Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3956/16.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
EFEITOS
EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC. EXECUÇÃO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 577º, 582º E 583º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Nos termos do artigo 577º, n.º 1 do CC o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor.

II - Dispõe, ainda, o artigo 582º do CC, no seu n.º1, que “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”.

III - A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite - artigo 583º, n.º 1 do CC.

IV - Por outro lado, e na medida em que a cessão representa uma simples transferência da relação obrigacional pelo lado activo, o devedor cedido pode valer-se, em face do cessionário (novo credor), dos meios direitos de defesa que lhe era lícito opor ao cedente (antigo credor), excepto os que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (cfr. art. 585º do C. Civil).

V – A figura da cessão de créditos que emerge dos art.ºs. 577.º e segs. do Código Civil permite concluir, com absoluta segurança, que a cessão e a correspondente modificação subjectiva operada na relação creditícia se consumam com a outorga do acordo causal (contrato atípico, compra e venda de créditos, factoring, doação, trespasse, etc.), sendo a sua notificação ou a aceitação mera condição de eficácia externa em relação ao devedor.

VI - A partir da notificação da cessão (assim como a partir da sua aceitação ou do conhecimento da sua existência), a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação.

VII - A legitimidade activa para a ação executiva satisfaz-se com a alegação e prova da existência do acordo de cessão de crédito, independentemente da sua notificação ao devedor.

Decisão Texto Integral:






Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra
1. Relatório

1.1. No Tribunal da Comarca de Coimbra – Inst. Central -  Secção de Execução – J1, veio a exequente justificar a sua legitimidade activa para a acção executiva por ter adquirido os créditos à sociedade “G..., S.A.” que, por sua vez, os adquiriu à sociedade “BANCO B..., S.A.”, por despacho de 02 de Junho de 2016, foi esta sua pretensão indeferida liminarmente, que aqui se transcreve « …contudo, não alega que qualquer uma das cessões de créditos tenha sido notificada ao executado por forma a que as cessões possam ter produzido efeitos em relação ao devedor.

Conforme decorre do artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, a cessão de créditos só produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada ou desde que ele a aceite. Assim, a cessão de créditos deverá ser notificada ao devedor, seja pela cedente, seja pela cessionária, para produzir efeitos em relação ao mesmo. Deste modo, a nosso ver, é manifesto que não assegurou a Exequente a sua efectiva legitimidade processual quanto à titularidade do crédito em causa.

Na verdade, embora seja questão que não conhece tratamento uniforme na doutrina e na jurisprudência, a nosso ver, a legitimidade substantiva da Exequente apenas estaria assegurada com a notificação da cessão de créditos ao Executado em momento anterior à instauração da acção executiva.

Nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO (“Direito das Obrigações”, Volume II, 10ª Edição, 2016, página 26, e no mesmo sentido em “Cessão de Créditos”, 2005, página 361): “A cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art. 583.º, n.º 1). A notificação e a aceitação não estão sujeitas a forma especial (cfr. art. 219.º). Não se pode, no entanto, considerar equivalente à notificação o facto de o cessionário se limitar a instaurar contra o devedor acção de cobrança do crédito, podendo inclusive a aceitação ser efectuada tacitamente (art. 217.º)...”.

Também na Jurisprudência o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-11- 2000 (CJ-STJ 2000, T.III, página 121) refere que: “A citação, como a notificação, tem um conteúdo determinado, pelo qual se avaliam e determinam os respectivos efeitos na esfera jurídica da pessoa citada.

À citação não podem pois, ser atribuídos os efeitos que o n.º 1 do artigo 583.º do  devedor.

Os efeitos da citação são os indicados no artigo 481º do Código de Processo Civil...

Nesse conjunto de efeitos não tem lugar os que o n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil atribui à notificação da cessão ao devedor, relativamente a ele.

Um dos efeitos assinalados à citação pelo citado artigo 481.º do Código de Processo Civil, o da alínea b), é o da estabilização dos elementos essenciais da causa.

Ora, um dos elementos essenciais da presente causa, porque integrante da causa de pedir, é, precisamente, o da notificação da cessão de créditos ou sua aceitação por parte do devedor, quer isto dizer que, antes da citação, já tal elemento deverá fazer parte do elenco dos factos articulados no petitório, para que, uma vez citado o devedor, tal facto esteja adquirido definitivamente para a causa, juntamente com os demais elementos que constituem a causa de pedir.”.

No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2014(em www.dgsi.pt – Processo n.º 938/7YXLSB.L1-8):

“Dando o seu apoio a este aresto podemos citar na doutrina Luís Menezes Leitão, Cessão de Créditos, Coimbra, Almedina, 2005:361 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações. 11.a ed. Almedina, Coimbra, 2008, pg. 818, nota2.

Pouco temos a acrescentar a esta posição porquanto a citação tem apenas uma tríplice função, a saber:

– dar conhecimento ao réu de que foi contra ele proposta uma determinada ação;

– convidar o demandado para se defender;

– constituí-lo como parte.

Em casos paralelos, v.g. nos pedidos de resolução dos contratos, não basta a citação – o que pensamos ser jurisprudência pacífica entre nós – para que se atribua ao acto o poder de liquidar o negócio quando a este não foi posto termo em adequados termos, prévios à instauração da ação”.

Em síntese, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente entendimento, não reúne a Exequente os necessários requisitos de legitimidade processual e substantiva para assumir a qualidade de Exequente em relação aos créditos em causa.

Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminarmente o Processo Executivo por se encontrar a Exequente destituída de legitimidade substantiva e processual para assumir essa qualidade no presente Processo Executivo.».

1.2. Inconformada com tal despacho dele recorreu a exequente terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

            1.3. Foram os autos aos vistos, cabe apreciar.

                                               2. Apreciação

É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

A questão a decidir resume-se a saber:

Se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos da execução.

            Vejamos.

Nos termos do artigo 577º, n.º 1 do CC o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor. Dispõe, ainda, o artigo 582º do CC no seu n.º 1 que “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”, artigo 583 n.º 1 do CC.

Ocorre a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transmite a terceiro o seu direito. Verifica-se então a substituição de credor originário por outra pessoa – modificação subjectiva da obrigação –, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª Edição, págs. 179 e segs).

Por outro lado, e na medida em que a cessão representa uma simples transferência da relação obrigacional pelo lado activo, o devedor cedido pode valer-se, em face do cessionário (novo credor), dos meios direitos de defesa que lhe era lícito opor ao cedente (antigo credor), excepto os que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (cfr. art. 585º do C. Civil).

A cessão de créditos não é em si um contrato, antes um efeito de um negócio jurídico causal de contornos e de âmbito variável (cfr. Assunção Cristas, Transmissão Contratual do Direito de Crédito, págs. 77 e 78, com citação de diversos autores no mesmo sentido, entre os quais Menezes Cordeiro, Menezes Leitão ou Pinto Duarte).

 Traduz uma modificação da relação jurídica, passando a titularidade do direito de crédito da esfera do cedente para a do cessionário. Desde que a cessão seja notificada ou aceite pelo devedor ou seja dele conhecida, nos termos do art.º 583º do CC, o cumprimento da correspectiva obrigação deve ser feito perante o cessionário.
O facto de o crédito cedido já estar reconhecido em título executivo judicial ou extrajudicial não interfere na respectiva cessão. Se é verdade que, atento o art.º 55º, nº 1, do CPC, Código Processo Civil revogado, hoje art.º 53 do C.P.C. aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, o aplicável,  a execução deve ser promovida pela pessoa que, no título executivo, figura como credor, admitem-se excepções a tal regra, entre as quais se conta a situação em que o crédito exequendo tenha sido objecto de cessão (art.º 56º, nº 1, do CPC revogado – hoje art.º 54.º). O único aspecto que releva para o efeito é que, com o requerimento executivo, o exequente deve demonstrar a habilitação-legitimidade, alegando e provando os factos constitutivos da cessão (cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, pág. 27, Lebre de Freitas, Acção Executiva, 2ª ed., pág. 102; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4ª ed., pág. 55; e Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 136).
      No caso em apreço, não há dúvida de que houve um contrato que abarcou a cessão do crédito exequendo para a exequente, como se refere no requerimento executivo (cfr. fls. 1).

Porém, a execução foi rejeitada com fundamento na ilegitimidade da exequente, considerando que a notificação dos devedores era constitutiva da cessão de créditos e que deveria ter sido assegurada antes de ter sido instaurada a acção executiva.

A decisão recorrida não pode ser confirmada. Mas ainda que, porventura, se admitisse que a notificação tinha a referida natureza constitutiva, sendo necessária para assegurar a legitimidade da exequente, nem assim a decisão poderia manter-se.

Temos para nós, ao contrário do que se pressupôs na decisão recorrida, que a legitimidade activa para a acção executiva se satisfaz com a alegação e prova da existência do acordo de cessão de crédito, independentemente da sua notificação ao devedor.

Para o efeito importa ponderar que ficou afastada do nosso sistema a solução segundo a qual a cessão de créditos se decompunha em duas fases, sendo a primeira integrada pelo acordo de cessão e a segunda pela notificação do devedor.

A figura da cessão de créditos que emerge dos art.ºs. 577.º e segs. do Código Civil permite concluir, com absoluta segurança, que a cessão e a correspondente modificação subjectiva operada na relação creditícia se consumam com a outorga do acordo causal (contrato atípico, compra e venda de créditos, factoring, doação, trespasse, etc.), sendo a sua notificação ou a aceitação mera condição de eficácia externa em relação ao devedor.

 A partir da notificação da cessão (assim como a partir da sua aceitação ou do conhecimento da sua existência), a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação (cfr.  Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II vol., 7ª ed., págs. 310 e segs).

Esta construção jurídica já vem do Código de Seabra, afirmando então Cunha Gonçalves ser incontestável a legitimidade do cessionário desde que “haja alegado na petição inicial que a origem do seu crédito é a cessão que lhe foi feita pelo anterior credor” (Tratado de Direito Civil, vol. V, pág. 68).

Refere Menezes Leitão, in Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, pág. 22, que a “ineficácia do contrato em relação ao devedor constitui um mero limite à tutela do direito de crédito, que não prejudica o facto de o cessionário passar logo a ser perante o cedente o efectivo titular do direito transmitido”.

Trata-se de uma solução sobre a qual a doutrina nacional se manifesta em absoluta uniformidade (cfr. Antunes Varela, in Código Civil, anotado e Obrigações em Geral, vol. II), Menezes Leitão (Direito das Obrigações, vol. II), Assunção Cristas (Transmissão Contratual do Direito de Crédito) e Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações, vol. II).

Sem necessidade de mais ilustração, basta que se mencione o que refere Brandão Proença (Direito das Obrigações-Relatório):
Sobre a questão de saber se a eficácia translativa da cessão é processada em duas fases (eficácia imediata em relação às partes do contrato de cessão e eficácia diferida relativamente ao devedor), se há apenas uma eficácia diferida para o momento da notificação do devedor (tese de Mancini) ou se a eficácia translativa é imediata, podendo, no entanto, não ser eficaz em relação ao devedor, é de optar por aquela que nega valor constitutivo à notificação feita pelo cedente ou pelo cessionário, salvaguardada que está a posição do devedor de boa fé que pagou ao credor aparente, isto é, do devedor que não tenha sido notificado ou aceite a cessão nem tenha tido conhecimento dela. Dito de outra forma, o direito de crédito transmite-se imediatamente com o negócio de alienação passando o cessionário a titular do direito”.

Por conseguinte, uma vez que a exequente demonstrou a existência da cessão, tal bastaria para assegurar o prosseguimento da execução, sendo manifesta a sua legitimidade activa em face do disposto no art.º 56º, nº 1, do CPC. revogado, hoje art.º 54.º, n.º 1, o aplicável.
Importa refletir se a notificação da cessão poderia considerar-se substituída pela citação dos devedores para a acção executiva.

Esta questão não é pacífica.

No Ac. do STJ de 9-11-00, CJ, tomo III, pág. 121, defendeu-se que a notificação deveria encontrar-se efectuada no momento em que a acção é instaurada, tendo em conta que integra a respectiva causa de pedir. Aí se negou a concessão à citação da potencialidade para produzir aquele efeito substantivo que a lei apenas reconhece no art.

481.º do CPC (Acórdão tirado no domínio do C.P.C. revogado, que mantém actualidade).

Tal solução e argumentação foram integralmente acolhidas no Ac. do STJ de 12-6-03, CJSTJ, tomo II, pág. 105, e no Ac. da Rel. do Porto de 18-6-07, CJ, tomo III, pág. 194, e Ac. da Rel. de Lisboa de Lisboa-17.12.2014, relatado pelo Desembargador Luís Correia de Mendonça; e por Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 361, que explicitamente refere, ainda que através da mera menção do citado Ac. do STJ de 9-11-00, que não se pode “considerar equivalente à notificação o facto de o cessionário se limita a instaurar contra o devedor acção de cobrança do crédito”

Tese contrária foi adoptada pelo Ac. do STJ de 3-6-04 (Rel. Noronha do Nascimento), em www.dgsi.pt., considerando que a notificação se destina tão só a tornar a cessão de créditos eficaz em relação ao devedor, tendo em vista, além do mais, evitar que a satisfação da prestação seja feita ao primitivo credor, aí se concluiu nada obstar a que tal efeito se produza através da própria citação para a acção executiva ou declarativa, igualmente defendida no Ac. do STJ de 5-11-98 (em sumário), em www.dgsi.pt; no Ac. da Rel. de Lisboa, de 3-11-05, CJ, tomo V, pág. 80; e no Ac. da Rel. do Porto de 21-4-76, CJ, tomo II, pág. 491. Solução também assumida no Ac. da Rel. de Lisboa de 14-3-02, e nos Acs. da Relação do Porto de 3-2-00, 30-9-02 e 11-12-95, Ac. Rel. de Lisboa de 9 de Dezembro de 2010 relatado por Maria Catarina Manso e de 24/4/2008, relatado por Fátima Galante, in www.dgsi.pt ( doutrina que se mantém atualizada, ainda que tirada no domínio do C.P.C. revogado) .

Trata-se da solução que desenvolvidamente é acolhida por Assunção Cristas, em Transmissão Contratual do Direito de Crédito, págs. 133 e 134, e em Cadernos de Direito Privado, nº 14, neste caso em apreciação conjunta dos mencionados Acs. de STJ de 9-11-00 e de 3-6-04.

Advogamos esta solução, por ser a que, além de melhor integrar a natureza e eficácia da notificação do devedor, faz jus à natureza instrumental que essencialmente deve ser atribuída ao direito adjectivo.

Já anteriormente se disse que a notificação do devedor não é facto constitutivo do direito do cedente, mas mera condição de eficácia em relação ao devedor. Menos ainda é admissível que se associe tal facto à causa de pedir, extrapolando para a respectiva falta.

 Sendo a causa de pedir o facto jurídico de onde emerge a pretensão (art.º 498º, nº 4, do CPC revogado, hoje n.º 4 do art.º 581º, o aplicável ) e confundindo-se na acção executiva tal pressuposto processual com o próprio título executivo, importa sublinhar, mais uma vez, que a notificação do devedor é irrelevante para a modificação da relação creditícia no que concerne ao elemento subjectivo, produzindo-se esta a partir da outorga do acordo de cessão (cfr. Assunção Cristas, ob cit., pág. 133, e Cadernos de Direito Privado, nº 14, com citação de diversa doutrina e jurisprudência acerca da delimitação do conceito de causa de pedir).

É esta a solução defendida, com vasta argumentação, por Assunção Cristas, (na citada monografia, onde refere ser esta a solução adoptada no âmbito do Código de Seabra, segundo a doutrina então defendida por Guilherme Moreira, Instituições do Direito Civil Português, vol. II, págs. 195 e 196, ou por Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. V, pág. 67) relevando argumentos substanciais ligados à natureza jurídica da cessão de créditos e à função cometida à notificação do devedor, a que se somam argumentos formais atinentes à delimitação do conceito de causa de pedir. Para além de evidenciar que a referida norma não permite qualificar a notificação do devedor como facto constitutivo da cessão de créditos, defende que nada obsta a que a citação sirva para conferir eficácia à cessão de créditos perante o devedor. Conclui “não restarem dúvidas quanto a valer a citação como notificação, exactamente porque os conteúdos funcionais acabam por corresponder: de uma maneira ou de outra o devedor cedido fica a saber da ocorrência, pelo menos alegada, de uma transmissão do direito de crédito. Não está mais numa situação de ignorância que deva ser protegida”.

A mesma autora revela estranheza quanto à adesão de Menezes Leitão à solução defendida no Ac. do STJ de 9-11-00. E, na verdade, na falta de mais argumentos, também nos parece que a irrelevância atribuída à citação, para efeitos de substituir a notificação necessária para que a cessão produza efeitos em relação ao devedor, parece brigar com a estrutura jurídica da cessão de créditos nos termos que uniformemente tem

sido definida pela doutrina nacional. No mesmo sentido Vaz Serra, Cessão de Créditos e outros Direitos, BMJ, 1995, pag. 213 e 367.

     Se a notificação ao devedor constitui simplesmente uma condição de eficácia da cessão perante si e se o efeito substancial que se pretende obter com tal notificação é o de tornar a cessão eficaz em relação ao devedor, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor, tal desiderato é assegurado com a citação para a acção executiva (ou para a acção declarativa), momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento, nos termos do art. 583º, nº 2, do CC (cfr. neste mesmo sentido Ac. Rel. de Lisboa de 9/12/2010, já citado, ao referir « O efeito substancial que se pretende obter com tal notificação é o de tornar a cessão eficaz em relação ao devedor, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor,que é assegurado com a citação para a acção executiva, momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento, nos termos do art. 583º nº 2, do Código Civil».

Dito de outro modo, que apela mais incisivamente à função acessória que a citação deve exercer, a comunicação da cessão ao devedor constitui uma formalidade que se revela essencial para a exigibilidade da obrigação por parte do cessionário, de modo semelhante ao que está previsto no art. 662º, nº 1, e nº 2, al. b), do CPC revogado, hoje art.º 610, n.º 1 e 2, al. b), o aplicável.

Assim, pelo exposto julgamos procedente o recurso, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que determine o prosseguimento da execução, se a tal não obstar outra razão.

3. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Em julgar procedente o recurso, revogar o despacho recorrido e substituindo-o por outro que ordene os ulteriores termos da execução.

Sem custas.

Coimbra, 22/11/2016

                            Des. Pires Robalo (relator)

      Des. Sílvia Pires (adjunta)

                                      Des. Maria Domingas Simões