Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
724/06.9TTCBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ACORDO DAS PARTES
AÇÃO EXECUTIVA.
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INSTÂNCIA CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 272º, Nº 4 DO NCPC.
Sumário: A causa de suspensão da instância prevista no artº 272º, nº 4 do nCPC é aplicável à ação executiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Na Comarca de Coimbra, Coimbra – Instância Central – 1.ª Sec. Trabalho – J2, corre termos uma ação executiva em que é exequente A... e executadas B... , Lda. e C... , Lda..

Decorridas algumas vicissitudes processuais sem relevância para o recurso, veio a exequente requerer a suspensão da instância executiva, pelo período de 60 (sessenta) dias, ao abrigo do preceituado no artigo 272.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, “com vista ao acerto e concretização dos termos e pressupostos de acordo de pagamento em prestações já em negociação”.

Tal requerimento mereceu declaração eletrónica de adesão.

Sobre o aludido requerimento incidiu o seguinte despacho:

«Requerimento de fls. 184.º do PP e, declaração eletrónica de adesão de fls. 185.º do PP:

Estando-se no âmbito da tramitação própria do processo executivo, não é de aplicar aqui o dispositivo constante no art. 272.º do CPC alusivo às ações declarativas e, assim sendo, o processo executivo prosseguirá a sua regular tramitação, sem embargo de as partes (exequente e executada) virem a chegar a um acordo de pagamento das prestações em conformidade com o disposto no art. 806.º n.’s 1 e 2 do CPC, indeferindo-se, desta forma, o solicitado quanto à requerida suspensão da instância executiva.»

Inconformada com este despacho, veio a executada C... , Lda. interpor recurso do mesmo, rematando as suas alegações com as conclusões que se passam a transcrever:

[…]

Termos em que na procedência do presente recurso, deverá o despacho em crise ser revogado e substituído por outro que ordene a suspensão da presente instância executiva, com as consequências legais, assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido pelo tribunal de 1.ª instância, como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

Após a subida do mesmo à Relação, deu-se cumprimento ao preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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            II. Objeto do recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.

            Em função destas premissas, a única questão que importa apreciar respeita à aplicabilidade ou inaplicabilidade do dispositivo legal inserto no n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil à ação executiva, considerando a fundamentação apresentada no despacho recorrido.


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            III. Matéria de Facto

            A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.


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IV. Direito

A questão que importa dilucidar e resolver é exclusivamente de natureza jurídica e respeita, como já referimos anteriormente, em saber se a norma contida no n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil se aplica ou não à ação executiva. Do sentido da decisão que se venha a tomar, depende a confirmação ou revogação do despacho recorrido, uma vez que no mesmo se entendeu ser de indeferir a requerida suspensão da instância executiva, ao abrigo do aludido preceito legal, por se considerar tal dispositivo apenas aplicável às ações declarativas.

Com a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”, o artigo 272.º do Código de Processo Civil, consagra no seu n.º 4, a seguinte regra processual:

«As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final».

Tal normativo constitui uma manifestação do princípio do dispositivo que, como é sabido, é um dos princípios basilares do direito processual civil.

Recorrendo às doutas palavras de Lebre de Freitas[1], «[o] princípio do dispositivo (stricto senso) traduz-se na liberdade de decisão sobre a instauração do processo, sobre a conformação do seu objeto e das partes na causa e sobre o termo do processo, assim como , muito mitigadamente, sobre a sua suspensão. É grosso modo, redutível à ideia de disponibilidade da tutela jurisdicional, por sua vez distinguível em disponibilidade da instância em si mesma (disponibilidade do início, do termo e da suspensão do processo) e disponibilidade da conformação da instância (disponibilidade do objeto e das partes)».

Ou seja, abarcando o princípio do dispositivo a faculdade ou disponibilidade de as partes processuais decidirem se pretendem ou não suspender o processo judicial intentado (ainda que nas condições e limites previstos pela lei), a previsão do n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, constitui a consagração desse poder.

Destarte, na pendência da causa, podem as partes acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses.

Ora, o princípio do dispositivo não é exclusivo da ação declarativa. Trata-se de um princípio geral de direito processual civil, ao qual também está subordinado o processo executivo – cf. artigo 3.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Além do mais, a inserção sistemática do normativo que se analisa também nos leva a concluir pela inexistência de qualquer óbice à aplicação do n.º 4 do artigo 272.º, à ação executiva.

A norma em causa insere-se no Livro II (“Do processo em geral”), Título II (“Da instância”) do Capítulo II (“Suspensão da instância”), estando pois em causa uma regulamentação genérica aplicável aos processos em geral.

Ademais, não resulta da letra do mencionado preceito legal qualquer restrição ou exclusão da aplicabilidade do mesmo à ação executiva. E, como é sabido, é princípio inconcusso que “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”, isto é, "onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir".

Acresce que se dúvidas existissem, sobre a aplicabilidade direta do artigo 272.º, n.º 4, à ação executiva, sempre o mesmo teria de se considerar aplicável por remissão do artigo 551.º do Código de Processo Civil.

Por fim, resta referir que a circunstância da jurisprudência[2] se ter manifestado no sentido que a causa de suspensão da instância prevista no n.º 1 do artigo 279.º do anterior Código de Processo Civil, que corresponde ao atual n.º 1 do artigo 272.º do Código aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, está vedada à ação executiva, não obstaculiza a possibilidade das partes, neste tipo de ação, acordarem na suspensão da instância, nos termos previstos pelo n.º 4 deste último artigo.

Efetivamente, ao contrário da figura jurídica da causa prejudicial que é inaplicável ao processo de execução, uma vez que o fim deste processo não é decidir uma causa, mas obter a reparação efetiva de um direito violado, no que concerne à suspensão da instância executiva por acordo das partes, tal vicissitude processual não só é realizável em termos processuais, por interrupção da sucessão dos atos processuais que compõem o processo judicial, como constitui, habitualmente, uma causa, a montante, para a eventual resolução consensual do diferendo surgido pela violação de um direito, o que é sempre preferível.

Conforme refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no douto parecer emitido nos autos, «(…) nas ações cujo objeto se encontre na disponibilidade das partes, a justiça consensual, pelos seus efeitos pacificadores e economia processual, é sempre preferível à Justiça heterónoma/imposta».

E, no caso concreto, tudo indica que a requerida suspensão da instância visa o pagamento extrajudicial da divida exequenda, a concretizar faseadamente.

Concluindo, consideramos que o inciso legal analisado é aplicável à ação executiva[3].

Deste modo, tendo as partes requerido a suspensão da instância executiva, pelo período de 60 (sessenta) dias, ao abrigo do preceituado no artigo 272.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, “com vista ao acerto e concretização dos termos e pressupostos de acordo de pagamento em prestações já em negociação”, mal andou o tribunal a quo ao indeferir tal pretensão por considerar que a norma legal invocada não era aplicável ao processo de execução.

Pelo exposto, há que revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que defira o requerido.


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            V. Decisão

            Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que defira a requerida suspensão da instância executiva, pelo período indicado.

            Custas pela parte vencida a final.

            Notifique.

(Em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 22 de setembro de 2016


(Paula do Paço)

(Ramalho Pinto)

(Azevedo Mendes)



[1] “Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3.ª edição, pág.156/157.
[2] Cf.. a título exemplificativo, Acórdãos do STJ de 18/06/1996, C.J./STJ, t.II, pág.149 e da Relação de Coimbra DE 15/03/2011, P. n.º 538-E/1999.C1, in www.dgsi.pt

[3] No mesmo sentido, cf. Acórdãos da Relação do Porto de 20/12/2004 (P.0456100) e de 06/12/2005 (P.0524895)