Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | OUTSOURCING VÍNCULOS LABORAIS SUBORDINAÇÃO JURÍDICA INTENÇÃO DE DEFRAUDAR A LEI ÓNUS DA ALEGAÇÃO E PROVA | ||
Data do Acordão: | 11/24/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 11.º E 12.º DO CÓDIGO DO TRABALHO, 342.º, N.º 1, E 350.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I – O outsourcing consiste, no seu essencial, na transferência para o exterior da empresa (ou no seu desempenho por outras entidades), de atividades que vinham sendo desenvolvidas por ela própria ou eram por si diretamente geridas. II – Na presença de outsourcing não há, à partida, vínculos laborais que prendam os trabalhadores da entidade prestadora à entidade servida. III – Mas pode ter lugar através de vários modelos e figuras jurídicas - onde se contam, nomeadamente, a cedência ocasional de trabalhadores, o trabalho temporário, a prestação de serviços e a subcontratação. IV – É ao trabalhador que compete, nos termos do artigo 342, n. 1 do Código Civil, o ónus da alegação e prova da intenção defraudativa da lei no momento da celebração do contrato por parte do outro ou outros outorgantes. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO Foi determinada a apensação à ação nº 442/20.... as ações de processo comum com os n.ºs 443/20.... e n.º 444/20..... Autores: - AA, -BB, -CC Rés: - A... S.A, -B... LDA -C..., LDA -D... S.A. -E..., LDA, Pedidos: C.1). Pagar ao autor as diferenças retributivas em que ficou lesado, desde 5 de abril de 1999 e até à presente data, que se computam, de imediato em €182.330,18, sem prejuízo das que posteriormente se apurarão, quando o autor tiver acesso aos documentos em posse das rés. C.2). Pagar ao autor juros moratórios vencidos e vincendos sobre cada uma das rúbricas que integram as diferenças retributivas peticionadas, desde a respetiva data de vencimento, até efetivo e integral pagamento. As rés B..., C..., F... (anteriormente denominadas de G..., Lda. e E... Lda.), A..., S.A. e H..., S.A. (anteriormente denominada D..., S.A.) deduziram contestação. As recorridas C..., LDA, B..., LDA, A..., S.A. e I..., S.A. apresentaram contra-alegações, sustentando em síntese que o recurso deve ser julgado improcedente. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente. Não houve resposta a este parecer. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal de 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma: i) Factos provados: (…). ii) Factos não provados: (…). FUNDAMENTOS DE DIREITO (…). Ora, aqui chegados, e lidos os fatos considerados provados à luz dos critérios acima assinalados, entende-se que os mesmos não nos permitem concluir, conforme já adiantado, pela existência da alegada subordinação jurídica dos autores à ré A..., nem pela invocada fraude à lei. Com as suas particularidades, o caso sub judice, traduz, em nosso entender, uma situação de colaboração interempresarial de carácter estável e duradouro-outsourcing–decorrente de contratos de prestação de serviços celebrados entre a ré A... e as demais rés, que tiveram efetiva e real execução e se configuram como válidos. (…). Assim sendo, face ao que antecedentemente se assinalou, e não se tendo demonstrado a existência da subordinação jurídica dos autores relativamente à ré A... (nem a alegada fraude à lei), indemonstrados estão os invocados contratos de trabalho com esta entidade, pelo que nada é devido aos autores relativamente ao que peticionaram”. Sustentam os autores, ora recorrentes, que vigora entre cada um deles e a recorrida A... um contrato de trabalho. Alegam para tanto e em síntese que no caso sub judice, em qualquer momento desde 1999 e não só durante o período abrangido pela K... ou G..., é inequívoco que: - A beneficiária da atividade dos autores é a primeira ré; - Os equipamentos e instrumentos de trabalho pertenciam à beneficiária primeira ré, eventualmente não todos, quando há equipamentos, empilhadores, tesouras da L... ou da B..., mas a matéria-prima, por exemplo é da primeira ré, tal como o são as torres que se alimentam, os portáteis telefones ou terminais, ou o tablet e computador usado, os autores acedem à intranet da Primeira Ré; - Os autores têm um horário heterodeterminado pela primeira ré, uma vez que é sua a definição de turnos, limitando-se as intermediárias a transmiti-los, salvo quando, como se provou o próprio Eng.º DD transmite esses horários. Mais dizem que os autores têm um contrato de trabalho celebrado com a primeira ré, de forma direta celebrado a 5 de abril de 1999 de forma consensual e até hoje nunca cessado, ou por nulidade dos negócios jurídicos celebrados em fraude à lei de falsas prestações de serviços e de contratos dos trabalhos formais dos autores com as demais rés, apenas para obviar às regras imperativas de direito do trabalho. Porque estão reunidos os pressupostos da existência de contrato de trabalho entre a primeira Ré e os autores, por presunção de laboralidade e também por subordinação jurídica e dependência económica, exercida pela primeira ré, ainda que socorrendo-se de meras intermediárias. Colocada a questão, a mesma consiste em saber se ocorre intermediação fictícia de terceiros, no caso as sociedades recorridas -B... LDA -C..., LDA -D... S.A. e E..., LDA, sendo nulos os contratos celebrados por fraude à lei, encontrando-se os recorrentes vinculados à recorrida A... mediante contrato de trabalho. A exteriorização pode operar-se através de vários modelos e figuras jurídicas, onde se contam, nomeadamente, a cedência ocasional de trabalhadores, o trabalho temporário, a prestação de serviços e a subcontratação. Em traços gerais: -A cedência ocasional de trabalhadores, que se mostra regulada nos artigos 288.º a 293.º do Código do Trabalho “consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial”, traduz-se, por regra, na disponibilidade de trabalhadores, operando-se o desdobramento dos poderes patronais. A cedência ocasional de trabalhadores depende da verificação dos seguintes requisitos: -O trabalho temporário, previsto nos artigos 172.º a 192.º do mesmo diploma legal, pressupõe a existência de empresa de trabalho temporário (ETT), legalmente criada para o efeito, tendo o contrato de trabalho temporário como finalidade principal ou exclusiva a cedência de mão-de-obra. “O trabalho temporário consubstancia-se no âmbito de uma relação laboral triangular ou tripartida, em que a ETT cede à entidade utilizadora um ou mais trabalhadores, a título oneroso e por um período de tempo limitado, para que a última beneficie da força de trabalho destes. A posição contratual da entidade patronal é compartilhada entre uma ETT que contrata, remunera e exerce o poder disciplinar sobre o trabalhador, e uma entidade utilizadora que beneficia da força de mão-de-obra desse mesmo trabalhador que não pertence aos seus quadros, sobre quem exerce poderes de direção e fiscalização do trabalho executado por aquele, pagando uma compensação à ETT cedente.”[1] Refere o Ac. do TRL, de 13-01-2016[2]: “O trabalho temporário, conforme ressalta do seu regime jurídico, pressupõe uma relação tripartida entre, por um lado, a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora do mesmo, e, por outro, um contrato de trabalho a termo certo ou por tempo indeterminado entre aquela primeira entidade e o trabalhador que irá desenvolver a sua atividade no seio da segunda empresa. A prestação de serviços (cujo contrato, segundo o art.º 1154.º do Código Civil, é “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”) traduz-se no facto de a entidade contratada, por regra, se vincular à obtenção de determinado resultado, sendo o prestador de serviços que organiza a atividade dos trabalhadores e exerce os poderes patronais. -A subcontratação, por fim, pressupõe a existência de um contrato (base ou principal) e verifica-se, como refere Romano Martinez, quando um dos sujeitos, parte desse contrato, sem dele “se desvincular e com base na posição jurídica que dele lhe advém, estipula com terceiro, quer a utilização total ou parcial das vantagens de que é titular, quer a execução total ou parcial de prestações a que está adstrito”.[3] Nos casos apontados, os trabalhadores passam a prestar o seu trabalho em benefício de um terceiro, que não é o seu primitivo empregador - operando-se o fracionamento entre a entidade que assume juridicamente a posição de empregador e aquele que é o beneficiário direto da prestação. Quando, porém, a coberto das referidas hipóteses, o trabalhador passa a estar inserido na estrutura orgânica e funcional do beneficiário da prestação laboral, a obedecer às suas ordens e diretrizes, sem que intervenha na modelação contratual a entidade com a qual estabeleceu o contrato de trabalho -em termos de responsabilização laboral, impõe-se analisar a realidade contratual envolvente, e, em concreto, averiguar o modo como é executada a prestação do trabalho a fim de se poder concluir pela existência de trabalho subordinado e eventual fraude à lei. O que implica, desde logo, averiguar da existência da subordinação jurídica (sujeição do trabalhador às ordens e instruções do empregador), por ser esta, como é sabido, o elemento essencial do contrato de trabalho. Definido que se encontra este contrato no art.º 11.º Código do Trabalho, como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. “No contrato de trabalho emerge uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.”[4] É a subordinação jurídica que permite distinguir o contrato de trabalho de figuras próximas, como sucede, nomeadamente, com o contrato de prestação de serviços. Nos termos do art.º 342.º do Código Civil, cabe à parte onerada com a prova, a demonstração dos referidos indícios. Ciente da dificuldade em que se traduz essa prova, o legislador consagrou no art.º 12.º do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade, onde consta: “1-Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”. Basta, pois, a verificação de duas das características integradoras da presunção para que a mesma se mostre preenchida. Não se devendo, contudo, olvidar que se trata de uma presunção “juris tantum”, que pode ser elidida mediante prova em contrário (art.º 350.º n.º 2 do Código Civil). As definições de fraude à lei variam de autor para autor – sendo tradicional a oposição entre conceções subjetivistas e conceções objetivistas. Nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos: «A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo. No modo subjetivo, o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de iludir o mecanismo citado com a providência legislativa de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, não é exigida a imputação subjetiva nem a prova da intenção, de tal modo que, para o juízo da fraude, é suficiente que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei produzir. A diferença está na necessidade da imputação da intenção subjetiva e da sua prova, no modo subjetivo; e na sua dispensa, no modo objetivo.”[5] Um bom retrato do pensamento dominante será a seguinte exposição de Luís Filipe Pires de Sousa, de resto motivada por matéria não contratual: «Seguindo aqui de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8.5.97, o raciocínio pertinente é o seguinte. Na fraude à lei há considerar: -a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); -a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; -a atividade fraudatória pela qual o fraudante procura modelar artificiosamente uma situação coberta por esta segunda regra, e – para muitos autores, pelo menos–uma intenção fraudatória (animus fraudanti). São quatro os elementos constitutivos da fraude à lei que a doutrina costuma destacar: 1) norma fraudada; 2) norma- instrumento; 3) atividade fraudatória e 4) intenção fraudatória.»[6] Muitas outras formulações existem. Na doutrina portuguesa, creio merecerem destaque as apresentadas por Carlos Ferreira de Almeida e por Ana Filipa Morais Antunes. A proposta do primeiro desses Autores arranca de uma análise dos vários tipos de normas que podem ser defraudadas e de vários exemplos de condutas fraudulentas, situando-se num patamar de generalidade que transcende os negócios jurídicos: «Do conjunto destas hipóteses retira-se um conceito mais elaborado de ato ou atividade fraudatória, como manipulação da realidade fáctica ou jurídica, através da criação ou conjugação artificial de factos ou de situações jurídicas, designadamente: criação de aparência de facto ou de direito, através da referência a facto passado ou facto atual inexistente ou a facto futuro, cuja verificação não se pretende; promoção de um facto acessório a principal; cisão artificial de um facto efetivamente unitário; conjugação de uma série de factos jurídicos ou materiais, de tal modo que nenhum deles de per si corresponda à previsão da norma fraudada.”[7] Ana Filipa Morais Antunes propõe como definição de negócio em fraude à lei: “está em causa uma operação negocial complexa, suportada na agregação teleologicamente preordenada de uma pluralidade de negócios jurídicos, individualmente lícitos, que funcionam como meio (através da verificação efectiva e real das suas funções singulares) para prosseguir um resultado final global ilícito, pelo facto de ser equivalente em termos materiais a outro resultado não autorizado pelo Direito. Evidencia-se, assim, uma operação negocial complexa que constitui o veículo formal para satisfazer interesses materialmente equivalentes a outros que o ordenamento jurídico não autoriza, no caso de se eleger um tipo compreendido (directamente ou por analogia) no âmbito de aplicação de certa regra vinculativa. O conceito reclama, portanto, uma pluralidade real e efectiva de negócios, (ii) um encadeamento de negócios em termos teleológico-funcionais, (iii) a licitude de cada negócio isolado numa análise individual, (iv) a prossecução de um resultado final global equivalente em termos materiais a outro não autorizado pelo Direito.”[8] Nas palavras de Ana Filipa Morais Antunes: “«Tem sido reconhecido que a fraude à lei projecta a sua influência no campo da ilicitude. O desvalor jurídico dos actos jurídicos em fraude à lei é fundamentado, em regra, sempre que inexista previsão legal especial, nos artigos 280.º e 294.º do Código Civil. […] Por último, a fraude à lei é reconhecida como uma forma de ilicitude mediata ou indirecta. O desvalor jurídico da fraude à lei é fundamentado normativamente, na ausência de preceitos especiais, nos artigos 280.º, 281.º e 294.º do Código Civil. A inexistência de um preceito comum dedicado à fraude à lei – que, por si só, sempre seria insuficiente para fundamentar uma categoria conceptual -, não tem, pelo exposto, prejudicado a aplicação da figura pelos tribunais portugueses. Em conclusão, a fraude à lei é reconhecida pela literatura jurídica e aplicada pela jurisprudência”.[9] Os tribunais têm-se pronunciado sobre esta temática da seguinte forma: -Ac. do STJ, de 31-10-2007[10]: 1. “Provando-se que os autores prestam a sua actividade nas instalações de determinada empresa, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado, no âmbito de um processo de externalização, entre essa empresa e a empresa com quem os autores tinham celebrado contrato de trabalho e se estiver provado que a sua actividade era dirigida e orientada por um representante desta última empresa, não há fraude à lei.” -Ac. do STJ, de 19-03-2009[11]: 1. Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que o autor não estava vinculado laboralmente à 1.ª ré e que celebrou contrato de trabalho com outras empresas prestadoras de serviços de vigilância e segurança e, posteriormente, com a 2.ª ré, empresa que lhe pagava as remunerações, deve concluir-se, atendendo ao conjunto dos factos provados, que não se fez prova de que a relação material estabelecida entre o autor e a 1.ª ré revestia a natureza de contrato de trabalho”. -Ac. do STJ, de 14-05-2009[12]: VII- “Se o acervo fáctico torna patente que se não figura no caso uma real situação de prestação de serviço à empresa em cujas instalações o trabalhador exerce as suas funções por banda da empresa que com ele firmou o contrato de trabalho, vindo a primeira empresa (e não a segunda) a exercer perante o trabalhador os poderes característicos do empregador no que tange ao exercício de autoridade, direcção, fiscalização e conformação do trabalho, o que se figura é uma cedência de trabalhador. VIII- Só haveria um efectivo outsourcing - com a inerente satisfação, por uma empresa externa, de necessidades que não se prendem directamente com o objecto principal da empresa beneficiária, que aquela empresa externa executaria com trabalhadores a si juridicamente subordinados - se ficasse demonstrado que o autor exerceu a sua actividade profissional nos espaços da beneficiária juridicamente subordinado à prestadora de serviços, e envolvido na execução por esta do serviço a que se obrigou perante aquela.” -Ac. do TRL, de 26-05-2021[13]: II- “Por “exteriorização”, “externalização”, “outsourcing”, “descentralização produtiva”, etc. consiste, no seu essencial, na transferência para o exterior da empresa (ou no seu desempenho por outras entidades), de actividades que vinham sendo desenvolvidas por ela própria ou eram por si directamente geridas. E pode ter lugar através de vários modelos e figuras jurídicas - onde se contam, nomeadamente, a cedência ocasional de trabalhadores, o trabalho temporário, a prestação de serviços e a subcontratação. III- Nos casos apontados, o trabalhador passa a prestar o seu trabalho em benefício de um terceiro, que não é o seu primitivo empregador - operando-se o fracionamento entre a entidade que assume juridicamente a posição de empregador e aquele que é o beneficiário directo da prestação. IV- Quando, porém, a coberto de tais hipóteses o trabalhador passa a estar inserido na estrutura orgânica e funcional do beneficiário da prestação laboral, a obedecer às suas ordens e directrizes, sem que intervenha na modelação contratual a entidade com a qual estabeleceu o contrato de trabalho - em termos de se aquilatar da responsabilidade laboral, impõe-se analisar a realidade contratual envolvente, e averiguar o modo como é executada a prestação do trabalho.” É ao trabalhador que compete, nos termos do artigo 342, n. 1 do Código Civil, o ónus da alegação e prova da intenção defraudativa da lei no momento da celebração do contrato por parte do outro ou outros outorgantes.[14] Atendendo à matéria de facto provada vejamos se assiste razão aos recorrentes, quando concluem pela existência de contratos de trabalho entre si e a recorrida A.... Ou seja, por outras palavras, se os recorrentes desenvolveram as suas funções em contexto contratual fraudulento e em termos subordinados à recorrida A.... - A ré/recorrida A... (então J...) celebrou contratos de prestação de serviços com a K..., Lda., com duração compreendida entre início de abril de 1999 e abril de 2000; com G..., Lda., com duração compreendida entre abril e agosto de 2000; com a B..., Lda., com duração compreendida entre 1/09/2000 e 31/03/2013 e com a C..., Lda., com duração compreendida entre 1/04/2013 e 31/03/2016. Por seu turno, os autores celebraram contratos de trabalho com a ré K... Lda. com duração entre 5/04/1999 e 4/04/2000; com a ré G... com duração entre 5/04/2000 e 1/09/2000 (data em que os autores denunciaram o contrato); com a ré B..., Ld.ª, com duração entre 1/09/2000 e 31/03/2016; com a ré C... Lda., com duração entre 1/04/2013 e 31/3/2016 e com a ré I..., S.A. com inicio a 1/04/2016. Os autores/recorrentes desenvolveram as suas funções nas instalações da recorrida A.... Com efeito, resultou provado que no mês de abril de 1999, os autores iniciaram formação na J... para operador de processo, na área de desintegração de pasta de papel; de comum a todos contratos, o facto de, ao longo do período temporal, definido para vigência de cada um deles os autores prestaram ininterruptamente o seu trabalho, na Seção de Desintegração da Pasta de Papel, nas instalações fabris da J.../A..., em .... Vejamos, porém, como foram exercidas pelos autores/recorrentes as suas funções nas instalações da ré/recorrida A.... Enquanto exerceram funções nas instalações da ré A... os autores receberam ordens e instruções das rés empresas de prestação de serviços. Com efeito, resultou provado que recebiam instruções exclusivamente das rés empresas prestadoras de serviços, por intermédio ou da sua gerência, do gestor de contrato e do respetivo supervisor de turno; sendo exclusivamente as rés empresas prestadoras de serviços quem organizava o trabalho dos autores e seus colegas, quer no que concerne a horários, tempos de trabalho, faltas, licenças, férias, atividade e tarefas concretamente a executar, bem como em todos os demais aspetos inerentes à relação de trabalho. No caso concreto dos autos, a inserção dos autores na estrutura organizativa das rés/recorridas (empresas prestadoras de serviços) é bem patente, pois prestavam as suas atividades integrando as equipas técnicas constituída por trabalhadores daquelas. Com efeito, resultou provado que a execução dos serviços era exclusivamente efetuada com recurso aos próprios meios humanos, equipamentos e maquinaria dessas empresas, tudo traduzindo uma estatura organizativa autónoma. No que diz respeito à remuneração mensal dos autores, acrescida de demais créditos laborais, desde abril de 1999 e até ao momento presente, nunca foi paga pela A..., mas sim pelas entidades que, figuraram, neste período temporal, como suas entidades patronais, as K... ou G..., B..., L... e D.... Importa ainda, trazer à colação outros factos que se provaram: -A formação dos autores de operador de processo da área da desintegração teve a duração de cerca de um mês. -A evolução profissional do trabalhador depende de uma avaliação positiva do empregador. -A primeira ré não procedeu à avaliação dos autores. -os AA utilizavam fardamento dos prestadores de serviços. -Não foi distribuído aos autores fardamentos e/ou autorizados a utilizar meios próprios da J.... -Aos autores nunca foi atribuído qualquer documento de identificação J... e o seu acesso ás instalações fabris sempre foi única e exclusivamente, na sua qualidade de trabalhadores de prestadoras de serviços. -Os autores tinham conhecimento de que as rés prestadoras de serviço eram as suas empregadoras e eram estas, na pessoa dos seus superiores hierárquico a quem se dirigiam. -À J... competia-lhe, única e exclusivamente, fiscalizar a execução prática dos serviços para averiguar da conformidade destes com o contrato de prestação de serviços, com a única finalidade de assegurar o cumprimento de todas as obrigações contratualmente estabelecidas. -As rés K..., G..., B... e L... não é, não era, nem são, empresa(s) de trabalho temporário. -As rés K... ou G..., a B... e a L... não são sociedades jurídica ou financeiramente associadas ou economicamente interdependentes, nem mantêm estruturas organizativas comuns com a A.... -A ré D... não é uma empresa de trabalho temporário. Concluímos, afirmando que não resultou demonstrado a existência da subordinação jurídica dos autores/recorrentes relativamente à ré/recorrida A... (nem a invocada fraude à lei), pelo que não se provaram os invocados contratos de trabalho com esta entidade, e assim sendo, nada é devido aos recorrentes relativamente ao que peticionaram. Na linha desta fundamentação, a apelação tem de ser julgada improcedente, com a consequente, confirmação da sentença recorrida.
Sumário (art.º 663º, nº 7, do CPC): (…).
DECISÃO Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente ação, e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas a cargo dos apelantes, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC. Coimbra, 24 de novembro de 2023 Mário Rodrigues da Silva- relator Joaquim Felizardo Paiva- adjunto Paula Maria Roberto- adjunta Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original
|