Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36413/16.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
EXPLORAÇÃO AGRO-PECUÁRIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 10/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.317 B) CC, 230, 464 C COMERCIAL, 542 CPC
Sumário: 1.- A prescrição presuntiva cria a favor do devedor a presunção de que cumpriu.

2.- O objetivo dela é o de proteger o devedor da dificuldade de prova e corresponde, em regra, a dívidas que se pagam em prazos curtos e sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou sem que seja corrente conservá-lo.

3.- Não se enquadram no âmbito da al. b) do art. 317º do Código Civil, enquanto norma delimitadora dos pressupostos da invocada prescrição presuntiva os créditos emergentes de fornecimentos de rações, essenciais ao exercício empresarial pelo devedor de atividade no sector agro-pecuário, realizada de forma habitual e com fins lucrativos, envolvendo exploração com relevante dimensão económica, não podendo aquele ser considerado mero explorador rural que faz fornecimentos dos produtos da respetiva propriedade.

4.- Litiga de má fé a parte que, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.

Decisão Texto Integral:

         

                         

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A (…) empresário, titular do estabelecimento denominado N (…), deduziu injunção contra MG (…), ML (…), ID (…) e PD (…) , pedindo a sua condenação no pagamento de 28.837,50€, acrescido de juros de mora.

Para tanto, o Autor alegou, em síntese:

Os dois primeiros requeridos, casados, dedicavam-se, com fins lucrativos, à criação de animais para produção de carne e engorda, destinados a venda, na sua exploração pecuária.

O primeiro requerido faleceu, deixando a suceder-lhe a mulher e filhos, os restantes requeridos.

No exercício da sua atividade de comercialização de rações para animais, o Autor vendeu ao primeiro, falecido, várias rações, faturadas, no valor global do pedido, datadas de 2004 a 2006, uma de 2014 e outra de 2015.

Apesar de instados, os requeridos não as pagaram.

Em oposição, os requeridos alegaram, em síntese:

O primeiro requerido, ainda em vida, pagou à requerente a totalidade das faturas peticionadas, à exceção da de 2015.

Aquele e a mulher não se dedicavam à atividade referida e nem os proveitos dessa alegada exploração eram utilizados em proveito comum, dedicando-se aquele à agricultura e tendo algumas cabeças de gado que não destinava ao comércio.

A segunda requerida era e é professora, nunca tendo tido outra atividade.

Os créditos, à exceção do de 2015, que admite não ter pago, estão pagos, presumindo-se o seu pagamento.

Por despacho, o requerido MG (…) foi absolvido da instância (falecimento anterior à instauração da ação).

Dada a possibilidade, o Autor respondeu que os RR possuíam uma verdadeira organização empresarial com mais de uma centena de animais e com fins lucrativos.

Por despacho clarificou-se que os RR nesta ação intervêm na qualidade de herdeiros de MG (…) intervindo a Ré ML (…) ainda em nome próprio.

Realizado o julgamento, os Réus foram ainda ouvidos a respeito de uma potencial e concreta condenação por litigância de má fé.

Foram proferidas as seguintes decisões:

Condenar solidariamente a Ré ML (…) e esta e demais Réus, na qualidade de herdeiros da herança aberta e indivisa por óbito de MG (…), a pagar ao Autor a quantia de 28.837,50€, acrescidas de juros de mora, à taxa comercial em vigor em cada ano, até efetivo e integral pagamento.

Condenar os mesmos Réus, solidariamente, na multa de quatro UC, por litigância de má fé.


*

            Inconformados, os Réus recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

(…)


*

            Não foram apresentadas contra-alegações.

*

            Questões a decidir:

            A reapreciação do facto assente sob o nº10.

            A admissão do testemunho de J (…).

            A presunção do pagamento. A aplicabilidade do art.317º, b), do Código Civil.

            A litigância de má fé.


*

            O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1) O Autor dedica-se, além do mais, ao comércio de venda de rações para animais.

2) No exercício dessa actividade e desde, pelo menos 2004, vendeu a MC (...) , enquanto era vivo, várias quantidades de sacos de rações para animais.

3) Nas quantidades, nas datas e pelo preços constantes das faturas referidas no requerimento inicial de injunção e juntas aos autos a fls. 82 a 122 e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, nomeadamente: facturas n.º 3717, de 07.10.2004, no valor de 586, 00€, n.º 3722, de 11.10.2004, no valor de 1.056, 00€, n.º 373821.10.2004, no valor de 546, 00€, n.º 3762, de 04.11.2004, no valor de 344, 00€, n.º 3770, 10.11.2004, no valor de 1.118, 00€, n.º 3788, de 19.11.2004, no valor de 702, 00€, n.º 3820, 03.12.2004, no valor de 258, 00€, n.º 3825, de 06.12.2004, no valor de 309, 60€, n.º 3837, de 13.12.2004, no valor de 1.118, 00€, n.º 3911, de 05.01.2005, no valor de 1.032, 00€, n.º 3956, de 21.01.2005, no valor de 1.118, 00€, n.º 4011, de 18.02.2015, no valor de 1.118, 00€, n.º 4056, de 15.03.2005, no valor de 430, 00€, n.º

4080, de 28.03.2005, no valor de 468, 00€, n.º 4081, de 28.03.2005, no valor de 344, 00€, n.º 4101, de 08.04.2005, no valor de 430, 00€, n.º 4123, de 22.04.2005, no valor de 1.132, 00€, n.º 4146, de 04.05.2005, no valor de 1.128, 00€, n.º 4214, de 21.06.2005, no valor de 430, 00€, n.º 4252, de 15.07.2005, no valor de 1.032, 00€, n.º 4325, de 05.09.2005, no valor de 1.056, 00€, n.º 4363, de 29.09.2005, no valor de 792, 00€, n.º 4425, de 04.11.2005, no valor de 492, 80€, n.º 4434, de 09.11.2005, no valor de 792, 00€, n.º 4469, de 28.11.2005, no valor de 264, 00€, n.º 4485, de 07.12.2005, no valor de 264, 00€, n.º 4498, de 13.12.2005, no valor de 1.056, 00€, n.º 4566, de 17.01.2006, no valor de 88, 00€, n.º 4574, de 20.01.2006, no valor de 450, 00€, n.º 4590, de 01.02.2006, no valor de 900, 00€, n.º 4659, de 25.02.2006, no valor de 168, 00€, n.º 4660, de 27.02.2006, no valor de 1.050, 00€, n.º 4690, de 18.03.2006, no valor de 585, 00€, n.º 4713, de 10.04.2006, no valor de 450, 00€, n.º 4726, de 24.04.2006, no valor de 1.080, 00€, n.º 4756, de 24.05.2006, no valor de 1.080, 00€, n.º 4798, de 30.06.2006, no valor de 900, 00€, n.º 5027, de 24.10.2006, no valor de 648, 00€, n.º 5068, de 08.11.2006, no valor de 450, 00€, n.º FT 2014A11/197, de 28.02.2014, no valor de 855, 00€ e n.º FT 2015A11/724, de 29.09.2015, no valor de 717, 10€.

4) Faturas essas no montante global de 28.837, 50€.

5) E quer eram entregues no destinatário aquando da entrega do material.

6) Nem MC (…) nem os RR pagaram a fatura FT 2015A11/724, de 29.09.2015, no valor de 717, 10€.

7) As rações fornecidas a MG (…) destinavam-se a alimentar os animais que o mesmo possuía numa exploração agrícola e pecuária.

8) Sendo essa a única actividade profissional do falecido MG (…) de onde provinham os seus rendimentos.

9) Com os quais contribuía para o sustento do casal e agregado familiar, suportando, conjuntamente com a mulher, as despesas habituais da família.

10) A Ré M (…) era e é professora, só coadjuvando esporadicamente o marido nessa actividade.

11) Atualmente, e após o falecimento do pai, foi a sua filha, e aqui Ré, I (...) , quem se dedicou e dedica a tal actividade, gerindo tal exploração.

12) Continuando a adquirir, pelo menos desde 2007 a 2015, rações ao Autor e pagando-as.

13) Tratava-se e trata-se de uma exploração agro-pecuária registada na Direção Geral de Alimentação e Veterinária, para produção de bovinos, ovinos e equídeos.

14) Em média possuía cerca de 80 bovinos para a engorda e posterior venda.

15) Possuindo na exploração uma balança de pesagem dos animais.

16) MC (…) estava ainda inscrito no IFAP, pelo menos desde 2004, como empresário em nome individual, e, após 2006, como pessoa singular, recebendo subsídios pelos animais que possuía na exploração.

17) De janeiro de 2014 a dezembro de 2015 auferiu, a título de subsídios, o valor global de 62.449,13€.

18) O Autor solicitou o pagamento das faturas em causa à Ré M (…) após o falecimento do marido.

19) O Autor e o falecido MC (…) tinham um bom relacionamento profissional e pessoal.


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A reapreciação do facto assente sob o nº10.

Entendem os Recorrentes que, “atentas as declarações da recorrente, no sentido de frequentar tal exploração com finalidades meramente lúdicas, afirmando ter sido sempre o seu marido quem se ocupou da sua gestão e administração, nunca o tendo auxiliado nessa actividade, e atento o facto de não se ter produzido qualquer outra prova de que assim não fosse”, não está provada a ajuda esporádica daquela ao marido nessa actividade.

Ouvidas as referidas declarações, não resulta que a ida da interessada à exploração, aos fins de semana e de vez em quando, como diz, fosse apenas com finalidades meramente lúdicas. O que resulta delas, também por razões de normalidade, é a presença nos fins de semana, e de vez em quando, com a natural ajuda esporádica que uma mulher dará ao seu marido nas circunstâncias apuradas.

Esta nossa convicção é idêntica à obtida pelo tribunal recorrido, este ainda no conjunto da prova produzida, não havendo razões para alterar o decidido.

E, de qualquer maneira, a ajuda ou não da Recorrente não tem relevância no conhecimento do mérito do recurso, nomeadamente para o “proveito comum” que se retira do facto assente sob o nº 9.


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            A admissão do testemunho de J (…).

           

A solução desta questão depende da solução a dar à questão seguinte, relativa à existência da presunção prevista no art.317º, b), do Código Civil (doravante CC).

            Funcionando a presunção, por força do disposto no art.313º desta lei, ela só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.

            Presumindo-se o pagamento, os Recorrentes terão razão e o tribunal não poderia utilizar o depoimento testemunhal referido, com vista a provar a existência da dívida.

            Passemos então à questão prejudicial.


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            A presunção do pagamento. A aplicabilidade do art.317º, b), do CC.

            Reafirmando a jurisprudência do acórdão desta secção, de 23.09.2014 (no processo 66850/12, subscrito pelo agora relator como primeiro adjunto), apoiado naquela outra do acórdão do STJ, de 23.02.2012 (no processo 2254/03, ambos em www.dgsi.pt), podemos sintetizar assim toda a sua informação no seguinte conjunto de argumentos e critérios jurídicos relevantes:

            1) Uma interpretação atualista e funcionalmente adequada dos arts.230º e 464º do Código Comercial apenas permite afastar da comercialidade uma agricultura com meios escassos, não profissional e com irrelevantes fins lucrativos, que venda apenas frutos da propriedade envolvida.

            2) Em função da teleologia subjacente ao instituto da prescrição presuntiva, a norma  do art.317º, b), do CC não se aplicará se a prestação realizada se destinar ao exercício industrial do devedor, como modo de vida habitual, envolvendo uma exploração de dimensão relevante e um risco especulativo, por não ser facilmente concebível que o devedor não guarde e conserve documentação essencial. (Estas empresas estão normalmente sujeitas a regras contabilísticas e fiscais minimamente exigentes.)

            Neste enquadramento, consideremos os factos provados:

O Autor forneceu regularmente rações ao falecido e, depois, à sua filha Recorrente;

No período de 2004 a 2006, relativamente ao que está por pagar, está em causa um valor de dívida superior a vinte e cinco mil euros;

As rações fornecidas destinavam-se a alimentar os animais na exploração agrícola e pecuária;

Esta exploração era a única atividade profissional do falecido, de onde provinham os seus rendimentos, com os quais contribuía para o sustento do casal e agregado familiar, suportando, conjuntamente com a mulher, as despesas habituais da família;

Tratava-se e trata-se de uma exploração agro-pecuária registada na Direção Geral de Alimentação e Veterinária, para produção de bovinos, ovinos e equídeos.

Em média possuía cerca de 80 bovinos para a engorda e posterior venda; (tinha também ovinos e caprinos; tinha 4 bois de cobrição, como resulta ainda das declarações das Recorrentes em julgamento.);

O Sr. M (…)estava ainda inscrito no IFAP, pelo menos desde 2004, como empresário em nome individual, e, após 2006, como pessoa singular, recebendo subsídios pelos animais que possuía na exploração; de janeiro de 2014 a dezembro de 2015 auferiu, a título de subsídios, o valor global de 62.449,13€.

Neste contexto factual, não podemos concluir existir uma agricultura com meios escassos, não profissional e com irrelevantes fins lucrativos, que venda apenas frutos da propriedade envolvida. Pelo contrário, estamos face a um exercício industrial, como modo de vida habitual, envolvendo uma exploração de dimensão relevante e um risco especulativo, sendo plausível que o devedor estivesse obrigado (como se retira ainda da documentação junta) a regras contabilísticas e fiscais minimamente exigentes, com guarda e conservação de documentação essencial.

Por tudo isto, o devedor não deve beneficiar da presunção que invocou.

E, respondendo agora à questão anterior, a prova do pagamento não estava limitada à confissão assinalada, sendo um ónus do devedor, não conseguido.


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A litigância de má fé.

Está em causa a seguinte consideração do complemento da sentença principal:

“Mas para além disso, a Ré M (…), alegando ser professora, e os filhos menores de idade à data, negaram o tipo de atividade de criação de animais e omitiram a dimensão da exploração (com cerca de 100 bovinos) alegando não ser do seu conhecimento pessoal.

“Cremos, com todo o respeito, que o tipo e dimensão da exploração pecuária do de cujus é do conhecimento pessoal da sua mulher e filhos. E tanto o é que, em sede de declarações de parte, mas já após a junção de diversos documentos aos autos, confessaram essa factualidade.

“Note-se que a Ré, sendo professora, até viu pagamentos serem feitos aquando do fornecimento das rações para o gado, mas na contestação nega a criação de gado.

“Além disso, e como resultou confessado, a mesma atividade do pai manteve-se e é actualmente desenvolvida pela filha, a Ré I (…).

“Mas na sua contestação, não foi isso que disseram, pois aí negaram peremptoriamente que o “de cujus” e os filhos alguma vez se tenham dedicado à criação de gado – vide arts. 18 e 19º de tal articulado.

“Estes factos, que são essenciais para a descoberta da verdade e decisão da causa (desde logo porque passíveis de afastarem a prescrição), eram do conhecimento pessoal não apenas do de cujus mas de todos os RR, que os negaram ostensiva e conscientemente, de modo a impedir o Autor de receber a quantia peticionada.

“E só após a junção de vária documentação comprovativa da dimensão e tipo de atividade, os RR admitiram que o pai se dedicava à criação e venda de animais.

“Nesta parte, houve, cremos, uma alteração deliberada consciente e grave da verdade de factos e omissão de outros para a decisão da causa e bem assim do principio da colaboração, sendo a conduta dos RR subsumível nas alíneas b) e c) do nº 2 do art.º 542º do CPC.” (Fim da citação.)

Atenta a disciplina constante dos artigos 542.º e seguintes do Código de Processo Civil, a litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o policiamento do processo.

Como referem L. Freitas, M. Machado e R. Pinto, “é corrente distinguir má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo.” (C.P.C. Anotado, 2ª edição, vol.2, páginas 218 e seguintes.)

            Nestes termos, refere o artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que litiga de má fé aquela parte que, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, e pratique omissão grave do dever de cooperação.

            Este normativo, desde a redação que foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 320-A/95, de 12-12, passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária, assente na negligência grave.

A circunstância de não se ter razão ou de não se conseguir demonstrar o alegado não é, só por si, indicador de uma litigância de má fé. A concretização desta exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito, não podendo o instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental. Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto e incompleto do sistema jurídico, a ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida. Assim, à semelhança da liberdade de expressão, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e em manifesta chicana processual com o objectivo de entorpecer a realização da justiça.

De acordo com a norma referida, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

            A litigância de má fé opera oficiosamente mas a parcela relativa à indemnização exige um pedido do beneficiário.

Vejamos o caso concreto:

Em primeiro lugar, devemos afirmar que a decisão não sofre de qualquer falta de fundamentação, passando esta pelo confronto do teor da oposição com os factos provados, resultantes também das declarações de parte, com expressão ainda na motivação da decisão da matéria de facto.

Conforme os arts. 7º a 11º e 20º da oposição, os Réus alegaram que não se dedicavam à criação de animais, para a produção de carne e engorda de novilhos destinada a venda, sendo falso o alegado proveito comum do casal. Os Réus alegaram que o falecido era um agricultor, com algumas cabeças de gado, sem nunca as destinar ao comércio. Por fim, alegaram, nenhum dos Réus exerce profissionalmente a indústria.

Devemos confrontar esta alegação com os factos provados, estes resultantes da documentação disponível, das declarações de parte e dos testemunhos.

Ora, entendemos que os Réus não podiam ignorar a falta de fundamento das suas afirmações.

Uma estrutura daquelas, que continuou com a gerência da filha, ainda em vida do pai, não podia passar e não passou à margem do conhecimento das Rés.

Esse conhecimento, no que diz respeito aos dados objetivos, visíveis na exploração, resulta claro das declarações das Recorrentes, desde há vários anos.

De qualquer maneira, no momento da contestação (abril de 2016, já depois do falecimento do Sr. MC (…)), pelo menos, por serem factos relativos à herança, era exigível às Rés indagar sobre a exploração pecuária, não sendo admissível avançar com afirmações sem suporte de verdade.

É nossa convicção, como foi a do tribunal recorrido, que os Réus mentiram e omitiram quanto aos factos caracterizadores da exploração desenvolvida e do proveito comum do casal (não é pelo facto da exploração apresentar normalmente prejuízos (que os subsídios compensavam) que aquele proveito comum não ocorre), para obstar à condenação.

Esta mentira e o correspondente fim constituem a analisada litigância de má-fé, que deve ser penalizada. O valor da multa não mereceu reparo e não merece reparo.


*

            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelos Recorrentes, vencidos, em partes iguais (arts.527º, nº 2, e 528º, nº 1, do C.P.C.).

Coimbra, 2017-10-17



Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

 António Carvalho Martins

 Carlos Moreira