Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5215/10.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: RECURSO DE FACTO
CONTRATO DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.685-B CPC, DL Nº 176/95 DE 26/7, DL Nº 72/2008 DE 16/4. ARTS. 236, 238 CC
Sumário: 1. O recurso da matéria de facto deve ser rejeitado quando o Recorrente não concretiza os meios probatórios que impõem decisão diversa relativamente a cada um dos factos que pretende ver alterados, não efectuando também qualquer correspondência entre os meios de prova e esses factos e nessa medida não observa o estabelecido na lei.

2. O contrato de seguro, sendo um negócio jurídico formal, rege-se em primeira linha pelas condições que constam da respectiva apólice e implica que na sua interpretação se faça apelo às regras constantes dos art.ºs 236 e 238 do C.Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
M (…), Ldª, instaurou a presente acção declarativa de condenação com a forma de processo sumário contra a Companhia de Seguros B (...), SA, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe: a) a quantia de € 16.760,00 a título de reparação da máquina escavadora que identifica, segurada na Ré; b) a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização pela paralisação da máquina; c) juros à taxa comercial de 8% sobre a reparação até 30.09.2010, no montante de € 670,39, bem como os que se vencerem desde essa data até efectivo e integral pagamento; d) juros à taxa comercial de 8% sobre o valor da paralisação, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que: é detentora de uma máquina escavadora segurada na R., que se incendiou quando um funcionário estava a laborar, tendo participado a ocorrência à R., tendo sido feito um orçamento de reparação no valor de € 17.760,43; acontece que a R. veio propor à A. o pagamento de apenas € 4.017,35, alegando que a apólice não garante cabos eléctricos, e que não detectaram danos no ECU e no isolante; a R. protelou a reparação durante meses em que a máquina esteve parada, causando à A. um prejuízo com a paralisação da máquina em mais de 3 meses, razão porque devia ser indemnizada em mais de € 6.600,00 (100,00 x 22 dias x 3 meses), embora a A. só reclame € 5.000,00. São devidos juros de mora à taxa comercial 8% desde 1 de Abril de 2010, sobre o valor da reparação (17.760,00), deduzida a franquia de € 1.000,00, os quais, à data de 30.09.2010, ascendem a € 670,39.
Devidamente citada a R. veio contestar. Confirma a existência do contrato de seguro e a participação do sinistro, referindo que a máquina, embora ainda não tivesse sido reparada, estava a operar, tendo a A. efectuado a reparação parcial da máquina; ao vistoriar a mesma, a R. não detectou qualquer dano emergente de deflagração de chamas nas tubagens e instalação eléctrica e noutros componentes, tendo apurado o real valor dos prejuízos emergentes do sinistro de forma inferior ao orçamento apresentado. Refere ainda que a Apólice não dá cobertura a cabos eléctricos e que estão excluídos todos os danos que derivem de lucros cessantes, perdas de exploração ou outras perdas consequências de qualquer natureza. Conclui que, de acordo com a regra proporcional a aplicar, o valor é de € 5.017,35 a que importa deduzir a franquia contratual, no valor de 1.000,00 propondo-se a R. liquidar a quantia de € 4.017,35.
A A. respondeu, concluindo pela improcedência das excepções invocadas e pela procedência da acção.
Foi proferido despacho saneador afirmando a validade da lide e dispensou-se a selecção da matéria de facto.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal e foi proferida decisão sobre a matéria de facto, que consta de fls. 197-207 que não teve reclamação.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 4.017,35 e absolvendo a mesma da restante parte do pedido formulado.
Não se conformando com a sentença proferida vem a A. interpor recurso de apelação de tal decisão, pedindo a sua revogação e condenação da R. no pagamento da totalidade do pedido, apresentando as seguintes conclusões:
a) - O seguro cobre as situações de incêndio e respectivos danos provocados no qual se incluem os cabos eléctricos, sob pena de se violar o disposto no Artº 4º da apólice e Artº 9º do D.L. 176/95 de 26 de Julho.
b) - A D. sentença fez errada interpretação dos documentos juntos aos autos,
c) - bem como valorizou única e exclusivamente o depoimento de uma testemunha, (…) sendo esta a menos habilitada para o efeito, uma vez que nem sequer sabia identificar onde se iniciou o incêndio na máquina, nem sequer comprovou ou verificou quais os danos sofridos… ao invés as testemunhas técnicas da C(...) depuseram de forma clara, isenta e categoricamente relataram o incêndio e todos os danos causados e necessidade de reparação e substituição de peças, pelo que deve ser alterada a matéria de facto no sentido dos nº 18, 30, 33, 34, 35 e 44 apenas constatados pela recorrida em virtude de não ter considerado a dimensão e danos efectivamente provocados pelo incêndio e não ter levado em consideração as reparações provisórias entretanto efectuadas, e assim considerar como provados os nº 14, 54, 56 e 60 e deste modo sendo provado que o incêndio provocou os danos nestes explanados e ser necessário o material e mão de obra aí identificados para efectiva reparação dos danos provocados pelo incêndio.
d) - Deve a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente todos os danos derivados do incêndio, de acordo com o orçamento efectuado pela C(...), ou seja, no montante de 17.760,43€.
e) - Deve também a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente a título de paralisação da máquina quantia nunca inferior a 5.000,00€.
f) - Deve ainda a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
g) - A sentença fez errada interpretação e aplicação da Lei, violando o disposto no Artº 4º Condições gerais da apólice, Atrº 427º Cod, Com., Artº 9º DL 176/95 de 26 Julho e Artº 653º nº 2, artº 668º nº1 al b), c) e d) todos do C.P.C
            A R. veio apresentar contra-alegações pugnado pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, pedindo, subsidiariamente a ampliação do objecto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1º A A. não esclarece na Impugnação que faz da Decisão de Facto se os pontos 18º, 30º, 33º, 34º, 35º e 44º devem ser tidos por não provados e torna-se imperceptível a pretensão quanto aos pontos 14º, 54º, 56º e 60º da Decisão de Facto, porque vêm já com decisão positiva.
2º Os meios de prova a que a A. faz alusão não permitem a modificação de facto como ela preconiza.
3º A A., nos seus articulados, faz apelo ao orçamento da autoria da C (...) pelo valor de € 17.760,43 necessário à reparação da máquina, incluindo custos de materiais / peças e mão de obra, incluindo entre outros serviços a substituição de cablagem eléctrica, 3 selenóides, ECU / centralina e o software para esta.
4º A Ré, na versão que traz aos autos, apoia-se na vistoria à máquina aos 19-03-2010 e relatório de peritagem de 01-06-2010, elaborado após a remessa de elementos documentais, solicitados à A., que tardaram a ser fornecidos.
5º O auto de vistoria levado a cabo pela Ré aos 19-03-2010 e documentado nos autos está também subscrito pelo legal representante da A. e dele consta que à data, na parte lateral esquerda da máquina, no compartimento de menor dimensão do motor, o esqueleto do filtro estava em perfeito estado de conservação, só (1) um dos (3) três selenóides é que ficou com a extremidade deformada em virtude das chamas, os outros dois (2) não e
não foram constatados danos nas tubagens, instalação eléctrica ou outros componentes.
6º A A. remeteu à Ré em 24-03-2010 o orçamento elaborado pela Auto- Sueco, o perito da Ré constatou que ele incluía componentes que na vistoria verificara não estarem danificados pelas chamas, solicitou excerto do catálogo da máquina donde constassem os componentes, incluídos no orçamento da C(...), o catálogo só foi remetido em 19-05-2010 e a indicação de preço de máquina nova, igual ou análoga à da A. e que a Ré também pedira, só foi fornecida em 28-06-2010 e com a menção de PVP de € 130.000,00, a que acresce IVA.
7º A Ré excluíra do orçamento da C (...)os custos de dois (2) selenóides, reduzindo este item do orçamento de € 1.392,81 para apenas € 464,27, excluiu do orçamento os custos de cablagem no valor de € 4.763,85, excluiu os custos de 1 ECU / centralina no valor de € 2.703,51 excluiu os custos com três (3) isolantes reduzindo a verba de €480,00 a €120,00, excluiu outros dois (2) isolantes com custos de €80,00 e €60,90 respectivamente e excluiu o custo de software para ECU / centralina no valor de €472,50.
8º A Ré excluiu do orçamento os custos de todos os componentes indicados na anterior conclusão (dois selenóides, cablagem um ECU / centralina, cinco isolantes e software para a ECU / unidade centralizadora) porque na vistoria feita à máquina em 19-03-2010, em nenhum deles detectou danos ou sequer vestígios de danos causados pelas chamas que tinham atingido a máquina.
9º O valor de substituição de equipamento, novo ou análogo à máquina da A. era, à data de € 130.000,00, o capital contratualmente seguro para a máquina era de € 127.500,00 e tinha sido contratualizada e vigorava uma franquia de 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de €1.000,00 e máximo de €2.500,00.
10º O valor do orçamento da C(...), deduzido dos custos dos componentes desconsiderados pela Ré decresceu para €5.133,85, a situação detectada de infra-seguro situou este valor em €5.017,35 e a dedução do valor de franquia (no caso de €1.000,00 / limite mínimo) encontrou o apuro indemnizatório final e contratualmente devido de €4.017,35.
11º Considera e bem a douta Sentença que a A. não demonstrou (e o ónus cabia-lhe) que os pretensos danos nos componentes que a Ré desconsiderou na sequência da vistoria feita, tivessem sido causados pelas chamas deflagradas e falamos dos dois (2) selenóides, da cablagem eléctrica ECU/ centralina, quatro isolantes e software para ECU / centralina.
12º Conclui a Sentença, e de igual modo bem, que perante a factualidade adquirida nos autos, não está demonstrado que estes componentes tenham sido danificados na sequência e por causa do incêndio.
13º Resulta da tábua dos factos que a máquina aos 19-03-2010, aquando da vistoria da Ré, já estava a laborar, terá tornado às oficinas da C(...), mas por mau funcionamento do sistema hidráulico, e nada aponta para nexo causal para esta eventual deficiência e o incêndio.
14º Acresce que as Condições Gerais do Contrato de Seguro facultativo celebrado excluem da cobertura os danos causados nos bens seguros cuja explosão originou o sinistro e na alínea g) do artigo 3º das Condições Especiais – Cobertura Adicional CE-404- Máquinas Casco, estão excluídos do âmbito da cobertura os prejuízos verificados em cabos eléctricos e no caso, se tais danos viessem demonstrados – que não vêm – e com proveniência no incêndio, inexistia obrigação de os indemnizar por força da exclusão contratualizada.
15º A verificação da validade desta exclusão é incontornável de acordo com a teoria da interpretação da declaração contratual dos artigos 236º e 238º/1 do CC e a sua estipulação é legalmente legitima à luz do princípio da ampla liberdade contratual do art. 405º do CC.
16º A douta Sentença faz improceder, e bem a reclamação da A. por pretensos prejuízos pelo tempo de paralisação da máquina e os pedidos de juros de iniciativa da A. na medida em que vem demonstrado que se algum atraso existiu na fixação por parte da Ré do valor indemnizatório a seu cargo, isso deveu-se a mora da A. na facultação de elementos documentais que eram
imprescindíveis para o apuramento e cálculo do valor indemnizatório.
17º Acresce que, assim que a Ré apurou o valor indemnizatório, emitiu recibo que remeteu para a A para que esta pudesse receber o correspondente valor em qualquer agência, de modo que, se não recebeu, foi porque estrategicamente, e com intuitos lucrativos o não quis fazer (sibi imputet)
18º A A. também não demonstra que a Ré tenha inviabilizado como alega, a reparação da máquina durante quatro meses e meio e que esta tivesse estado inactiva durante mais de três meses (aliás, à data da vistoria da Ré – 19-03-2010 – já a máquina laborava).
19º A Ré pode, nos termos do art. 684-A do CPC, nas suas Contra-Alegações, ampliar o âmbito do Recurso e respectivo objecto e neste sentido, perante as provas documentais que juntou aos autos e perante os depoimentos das testemunhas que em súmula vêm supra reproduzidos (testemunhas (…)), impõe-se de modo cautelar e subsidiário a alteração / modificação da matéria de facto no sentido de se darem por não provados os factos inseridos no ponto 58º (artigos 12º a 17º da PI e 12º da Resposta) – com referência a eventuais deficiências da máquina antes do incêndio – e por não provados os factos do ponto 60º (artigos 12º a 17º da PI e 12º da Resposta) – o material discriminado no orçamento referido em 14) corresponde ao material afectado na sequência do incêndio ocorrido cuja reparação / substituição se torna necessária para que a máquina volte a funcionar em condições normais.
20º A Ré, nos mesmos termos do artigo 684º-A do CPC faz uso da faculdade de ampliar o objecto do Recurso e prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela recorrente, invoca a exclusão contratual prevista e convencionada no artigo 3º, alínea h) das Condições Gerais do Contrato, a qual retira da abrangência da cobertura os danos que derivem directa ou indirectamente de lucros cessantes, perdas de exploração ou outras perdas consequenciais de qualquer outra natureza.
21º Analisadas as cláusulas que fazem parte do presente Seguro facultativo, a eventual indemnização por pretensa privação do uso da máquina não está abrangida pelo contrato.
22º Esta cláusula de exclusão, no âmbito de contrato de natureza facultativa é legalmente admissível à luz da ampla liberdade contratual do artigo 405º do CC, não fere o principio do equilíbrio das prestações, tanto mais que as razões que levam as pessoas a contratarem seguros facultativos de danos próprios, não radicam na perspectiva de virem a ser indemnizadas pelos
danos decorrentes da privação de uso, mas para salvaguarda, essencialmente, do valor de reparação ou de substituição do bem contratualmente acautelado.
23º A douta Sentença fez correcta interpretação e aplicação do que vem
disposto no artigo 426º do Código Comercial; 427º do Cód. Comercial; art. 1º, alínea f) do DL 176/95 de 26/07; art. 7º do DL 446/85 de 25/10; art. 9º do DL 176/95; das Condições Gerais, Especiais e Particulares do Contrato de Seguro; artigos 236º e 238º do Cód. Civil; art. 4º das Condições Gerais do Contrato; art. 3º, alínea j) das Condições Especiais; art. 16º das Condições Gerais e a manutenção da interpretação e aplicação feitas na Sentença e ainda a aplicação do art. 3º al. h) das Condições Gerais ditam a confirmação da Sentença Absolutória “in suo totum” que vem da 1ª Instância.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas suas conclusões (artº 635 nº 4 e 639 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.
- da impugnação da matéria de facto, relativamente aos factos dados como provados sob os nº 18, 30, 33, 34, 35 e 44 na sentença recorrida;
- do contrato de seguro abranger todos os danos causados pelo incêndio, incluindo os referentes aos cabos eléctricos, por não ter aplicação a excepção prevista no artº 3º g) das condições especiais do contrato, na activação do seguro por incêndio;
- de ser devida pela R. a indemnização decorrente dos prejuízos que correspondem aos danos resultantes do incêndio de acordo com o orçamento efectuado e pela paralisação da máquina.
- de serem devidos juros à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.
Da ampliação do objecto do recurso pela Recorrida (artº 636 do C.P.C.):
- da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 58º e 60º dos factos provados;
- dos prejuízos decorrentes da privação do uso da máquina não estarem abrangidos pelo contrato de seguro.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados sob os nº 18, 30, 33, 34, 35 e 44 na sentença recorrida.
- da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 58º e 60º dos factos provados feita na ampliação do objecto do recurso pela Recorrida;
No que se refere à alteração da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, a parte que pretenda que seja feita a avaliação da mesma (com excepção dos casos em que tal pode ser oficiosamente feito pelo tribunal), tem de cumprir os requisitos que a lei impõe para o efeito.
Desde logo, o artº 685- B do C.P.C. impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo que, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, deve o Recorrente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, o nº 2 do artº 685- B do C.P.C. estabelece que: “No caso previsto na alínea b) do artigo anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no artº 522 C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Verifica-se, contudo, que o Recorrente nas suas alegações de recurso apresentadas não dá cumprimento ao disposto no artº 685- B nº 1 b) e nº 2 do CPC, o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação e que implica, nos termos da norma mencionada, a imediata rejeição do mesmo, no que à impugnação da matéria de facto se refere.
Senão vejamos.
Em primeiro lugar, constatam-se algumas imprecisões na forma como a situação é apresentada pela Recorrente. Desde logo, verifica-se que a mesma coloca a questão relativamente aos factos que foram considerados como provados pelo tribunal “a quo”, pretendendo, não que os mesmos sejam considerados não provados ou restritivamente provados, mas antes referindo que o seu teor deve ser interpretado ou ponderado apenas em determinado sentido. Com tal pretensão, a Recorrente excede a matéria de facto alegada pelas partes nos seus articulados, que é aquela e só aquela a que o tribunal tem de dar resposta após a realização do julgamento. Foi com referência a esses factos articulados que o tribunal se pronunciou, considerando terem ficado provados os pontos de facto que vêm elencados na sentença recorrida.
Assim, refere a Recorrente que o ponto 18 dos factos provados deve ser interpretado no sentido da R. não ter verificado tais danos por não ter conhecimento das reparações; quanto aos pontos 30, 33 e 34 que a realidade aí referida foi constatada após intervenção dos técnicos da marca, o que a R. desconhecia; quanto aos pontos 35 e 44 que devem ser interpretados com a condicionante da R. não ter conhecimento do que se passou. Ora, o recurso da matéria de facto não visa a interpretação da matéria de facto provada, mas antes tem por fim a avaliação dos elementos probatórios em contraponto com os factos em análise, efectuada pelo tribunal “a quo”, no que pode apelidar-se de um re-exame ou reapreciação da decisão de facto. Como se vê, a Recorrente não invoca os factos alegados pelas partes (já que no caso foi dispensada a organização da base instrutória) e sobre os quais incidem os meio probatórios para concluir pela deficiente avaliação do tribunal.
Além do mais, a Recorrente fundamenta a sua pretensão, no depoimento das testemunhas (…), nos excertos que concretiza, bem como nas fotografias juntas aos autos a fls. 191 e 192; no entanto, não efectua qualquer correspondência entre estes elementos probatórios e os factos que impugna, fazendo apenas uma apreciação genérica sobre os elementos probatórios e tecendo considerações sobre os mesmos. Não é feita pela Recorrente qualquer correspondência da parte dos depoimentos das testemunhas e documentos que invoca, com cada um dos factos cuja resposta pretende ver alterada.
A Recorrente não observa assim o disposto na al. b) do artigo mencionado, pois não refere os concretos meios probatórios que constam do processo e que impõem decisão diferente com referência a cada um dos factos que pretende ver alterados, invocando os depoimentos das testemunhas que transcreve sem especificar a propósito de cada um, em que medida impunham uma resposta diferente da dada pelo tribunal “a quo” a cada um dos concretos pontos de facto que pretende ver alterados.
Também a Recorrida, na ampliação do objecto de recurso que apresenta, cai na mesma omissão, não cumprindo este mesmo ónus quando põe em causa os factos inseridos nos pontos 58 e 60 da sentença sob recurso.
Considera a Recorrida que tais factos não resultaram provados, pretendendo a alteração da resposta aos correspondentes artigos 12º a 17º da petição inicial e 12 da resposta, no sentido de serem tidos como não provados. Invoca para o efeito, de forma genérica, as provas documentais que juntou aos autos e os depoimentos das testemunhas (…).A mesma não concretiza, desta forma, os meios probatórios que impõem decisão diversa relativamente a cada um dos factos que pretende ver alterados, não efectuando também qualquer correspondência entre os mesmos e nessa medida não observando o estabelecido na lei.
Em face do exposto, conclui-se que nem a Recorrente, nem a Recorrida na sua ampliação do recurso, deram cumprimento ao disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 685- B do C.P.C., o que determina a rejeição dos recursos no que à impugnação da matéria de facto respeita, de acordo com o que dispõem as normas mencionadas, o que se determina.
São os seguintes os factos considerados provados:
1) A Autora detém, em regime de locação financeira, uma máquina escavadora de rastos, do ano (fabrico) 2006, marca C(...), modelo EC210, com o chassis nº 20350;
2) Por contrato de seguro de bens em regime de leasing titulado pela apólice nº 550005366, subscrito em 30.11.2007, a Ré obrigou-se a indemnizar a Autora por danos causados na referida máquina em caso de sinistros garantidos pelo âmbito de cobertura nele convencionado;
3) Nos termos ajustados no mencionado contrato de seguro, o âmbito de cobertura incluía: a) Cobertura base (Incêndio; Queda de Raio e Explosão; Tempestades; Inundações; Danos por Água; Furto e Roubo; Queda de Aeronaves; Impacto de Veículos Terrestres ou de Animais; Impacto de Objectos Sólidos; Greves; Tumultos e Alterações da Ordem Pública; Actos de Vandalismo; Aluimento de Terás; Derrame Acidental de Sistemas de Protecção contra Incêndio); b) Coberturas Adicionais: b.1: Máquinas Casco; b.2: responsabilidade civil extracontratual;
4) O capital seguro, no âmbito da cobertura base e adicional casco, correspondente ao custo de substituição da escavadora de rastos, por escavadora nova com as mesmas características, estava determinado em € 127.050,00;
5) O capital seguro, no âmbito da cobertura adicional de responsabilidade civil extracontratual ficou convencionado em € 100.000,00 por sinistro e anuidade;
6) No contrato de seguro ficou convencionado que, em caso de sinistro, o segurado suportará uma franquia correspondente a 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de € 1.000,00 e no máximo de € 2.500,00 (no âmbito das coberturas base e adicional casco) e no mínimo de € 125,00 e máximo de € 500,00 (no âmbito da cobertura adicional de responsabilidade civil extracontratual);
7) No dia 25.02.2010 o contrato de seguro mencionado encontrava-se em vigor;
8) Nesse dia, pelas 14:00 horas, em Pombal, quando o funcionário da Autora, Paulo Manuel Patrício Ribeiro, estava a laborar com a referida máquina, esta incendiou-se;
9) A Autora, de imediato, por telefone e posteriormente por fax, participou tal ocorrência à Ré;
10) Por virtude do incêndio, a máquina foi transportada para as oficinas da marca C(...), em Leiria;
11) E foi objecto de vistoria, por representante da Ré, em 19.03.2010, após a qual foi elaborado o correspondente auto, assinado pelo perito e pelo legal representante da Autora;
12) No dia 11.06.2010, a Autora enviou fax à Ré com o seguinte teor: “No passado dia 25/02/010 foi participado o acidente com a mesma data/no dia 25/03/2010 a máquina foi vista duas vezes pelo Perito Sr. (…)/ foi solicitado o orçamento à C (...) esta enviou-lhe e está disponível a qualquer esclarecimento pessoalmente, assim como fazem com qualquer companhia./ Decorrido todo este tempo e sem qualquer autorização para reparar já se causaram mais avarias por motivo de não ter sido reparado/ não tem condições para trabalhar/ ficamos aguardar com urgência a solução do assunto (…)”;
13) No dia 28.06.2010, a Autora enviou fax à Ré com o seguinte teor: “Conforme participado o acidente da apólice acima referida e depois de ter sido entregue toda a documentação solicitada, informamos que a máquina se encontra nas oficinas da C(...) em Leiria – desde o acidente por não ter sido reparada tem vindo a ter avarias diárias a qual não tem condições de trabalho. /Solicitamos que nos informem tão breve quanto possível o ponto da situação”;
14) A C (...)Lda., representante C(...), no dia 23.03.2010, elaborou o orçamento junto a fls. 16/17, no qual contemplava os seguintes trabalhos de reparação a efectuar na máquina referida em 1), na sequência do incêndio ocorrido: substituição de tubos hidráulicos de saída de bomba, substituição de cablagem eléctrica, substituição de solenóides, substituição de insonorizadores, substituição de filtro de ar primário e secundário e tampa de caixa de filtros;
15) Os valores orçamentados foram os seguintes: € 1.942,00 (mão de obra), € 12.560,73 (peças), € 147,13 (materiais), e 150,00 (deslocação), € 2.960,07 IVA, no total de € 17.760,43;
16) Do orçamento constava a seguinte listagem numerada de peças e respectivos valores e quantidades: 1) € 429,63 – Tampa (1); 2) € 19,37 – O’Ring (1); 3) € 24,73 – Válvula (1); 4) € 72,54 – Elem. Filtro (1); 5) € 1.392,81 – Solenoide (3); 6) € 4.763,85 – Cabo (1); 7) € 525,00 – Tubo (1); 8) € 465,62 – Tubo (1); 9) € 7,72 – O’Ring (2); 10) € 3,72 – O’Ring (2); 11) € 986,72 – Filtro ar cpl (1); 12) € 2.703,51 – ECU (1); 13) € 36,00 – Isolante (1); 14) € 36,00 – Isolante (1); 15) € 480,00 – Isolante (4); 16) € 80,00 – Isolante (1); 17) € 60,98 – Isolante (1); 18) € 472,50 – Software I – ECU (1), no total de € 12.560,73;
17) Na mencionada orçamentação, da autoria da C (...)Lda., constava que a reparação teria uma duração de 4 dias (aproximadamente);
18) Por carta datada de 09.07.2010, a Ré propôs à Autora o pagamento do valor de € 4.017,35, a título de indemnização [excluindo o pagamento das verbas referidas em 6) – cabos – referindo que a apólice não garante cabos eléctricos – em 12) e 18) – ECU e Software I – ECU – referindo que não consideraram tais verbas por não terem sido demonstrados os danos – e em 16) e 17) – isolantes – referindo que do levantamento efectuado aos danos não foi detectado, pelo perito nomeado, qualquer indício de deflagração de chamas no compartimento susceptível de danificá-los; excluíram ainda o pagamento de 2 dos solenóides referidos em 5) e 3 dos isolantes referidos em 15), por não terem detectados quaisquer danos nesses componentes ou indícios de deflagração na zona onde estavam alojados - todas referidas em 16)], e emitiu o correspondente recibo de indemnização, para que a Autora o recebesse em qualquer agência;
19) Na ocasião referida em 8), a máquina fazia escavações de terras para plantação de eucaliptos;
20) E quando recobria restos de madeira resultantes do abate de árvores o manobrador deparou com incêndio na zona do motor;
21) O manobrador apagou o fogo com o extintor e terras;
22) Na ocasião, um pau com cerca de 10 cm de diâmetro encontrava-se alojado entre a zona do distribuidor e a lança;
23) Na data referida em 8) a máquina estava em estado novo e registava apenas 5.699 horas;
24) Na al. g) do art. 3º das Condições Especiais aplicáveis no âmbito da Cobertura Adicional CE- 404 Máquinas Casco consta que estão excluídos do seu âmbito de cobertura os prejuízos verificados em cabos eléctricos;
25) No artigo 3º, al. n) das Condições Gerais do contrato de seguro, consta como exclusão aplicável a todas as coberturas, os danos que derivem, directa ou indirectamente, de lucros cessantes, perdas de exploração ou outras perdas consequenciais de qualquer natureza;
26) No artigo 4º das Condições Gerais do contrato de seguro, consta que o âmbito da garantia por (Cobertura base) Incêndio inclui: os danos directamente causados aos bens seguros em consequência de incêndio, bem como em consequência dos meios empregues para o combater e por calor, fumo ou vapores resultantes imediatamente de incêndio (…) e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento em consequência dos factos atrás previstos; e exclui: os danos causados nos bens seguros cuja explosão originou o sinistro;
27) Consta no art. 16º das Condições Gerais do contrato de seguro que: (1) As averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, deverão ser efectuadas pela Seguradora com prontidão e diligência, sob pena desta responder por perdas e danos; (2) A indemnização deve ser paga logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos, sem prejuízo de pagamentos por conta, sempre que se reconheça que devem ter lugar; (3) Se decorridos 30 dias, a Seguradora, de posse de todos os elementos indispensáveis à reparação dos danos ou ao pagamento da indemnização acordada, por causa não justificada ou que lhe seja imputável, incorrerá em mora, vencendo a indemnização juros à taxa legal em vigor;
28) Consta no art. 19º das Condições Gerais do contrato de seguro, que: (1) A responsabilidade da Seguradora é sempre limitada às importâncias máximas fixadas nas Condições Particulares; (2) A determinação do capital seguro é sempre da responsabilidade do Tomador de Seguro e deve corresponder: 2.1. Quanto aos Bens Seguros: para cada bem, ao seu Valor de Substituição, à data do sinistro, por bens novos com as mesmas características e rendimento; 2.2. Quanto à Responsabilidade Civil Extracontratual: O capital seguro, corresponderá ao montante máximo pelo qual a Seguradora responde
por período seguro, seja qual for o número de sinistros e de lesados;
29) Consta no art. 20º das Condições Gerais do contrato de seguro que: (1) Salvo convenção em contrário constante das Condições Particulares, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos do artigo anterior, o Segurado responde por uma parte proporcional dos prejuízos, como se fosse Segurador do excedente. Sendo, pelo contrário, o capital seguro superior, o seguro só é válido até à concorrência dos montantes determinados pelos critérios previstos no artigo anterior; (2) Segurando-se diversos bens por quantias e verbas designadas separadamente, os preceitos do número anterior são aplicáveis a cada uma delas, como se fossem seguros distintos;
30) No relatório de peritagem (datado de 01.06.2010), efectuado na sequência da vistoria efectuada em 19.03.2010, consta que na parte lateral esquerda da máquina, no compartimento de menor dimensão contíguo ao motor, o esqueleto do filtro encontrava-se em perfeito estado de conservação, tendo sido indicado pelo Sr. MR (...) que haviam sido substituídos alguns componentes que não especificou por desconhecimento;
31) (…) e que o isolante de insonorização localizado na porta encontrava-se parcialmente queimado/consumido pela acção das chamas;
32) (…) que o depósito de plástico exibia pequena deformação na parte superior bem como vestígios de queda de material preto em decomposição térmica;
33) (…) que um dos três solenóides responsáveis pelo accionamento das válvulas dos circuitos de combustível apresentava extremidade de ligação deformada e/ou consumida pelas chamas;
34) (…) os fios condutores de ligação ao solenóide encontravam-se isolados com fita adesiva, colocada alegadamente pela firma reparadora, no entanto, os outros dois solenóides exibiam apenas incrustação de material preto derretido;
35) Além de tais danos, consta do referido relatório que naquele compartimento não foram constatados quaisquer outros emergentes de deflagração de chamas, nas tubagens e instalação eléctrica e/ou outros componentes;
36) E que “A defumação existente na porta deste compartimento apenas se verifica na parte superior do isolante insonorizado e que por sua vez se situa no enfiamento da “boca” do filtro de ar”;
37) Consta ainda que: “…os danos anteriormente explanados situam-se junto do isolante…” pelo que “descartamos a possibilidade da proveniência das chamas pela cavidade interior”;
38) Do mesmo relatório consta que: “O compartimento situado na lateral direita da máquina não apresentava vestígios de defumação e/ou indícios de deflagração de chamas e/ou óleo disperso, no entanto, foi-nos exibido um tubo do circuito “hidráulico” de saída da bomba distribuidora de óleo dos hidráulicos fixado com abraçadeiras, alegadamente colocado pela firma interveniente a título provisório”;
39) No mesmo compartimento (tal como vem mencionado no relatório) foram observados dois outros tubos de secção inferior com cariz recente;
40) Na zona do motor de combustão (diz-se no mesmo relatório) foram observados apenas danos no isolante insonorizado situado junto à saída de escape;
41) Dele consta ainda que a causa do incêndio resultou da emissão de fagulhas para o material isolante;
42) Aquando da vistoria realizada em 19.03.2010, o perito averiguador solicitou ao legal representante da Autora que, até ao dia 25.03.2010, facultasse os seguintes elementos: 1) orçamento discriminado dos custos de reparação e relatório técnico de avaria; 2) Fotocópia dos justificativos de aquisição da máquina; 3) Proposta de fornecimento do mesmo equipamento em novo;
43) A Autora remeteu à Ré, em 24.03.2010, o orçamento de reparação elaborado pela C(...), Lda., mencionado em 14);
44) Na sequência de tal envio, o perito averiguador verificou que nele estavam incluídos diversos componentes que não havia identificado quando vistoriou a máquina;
45) Por isso a Ré, em 08.04.2010, solicitou junto da Autora os excertos do catálogo da máquina, donde constassem os componentes, supostamente afectados, de acordo com a orçamentação;
46) Apesar das sucessivas insistências, a Autora apenas remeteu à Ré os excertos do catálogo da máquina em 28.04.2020;
47) A Ré recebeu os excertos do catálogo, mas deles não constavam os componentes referenciados no orçamento;
48) No dia seguinte a Ré solicitou à C(...), Lda. que assinalasse nos excertos do catálogo os componentes que constavam do orçamento;
49) E insistiu com a C (...) para que remetesse proposta do actual valor em novo da máquina;
50) A Autora, através da C(...), Lda., remeteu à Ré os excertos do catálogo em 19.05.2010;
51) A Autora, após insistência da Ré, remeteu-lhe a indicação do preço de mercado, de máquina igual à sua, em 28.06.2010;
52) Da declaração remetida à Ré, referida em 51), consta que “a escavadora de rastos C(...), modelo EC 210 B/C foi descontinuada (de fabrico descontinuado) e substituída (no mercado) pelo modelo EC210L, cujo PVP era de € 130.000,00, acrescido (ainda) das “Ecotaxas” e IVA”;
53) A Ré, na posse dos excertos do catálogo com indicação e referência dos componentes constantes do orçamento e face aos resultados da vistoria feita à máquina, remeteu à Autora o escrito referido em 18);
54) Na ocasião do incêndio, a máquina foi alvo de reparações no local por técnicos da C(...), Lda. (representante C(...)), a fim de poder ser deslocada para as instalações da oficina, onde foi novamente intervencionada (tendo sido emendada a cablagem, afectada pelas chamas) para poder funcionar;
55) Na data da vistoria realizada pela Ré (em 19.03.2010), a máquina encontrava-se a laborar, na localidade dos Pinheiros, mas apresentava mau funcionamento no sistema hidráulico, pelo que os trabalhos tiveram que ser realizados com outra máquina semelhante;
56) Na sequência, a máquina foi novamente deslocada para as instalações da C(...), onde foi sujeita a nova intervenção, tendo sido substituída a ECU por outra, pertença da C(...) e emprestada à Autora, e aconselhada a substituição da cablagem, bem como a colocação de uma nova ECU e novos isoladores, para que a máquina funcionasse em condições;
57) Após tal intervenção, a máquina não voltou a funcionar em perfeitas condições;
58) Antes do incêndio, a máquina não apresentava os problemas de funcionamento detectados pelos técnicos da C(...) após a ocorrência do incêndio;
59) A máquina escavadora produz serviço pago a € 50,00/hora; gasta € pelo menos € 20,00/dia de gasóleo (a laborar 8 horas/dia), sendo o trabalho do respectivo funcionário pago a € 5,00/hora;
60) O material discriminado no orçamento referido em 14), corresponde ao material afectado na sequência do incêndio ocorrido, cuja reparação/substituição se torna necessária para que a máquina volte a funcionar em condições normais.
IV. Razões de Direito
- do contrato de seguro abranger todos os danos causados pelo incêndio, incluindo os referentes aos cabos eléctricos, por não ter aplicação a excepção prevista no artº 3º g) das condições especiais do contrato, na activação do seguro por incêndio.
Põe-se então a questão de saber se o contrato de seguro cobre os danos sofridos nos cabos eléctricos, sendo que, a este propósito, a sentença recorrida considerou, tal como o invocado pela R., que os cabos eléctricos estão excluídos do contrato de seguro, o que resulta da al. g) do artº 3º das Condições Especiais aplicáveis no âmbito da cobertura adicional CE- 404 Máquinas Casco.
Alega a Recorrente que o seguro cobre as situações de incêndio e respectivos danos provocados no qual se incluem os cabos eléctricos, sob pena de se violar o disposto no artº 4º da apólice e artº 9º do D.L. 176/95 de 26 de Julho.
A Recorrente invoca a violação do artº 9º do Decreto Lei 176/95 de 26 de Julho que dispõe que as cláusulas particulares não podem modificar a natureza dos riscos, nos termos das condições gerais. Importa, no entanto, referir que a norma em causa foi expressamente revogada pelo Decreto Lei 72/2008 de 16 de Abril que vem instituir o regime jurídico do contrato de seguro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, conforme estabelece o artº 7º desse mesmo diploma.
Vejamos então como interpretar o contrato de seguro firmado entre as partes, de modo a responder à questão exposta.
O contrato de seguro, sendo um negócio jurídico formal, rege-se em primeira linha pelas condições que constam da respectiva apólice e implica que na sua interpretação se faça apelo às regras constantes dos art.ºs 236 e 238 do C.Civil. Vale a declaração que dela consta com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder, razoavelmente, contar com ele, não podendo, nos negócios formais, valer a declaração com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência verbal no texto do mesmo. Vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/03/2012, in. www.dgsi.pt
Verificamos que, do documento junto aos autos a fls. 45 que constitui a proposta de seguro de bens em leasing, consta, por um lado, Cobertura base e por outro Cobertura adicionais onde está integrada a responsabilidade civil; os riscos cobertos pela cobertura base são, entre outros, incêndio, queda de raio e explosão.
Nas Condições particulares da apólice que integram o documento junto aos autos a fls. 49 consta o seguinte:
Cobertura base- € 127.050,00
Máquinas Casco (C.E. 404) € 127.050,00
Responsabilidade civil extracontratual (C.E. 405) € 100.000,00
Constata-se assim que o contrato de seguro celebrado entre as partes apresenta âmbitos de cobertura diferentes: cobertura base (na qual se inclui incêndio); coberturas adicionais (máquinas casco e responsabilidade civil extracontratual). Contemplam-se aqui possibilidades diversas de sinistro, não podendo deixar de concluir-se que as coberturas adicionais representam, como o próprio nome indica, um mais relativamente à cobertura base.
É o artº 3º das condições gerais do contrato de seguro que contempla as exclusões aplicáveis a todas as coberturas, prevendo o artº 4º das condições gerais o âmbito das garantias e as exclusões específicas em cada uma.
Do artº 4º das Condições Gerais do contrato de seguro, consta que o âmbito da garantia por (Cobertura base) Incêndio inclui: os danos directamente causados aos bens seguros em consequência de incêndio, bem como em consequência dos meios empregues para o combater e por calor, fumo ou vapores resultantes imediatamente de incêndio (…) e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento em consequência dos factos atrás previstos; e exclui: os danos causados nos bens seguros cuja explosão originou o sinistro.
Por seu turno, a al. g) do art. 3º das Condições Especiais é aplicável apenas no âmbito da Cobertura Adicional CE- 404 Máquinas Casco, conforme aí é expressamente referido. Desta norma consta que estão excluídos do seu âmbito de cobertura os prejuízos verificados em cabos eléctricos. Esta norma apenas tem aplicação quando o seguro é accionado no âmbito da cobertura adicional “máquina casco” e não no âmbito da cobertura base onde se integra o incêndio.
As situações previstas no mencionado artº 3º das condições especiais pretendem excluir do seguro as chamadas peças, ferramentas ou acessórios susceptíveis de desgaste rápido ou depreciação, pelo seu uso, natureza ou modo de funcionamento, designadamente os que aí contempla expressamente, como os cabos eléctricos. Se se compreende a razão de ser desta exclusão quando o que se se pretende é acionar um seguro derivado de dano ou deficiência da máquina (casco) que é mais susceptível de ocorrer precisamente em peças de desgaste rápido, já a mesma deixa de ter fundamento se está em causa um incêndio que afecta aquelas peças.
Assim, o seguro contra o risco de incêndio contemplado na cláusula 4ª das condições gerais da apólice implica a cobertura de todos os danos causados na máquina por incêndio, sendo-lhe aplicáveis apenas exclusões aplicáveis a todas as coberturas previstas no artº 3º das condições gerais; o artº 3 g) das condições especiais referenciado apenas tem aplicação no âmbito da activação do seguro pela cobertura adicional “máquina casco” e já não pela cobertura base que integra o sinistro de incêndio.
Conclui-se por isso que o contrato de seguro abrange todos os danos causados pelo incêndio, incluindo os referentes aos cabos eléctricos, por não ter aplicação a excepção prevista no artº 3º g) das condições especiais do contrato destinada à cobertura adicional máquina casco, na activação do seguro por incêndio.
- de ser devida pela R. a indemnização decorrente dos prejuízos que correspondem aos danos resultantes do incêndio de acordo com o orçamento efectuado e pela paralisação da máquina.
- dos prejuízos decorrentes da privação do uso da máquina não estarem abrangidos pelo contrato de seguro.
Conclui a sentença sob recurso, de forma que nos parece algo confusa, que a A. não demonstrou que os danos fossem consequência directa do incêndio ocorrido, não se comprovando que tal material tenha sido danificado na sequência do incêndio, referindo, no entanto, que resultou demonstrado que o material descriminado no orçamento a que se alude corresponde ao material afectado na sequência do incêndio ocorrido, cuja reparação/substituição se torna necessária para que a máquina volte a funcionar em condições normais e conforme decorre dos factos provados.
Ora, tal não pode deixar de representar uma contradição entre os fundamentos de facto e a decisão. A partir do momento em que ficou provado que o material descriminado no orçamento elaborado corresponde ao material afectado na sequência do incêndio, cuja reparação ou substituição se torna necessária para que a máquina volte a funcionar em condições normais, não pode deixar de concluir-se que tais danos representam uma consequência directa do incêndio.
 A este respeito não pode deixar de fazer-se um reparo, que resulta da forma pouco rigorosa como são fixados os factos provados na sentença sob recurso (e que em parte resulta da forma como a alegação é feita pelas partes nos seus articulados), do que resulta alguma confusão entre os factos provados e os elementos probatórios dos quais o tribunal se serve para determinar aqueles. Veja-se, desde logo, os pontos 14 a 16 dos factos provados, que se referem ao orçamento elaborado pela C (...)e junto aos autos e os pontos 30 a 41 que se reportam todos eles ao que consta do relatório de peritagem efectuado pela R. e junto aos autos. Ou seja, elenca-se como factos provados não os danos que o tribunal concluiu que se verificaram na máquina decorrentes do incêndio, mas os danos que a C (...)ou os peritos consideraram verificados e que se apresentam como contraditórios, reportando-se cada um destes documentos ao suporte que cada uma das partes apresenta para fazer valer a sua pretensão. Daí decorre uma aparente contradição, que não é real, na medida em que o que consta daqueles pontos de facto não são os danos que o tribunal considerou que efectivamente existiram, mas antes, respectivamente, os danos que a C (...) e o perito da R. entenderam que se verificaram.
Assim, o que o tribunal apurou, de relevante, nesta matéria quanto aos danos que resultaram para a máquina na sequência do incêndio vem referido no ponto 60 dos factos provados, ou seja, que: “o material descriminado no orçamento referido em 14) corresponde ao material afectado na sequência do incêndio ocorrido, cuja reparação/substituição se torna necessária para que a máquina volte a funcionar em condições normais.”
Nesta medida, não pode deixar de concluir-se que os cabos eléctricos em causa, que se encontram descriminados no orçamento, foram afectados e por isso danificados no incêndio ocorrido, tal como as restantes componentes da máquina que daquele constam, correspondendo o seu valor aos prejuízos sofridos pela A. decorrentes do sinistro, susceptíveis de serem indemnizados, nos termos do disposto no artº 562 do C.Civil.
A Recorrente vem também pedir a alteração da sentença na parte em que julgou improcedente o pedido indemnizatório que formula reportado ao prejuízo pela paralisação da máquina.
Por ser turno, a R. Seguradora, na ampliação do recurso que apresenta refere que eventuais danos resultantes da privação do uso não se encontram abrangidos pelo contrato de seguro em questão.
A sentença recorrida considerou a este respeito que a A. não logrou provar nem a paralisação da máquina durante tal período de tempo, nem que tal representou o prejuízo que reclama.
Na verdade, o tribunal considerou, na resposta à matéria de facto, que não resultou provada a matéria contida nos artº 26 e 30 a 32 da petição inicial, designadamente, que a máquina esteve parada e sem efectuar qualquer serviço por mais de 3 meses. Esta avaliação da matéria de facto não foi impugnada pela A.
Pelo contrário, ficou provado que a máquina, mesmo após o incêndio e na sequência de reparação provisório ficou a laborar, ainda que em deficientes condições.
A A. não logrou assim fazer prova de que teve o alegado prejuízo, que reclama, como lhe competia, nos termos do disposto no artº 342 nº 1 do C.Civil.
De qualquer forma e, ainda que algum prejuízo tivesse ficado demonstrado a este respeito, verifica-se que a indemnização de tal dano se encontraria sempre excluída do âmbito do contrato de seguro, por força do disposto no artigo 3º, al. n) das Condições Gerais do contrato de seguro, onde consta como exclusão aplicável a todas as coberturas, os danos que derivem, directa ou indirectamente, de lucros cessantes, perdas de exploração ou outras perdas consequenciais de qualquer natureza.
Nesta parte improcede por isso o recurso da A.
Pelo que ficou exposto, conclui-se que os danos sofridos pela A. na sequência do incêndio ascendem ao valor total de € 17.760,43 que corresponde ao valor do orçamento de reparação da máquina atingida pelo incêndio.
            A responsabilidade da R., por força do contrato de seguro, é a de indemnizar a A. de tal valor, ao qual deve ser deduzida a franquia contratual.
No contrato de seguro ficou convencionado que, em caso de sinistro, o segurado suportará uma franquia correspondente a 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de € 1.000,00 e no máximo de € 2.500,00 (no âmbito das coberturas base e adicional casco) e no mínimo de € 125,00 e máximo de € 500,00 (no âmbito da cobertura adicional de responsabilidade civil extracontratual); assim o valor a deduzir é o de € 1.776,04.
            O valor da indemnização devida pela R. à A. é assim o de € 15.984,39 alterando-se em conformidade a sentença recorrida.
- de serem devidos juros à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.
Entendeu a sentença recorrida não serem devidos juros de mora pelo facto da R. ter emitido o recibo indemnizatório em 09/07/2010, que a A. não levantou, não sendo por isso devidos juros.
Tal corresponderia a motivo injustificado para a recusa da prestação por parte do A.
A recorrente limita agora, no seu recurso, o pedido dos juros de mora à data da citação, ao contrário do que fez na sua petição inicial em que recua tal pedido à data de 01/04/2010 por entender que aí terminou o período de tempo que a R. tinha para proceder ao pagamento da indemnização devida.
Uma vez que como se viu a quantia que a R. se prestou a pagar não correspondia à quantia devida, o que confere justificação à recusa do A. para a aceitar, não pode deixar de considerar-se que a A. tem direito a haver da R. os juros de mora sobre a quantia devida, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, nos termos da previsão do artº 804 nº 1 e 805 nº 1 do C.Civil, julgando-se nesta parte procedente o recurso.
V. Sumário:
1. O recurso da matéria de facto deve ser rejeitada quando o Recorrente não concretiza os meios probatórios que impõem decisão diversa relativamente a cada um dos factos que pretende ver alterados, não efectuando também qualquer correspondência entre os meios de prova e esses factos e nessa medida não observa o estabelecido na lei.
            2. O contrato de seguro, sendo um negócio jurídico formal, rege-se em primeira linha pelas condições que constam da respectiva apólice e implica que na sua interpretação se faça apelo às regras constantes dos art.ºs 236 e 238 do C.Civil.
            VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pela A. parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida e condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 15.984,39 (quinze mil novecentos e oitenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
                                                           *
                                               Coimbra, 10 de Dezembro de 2013


                                               Maria Inês Moura (relatora)
                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)
                                               Luís Cravo (2º adjunto)