Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
411/15.7T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA.
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
MEDIADOR
REPRESENTAÇÃO APARENTE
Data do Acordão: 04/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS.2º, 30º E 31º DO D.L. Nº 72/08, DE 16/04
Sumário: I – Dos artºs 2º, 30º e 31º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL nº 72/08, de 16/04) resulta que a celebração do contrato de seguro através de mediador tem regimes e consequências jurídicas diferentes consoante o mediador tenha ou não poderes específicos ou poderes de representação para o efeito.

II – Nos termos legais, para que a representação aparente se verifique é necessário que existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I Frustrando-se a tentativa de conciliação, veio A... instaurar a presente acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra:

1. B... , C... e

2. “D... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”,

Pedindo:

I – A condenação dos primeiros réus B... e esposa C... no pagamento ao autor de:

a) Uma pensão anual e vitalícia (ou o respectivo capital de remição, se for obrigatoriamente remível) devida desde o dia seguinte ao da alta, dia a determinar por Junta Médica a realizar, e a calcular em função da retribuição anual de €8.089,00 e do resultado da referida Junta Médica;

b) Uma indemnização por incapacidades temporárias que for devida em resultado da Junta Médica a realizar, a partir do dia 12.09.2013, dia seguinte ao acidente, e até à data da alta que lhe vier a ser fixada; e

c) Juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias, contadas desde a data dos respectivos vencimentos – art. 135º do C.P.T.

2. Do pedido subsidiário.

Na hipótese de julgar-se existir contrato de seguro válido, abrangendo no seu âmbito de cobertura o acidente de que foi vítima o autor, deverão os primeiros réus B... e esposa C... e a segunda ré D... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. ser condenados a pagar ao autor, na medida da responsabilidade infortunística de cada um deles:

a) Uma pensão anual e vitalícia (ou o respectivo capital de remição, se for obrigatoriamente remível) devida desde o dia seguinte ao da alta, dia a determinar por Junta Médica a realizar, e a calcular em função da retribuição anual de €8.089,00 e do resultado da referida Junta Médica, sendo da responsabilidade dos primeiros réus o pagamento da pensão a calcular em função da retribuição anual de €1.089,00, e da responsabilidade da 2ª ré o pagamento da pensão em função da retribuição anual de €7.000,00;

b) Uma indemnização por incapacidades temporárias que for devida em resultado da Junta Médica a realizar, a partir do dia 12.09.2013, dia seguinte ao acidente, e até à data da alta que lhe vier a ser fixada, sendo a quota parte da responsabilidade de cada um dos réus determinada em função das retribuições anuais atrás referidas; e

c) Juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias, contadas desde a data dos respectivos vencimentos – art. 135º do C.P.T.

Para tanto, alegou em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que:

- Foi vítima de um acidente de trabalho no dia 11.09.2013, pelas 12h00 horas, em Tinalhas;

- À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração global anual de 8.089,00€.

- No dia 7 se Setembro de 2013, o primeiro réu efectuou uma proposta de seguros de acidente de trabalho relativamente ao autor, com transferência da responsabilidade infortunística em função da retribuição anual de 7.000€, proposta essa que não foi aceite pela ré seguradora;

- Como consequência do acidente sofreu lesões que lhe determinaram uma ITA e que lhe determinam uma ITP, não concordando o sinistrado com a data da alta referida no relatório pericial efetuado na fase conciliatória do processo, nem com a IPP que aí lhe foi arbitrada, por entender que à data em que a alta lhe foi concedida ainda não se encontrava curado, entendendo ainda ser portador de maior incapacidade.


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Citado o Instituto de Segurança Social, IP, veio o mesmo apresentar pedido de reembolso, alegando que pagou ao sinistrado, na qualidade de seu beneficiário, a título de subsídio de doença o montante de 3.319,40 euros.

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Devidamente citada, a Ré Seguradora apresentou também contestação, onde, em breve síntese, tal como também consta da sentença impugnada, sustentou não ser responsável pelos pagamentos reclamados pelo autor, por não existir no momento do sinistro seguro válido a transferir a responsabilidade infortunística dos réus para si. Conclui por isso pedindo a sua absolvição do pedido.

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Igualmente citada os réus, vieram os mesmos defender que à data do sinistro tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a ré seguradora, por meio de apólice válida, referindo ser alheio às relações entre a empresa mediadora (com quem celebrou a proposta de seguro) e seguradora, declinando por isso qualquer responsabilidade nos pagamentos peticionados pelo autor. Em face de um eventual direito de regresso da seguradora sobre a referida empresa mediadora, requereu a entidade empregadora intervenção principal provocada de tal sociedade – cfr. fls. 177.

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Foi apresentada resposta pelo autor, em que defendeu a inadmissibilidade de tal chamamento.

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Por despacho de fls. 190, foi proferida decisão no sentido de não admitir a intervenção requerida.

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II – No despacho saneador foi decidido assistir legitimidade a todos os demandados, fixaram-se os factos tidos por assentes nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art.º 131º do código de processo do trabalho e, no prosseguimento dos autos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, decide-se:

A. Absolver a ré seguradora do pedido formulado.

B. Julgar o autor portador de uma incapacidade permanente parcial de 15,36%, a partir do dia 08.07.2014.

C. Fixar a pensão anual devida ao sinistrado no montante de 869,73€ (oitocentos e sessenta e nove euros e setenta e três cêntimos), a pagar pelos réus B... e C... ;

D. Fixar a indemnização por incapacidade temporária absoluta no montante de 4.637,49€ (quatro mil seiscentos e trinta e sete euros e quarenta e nove cêntimos), a pagar pelos réus B... e C... ;

E. Condenar os réus B... , C... no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de 3.319,40€ (três mil trezentos e dezanove euros e quarenta cêntimos), a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta;

F - São devidos juros sobre tais quantias, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.


***

III – Inconformada vieram os réus, B... e C... apelar alegando e concluindo:

[…]


+

Notificado da interposição do recurso veio, também, o sinistrado, representado pelo MºPº, interpor recurso subordinado, alegando e concluindo:

1. Na sequência do acidente de trabalho em causa nos autos, o autor A... viu reconhecido, pela douta sentença recorrida, o direito a receber uma pensão anual, remível, de €869,73, devida desde 08.07.2014, assim como uma indemnização por incapacidades temporárias de €4.637,49, descontados €3.319,40 já recebidos do Instituto da Segurança Social, I.P, além de juros de mora.

2. A responsabilidade pelo pagamento de tais prestações, nos termos da douta sentença, foi atribuída aos réus B... e C... , por se julgar inexistir transferência da responsabilidade infortunística relativamente ao autor para a seguradora ré.

3. Na hipótese de ser dado provimento ao recurso apresentado pelos referidos réus, ficariam estes desobrigados do pagamento ao autor da parcela da pensão, remível, e da indemnização por incapacidades temporárias, tudo calculado com referência à parcela de €7.000,00 da retribuição anual ilíquida do autor.

4. Nessa hipótese, e em face da matéria de facto julgada verificada na douta sentença recorrida, compete à ré seguradora o pagamento ao autor da parcela do capital de remição a calcular com base na pensão anual e vitalícia de €752,64, devido desde 08.07.2014, além da quantia de €1.140,48 referente a indemnização por incapacidades temporárias, posto que do valor total de €4.012,58, a cargo da seguradora, já recebeu o autor €2.872,10 através do Instituto da Segurança Social, I.P., acrescendo ainda juros de mora sobre todas as quantias.

Deve, assim, proceder o presente recurso subordinado na hipótese de procedência do recurso principal e, consequentemente, ser a ré seguradora condenada na satisfação ao autor das prestações da NLAT atrás indicadas.


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Contra alegou a seguradora pugnando pela manutenção do julgado.

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IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

[…]

                                                               ****

V - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões as questão a decidir resume-se em saber sobre quem recai a obrigação da reparação infortunística.


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Preliminarmente há que decidir sobre a admissibilidade do recurso subordinado interposto pelo sinistrado.

Lê-se no Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição de Fernando Amâncio Ferreira, p. 87 e 88 que “a parte contra quem é dirigido o recurso principal em vez de se limitar à defesa, contraditando a argumentação desenvolvida pelo recorrente, a fim do recurso ser julgado improcedente, pode, por sua vez. Interpor recurso quanto à parte da decisão que lhe foi desfavorável para o tribunal superior reapreciar, na sua totalidade, a decisão impugnada. Se tal ocorrer, o recorrente principal pode ver alterado em seu prejuízo a decisão recorrida.

Registe-se contudo que só o pode fazer se não for totalmente vitoriosa. Sendo-o, não pode interpor recurso subordinado, a pretexto de obter a reforma da sentença impugnada na parte em que desatendeu um dos fundamentos em que apoiava a sua pretensão, mesmo a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação. Numa situação destas, pode a parte recorrida requerer, na respectiva alegação, a ampliação do objecto do recurso, sem contudo assumir o estatuto de recorrente, de harmonia com o disposto no artº 636º”.

No caso, o sinistrado foi totalmente vitorioso pelo que deveria ter ampliado o objecto de recurso e não recorrer subordinadamente.

Termos em que não se admite o recurso subordinado.


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A 1ª instância entendeu que a responsabilidade pela reparação recaía nos empregadores porquanto “da matéria de fato que resultou provada resulta apenas que no dia do acidente havia uma proposta de seguro, na posse do mediador, que não chegou a ser enviada aos serviços da seguradora (antes da ocorrência do acidente).

Resulta ainda provado que a empresa que mediou a referida proposta é uma mediadora de seguros. Ora, a actividade fundamental do mediador de seguros é a de conseguir interessado para certo seguro, que raramente conclui ele próprio: é mero intermediário. O contrato de mediação não se confunde pois com o contrato de agência, desde logo por isto: o agente atua por conta do principal, representa-o, enquanto o mediador age com independência, imparcialidade, no interesse de ambos, sem representar nenhum. O mediador é assim uma pessoa independente Esta característica de independência, e não de representação, é realçada na jurisprudência, entre outros, pelo acórdão do STJ de 03.10.2002, disponível em www.dgsi.pt. Daqui se conclui que a referida sociedade de mediação não concluiu qualquer contrato de seguro, em que o 1º réu fosse tomador e a 3ª ré fosse a Seguradora. Só esta última podia aceitar a proposta, com o que ficaria concluído o contrato. Isto porque o mediador de seguros não pode (salvo acordo com a Seguradora, que aqui ninguém disse existir) dar como celebrado um contrato em nome de uma seguradora, sem a prévia aprovação desta – Cfr., neste sentido, o já citado acórdão do STJ de 03.10.2002, disponível em www.dgsi.pt.

E assim, não tendo a proposta sido enviada antes do acidente e não a tendo a seguradora aceitado antes do acidente, terá de se concluir que à data do acidente não havia contrato de seguro.

Donde, não poderá a ré seguradora ser responsabilizada pelas consequências do acidente de trabalho em discussão”.

A resposta à questão de saber se, à data do acidente, a responsabilidade infortunística se encontrava validamente transferida para a seguradora deve ser encontrada no seguinte quadro normativo:

 - Cláusula 32ª da apólice uniforme de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem anexa à Portaria 256/2011 de 05/07 que dispõe que “1 - Nenhum mediador de seguros se presume autorizado a, em nome do segurador, celebrar ou extinguir contratos de seguro, a contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou a validar declarações adicionais, salvo o disposto nos números seguintes. 2 - Pode celebrar contratos de seguro, contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou validar declarações adicionais, em nome do segurador, o mediador de seguros ao qual o segurador tenha conferido, por escrito, os necessários poderes. 3 - Não obstante a carência de poderes específicos para o efeito da parte do mediador de seguros, o seguro considera-se eficaz quando existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro”.

- DL 72/08 de 16/04 (regime jurídico do contrato de seguro):

Artigo 2º (Regimes especiais)As normas estabelecidas no presente regime aplicam -se aos contratos de seguro com regimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes”.

Artigo 30º (Representação aparente) 1 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Considera -se o contrato de seguro ratificado se o segurador, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respectiva oposição. 3 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Artigo 31º (Comunicações através de mediador de seguros) 1 - (…);. 2 - Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizado

Deste quadro normativo resulta que a celebração do contrato de seguro através de mediador têm regimes e consequências jurídicas diferentes consoante o mediador tenha ou não poderes específicos ou poderes de representação para o efeito.

Ora, da matéria de facto provada não consta que ao mediador onde foi apresentada a proposta de contrato de seguro com data de 07/09/2013 lhe tivesse sido atribuído poderes de representação.

Estes poderes devem, nos termos da lei, ser conferidos por escrito (artº 32º da apólice uniforme acima transcrito) e não consta da matéria de facto nem de qualquer documento junto aos autos onde essa atribuição de poderes tenha sido atribuída.

Ora, no caso, a proposta de contrato de seguro, embora com data de 07/09/2013, apenas foi apresentada ao balcão da seguradora no dia 20.09.13, ou seja, em data posterior à da ocorrência do acidente e a emissão da apólice n.º (…)  por parte da seguradora foi reportada com data de início a 21 de Setembro de 2013, data posterior à do acidente.

A conclusão a retirar é a de que não havia contrato de seguro aquando do acidente na medida em que a seguradora ainda não tinha aceitado a proposta de contrato da qual apenas teve conhecimento em data posterior à do acidente.

Queremos com isto dizer que a responsabilidade infortunística não se encontrava transferida para a seguradora à data do acidente.

A não ser que se verifique no caso uma situação de representação aparente conforme pretende a recorrente (cfr. nº 3 da Clª 32º da apólice uniforme e nº 3 do artº 30º do DL 72/08).

Nesta representação, lê-se no Ac do STJ proferido no processo 4739/03.0TVL.SB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj[1] “um sujeito (segurador) admite, repetidamente, que outrem (mediador) pratique actos como seu representante.

MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 103) entende que, na representação tolerada, não há procuração nem os poderes de representação resultam, directamente, de um dado contrato (p. ex., contrato de trabalho, art.º 111.º, n.º 3, do Código do Trabalho), pois trata-se «apenas de um esquema de tutela, por força da confiança, imputada ao "representado", suscitada pela conduta do "representante”»; mas MOTA PINTO (Teoria Geral de Direito Civil, 4.º ed. Revista por PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 551) entende que se «o representado tolera a conduta, dele conhecida, do representante, e essa tolerância, segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o representante recebeu procuração do representado para agir por ele», então foram conferidos poderes de representação.

(…)

No caso de representação aparente, segundo MOTA PINTO, (Teoria Geral de Direito Civil, cit, p. 551) «o representado não conhecia a conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir», por outro lado, «a contraparte podia de acordo com a boa-fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não poderia ter ficado escondida do representado com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera». A este propósito, MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, cit, pp.  REPRESENTAÇÃO APARENTE NO ÂMBITO DA MEDIAÇÃO DE SEGUROS 39 103 e 106) explica que a procuração aparente assenta num dado objectivo (alguém actua como representante) e num dado subjectivo (negligência do "representado"), esclarecendo que tem particular relevo no domínio do Direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa-fé.

Em caso de representação aparente, ainda que se entenda que o acto não produz efeitos na esfera jurídica do representado (segurador), este seria, sempre, responsável, perante o terceiro lesado (tomador do seguro), pelo acto do representante aparente (mediador).

(…)

A representação aparente assenta na verificação de determinados pressupostos.

Adaptando o disposto no art.º 23.º do regime da agência à mediação de seguros, dir-se-á que haverá representação aparente se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, a justificar a confiança do tomador de boa-fé, na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar essa confiança do tomador”.

Esta jurisprudência mantém plena validade em face do que preceitua a Clª 32ª da apólice uniforme e o artº 30º do regime jurídico do contrato de seguro

Assim, nos termos legais, para que a representação aparente se verifique é necessário que existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Nenhumas razões se vislumbram para não considerar o tomador (os co-réus B... e C... ) como estando de boa fé, sendo perfeitamente admissível e razoável, em face da materialidade provada, que estivessem plenamente convencidos que com a entrega da proposta ao mediador a sua responsabilidade infortunística ficava validamente transferida.

Com efeito provou-se que:

- Aquando da aceitação da proposta foi garantido pela mediadora ao Réu B... que o seguro estava feito e vigente (a partir da data convencionada para o início).

- Desde o sinistro sempre foi garantido ao Réu B... pelo Sr. E...., representante da mediadora que o assunto estava resolvido.

- Garantias igualmente dadas ao sinistrado.

Neste quadro não nos restam dúvidas de que existem razões ponderosas que, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, justificam a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros

Aliás, é da experiência comum que a maioria das pessoas, quando contrata um seguro junto de um mediador, o faz convencida de que o contrato produz logo os seus efeitos mesmo quando apenas assinam uma simples proposta. Quem “dá a cara” na contratação é o mediador e os tomadores, leigos na matéria, confiam normal e naturalmente na legitimidade deste para poder vincular a seguradora.

Mas para que a representação aparente opere é necessário, nos termos das normas acima transcrita, que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

E da matéria de facto provada, salvo melhor opinião, não se pode extrair esta conclusão pois da materialidade provada não se extrai que a seguradora tenha adoptado qualquer comportamento perante o mediador susceptível de fazer criar no tomador essa confiança.

Inexiste qualquer conduta ou comportamento por parte da seguradora que pudesse ser interpretada ou induzir os tomadores no sentido de que o mediador tinha recebido poderes de representação por parte da seguradora para agir por ela e em nome dela.

Por isso, à míngua de quaisquer outros elementos factuais, não pode aqui operar a representação aparente, pelo que à data do acidente não havia transferência de responsabilidade infortunística para a seguradora

Por todo o exposto entendemos que o contrato de seguro não dá cobertura ao sinistro pelo que a obrigação da reparação infortunística recai por inteiro, tal como decidiu o tribunal a quo, no tomador do seguro (artº 7º da Lei 98/2009 de 04/09).


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IV Termos em que se delibera:

a) Não admitir o recurso subordinado.

b) Julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.


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Custas na apelação a cargo dos recorrentes

Sem custas o recurso subordinado por delas o sinistrado estar isento.


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Coimbra, 07 de Abril de 2017

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Videira do Paço)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1]Com anotação do Profº Pedro Romano Martinez, consultável em http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/6398/jurismat5_27-61.pdf?sequence=1