Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/15.4GBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
FORMA DA SENTENÇA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO NÃO DETENTIVA
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (FUNDÃO – INST. LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 389-A, N.º 5, DO CPP (ADITADO PELA LEI N.º 26/2010, DE 30-08)
Sumário: O segmento final do n.º 5 do artigo 389.º-A, do CPP - obrigatoriedade legal de redução a escrito da sentença proferida no âmbito de processo sumário - não tem aplicação quando o arguido é condenado em pena de prisão declarada suspensa na sua execução, porquanto a mesma constitui pena de substituição não detentiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito dos autos n.º 158/15.4GBFND.C1, da Comarca de Castelo Branco, Fundão – Inst. Local – Secção Criminal – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, sob a forma de processo sumário, dos arguidos (i) A... , filho de (...) e de (...) , nascido a 21.01.1998, natural da freguesia e concelho de Condeixa, estudante, residente na Rua (...) , Fundão (ii) B..., filho de (...) e de (...) , nascido a 28.01.1998, natural da Roménia, estudante, residente na Rua (...) , Castelejo, imputando-lhes - pelos factos descritos no auto de notícia, cujo teor, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 389º, nºs 1 e 5 do CPP, deu por reproduzido, ao qual, contudo, aditou «consigna-se que os objetos subtraídos pelos arguidos têm o valor global de 160,00 €; bem assim que os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de fins, ambos com a intenção de se apropriarem dos objetos que lhes foram apreendidos, não obstante saberem que não lhes pertenciam e que atuavam sem autorização e contra a vontade do seu proprietário, o que lograram conseguir.

Sabiam, os arguidos, também, que tal comportamento lhes era proibido e punido pela lei penal como crime» - a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, nº 1 e 204º, n.º 2, alínea e), do C. Penal.

2. Realizada a audiência de discussão, por sentença proferida oralmente, documentada em CD, de 23.06.2015, o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]:

«Assim sendo, o Tribunal julga procedente e provada a acusação e em consequência condena os arguidos A... e B... pela prática em coautoria material e na forma consumada, cada um dos arguidos, na prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203º, nº 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do C.P., na pena de 15 meses de prisão.

Suspender a execução da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos pelo período igual a 15 meses, subordinada ao pagamento, dentro de 8 meses, de uma indemnização no montante de € 1.360 (mil trezentos e sessenta euros), a pagar ao ofendido, em conformidade com o disposto no art.º 51º, n.º 4, do C.P., cuja fiscalização do cumprimento do dever ora determinado deverá ficar a cargo dos Serviços de Reinserção Social.

Condena-se ainda os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc`s, conforme o disposto no art.º 513º, nº 1 do C.P.P. e art.º 8º do R.C.P.

Após trânsito:

Remeta boletins à DSIC (art.º 5º, n.ºs 1, al. a) e 3 da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto).

(…)».

3. Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos – o que fizeram conjuntamente -, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso, como se refere em sede de motivação, vem interposto da matéria de facto e de direito nos termos do disposto no artigo 412.º do CPP.

A – NULIDADE DA SENTENÇA

2. A sentença recorrida é, com o devido respeito por opinião contrária, nula nos termos do disposto na al a) do nº 1 do art.º 379º do C.P.P. uma vez que não contém as menções referidas no n.º 2 do art.º 374º daquele Código máxime o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

3. Na sentença recorrida não se procede ao exame crítico da prova indicando-se apenas a prova a que se atendeu não se explicitando, de forma nenhuma, porque razão se valorou determinada prova em detrimento de outra, nomeadamente porque se valorou mais do que tudo o depoimento do Sr. C... , filho da proprietária do imóvel em causa, quando este tem um interesse especial no desenrolar do processo e na condenação dos Recorrentes.

4. “A convicção do tribunal é formada antes de mais com base nos dados objetivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada. Conjugando e articulando criticamente esses meios de prova com os depoimentos prestados na plenitude da audiência, apreciados em função do distanciamento de cada depoente do objeto do processo, da sua razão de ciência, das certezas e das lacunas dos depoimentos, das humanas paixões, da ligação de cada depoente ao objeto do litígio e aos sujeitos processuais, na comunicação dialética que se estabelece na audiência de discussão e julgamento, sob a fiscalização direta dos sujeitos processuais, sob vigilância da comunidade, na publicidade da audiência” (os sublinhados são nossos), Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/04/2009, in www.dgsi.pt.

5. Ora, isso não foi feito pelo Tribunal “a quo” sendo certo que e com o devido respeito na motivação da douta sentença recorrida não é possível compreender e alcançar a lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e as razões da sua convicção, sendo certo que quanto ao depoimento dos ora Recorrentes o Tribunal “a quo” se limita a afastá-los em parte, tendo em conta as declarações da testemunha C... , ou seja, filho da proprietária do imóvel. Ora, porque razão atribui o Tribunal “a quo” tanta credibilidade a esta testemunha, a qual tem um interesse direto na ação, grande proximidade do objeto do processo, e especial ligação aos sujeitos processuais, e não aos Recorrentes os quais depuseram com isenção e objetividade colaborando com o Tribunal e esclarecendo todos os factos da acusação dos quais tivessem conhecimento? Para essa questão não obtemos resposta na douta sentença recorrida.

6. Assim como não a obtemos quando tentamos perceber porque razão, mais uma vez, o depoimento da testemunha C... é valorado acima de qualquer outro nomeadamente o da testemunha D... , agente da GNR, o qual foi totalmente esquecido na douta sentença de que ora se recorre parecendo até, da leitura da mesma, que tal testemunha nunca chegou sequer a ser inquirida.

7. “A motivação da decisão de facto não pode deixar de contemplar, para além da indicação das provas a partir das quais se formou a convicção do Tribunal, também os motivos que levaram o juiz a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras e, bem assim, os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato racional que conduziu a que à convicção concretamente estabelecida”, Acórdão da Relação de Coimbra de 05/10/2000, in Colect. Jurisp., ano VVX, tomo IV, pg. 53 e ss.

8. Pelo acima exposto a sentença recorrida é nula nos termos do disposto na al a) do n.º 1 do art.º 379º do C.P.P., uma vez que não contém as menções referidas no n.º 2 do art.º 374º daquele Código máxime o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

9. Os Recorrentes discordam da douta sentença de fls. quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito entendendo que a mesma apresenta vícios em virtude de não ter apreciado corretamente os factos, impondo-se assim uma decisão diversa da recorrida, bem como por não ter realizado uma correta qualificação dos factos praticados pelos Arguidos, impondo-se assim um diverso enquadramento jurídico-penal dos mesmos.

B – MATÉRIA DE FACTO

10. Desde logo, não podem os recorrentes concordar com a Mm.ª Juiz a quo quando considera provados todos os factos constantes do auto de notícia de fls. 3. sendo certo que não resulta dos autos prova de que os Arguidos se tenham introduzido no interior da habitação em causa partindo um vidro da janela das traseiras.

Com efeito, foram desde logo os Arguidos quem, de forma espontânea e voluntária explicaram a forma como acederam ao interior da habitação em causa e o estado em que a encontraram. Assim, na gravação efetuada no sistema citius no dia 11/06/2015 a partir das 16:28h o Arguido A... refere: Mins. 0418 a 04.34

A... : Nós não partimos nenhum vidro.

A... : Não. Quando nós lá chegamos já estava partido, já estava a janela aberta.

Mins. 05:38 a 05:47

A... : lá na nossa escola havia lá boatos que a casa estava abandonada e que já lá tinham ido muitas vezes.

Mins. 06:15 a 07:16

A... : primeiro abrimos o portão, fomos bater à porta porque disseram-nos que a porta estava aberta. Chegámos lá, batemos à porta, saímos para o portão outra vez, como não ouvimos ninguém deu-nos outra vez a esperteza, pronto, deu-nos assim, não sei porquê, de entrar lá subir as escadas e ver se não havia lá uma porta por trás que podia estar aberta, e quando nós chegámos lá atrás vimos a janela aberta com os vidros na parte de fora partidos, no chão (…)

E na gravação com início às 16:41h, o Arguido A... afirmou o seguinte:

Mins. 00.24 a 00.40

Procurador: estava aberta ou tinha um vidro partido (a janela)?

A... : nós abrimos o portão, sim, para ver se havia lá gente. Depois nós subimos as escadas para ver onde era a porta de trás e a janela já estava aberta.

Mins. 1.02 a 1.09

A... : nós, a nossa ideia não era ir aquela casa … e surgiu-nos, foi uma maluquice.

Mins. 05:23 a 05:27

Dr. E... : se não tivesse o vidro partido os senhores teriam entrado?

A... : Não.

Por seu lado, a testemunha D... , militar da GNR, no seu depoimento gravado no sistema citius em 11/06/2015 a partir das 16:50h, afirmou o seguinte: Mins. 02.49 a 03.10

Testemunha: Entraram nas traseiras da casa por uma janela que se encontra nas traseiras.

Procurador: A janela tinha vestígios de arrombamento?

Testemunha: eu agora já não me recordo porque estou a fazer confusão com o outro processo na mesma casa, mas penso que foi uma janela e que estava um vidro partido”

Mins. 06:26 a 06:43

Dr. E... : Naquela casa, pelos vistos iam lá outras pessoas.

Testemunha: Foram, foram lá no dia 27 de Abril. Houve lá uma situação que pronto, ficou bastante pior a casa. Tudo vandalizado, tudo partido. Mas esse reporta a outro processo (…)

Mins. 06.55 a 06.57

Dr. E... : (neste dia) os danos da casa foram os da janela?

Testemunha: Só, só.

Mins. 06.59 a 07.14

Dr. E... : o Sr. nesse dia entrou lá também na casa?

Testemunha: Entrei. Fomos ver se havia mais alguém no interior, ficou tudo visto. Perguntei ao Sr. se faltava mais alguma coisa, ele também disse que não, que ia depois averiguar e que indicaria.”

Por fim, o filho da proprietária do imóvel em causa, Sr. C... , no seu depoimento gravado no sistema citius no dia 11/06/2015 a partir das 17.04h, afirmou que:

Mins. 8.43 a 8.54

Dr. E... : (…) qual foi a última vez que tinha ido ao local?

Testemunha: na véspera à noite, à tarde, fim do dia.

Mins. 09.00 a 09.06

Dr. E... : O Sr. viu-os partir a janela ou não?

Testemunha: Não, porque eles já lá estavam dentro.

11. Sendo certo que, dos depoimentos realizados, é possível concluir que os Arguidos negam ter partido o vidro da janela através da qual entraram na casa, vidro esse que afirmam já estar partido quando lá chegaram, não havendo qualquer prova em sentido contrário e que corrobore o auto de notícia. Com efeito, ninguém viu os Arguidos aceder ao interior da casa sendo que, conforme é referido pelo Arguido A... , pelo GNR D... e pelo filho da proprietária do imóvel C... , a habitação em questão havia já sido vandalizada em data anterior, mais concretamente no dia 27 de Abril de 2015.

Nem em tal sentido podia ser valorado o depoimento do filho da proprietária do imóvel, Sr. C... , o qual afirmou que se deslocava todos os dias junto da habitação pois tal deslocação diária não impediria de que o vidro tivesse sido partido no período compreendido entre a sua deslocação à habitação no dia anterior aos factos e à hora em que se verificou que os Arguidos estavam no interior da habitação. Sendo certo que mediaram, entre um e outro momento, sensivelmente 24 horas tendo o Sr. C... afirmado, como acima se transcreveu, que a última vez que tinha ido à residência antes do dia 2 de maio havia sido (Mins. 8.43 a 8.54) “na véspera à noite, à tarde, fim do dia”.

12. Resulta ainda dos autos que os Arguidos confessaram ter entrado na habitação em causa e dali terem saído com alguns objetos colocados no interior de uma bolsa de plástico, vulgarmente designada por “mica”. Razão pela qual, não poderia a Mm.ª Juiz a quo considerar provado que os “Arguidos confessaram os factos que lhe são imputados”, pois tal confissão dos factos constantes do auto de notícia de fls. foi apenas parcial.

13. Igualmente mal andou o Tribunal a quo ao considerar provado que “no âmbito da factualidade constante do auto de notícia junto a fls. 3 resulta que, para o ofendido, conforme teor do documento junto a fls. 129, pintura de lavagem de todas as paredes (…) implicou um valor de 1.200€ acrescido de IVA (…)”.

Por um lado, porque não resultou dos autos prova de que os Arguidos tivessem provocado qualquer dano em paredes que obrigasse “à pintura de lavagem das mesmas”. Por outro lado, porque não se alcança sequer como chegou a Mm.ª Juiz a quo a tal valor 1.230€ acrescido de IVA sendo certo que os orçamentos comprovativos de despesas apresentados nos autos pelo Sr. C... não correspondem a tal quantia.

Efetivamente, o que estava em causa nos presentes autos era um vidro partido numa janela e até quanto a esse, como acima se referiu, não há prova nos autos que permita concluir que foram os Arguidos quem o partiu. Todavia, ainda que se considerasse haver prova de terem sido os Arguidos a provocar tal dano (vidro partido) certo é que nenhuma prova há no que diz respeito a paredes, sendo certo que nem do auto de notícia consta qualquer facto relativo às mesmas. A testemunha D... , militar da GNR, no seu depoimento gravado no sistema citius em 11/06/2015 a partir das 16:50h, afirmou o seguinte:

Mins. 06.26 a 06.43

Dr. E... : Naquela casa pelos vistos iam lá outras pessoas

Testemunha: Foram, foram lá no dia 27 de Abril. Houve lá uma situação que pronto, ficou bastante pior a casa. Tudo vandalizado, tudo partido. Mas esse reporta a outro processo (…).

Mins. 06.55 a 06.57

Dr. E... : (nesse dia) os danos da casa foram os da janela?

Testemunha: Só, só.

E a testemunha C... , filho da proprietária do imóvel em apreço, no seu depoimento gravado no sistema citius no dia 11/06/2015 a partir das 17:04h, afirmou que:

Mins. 07.08 a 07.17

Dr. E... : mas isso é relativo aos factos ocorridos no dia 2 ou no dia 27 27 de Abril? (as despesas apresentadas)

Testemunha: Há também do dia 2

Mins. 08.12 a 08.24

Dr. E... : (…) relativamente aos danos causados na habitação, no dia 27 de Abril?

Testemunha: Sim, mas também contempla os vidros do outro.

Apenas ambas as testemunhas fazendo referência a um vidro partido numa janela e não a quaisquer outros danos, que não existiram.

Aliás, o auto de notícia de fls. apenas refere também “partindo um vidro da janela das traseiras”. Estamos em crer que a Mm.ª Juiz a quo terá feito confusão entre os factos em apreciação nestes autos com os factos a que respeita um outro processo e que terão ocorrido a 27 de Abril de 2015.

Sendo certo que no auto de notícia de fls. e referente ao processo n.º 152/15.5GBFND reportado ao dia 27/04/2015 é referido que “foram causados danos nos vidros de duas janelas do exterior da habitação, na porta de acesso à biblioteca (…) no interior da garagem atearam fogo a um molho de lenha (…) na pintura da referida garagem”.

Ora, se houve danos nas paredes do imóvel que levaram à pintura de lavagem da mesma tais danos não ocorrem no dia dos factos em apreço nos presentes autos mas sim em data anterior sendo os mesmos em tudo alheios aos Arguidos e ao presente processo.

14. Por fim, refira-se ainda que nenhuma prova foi feita quanto ao valor das reparações tendo sido juntos aos autos meros orçamentos e não comprovativos da pagamento ou fatura/recibo das despesas alegadamente suportadas pela proprietária do imóvel. Não podendo bastar um mero orçamento para se considerar provado tal montante sendo certo que, no caso em concreto, menor relevância deveria ainda ter sido dada a tal documento pois o mesmo referia-se a danos provocados em data anterior a 2 de Maio de 2015, mais concretamente aos danos provocados em 27/04/2015 como acima se referiu e aqui se dá por reproduzido.

15. Razão pela qual nunca poderia o Tribunal a quo dar como provado que “no âmbito da factualidade constante do auto de notícia junto a fls. 3 resulta para o ofendido (…) pintura de lavagem de todas as paredes (…) implicou um valor de 1.200€”. Sendo certo que igualmente carece de sentido o dispositivo da sentença ora recorrida quando suspende a execução da pena de prisão subordinada ao pagamento de uma indemnização ao ofendido no valor de 1.360€. Desconhecendo-se mais uma vez qual o raciocínio que presidiu a tal tomada de decisão do douto Tribunal a quo pois dando como provado, ainda que erradamente, terem os Arguidos provocado danos que originaram uma despesa de 1.200€ acrescida de IVA à taxa de 23% não se alcança como chega a um valor indemnizatório diferente, ou seja, os referidos 1.360€.

16. Entendeu a Mm.ª Juiz a quo não haver factos não provados. Ora, não havendo factos não provados e considerando assim, por maioria de razão, todos os factos alegados, quer pela acusação quer pela defesa, como provados deveria, desde logo, a Mm.ª Juiz a quo ter incluído no elenco dos factos provados aqueles que constam dos artigos 17 e 18 das contestações de fls. ou seja:

- Que o arguido tem 17 anos e é uma pessoa honesta e pacífica.

E

- O Arguido é estimado por todas as pessoas com quem se relaciona na sua vida pessoal e académica.

Sendo certo que houve prova dos mesmos nomeadamente através dos depoimentos das testemunhas F... , G... , H... e F... , os quais, no depoimento gravado no sistema citius no dia 17/06/2015 a partir das 09:52h afirmaram que:

Mins. 05.39 a 05.52

Dr. E... : o que é que tem a dizer dele?

Testemunha ( F... ): Não tenho mal a dizer dele. Muito bem-educado, respeitador com toda a gente.

Mins. 06.02 a 06.26

Dr. E... : Acha que isto foi um incidente na vida dele?

Testemunha ( F... ): Eu acho que foi um incidente e espero que vá aprender alguma coisa com isto, e para no futuro não repetir os mesmos erros.

Dr. E... : Ele na conversa que teve consigo mostrou arrependimento?

Testemunha ( F... ): Mostrou muito arrependimento.

Mins. 07.18 a 07.38

Dr. E... : pergunto se na escola se falava naquela casa onde eles foram?

Testemunha ( G... ): Falava

Dr. E... : isso era uma coisa que corria lá, um comentário que faziam uns com os outros?

Testemunha ( G... ): Foi um rapaz que disse que havia lá a casa.

Mins. 08.00 a 09.45

Dr. E... : o que é que tem a dizer do seu neto?

Testemunha ( H... ): o que é que eu posso dizer? A verdade. Para mim foi sempre um dos netos que me marcou (…) humilde. Na minha doença foi aquela criança que se sentava ao meu lado e me dizia “avô, eu estou aqui para te ajudar”, e a minha relação com eles os três é igual. Mas ele para mim tem esse carisma (…) admira-me bastante o que é que o levou, talvez, presumo que seja da própria idade (…) nunca desviou uma pequenina coisa (…)

Mis. 10.32 a 10.50

Testemunha ( H... ): Ele é uma pessoa educada, é um miúdo que à idade que ele tem é formidável, é humilde, eu não posso … o que é que eu posso dizer? Para além de ser neto, como rapaz é o que eu tenho que dizer.

Mins. 11.08 a 11.26

Testemunha ( F... ): o meu irmão é uma excelente pessoa ele é bem comportado e tem educação. Isto creio que foi uma brincadeira mas na outra vez falei com ele e disse que estava muito arrependido, que se pudesse voltar atrás não o tinha feito.

Pelo que, em conjugação de tais depoimentos com os documentos de identificação dos Arguidos, devia ter sido dado como provado que:

O Arguido A... tem 17 anos e é uma pessoa honesta e pacífica.

O Arguido B... tem 17 anos e é uma pessoa honesta e pacífica.

O Arguido A... é estimado por todas as pessoas com quem se relaciona na sua vida pessoal e académica.

O Arguido B... é estimado por todas as pessoas com quem se relaciona na sua vida pessoal e académica.

17. Acresce que além de tais factos devia ainda ter sido dado como provado que não houve qualquer premeditação dos Arguidos no que se refere à prática dos factos, isto é, a introdução na habitação em causa e a tentativa de furto dos bens melhor identificados nos autos assim como que os mesmos demonstraram efetivamente arrependimento mas um arrependimento sincero denotando terem ficado marcados por este episódio das suas vidas. A este propósito, os Arguidos, nos seus depoimentos gravados no sistema citius no dia 11/06/2015 a partir das 16:28h afirmaram o seguinte:

Mins. 1.02 a 1.09

A... : nós, a nossa ideia não era ir aquela casa ... e surgiu-nos, foi uma maluquice.

Mins. 3.29 a 3.31

Procurador: E isto é para continuar Sr. A... ?

A... : Não, estou muito arrependido.

Mins. 05.23 a 05.27

Dr. E... : se não tivesse o vidro partido os senhores teriam entrado?

A... : Não.

Mins. 05.56 a 06.15

A... : Vimos lá muitos livros, havia lá muita coisa, acho que era valiosa, ao que me pareceu, mas nós não estávamos com ideias de levar nada. Se nós quiséssemos levar tínhamos ido a outra hora ou tínhamos levado qualquer coisa mais valiosa.

Mins. 06.34 a 06.59

Dr. E... : Esses objetos que estão identificados e que foram apreendidos eram para alguma coisa específica, ou não?

A... : quando nós saímos da janela não sabíamos se havíamos de devolver ou fazer outra coisa com ele, porque nós estávamos a pensar em devolver, se não tivéssemos visto a sirene, pronto, as luzitas …

Mins. 07.21 a 07.40

Dr. E... : quando vocês entraram na casa não levaram nenhum saco?

A... : Não (…) uma mica, estava lá dentro de casa (…) o livro estava dentro da mica e nós tirámos o livro para por lá as coisas.

Mins. 09.47 a 10.04

Dr. E... : isto é uma coisa que você vai cometer no futuro?

A... : Não. Eu estou muito arrependido, e espero que me perdoem porque eu queria pedir muitas desculpas, a todas estas pessoas e aos meus pais também.

Mins. 11.58 a 12.04

Dr. E... : Acha que este erro que você fez o ensinou?

A... : ensinou que não se deve fazer mal e não é isto que eu quero da vida.

Já na gravação no sistema citius do dia 17/06/2015 a partir das 10h12 foi afirmado pelos Arguidos A... e B... o seguinte:

Mins. 00.11 a 00.51

A... : primeiro queria pedir muitas desculpas e queria dizer que estou mesmo arrependido por tudo o que fiz, que não devia ter feito. Como a minha irmã disse que eu tinha-lhe dito, eu se voltasse atrás não voltava a fazer. E digo-lhe agora que estou mesmo arrependido e que se pudesse voltar atrás teria ido para outro lado sem ser aquele sítio, para outro lado, para onde nós íamos que era o parque verde e não tínhamos feito isto. E mais uma vez estou arrependido.

Mins. 01.25 a 01.42

B... : Estou mesmo arrependido. Estou … Não tenho palavras para o que aconteceu. E, estou mesmo arrependido, mesmo.

Entendendo-se assim que deveria ter sido dado como provado que os factos em apreço foram fruto de um mau momento dos Arguidos, uma ideia que surgiu na altura sem que nada tivesse previamente combinado ou arquitetado entre ambos e dos quais se mostram profunda e sinceramente arrependidos.

Corroborando este entendimento existe o depoimento do pai do Arguido A... o qual no seu depoimento gravado no sistema citius no dia 17/06/2015 a partir das 09:39h afirmou o seguinte:

Mins. 05.35 a 5.50

Testemunha: O A... neste momento perante outros comportamentos, em casa mudou completamente. Penso que isso o vai fazer crescer, aliás, ele já cresceu (…)

Mins. 12.38 a 13.22

Testemunha: O A... não é pessoa para fazer aquilo que fez, ele vai, se não disse vai dizê-lo, eventualmente, foi uma parvoíce, uma criancice. O A... não é, basicamente nunca desapareceu nada de casa. Muito menos pela mão do A... . O A... é uma pessoa meiga, não responde como já me responderam no âmbito da Formação, aos professores (…)

Mins. 14.15 a 14.53

Dr. E... : Relativamente ao B... , ele é amigo do seu filho …

Testemunha: O B... está na mesma escola, são colegas de escola, não de curso, e convivem muito os dois (…). É calmo, é meigo, também não lhe conheço nada que indicasse aquilo que aconteceu.

Mins. 15.07 a 15.19

Dr. E... : Se ele pudesse voltar atrás, acha que ele faria a mesma coisa, ou pelo contrário?

Testemunha: Não, ele disse-me já no decurso de várias conversas que não, que se pudesse voltar atrás não iria repetir.

C. MATÉRIA DE DIREITO

18. Atenta a matéria de factos que se considera que deve ser dada como provada, resulta que os Recorrentes praticaram um crime de furto p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, cujo procedimento e tal conforme resulta do n.º 3 de tal norma, “depende de queixa”. Ora, a proprietária do imóvel, e tal conforme resulta dos autos, não apresentou qualquer queixa, pelo que, a ausência de tal pressuposto, determina, salvo melhor e douta opinião, a extinção do procedimento criminal, com o consequente arquivamento dos autos.

Sem prescindir

19. Na eventualidade de se entender que não está extinto o procedimento criminal – o que se contesta pelas razões acima aduzidas – então também se dirá, que no tocante à pena a aplicar e tendo em consideração os factos dados como provados, nomeadamente relacionados com:

- as circunstâncias em que os factos foram praticados;

- o diminuto grau de ilicitude,

- a confissão;

- o arrependimento;

- as circunstâncias da vida dos recorrentes e a sua integração na sociedade e inexistência de rendimentos;

- a ausência de antecedentes criminais;

- a idade

e tendo em atenção que no caso se deve aplicar o disposto no DL 401/82 de 23 de Setembro e em face à moldura do crime de furto simples, e ainda ao disposto no artigo 47.º do Código Penal, considera-se justa e adequada a aplicação de uma pena de 20 dias de multa, a pagamento de 5€ por cada dia, o que perfaz o montante de 100€, devendo tal montante ser substituído por dias de trabalho à comunidade a efetuar numa instituição de solidariedade, nos termos do artigo 48º do Código Penal.

20. Na eventualidade de não se considerar que o procedimento criminal está extinto e/ou os factos não serem subsumíveis ao crime de furto simples p. e p. pelo artigo 203º do Código Penal, o que se contesta pelas razões supra indicadas, então também se dirá que se considera não só excessiva a pena aplicada, bem como injustificada a condição imposta para a suspensão da sua aplicação, bem como que não há qualquer justificação que a pena aplicada seja registada no certificado de registo criminal dos Recorrentes.

21. Assim, e caso se entenda que o comportamento dos Recorrentes é subsumível ao disposto nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, também se dirá que a pena aplicada 15 meses é manifestamente excessiva, tendo em consideração:

- a idade dos Recorrentes e conforme o disposto no DL 402/82 de 23 de Setembro;

- a confissão,

- o arrependimento;

- as condições sociais dos Recorrentes, nomeadamente s/integração social e ausência de antecedentes;

- diminuto valor dos bens furtados;

- a inexistência de qualquer antecedente criminal;

- ausência de premeditação;

- forma leviana é verdade, mas irrefletida como praticaram os factos, à luz do dia e sem qualquer esquema ardiloso.

22. Desta forma e atento às disposições legais supra indicadas considera-se adequada a aplicação de uma pena de prisão de 6 meses, substituída, nos termos do disposto nos artigos 43º e 47º, ambos do Código Penal por uma pena de multa de 750 euros, correspondente a 75 dias a 5 euros/dia, devendo tal montante ser substituído por dias de trabalho a favor da comunidade a efetuar numa instituição de solidariedade nos termos do artigo 48.º do Código Penal.

Sem prescindir

23. Na eventualidade de se entender que deve ser aplicada aos Recorrentes uma pena de prisão – o que se contesta pelas razões supra indicadas, então também se dirá que contrariamente ao estabelecido pelo Tribunal “a quo” a referida suspensão não deverá ficar condicionada ao cumprimento de qualquer obrigação por parte dos Recorrentes, devendo assim ser suspensa por período igual à pena aplicada.

24. Não tendo, nem sendo minimamente previsível, que os ora Recorrentes venham a ter, no momento do trânsito em julgado, meios para satisfazer esse condicionamento, a sua imposição contraria a teleologia e mesmo o sentido da suspensão da execução da pena, contrariando o que a lei estabelece, ou seja, que no caso em apreço, julgamos que a socialização dos arguidos deverá realizar-se em liberdade, certo que resultaram provados factos que permitem ancorar um juízo de prognose favorável quanto aos mesmos, considerando a inserção familiar e social dos arguidos.

25. Até porque os Recorrentes não têm grandes disponibilidades, sendo estudantes e vivendo na dependência dos pais.

26. Ora atento ao disposto no artigo 51º do Código Penal, uma interpretação no sentido de se entender a restituição de quantias previstas naquela norma como condicionamento da suspensão da execução da prisão, independentemente da capacidade pessoal dos arguidos para o cumprimento dessa imposição (e portanto mesmo que essa capacidade falte), é inconstitucional por violação dos sobreditos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade (artigos 13.º e 18º da Constituição).

27. Pelo que, entendendo-se que deve ser aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, esta não deve ser condicionada, tal conforme resulta do disposto no artigo 51.º do Código Penal, ao cumprimento de qualquer obrigação que os ora Recorrentes possam cumprir respondendo à teleologia da suspensão da execução da pena, sob pena de errónea interpretação e violação do mesmo artigo 51º do CP e, bem assim, dos artigos 580.º e ss. do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 4.º CPP; para além, e torna-se a frisar que a condição imposta aos Recorrentes é injustificada e infundada, pois o seu comportamento não causou à proprietária do imóvel em causa o prejuízo de 1.320€ tal conforme infra se indica, pelo que, não podem os Recorrentes pagar o prejuízo que não foi por eles causado.

28. Por fim, na eventualidade de se considerar que o procedimento criminal não está extinto e que deve ser aplicada uma pena, seja uma multa conforme os Recorrentes entendem ou uma pena de prisão suspensa na sua execução pelo período correspondente à pena aplicada, então também se dirá e como tal também se solicita, que a sentença não seja registada nos certificados dos Recorrentes a que se referem os artigos 10º e 11º da Lei n.º 57/98 de 18 de agosto, já que e atento à natureza do crime pelo qual podem ser condenados, circunstâncias que o acompanharam, bem como tendo em consideração o comportamento dos Recorrentes desde a ocorrência do crime até à presente data, não é de induzir que exista perigo da prática de novos crimes, pelo que e sendo os Recorrentes jovens estudantes e sendo expectável que no futuro tenham trabalho, não deve ficar o seu acesso ao mercado de trabalho dependente de um ato irrefletido e leviano por si realizado e que reiteram o seu arrependimento, pelo que e na observância dos preceitos decorrentes no artigo 17.º da Lei 57/98 de 18 de agosto, não deve o Acórdão a proferir ficar transcrito nos certificados dos Recorrentes a que se referem os artigos 11º e 12º do mesmo diploma legal, nomeadamente para fins de emprego.

29. A Sentença violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 22.º, 30.º, 50.º, 51.º, 70.º, 71.º, 79.º, 213º e 214º do Código Penal, bem como os artigos 387º, 379º, n.º 1, 374º, 410º e 412º do Código de Processo Penal, e ainda os artigos 11.º, 12.º e 17.º da Lei 57/98 de 18 de agosto, bem como o artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, que salvo o devido respeito, foram incorretamente interpretados e aplicados pelo Tribunal a quo, devendo assim ser revogado por outro nos termos aqui indicados.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicáveis e nos que doutamente forem supridos, deve ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências, porque assim se fará Justiça.

4. Foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1. O tribunal a quo fez uma adequada valoração dos preceitos legais, tendo andado bem ao condenar os arguidos A... e B... , pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, n.º 2, al. e) do CP, na pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao pagamento de uma indemnização ao ofendido no valor de 1260,00€, no prazo de 8 meses.

2. Na verdade, o tribunal a quo fez uma adequada e acertada valoração dos factos e uma correta subsunção destes ao Direito, que não merece qualquer reparo, nem existe qualquer nulidade que a invalide.

3. Quanto à questão suscitada da extinção do procedimento criminal, por falta de queixa da ofendida, basta referir que não assiste razão aos recorrentes porque o crime de furto qualificado, pelo qual foram condenados, tem natureza pública.

4. Por fim, a questão do excesso da pena aplicada aos arguidos, porque a pena concreta aplicada aos arguidos ficou abaixo do mínimo da moldura penal prevista, por atenuação especial em razão da idade, não merece qualquer reparo.

5. Face ao exposto, concluímos que, a douta decisão recorrida deve ser mantida, por não ter violado quaisquer preceitos legais ou constitucionais, não devendo merecer provimento o recurso interposto pelos arguidos.

V. Exas, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão Justiça.

6. Remetidos os autos à Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no âmbito do qual suscita, como questão prévia, a falta de concisão das conclusões, circunstância que deveria conduzir ao convite ao aperfeiçoamento [artigo 414.º, n.º 2 do CPP].

Sem embargo, para o caso de assim não ser entendido, prossegue: «sempre se dirá que não lhes assiste razão subscrevendo a resposta apresentada pela Ilustre Magistrada do Ministério Público da 1.ª instância, quanto à forma como o Tribunal a quo apreciou a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e quanto à medida da pena que lhes aplicou».

Não obstante, defende, padecer a sentença recorrida, por não ter sido reduzida a escrito, de nulidade, pois em seu entender a pena de prisão suspensa na respetiva execução representaria uma pena privativa da liberdade.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP, os recorrentes não reagiram.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Questões prévias

a.

Reconhecendo, embora, assistir razão à Exma. Procuradora-Geral Adjunta no que concerne à falta de concisão e extensão das conclusões, as quais, em parte substancial, se apresentam repetitivas, desenvolvendo de forma reiterada a mesma argumentação, temos para nós que sendo percetíveis as questões, quer em sede de matéria de facto, quer no domínio do direito, cuja reapreciação vem pedida é de evitar o convite ao aperfeiçoamento, o qual sempre redundaria num maior retardamento do processo, bem como na prática de atos processuais adicionais, que se nos afiguram dispensáveis sempre que, ainda que com esforço acrescido por parte do tribunal, seja possível identificar as razões que constituem o objeto do recurso, como sucede no caso.

Em conformidade, entende-se não ser de endereçar o sobredito convite aos recorrentes.

b.

Também a invocada nulidade da sentença, decorrente da inobservância do disposto no n.º 5, do artigo 389.º - A do CPP, suportada na asserção de constituir a pena de prisão suspensa uma pena privativa da liberdade, por ser suscetível de prejudicar o conhecimento das questões colocadas pelos recorrentes, parece-nos dever ser, desde já, encarada.

Sobre semelhante temática já tivemos oportunidade de tomar posição.

Com efeito, na decisão sumária proferida, em 06.12.2011, no âmbito do proc. n.º 682/11.8GCLRA.C1,disponível em www.dgsi.pt/jtrc., deixámos, a propósito, consignado:

«A questão que importa dirimir traduz-se em saber se, como defende o recorrente, a sentença deveria, ao invés do que sucedeu, ter sido elaborada por escrito, em conformidade com o n.º 5 do artigo 389.º - A do CPP.

Os autos em referência seguiram a forma de processo sumário, tendo a audiência de julgamento e a sentença que se lhe seguiu tido lugar já em plena vigência das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal Pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.

Sobre a necessidade de elaboração da sentença por escrito dispõe o n.º 5 do citado artigo 389º - A: Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.

Tal formalidade – elaboração da sentença por escrito -, justificada, certamente, pelo maior melindre da situação, constitui, pois, uma exceção à regra, segundo a qual apenas o dispositivo é sempre ditado para a ata, o que não sucede com o relatório e a fundamentação – [cf. o n.º 2 do artigo 389º - A].

Ora, na situação concreta a inconformidade do recorrente não vem ancorada nas circunstâncias do caso, mas tão só na natureza da pena aplicada, sendo que o arguido foi condenado na pena de substituição prevista no artigo 50º do Código Penal, a qual, com o devido respeito, não configura pena privativa da liberdade.

Pensamento que transparece das palavras de Paulo Pinto de Albuquerque enquanto refere: … em caso de condenação em pena efetiva de prisão …, o juiz deve elaborar a sentença (toda a sentença!) por escrito e proceder à sua leitura …

Excecionalmente, em caso de complexidade, das questões de facto ou de direito sub judice, o juiz deve proceder do mesmo modo – [cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 1009].

Com efeito, a adoção da expressão aplicada pena privativa da liberdade tem de ser lida, no contexto, como condenação em pena privativa da liberdade; caso contrário, haveria o sério risco da regra se converter em exceção já que sempre que o tribunal “aplicasse” pena privativa da liberdade, ainda que substituída por multa [artigo 43º do CP], trabalho a favor da comunidade [artigo 58º do CP], enfim por qualquer outra pena de substituição não privativa da liberdade [pois relativamente às penas de substituição em sentido amplo ou impróprio, nomeadamente ao regime de permanência na habitação, à prisão por dias livres e ao regime de semidetenção, naturalmente que a apreciação tem de ser outra], o que frequentemente ocorre, o juiz teria de elaborar a sentença por escrito!

Não é, pois, seguramente, este o sentido da lei …».

Entendimento, igualmente, sufragado nos acórdãos do TRC de 07.03.2012, proc. n.º 162/11.1PTLRA.C1, do TRG de 08.04.2013, proc. n.º 367/12.8GAPTL.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Não ignoramos, contudo, tratar-se de questão que nem sempre tem merecido idêntica resposta como decorre do acórdão do TRE de 19.05.2015, proc. n.º 132/14.8GBLGS.E1, de cujo sumário se extrata: «Consideradas as diferenças de regime entre a pena principal de multa e a pena de multa de substituição, sublinhando o cariz desta última, o legislador não o terá dissociado da exigência de que, ao prever a aplicação de pena privativa da liberdade na exceção consagrada nesse n.º 5 do art. 389º - A, teve em vista, pelo menos tendencialmente, a aplicação da pena principal e, assim, a aplicada originariamente, ainda que posteriormente substituída», posição que, com o devido respeito, reduz de tal forma o âmbito de aplicação da norma que se nos afigura dificilmente compatível com a disciplina de simplicidade e celeridade que o legislador, como decorre da leitura das normas previstas para tal forma especial, quis atribuir a todo o processo sumário.

No sentido de não constituir a pena de substituição prevista no artigo 50.º do C. Penal uma pena privativa da liberdade, realça-se a passagem da reclamação, indeferida pelo Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - a qual, embora, proferida no domínio da recorribilidade/irrecorribilidade da decisão não altera o problema - reproduzida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2010, onde se lê: «Assim sendo, estamos perante um acórdão que aplicou uma pena de substituição da pena de prisão, isto é uma pena não privativa da liberdade. E, quer pela definição, quer natureza e pelo modo de execução, a pena de substituição (quer seja a substituição por multa, suspensão da execução ou outra pena não privativa da liberdade) não constitui, como é óbvio, pena privativa da liberdade.

Aliás o conceito tem correspondência com a letra do art. 43.º, n.º 1, do CP quando refere, «substituída por pena de multa ou outra pena não privativa da liberdade aplicável».

É certo que a argumentação aduzida no citado acórdão do TRE de 19.05.2015 não contraria semelhante visão, ou seja não qualifica a pena contemplada no artigo 50.º do C. Penal como uma pena privativa da liberdade, antes faz depender a necessidade da sentença ser elaborada por escrito da natureza da pena originariamente aplicada – pena privativa da liberdade – e não já da pena de substituição que a final veio a ser eleita na decisão, posição que não se vê encontre arrimo na lei.

Conclui-se, assim, pela não verificação da nulidade suscitada.

2. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que importe oficiosamente conhecer ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

No caso em apreço, as questões a apreciar sobre este tribunal traduzem-se em saber se:

- A sentença é nula;

- Ocorre erro de julgamento;

- É errada a subsunção dos factos às normas, com as consequências daí decorrentes em sede de extinção do procedimento criminal;

- São excessivas as penas de prisão encontradas, as quais sempre deveriam ter sido substituídas por pena de multa e esta, por seu turno, por dias de trabalho; caso assim não fosse entendido a suspensão da execução decretada nunca deveria ter sido subordinada à condição encontrada.

- Deveria ter sido determinada a não transcrição, no certificado de registo criminal de cada um dos arguidos, emitidos para fins de emprego, da respetiva condenação.

3. A decisão recorrida

Em sede de matéria de facto ficou, em síntese, a constar da sentença recorrida:

Resultaram provados os factos constantes do auto de notícia junto a fls. 3, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais, sendo que os objetos subtraídos foram os apreendidos a fls. 4, a saber: um termómetro em metal de cor dourada; uma bola anti stresse castanho marca Bola; um pisa papel dourado com relógio em numeração romana; um pisa papel em bronze na forma de mão; um pisa papel em plástico com um metal (Volframite) da Beralt; um pisa papel quadrado com globo dentro; suporte de canetas preto com um globo terrestre no meio; um globo terrestre decorativo em madeira; uma medalha em cobre com retrato de Alexandre Herculano; um isqueiro e respetiva caixa da marca Scorpio e um espelho de aumento, tudo no valor global de € 160,00.

Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de fins, com a intenção de se apropriarem dos objetos que lhes foram apreendidos, não obstante saberem que não lhes pertenciam e que atuavam sem autorização e contra a vontade do seu proprietário, o que lograram conseguir.

Sabiam os arguidos que tal comportamento lhes era proibido e punido pela lei penal como crime.

No âmbito da factualidade constante do auto de notícia de fls. 3, resultaram para o ofendido danos (v.g. pintura da garagem; lavagem de todas as paredes e tetos), conforme teor do documento junto a fls. 129, no valor de € 1.200,00, acrescido de IVA à taxa de 23%.

Os arguidos confessaram os factos imputados.

Os arguidos manifestaram arrependimento.

Os arguidos não têm antecedentes criminais.

O arguido Carlo é estudante e mostra-se social e profissionalmente inserido.

O arguido B... é estudante e mostra-se social e profissionalmente inserido.

Factos não provados

Não há.

Motivação

O tribunal formou a sua convicção considerando o teor do auto de notícia de fls. 3, do auto de apreensão de fls. 4, conjugado com as fotos de fls. 5/6, do auto de exame direto e avaliação dos objetos de fls. 31, do documento de fls. 129, dos certificados de registo criminal de fls. 27/28 a ainda nas declarações dos arguidos, os quais confessaram os factos que lhes são imputados, tendo, igualmente, esclarecido a respetiva situação social e familiar.

4. Apreciação

a.

Nas conclusões da motivação, que delimitam o objeto do recurso, invocam os recorrentes o vício da nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, no essencial, em consequência da violação do n.º 2 do artigo 374º do mesmo diploma legal, concretamente por falta de exame crítico da prova.

A ordenação lógica das matérias que submetem à apreciação deste tribunal leva, pelas consequências que daí podem advir, a que nos detenhamos em primeiro lugar nesta questão.

Sobre a extensão do dever de fundamentação da sentença proferida em processo sumário dispõe o artigo 389º - A do CPP:

1. A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374º.

Cotejando semelhante regime com o que decorre do artigo 374.º do CPP, designadamente do seu n.º 2, resulta claro – aspeto que encontra justificação à luz da simplicidade dos atos processuais em geral e, bem assim, da celeridade que se pretende ver imprimida a tal forma de processo especial em sintonia, aliás, com a natureza da criminalidade passível de ser julgada sob tal forma de processo – uma menor exigência, no que ao processo sumário respeita, no dever de fundamentação, transversal ao exame crítico da prova, o qual se quer «sucinto».

Ora, no caso concreto, sem colocar em crise o que no essencial vem invocado pelos recorrentes quanto ao fundamento e finalidade do dever, constitucionalmente consagrado, em questão - suportado, ademais, em doutrina e jurisprudência, pese embora a última direcionada à forma de processo comum -, vindo a convicção do julgador, desde logo, ancorada na confissão dos factos por parte de ambos os arguidos, conjugada com a prova documental que identifica, afigura-se-nos responder, cabalmente, a sentença – em execução do segmento com indicação e exame crítico sucintos das provas – à exigência decorrente da lei, a qual – reafirma-se – sofre, quanto ao essencial do respetivo formalismo – conforme se alcança da leitura integral das normas disciplinadoras -, uma compressão dos próprios termos, sem dispensar, naturalmente, o dever de transmitir, criticamente, a prova que conduziu à formação da convicção.

Por outro lado, temos por relativamente seguro não ser este o lugar para evidenciar eventuais «erros de julgamento» dirigidos à matéria de facto que os recorrentes pretendem ver alterada. É que a decisão sobre a nulidade da sentença é prévia e alheia a qualquer juízo que se possa fazer sobre a correção do julgamento da matéria de facto não podendo, como tal, os pontos – seja por ação – porque considerados quando o não deveriam ter sido -, seja por omissão – porque indevidamente desconsiderados – apresentados como incorretamente julgados surgir a suportar a nulidade da sentença, pois que se trata de questão que se prende com o resultado da ponderação da prova produzida, isto é com o sentido do julgamento e não já com o alegado vício.

Conclui-se, assim, por não incorrer a sentença na invocada nulidade.

b.

Não se conformam os recorrentes com o acervo factual dado por assente, já porque do mesmo ficaram a constar como provados factos que deveriam, antes, ter sido considerados não provados, já porque não contemplou, a decisão, outros, os quais, à luz da prova produzida, deveriam engrossar o elenco dos provados.

Vejamos, pois, se relativamente aos concretos pontos indicados – os quais, obviamente, terão de assumir relevância para a solução da causa – os concretos meios de prova indicados impõem decisão diversa.

No domínio dos factos provados que, no entender dos recorrentes, o não deveriam ter sido identifica-se:

(i) A imputação aos recorrentes de, para se introduzirem no interior da casa de habitação, haverem partido o vidro da respetiva janela;

(ii) A circunstância de com a sua conduta terem provocado danos ao ofendido no valor de € 1.200,00, acrescido de IVA à taxa de 23%.

Tendo este tribunal procedido à audição integral dos registos de prova produzidos em audiência de julgamento, impõe-se, desde já, esclarecer que os arguidos/recorrentes confessando, embora, haverem-se introduzido no interior da casa através da janela, negaram terem sido eles a partir o respetivo vidro, o qual, referiram, já se encontrava nesse estado.

Contudo, independentemente de se tratar de aspeto – como infra melhor se explicitará – insuscetível de provocar alteração na qualificação jurídico-penal dos factos -, convocando os recorrentes, entre outros, os depoimentos das testemunhas D... [agente da GNR] que os intercetou à saída da residência na posse dos objetos subtraídos e de C... [filho da proprietária da casa] sempre se dirá não imporem estes, no que a tal concerne, decisão diversa da recorrida.

Pois se é indesmentível não haver qualquer destas testemunhas – como seria por demais expetável – presenciado os arguidos a quebrarem o vidro da dita janela, o certo é que o agente de autoridade teve oportunidade de dizer mostrarem-se, então, os vidros da janela partidos e uma pedra dentro da casa, revelando, ainda, ter conhecimento de, na sequência de uma ação de idêntica natureza ocorrida no dia 27 de Abril do mesmo ano – ocasião em que a casa ficou toda vandalizada – haver a testemunha C... providenciado pela reparação dos danos, então, provocados, encontrando-se, os mesmos, à data dos factos em causa nestes autos, já reparados.

Por outro lado, a testemunha C... foi muito clara ao dizer que a partir da vandalização da casa, no dia 27 de Abril [factos objeto de um outro processo] passou a deslocar-se ali diariamente, a última das quais no dia 1 de Maio ao fim da tarde, constatando, nessa ocasião, estar tudo bem [com a dita janela intacta]. Referiu ainda ter sido ele, no dia 2 de Maio, depois de se ter apercebido de um ruído no interior da casa – altura em que viu um rapaz a fechar o portão e regressar ao interior da habitação - a ligar à GNR. Mais esclareceu que na ocasião já os danos causados no dia 27 de Abril se encontravam reparados.

Depoimento, este, de todo convincente, designadamente quanto à rotina – mais do que justificada – que adotou após os eventos do dia 27 de Abril.

Como na formação da convicção do tribunal, para além da prova direta, assumem relevância as presunções naturais, que mais não são do que as inferências consentidas à luz das regras da experiência comum, do normal acontecer das coisas da vida, afigura-se-nos inequívoca a imputação aos arguidos de haverem partido o vidro da janela. Sendo, em tese, possível, não é de todo crível que tendo a testemunha C... na véspera ao fim do dia encontrado a janela intacta, alguém a tenha partido – aparentemente sem qualquer proveito, pois que apenas foram identificados como subtraídos os bens apreendidos aos arguidos; sendo que, para além dos vidros da janela, nesse dia 2 de Maio não foram constatados quaisquer outros danos – no entretanto, isto é no período compreendido entre o final de tarde do dia 1 de Maio e o final de tarde do dia 2 de Maio.

Conclui-se, pois, à margem de qualquer dúvida razoável, pelo acerto da decisão enquanto considerou provado o facto – constante do auto de notícia, para o qual remete a acusação – de terem os arguidos partido o vidro da janela através da qual se introduziram no interior da habitação.

Já no que respeita ao ponto identificado em (ii), não pode deixar de se considerar estar a razão da parte dos recorrentes.

Com efeito, foi a própria testemunha C... a esclarecer que os danos provocados pelos arguidos no dia em questão nestes autos foram os exclusivamente decorrentes do vidro da janela, endossando os demais documentados nos autos e a que – mal, embora – atendeu a decisão recorrida aos atos de vandalização ocorridos no dia 27 de Abril, os quais – no que foi corroborado pela testemunha D... – constituem objeto de outro processo-crime, a saber o identificado no próprio auto de notícia [152/15.5GBFND] e não foram incluídos na acusação deduzida nos presentes autos.

Semelhante apreciação, sustentada na prova convocada pelos recorrentes, conduz a que produza uma alteração à matéria de facto, passando a considerar-se, antes, como não provado que: «No âmbito da factualidade constante do auto de notícia de fls. 3, resultaram para o ofendido danos (v.g. pintura da garagem; lavagem de todas as paredes e tetos), conforme teor do documento junto a fls. 129, no valor de € 1.200,00, acrescido de IVA à taxa de 23%».

Do que se deixa exposto – tal como preconizado pelos recorrentes -, tendo em conta as respetivas declarações, prestadas no decurso da audiência de julgamento – cujos segmentos relevantes foram indicados – o facto provado «Os arguidos confessaram os factos imputados» sofre alteração passando, em substituição, a constar: «Os arguidos confessaram parcialmente os factos que lhes vêm imputados».

No que concerne à idade dos arguidos, pretendendo os recorrentes ver consignado como provado que «tem 17 anos», com o devido respeito, resultando os mesmos identificados, inclusivamente com referência à data do respetivo nascimento, na sentença recorrida, resulta inócua a repetição, não sendo, em consequência, neste domínio, de proceder a qualquer alteração.

O mesmo juízo se faz quanto à ausência de premeditação, pois que, em momento algum – desde logo em sede de acusação – lhes é apontada uma ação premeditada, sequer o julgador o refere.

Idêntica resposta merece o invocado arrependimento «sincero», pois a não se ter revelado, ao tribunal, como tal, sempre teria sido excluído dos factos provados.

Também no que respeita às qualidades dos arguidos como pessoas honestas e pacíficas, sendo estimados por todas as pessoas com quem se relacionam na sua vida pessoal e académica – aspetos que os recorrentes querem, com base na prova indicada, ver como provados – surge inequívoco que os factos relevantes que, seguindo uma apreciação razoável e objetiva, poderiam, a este nível, ser considerados não o deixaram de ser.

Com efeito, não se negando a adjetivação usada pelas testemunhas indicadas para evidenciar as qualidades dos recorrentes, não se pode ignorar tratarem-se de familiares, numa relação de grande proximidade com os mesmos.

Na verdade, dispondo-se a testemunhar – pergunta-se – não será expetável que os pais, os avós, os irmãos, salientem virtudes? A resposta parece óbvia!

Não é, pois, de produzir qualquer alteração nos pontos indicados.

Exceção feita às modificações já operadas em sede de matéria de facto, no mais permanece a mesma inalterada.

c.

Dissentem os recorrentes do enquadramento jurídico-penal da sua conduta, o qual consubstanciaria, antes, um crime de furto simples, logo de natureza semi-pública, circunstância que conduziria à extinção do procedimento criminal por falta da condição de procedibilidade, traduzida no direito de queixa, que no caso nunca havia sido exercido pelo respetivo titular, ou seja a proprietária do imóvel.

Vejamos.

Aos arguidos vem imputada a prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.1 e 204.º, n.º 2, alínea e) do C. Penal.

Nos termos do artigo 203.º do C. Penal:

1.Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

(…)

3. O procedimento criminal depende de queixa, dispondo, por seu turno, o artigo 204.º, n.º 2, alínea e):

Quem furtar coisa móvel alheia:

Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (…) é punido com pena de prisão de dois a oito anos, esclarecendo o n.º 4 não haver lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.

No que concerne aos conceitos de arrombamento e escalamento valem as definições contidas no artigo 202º, alíneas d) e e) respetivamente, quais sejam:

d) (…) o rompimento, fratura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;

e) (…) a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a a entrada ou passagem.

Sendo este o quadro legal, prejudicada que está, em função do valor dos objetos subtraídos, a desqualificação contemplada no n.º 4 do artigo 204.º do C. Penal [cf. artigo 202º, alínea c) do C. Penal], demonstrado que ficou terem-se os arguidos introduzido na casa em questão através de uma janela – logo não utilizando as vias normais ou comuns [cf. José de Faria e Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 17] para o efeito – não se vê que mereça censura, verificados os demais elementos constitutivos do tipo legal em referência – não colocados em crise -, quanto à qualificação jurídico-penal das condutas dos arguidos, a decisão recorrida.

De facto, mesmo considerando a tese dos recorrentes – que, como oportunamente se viu, não vingou - no sentido de que o vidro da janela através da qual se introduziram no interior da casa já se encontrava partido, a verdade é que, como vem dito no acórdão do TRP de 19.11.2014, proc. n.º 587/13.8TASJM.P1, disponível in www.dgsi.pt, «O conceito de “escalamento” para este efeito relevante é um conceito legal que consta do artigo 202º, e), do Código Penal. Não coincide exatamente com o conceito da linguagem corrente.

Essa alínea e) do artigo 202º do Código Penal define “escalamento” como «a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem». Assim, a entrada por uma janela (que não é obviamente, destinada à entrada), mesmo que situada ao nível do solo, configura para este efeito, um “escalamento”. E também é, para este efeito, irrelevante que o vidro dessa janela esteja partido (se não estivesse estaríamos, antes, perante um “arrombamento” como é definido na alínea d) do mesmo artigo 202º)».

Perde, pois, relevância, face à natureza pública do crime imputado aos arguidos, a alegada ausência do pressuposto positivo de punição, a saber o não exercício do direito de queixa por parte da respetiva proprietária, imprescindível caso se prefigurasse a ocorrência do furto simples - artigos 203.º, n.º 3, 113.º, n.º 1 e 115.º do C. Penal e 49.º do CPP – [cf. pontos 18. e 19 das conclusões].

Cometeram, pois, os arguidos, em coautoria material na forma consumada, o crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º e 204.º, n.º 2, alínea e) do C. Penal, por que vinham acusados.

d.

Também a matéria relativa à pena merece a reação dos recorrentes, contestando, por um lado, a medida da pena, que tem por excessiva e, por outro, como injustificada a condição imposta para a respetiva suspensão – [cf. ponto 20 das conclusões].

Considerando a sua idade, a confissão, o arrependimento, a respetiva integração social, a ausência de antecedentes criminais, o diminuto da valor dos bens subtraídos, a ausência de premeditação, as circunstâncias em que os factos ocorreram – à luz do dia e sem qualquer esquema ardiloso – tem por adequada uma pena de seis meses de prisão, substituída, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 47º do C. Penal por uma pena de multa de € 750,00 euros, correspondente a 75 dias a 5 euros/dia, devendo tal montante ser substituído por dias de trabalho a favor da comunidade a efetuar numa instituição de solidariedade nos termos do artigo 48.º do Código Penal.

Como decorre do que já ficou dito, o julgador, atenta, além do mais, a idade dos arguidos, aplicou o Regime Penal dos Jovens [D.L. n.º 402/82, de 23 de Setembro], operando, assim, a atenuação especial da medida abstrata da pena, que passou a mover-se entre os limites mínimo e máximo, respetivamente de 1 mês e 5 anos e 4 meses de prisão [artigos 4.º do D.L. n.º 402/82, 23.09 e 73.º do C. Penal].

Isto posto.

À determinação da pena presidem razões preventivas, de prevenção geral – como meio de proteção dos bens jurídicos – e de prevenção especial – como meio de reintegração do agente na sociedade – [artigo 40.º do C. Penal].

A prevenção geral positiva fornece uma moldura da pena no seio de cujos limites atuam considerações de prevenção especial, surgindo a culpa como o limite máximo da moldura e a defesa da ordem jurídica como o limite mínimo da moldura.

No processo conducente à respetiva determinação há que ter em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as contempladas nas diferentes alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do C. Penal.

Perante o cenário descrito, tendo presente já haver sido a idade dos arguidos ponderada na definição da respetiva moldura abstrata aplicável, favorece, sem dúvida, a posição dos mesmos a sua inserção familiar e social, a confissão, embora parcial, dos factos, a qual não se revelando no caso de extrema relevância por via de haverem sido intercetados logo após a prática do crime [na posse dos bens subtraídos], ainda assim reflete autocensura, sobretudo se conjugado com o arrependimento, revelado, no decurso da audiência de julgamento, de forma reiterada, por ambos os arguidos, sendo certo que, conforme decorre da decisão, enquanto remete para os factos – considerados provados – contantes do auto de notícia, para os quais, por seu turno, já havia remetido a acusação, foram os objetos subtraídos, de imediato apreendidos.

E pese embora a idade dos arguidos à data da prática dos factos – contando, então, com 17 anos de idade – deve ser positivamente valorada a ausência de antecedentes criminais.

Ao nível da culpa é de considerar o dolo direto; O grau de ilicitude, ponderado o valor global dos bens subtraídos [€ 160,00] - os quais, repete-se, foram todos recuperados - e as circunstâncias da ação – praticada à luz do dia - situa-se num patamar médio/baixo.

Neste contexto, sem desprezar as exigências de prevenção geral - sem dúvida significativas em semelhante tipo de criminalidade - as necessidades de socialização, sendo ambos os arguidos estudantes e mostrando-se, qualquer deles, social e familiarmente inserido, não se apresentam prementes, havendo, assim, razões para crer que, com os apoios, desde logo familiares, de que beneficiam, tem todas as condições para pautar a sua futura conduta de acordo com as normas.

De semelhante apreciação, não podemos deixar de ter por excessiva a pena aplicada a cada um dos arguidos, considerando-se, antes, por adequada e proporcional a pena de 7 [sete] meses de prisão.

Não se mostra, porém, esgotado o processo tendente à determinação da pena, impondo-se, nesta segunda fase ponderar/decidir se é de proceder à sua substituição por tal constituir uma exigência legal se a execução da pena de prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes ou se for de concluir perante as penas de substituição legalmente previstas que uma delas responde de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – [cf. Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 364].

Com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o legislador enfatizou o princípio de que deve ser evitado o cumprimento de penas curtas de prisão, tendo o tribunal o poder/dever de equacionar, em concreto, a possibilidade de aplicação de uma pena de substituição. Neste sentido lê-se no acórdão do STJ de 21.06.2007 [proc. n.º 07P2059] “O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar (…) pena de substituição, pois não detém uma faculdade discricionária; antes o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado (…)».

Não se afigurando, no caso, para prevenir o cometimento de futuros crimes, necessária, relativamente a ambos os arguidos, a execução da prisão, havendo razões para crer, sopesando o conjunto de circunstâncias valoradas, terem os mesmos – muito jovens, primários, os quais, no essencial, confessaram os factos e reiteraram o seu arrependimento - interiorizado a necessidade de no futuro adequarem o seu comportamento às normas, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do C. Penal, por se entender que resultam, assim, satisfeitas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, substitui-se, em relação a ambos os arguidos, a pena especialmente atenuada de 7 (sete) meses de prisão por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), por ser evidente não comportar a respetiva condição sócio-económica a determinação de montante superior – [cf. artigo 47.º, n.º 2 do C. Penal].

e.

Pugnam, ainda, os recorrentes pela substituição, nos termos do artigo 48.º do C. Penal, da pena de multa - resultante da substituição da pena de prisão - por trabalho.

Independentemente da posição que se possa ter sobre a viabilidade legal da substituição de uma pena de substituição [no caso a pena de multa substitutiva da prisão] por uma outra pena de substituição [prestação de trabalho substitutiva da pena de multa], questão que não tem merecido resposta unânime, designadamente por parte dos tribunais superiores – [cf. vg. os acórdãos do TRC de 26.3.2014, 23.09.2015, 04.11.2015, 16.12.2015, do TRE de 03.03.2015, do TRP de 11.06.2014, do TRL de 11.03.2015, todos disponíveis in www.dgsi.pt, e do TRG de 04.02.2013, CJ, T. II, pág. 298] – o certo é que, conforme decorre dos artigos 489.º e 490.º do CPP, preceitos que regem quanto ao «tempo», «forma» e «conteúdo» do requerimento para o efeito, sempre se trata de questão prematuramente posta, insuscetível, portanto, de, nesta sede, ser apreciada.

Em função do decidido prejudicado fica o conhecimento das questões suscitadas quanto ao dever a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão – [cf. pontos 23., 24., 25., 26. e 27. das conclusões].

f.

Verificados que se mostram os pressupostos formais e substanciais do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, é de determinar relativamente a ambos os arguidos a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal a que se reportam os nºs 5 e 6 do artigo 10.º do mesmo diploma legal.

 

III. Decisão

Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso interposto pelos recorrentes e, em consequência:

a. Condena-se cada um dos arguidos A... e B... pela prática do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do C. Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

b. Determina-se, relativamente a ambos os arguidos, a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal a que se reportam os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio;

c. Revoga-se, em correspondência, a sentença recorrida.

Sem custas

Coimbra, 13 de janeiro de 2016  

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)