresso.

O Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas [RFCASP], aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, estabelece no seu art. 1º, as modalidades admissíveis de detecção e quantificação da taxa de álcool. Assim, a presença de álcool no sangue é indiciada por teste ao ar expirado realizado com analisador qualitativo (nº 1), e a quantificação da taxa de álcool é determinada por teste ao ar expirado realizado por analisador quantitativo ou por análise ao sangue (nº 2). Nos termos do seu art. 14º, nº 1, os analisadores quantitativos têm que obedecer às características regulamentadas e a sua utilização carece de aprovação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, aprovação que deve ser precedida da homologação de modelo pelo IPQ, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (nº 2).       

O analisador quantitativo é assim o instrumento de medição específico para a quantificação da taxa de álcool no sangue [TAS].

Ora, o regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se previsto no Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro que prevê quatro operações de controlo metrológico: aprovação do modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária (art. 1º, nº 3), operações estas que se encontram definidas nos seus arts. 2º, 3º, 4º e 5º, respectivamente.

O art. 4º, nº 1, define a verificação periódica como, o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição. Já o seu nº 5 dispõe que, a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário.  

O Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro foi regulamentado (cfr. art. 15º), no que aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos diz respeito, pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA]. O RCMA prevê as mesmas quatro operações de controlo metrológico (art. 5º), e estabelece no seu art. 7º, nº 2, que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.   

Confrontando o art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro com o art. 7º, nº 2, do RCMA, temos por certo que este não constitui uma regulamentação específica em contrário, daquele. Com efeito, o primeiro, com um campo de aplicação muito mais amplo [posto que aplicável a todos os instrumentos de medição] fixa o termo do período de validade de cada verificação periódica, relativamente a todos os aparelhos de medição, enquanto o segundo fixa coisa distinta, fixa a frequência temporal da verificação periódica dos alcoolímetros quantitativos [únicos aparelhos de medição a que é aplicável]. Por tudo isto, o sentido a extrair do art. 7º, nº 2, do RCMA quando diz que a verificação periódica é anual, é o de que tal verificação tem lugar todos os anos ou seja, os alcoolímetros têm que ser a ela sujeitos uma vez, em cada ano civil. Pretender ler na norma que entre as verificações periódicas do mesmo alcoolímetro não pode decorrer mais de um ano é dar-lhe uma interpretação que ela não comporta (cfr. art. 9º, nºs 2 e 3, do C. Civil).        

Aqui chegados, podemos fixar as seguintes regras para os alcoolímetros quantitativos:

- Estão sujeitos a uma verificação periódica em cada ano civil (art. 7º, nº 2, do RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro);

 - A verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).

O alcoolímetro quantitativo utilizado no exame a que a arguida foi sujeita, foi submetido à verificação periódica, com aprovação, em 5 de Maio de 2011, pelo que validade de tal verificação se estendia até 31 de Dezembro de 2012. A arguida foi sujeita a exame de pesquisa de álcool no dia 17 de Agosto de 2012 portanto, dentro do prazo de validade do instrumento de medição.

Logo, a valoração pelo tribunal a quo da concreta medição feita pelo alcoolímetro utilizado não significou a valoração de prova proibida nem determinou a verificação de nulidade, podendo e devendo a prova assim obtida ser valorada, como foi, nos termos dos arts. 125º e 127º, do C. Processo Penal. 

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Da falta de dedução da margem de erro à TAS medida pelo alcoolímetro [conclusão 3ª]

4. Diz a arguida que não se pode considerar a TAS que consta do ponto 2 dos factos provados porque na mesma não foi considerada a margem de erro fixada pela Portaria nº 1006/98, de 30 de Novembro e na Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, em sintonia com a convenção internacional a que Portugal aderiu pelo Decreto do Governo nº 34/84, de 11 de Julho. Vejamos.

Começaremos por dizer que a Portaria 1006/98, de 30 de Novembro não fixa nem prevê quaisquer margens de erro, já que o seu objecto é apenas o de fixar os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas para determinação da taxa de álcool no sangue e para confirmação da presença de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas. Quanto ao mais.

No ponto 2 dos factos provados da sentença em crise, consta como tal, que a arguida, feito o teste para controlo de alcoolemia, revelou ser portadora de uma TAS de 2,16 g/l. O talão emitido pelo alcoolímetro quantitativo com que foi feito o teste, a fls. 11, regista a TAS de 2,16 g/l. Daqui resulta que, de facto, não foi feita qualquer dedução à TAS medida pelo aparelho.

Mas não foi, nem tinha que ser, como se passa a explicar.

É conhecida a divergência jurisprudencial quanto à dedução dos erros máximos admissíveis [EMA] às concretas TAS medidas pelos analisadores quantitativos. Mas sempre estivemos com os que entendem que não há lugar à correcção dos valores indicados pelos alcoolímetros, em função dos EMA previstos (cfr. acórdão desta Relação, de 11 de Novembro de 2008, proferido no recurso nº 62/08. 2GBPNH.C1, in www.dgsi.pt, relatado pelo aqui relator), pelas razões que se passam a expor.

Já sabemos que a quantificação da TAS é, como regra, efectuada por alcoolímetros quantitativos, que a lei define como os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (art. 2º, nº 1, do RCMA, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro). O RCMA prevê, no seu art. 8º e quadro anexo, os erros EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE).  

Então, o que são e para que servem os EMA? Respondem, António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado (A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, in http://www.ipq.pt/backFiles/CONTROLO_ALCOOLEMIA_080402.pdf) da seguinte forma: “Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra.

A qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento, durante a sua vida útil, possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento. (…). Os EMA incluem e ultrapassam largamente os valores das incertezas associadas aos resultados das medições e de eventuais erros de medição.

A definição, através da Portaria nº 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação do Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais. (…).

A operação de adição de subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA (…)”.   

Os EMA, contrariamente ao suposto pela arguida, não se destinam pois, a actuar nas medições concretas efectuadas por cada aparelho aprovado ou verificado, nem esse desempenho lhes é atribuído na Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro [é muito menos, na convenção internacional que a arguida, aliás, não identifica]. O seu papel é anterior às medições concretas, são apenas considerados nas operações de aprovação e verificação. Depois de aprovado ou verificado o alcoolímetro nos termos prescritos na lei, o mesmo, em cada concreta utilização, fornece medições válidas e fiáveis para os fins legais.    

Em conclusão, não só a lei não prevê a possibilidade de realização de um qualquer desconto aos valores indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados ou verificados, com base nos EMA, como tal desconto carece de fundamento metrológico pelo que, não há que deduzir à concreta TAS acusada pela arguida qualquer margem a título de EMA, mantendo-se em consequência, a que consta da matéria de facto provada.

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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [conclusão 2ª]

5. Para que o tribunal ad quem possa, na impugnação ampla da matéria de facto, modificar a decisão sobre a matéria de facto, é necessário que o recorrente tenha observado o ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal isto é, tenha especificado os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tenha especificado as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, tenha especificado as provas que devem ser renovadas [quando disso seja caso] e, tratando-se de provas gravadas, tenha feito as necessárias referências ao consignado na acta e indicado as concretas passagens em que se funda a impugnação.

Pretende a arguida que a matéria por si alegada nos arts. 7º, parte final, e 8º a 10º da contestação, que para este efeito, diz não provada, seja considerada provada, indicando como prova que imporá a modificação da decisão de facto as suas próprias declarações, de 14.51.57 a 15.01.21, que transcreveu e a ausência de qualquer prova em contrário.

Já sabemos que o objecto do processo é constituído pelos factos alegados pela acusação e pela defesa e pelos que, não constando dessas alegações, venham a resultar da prova produzida em audiência, sendo pressuposto que todos são relevantes para a boa decisão da causa. É apenas sobre estes factos que vai incidir a prova e é apenas sobre eles que o tribunal terá que se pronunciar (cfr. arts. 124º, 339º, nº 4 e 368º, nº 2, do C. Processo Penal).

Também já vimos não ser exacto que a matéria que a arguida pretende que se considere provada tenha sido considerada como não provada na sentença recorrida. O que acontece é que, como se deixou dito no ponto 1 que antecede, a parte final do art. 7º da contestação está englobada no ponto 13 dos factos provados, o art. 8º da contestação consta, em parte, dos pontos 4 e 14 dos factos provados, sendo na outra parte, não contemplada nos factos provados, irrelevante para a boa decisão da causa, o art. 9º, na parte em que não contém meras conclusões de facto, consta dos pontos 4, 10, 13 e 14 dos factos provados, e o art. 10º contém uma conclusão de facto, irrelevante pela ausência de prova dos factos que a ela conduziriam.    

Em suma, a matéria que a arguida pretende que passe a constar dos factos provados, ou já aí consta, ou é irrelevante para a boa decisão da causa. Nestes temos, a impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela arguida carece, em bom rigor, de objecto, e por isso, não pode ser conhecida.

Por outro lado, na sentença recorrida não se evidencia qualquer dos vícios previstos no nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal.

Assim, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pela 1ª instância.

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            Da excessiva medida da pena acessória

6. Os factos provados praticados pela arguida preenchem o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

A arguida dissente da pena acessória de sete meses de proibição de conduzir veículos com motor por entender que a mesma é excessiva, face à inexistência de antecedentes criminais, ao carácter esporádico da conduta, à curta distância que se propunha percorrer, à necessidade que tem do uso da licença de condução e ao arrependimento.

Vejamos se lhe assiste razão.

O fundamento de qualquer sanção criminal é a necessidade de prevenção dos crimes dirigida, quer à comunidade, falando-se então de prevenção geralpositiva, quando visa alertar para a essencialidade dos bens jurídico-penais, e negativa, quando visa a dissuasão da prática de crimes – quer ao agente, falando-se então em ressocialização ou prevenção especial – também positiva e negativa. É este o princípio geral estabelecido no art. 40º do C. Penal e que vigora também para as penas acessórias.

Desta forma, também a pena acessória prevista no art. 69º do C. Penal visa a protecção dos bens jurídicos subjacentes ao crime rodoviário praticado e a reintegração do agente na sociedade, e tem como suporte a medida da sua culpa. E por isso, a determinação da sua medida concreta obedece aos critérios de determinação da medida concreta da pena principal portanto, aos critérios fixados nos arts. 40º, nºs 1 e 2 e 71º, nº 1, do C. Penal.

A arguida não tem antecedentes criminais o que, aliado à sua idade na data da prática dos factos [consta do relatório da sentença que nasceu em Junho de 1976], demonstra como uma constante a conformidade da sua conduta com o direito. A arguida confessou integralmente os factos e sem reservas [como consta da acta de fls. 51 a 52], devendo no entanto reconhecer-se que, detida em flagrante delito (cfr. fls. 3 a 6 e 9), a confissão não tenha assumido relevo para a descoberta da verdade. Acresce que a arguida tem uma vida empresarial e familiar estável, pelo que está inserida socialmente, não tem por hábito o consumo, e muito menos, excessivo, de bebidas alcoólicas, e necessita da licença de condução para o desempenho da sua actividade.  

            Por outro lado, é elevado o grau de ilicitude do facto, pois que a concreta TAS de que a arguida era portadora em muito excedeu o limite da tipicidade, e agiu com dolo directo.

            Assim, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral, face às negras estatísticas da sinistralidade rodoviária nacional, às quais não é, muitas vezes, alheia a condução sob o efeito do álcool, tendo a conduta da arguida em muito potenciado o perigo pressuposto pelo tipo incriminador [com a consequente irrelevância da percurso que pretendia percorrer e a ausência de acidente de viação], apesar de se reconhecer o menor relevo das necessidades de prevenção especial, e sem esquecer, por outro lado, que quem tem licença de condução, em regra, conduz habitualmente, seja por razões profissionais, seja por razões familiares, seja por razões de lazer, o que significa que a proibição da condução se traduzirá, sempre, numa perda, maior ou menor, de utilidades, temos por certo que a medida concreta da pena acessória fixada pela 1ª instância, situada ligeiramente acima de 1/8 da moldura abstracta aplicável, atenta a sua relativa benevolência, não merece a censura feita pela arguida.

Por outro lado, a pretendida fixação da pena acessória no mínimo legal, traduzir-se-ia, in casu, numa flagrante violação do critério legal de determinação da medida concreta da pena.

           

            Em conclusão, não merece censura a medida da pena acessória fixada pela 1ª instância, posto que plenamente suportada pela medida da culpa da arguida, pelo que se mantém.

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            Com a improcedência de todas as conclusões do recurso, impõe-se a confirmação da sentença recorrida.

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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

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            Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs. (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 5 do R. Custas Processuais e sua Tabela III).

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 (Heitor Vasques Osório - Relator)

 (Fernando Chaves)