Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1047/15.8T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
RESOLUÇÃO
INEXIGIBILIDADE
OBRAS
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JL CÍVEL E TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA - 3ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 802, 1043, 1054, 1056, 1073, 1083, 1101, 1103, 1110 CC, DL Nº321-B/90 DE 15/10, LEI Nº 6/2006 DE 27/2.
Sumário: I – Uma declaração dirigida ao arrendatário onde, além de se reportar a outros assuntos, o senhorio faz referência à faculdade legal de denunciar o contrato e onde diz ser sua intenção proceder a tal denúncia, mas sem afirmar que a está a efectuar e sem fazer qualquer referência à data em que ela deveria operar os seus efeitos, não pode ser considerada como efectiva denúncia para o efeito de poder vir a operar a cessação do contrato em determinada data.

II – A previsão das diversas alíneas do nº 2 do artigo 1083º do CC não pode ser dissociada do requisito geral que consta do corpo desse número (inexigibilidade, ao senhorio, de manutenção do contrato por força da gravidade ou das consequências do incumprimento do arrendatário), porque é este requisito que permite distinguir as situações de incumprimento cuja gravidade justifica a resolução do contrato das situações de incumprimento que, pelo seu carácter isolado ou pela sua irrelevância ou insignificância, não poderão ter idoneidade, em face dos princípios gerais de Direito e das regras de boa-fé, para determinar a cessação da relação contratual.

III – Daí que a mera constatação de uma situação enquadrável na previsão das referidas alíneas não baste para conferir ao senhorio o direito de resolver o contrato.

IV – Estando em causa um arrendamento que incidia sobre dois espaços com diferentes finalidades (barbearia e quiosque) que, com o consentimento do senhorio, foram unificados com a demolição da parede que os dividia, a circunstância de todo o espaço ter passado, desde então e há mais de trinta anos, a ser utilizado apenas para uma daquelas finalidades (quiosque) não configura incumprimento com gravidade e relevância suficientes para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato e para justificar a resolução do contrato à luz do disposto no artigo 1083º, nº 2, alínea c).

V – Também não configura incumprimento com gravidade e relevância suficientes para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato e para justificar a resolução do contrato à luz do disposto no artigo 1083º, nº 2, a realização de uma obra (colocação de placa de cimento sobre o soalho original) pela arrendatária sem o consentimento do senhorio se, não obstante o facto de essa obra ter sido realizada há mais de 20 ou 25 anos, o senhorio nunca reagiu e nunca manifestou – expressa ou tacitamente – qualquer intenção de fazer cessar o contrato com base nesse facto.

VI – A circunstância de o arrendatário não desocupar o estabelecimento na sequência das pretensões que, nesse sentido, eram formuladas pelo senhorio com vista à realização de obras mas sem indicação da data ou momento do seu início e sem qualquer outra indicação que apontasse para a intenção de iniciar as obras em determinado momento não configura oposição relevante para o efeito de poder fundamentar a resolução do contrato com fundamento no disposto no artigo 1083º, nº 2 e nº 3, do CC; para que se configure tal oposição é necessário que seja comunicado ao arrendatário a data e o momento previstos para o início das obras e é necessário que, na posse dessa informação, o arrendatário, sem motivo legítimo, impeça a realização das obras, recuse a colaboração devida ou recuse desocupar o locado quando tal desocupação é necessária à realização dessas obras.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

J (…) e R (…) (entretanto falecidos e agora representados pelos seus sucessores, devidamente habilitados, M (…) e J (…)), residentes (…) , instauraram acção contra J (…), Ldª, com sede (…) , pedindo que seja declarada a cessação de um contrato de arrendamento celebrado com a Ré e que tem como objecto o prédio que identificam e que é propriedade dos Autores e que, em consequência, a Ré seja condenada a restituir de imediato o locado, livre e desocupado, e a pagar-lhe as rendas vencidas e vincendas até ao momento da restituição. Mais pedem que a Ré seja condenada a pagar os prejuízos causados com o custo excedentário à mera manutenção do locado no montante de 3000,00€, as despesas que o A. teve de fazer com licenciamentos desnecessários e até duplicados (projecto mais certificação) no valor de 1250,00€ e uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 5000,00€.

Alegam, em resumo, para fundamentar a sua pretensão: que a Ré realizou obras não autorizadas e afectou o locado a fim diverso do contratualizado na medida em que demoliu a parede divisória dos dois estabelecimentos que aí funcionavam (uma barbearia e um quiosque), eliminando a barbearia; que, sem autorização do senhorio, a Ré cobriu o chão (originalmente de soalho de madeira) por uma camada de cimento/betão o que causou o abatimento de cerca de 5 cm do chão do estabelecimento e, não obstante as solicitações efectuadas, a Ré não encerrou e não disponibilizou o estabelecimento para a realização das obras necessárias, o que obriga a despesas acrescidas com as obras e que, em face disso, o Autor sofreu aborrecimentos e arrelias com o receio constante de se ver confrontado com pessoas feridas em virtude dum eventual colapso do chão.

Sustentando que os factos descritos constituem fundamento para a resolução do contrato, declaram, cautelarmente, que a Ré fica notificada da oposição à renovação do arrendamento, nos termos do nº 2, do art.º 1110 do Código Civil, dizendo que a presente acção, através da citação, deverá ainda ser tida pelo réu como notificação para denúncia do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1103.º do CC, que se basta agora com uma notificação menos solene do que a citação, por ser desnecessário, para a denúncia, a acção judicial, bem como a notificação, por força do preceituado no art.º 1110º do CC.

A Ré contestou, alegando, em resumo: que não procedeu a qualquer alteração do estabelecimento desde que iniciou a sua exploração em Outubro de 2009, sendo que nessa data já não existia a barbearia e, segundo sabe, a eliminação da divisória que existia e a eliminação da barbearia ocorreram em 1986 e com autorização do senhorio; que a anomalia do pavimento foi causada pela actuação dos Autores que, em tempos, cortaram a trave que, na cave do estabelecimento da Ré, passava encostada à parede interior do seu prédio, em duas partes de forma a, entre elas, formarem um alçapão, removendo a parede interior que ajudava a suportar as cinco traves que lá existiam e que serviam de suporte ao chão; que nunca se opôs à realização de obras, sucedendo apenas que os Autores nunca lhe comunicaram uma data precisa para o início e o termo das obras e nunca mostraram disponibilidade para acordar com a Ré os termos de realização dessas obras e a conciliação dessas obras com o funcionamento do estabelecimento, ainda que num outro local, como a Ré chegou a propor.

Com estes fundamentos e invocando ainda a caducidade do direito à resolução do contrato, conclui pedindo a procedência desta excepção e, em qualquer caso, a improcedência da acção.

Os Autores responderam, sustentando a improcedência da excepção invocada.

Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

No início da audiência de discussão e julgamento, os Autores formularam o seguinte requerimento:

--- A autora requereu a acção de despejo com os fundamentos nucleares, constantes da presente acção e que consistem na utilização da fracção barbearia para outra actividade (venda de jornais e recordações) e a realização de obras sem autorização do senhorio nomeadamente a substituição do sobrado sem autorização do senhorio e a feitura de uma casa de banho).

--- Como resulta do documento nº 4 junto ao processo, o senhorio/autor, por carta, notificou o arrendatário para que decorrido o prazo prescrito na lei após a transmissão das quotas para os actuais sócios, em mais 50%, tinha intenção de, após o decurso do prazo, fazer cessar o arrendamento, denunciando-o.

--- É o que dispõe o artº 28, nº 3b) da lei 6/2006 na redacção actual em conjugação com o artigo 1101º do CC.

--- Por sua vez o artº 1086º do C.Civil cumula a resolução do contrato de arrendamento, em causa na presente acção, com a denúncia ou oposição à renovação, como se pretende agora com o presente requerimento. Este artigo, 1086º, certamente por razões de simplicidade e economia processual, autoriza mesmo a discussão destas questões mesmo após a decisão de resolução.

--- Competirá naturalmente a V. Exª definir a prioridade da discussão em audiência, matéria que irrevante para os autores.

--- Requer-se assim nestes termos, também por esta outra razão, a cessação de contrato, com fundamento em denúncia unilateral do senhorio por ter decorrido o prazo de 5 anos após a transmissão das quotas e pretender exercer tal direito”.

A Ré respondeu, sustentando que tal cumulação do pedido não deve ser admitida e, caso seja admitida, o pedido deve ser julgado improcedente.

Alega, para tanto, que o teor do documento n.º 4 junto com a p.i, não preenche os pressuposto exigidos pelas normas legais que o regulamentam, pois, não o expressa inequivocamente e de modo a poder ser entendido como uma denúncia pela comum das pessoas, já que não refere a data da cessação do contrato com a denúncia e obrigação de entrega do locado, não passando aquela carta de um conjunto de ameaças sem fundamento. Mais alega que, à data do envio daquela carta, o senhorio, nos arrendamentos para fins não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, não gozava do direito de denúncia livre; tal direito só lhe era conferido quando se verificasse alguma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 28º da Lei 6/2006 e desde que observasse um prazo de pré-aviso de 5 anos, em relação ao momento em que produziria o efeito extintivo e o Autor não respeitou o prazo que os normativos legais exigem.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos:

A) Declaro a cessação, por denúncia, do contrato de arrendamento referido em B) dos factos provados e decreto o consequente despejo da ré “J (…) Lda.”, do prédio locado referido em A) dos factos provados;

B) Condeno a Ré “J (…), Lda.” a restituir o locado aos Autores J (…) e esposa R (…), livre e desocupado, e a pagar-lhes as rendas vencidas e vincendas até ao momento da restituição do locado;

C) Absolvo a ré “J (…), Lda.”, do demais peticionado pelos autores J (…) e esposa R (…)”.

Discordando dessa decisão, a Ré, J (…), Ldª, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Os Autores apresentaram contra-alegações e interpuseram recurso subordinado.

Em sede de contra-alegações, formulam as seguintes conclusões:

(…)

Relativamente ao recurso subordinado, formulam as seguintes conclusões:

(…)


/////

II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se deve ser alterada a decisão que julgou provado o facto constante da alínea J) da matéria de facto provada;

• Saber se a comunicação constante da alínea J) reúne os requisitos necessários para valer como denúncia do contrato e para operar a cessação do contrato em determinada data e se tal denúncia – a ter existido – é nula por não ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção;

• Caso se entenda que o contrato foi efectivamente denunciado, saber se, nos termos do disposto a art.º 1056 do C.C., ele deve considerar-se renovado nas condições do art.º 1054º, nº 2, pelo facto de a Ré ter continuado no gozo do locado, sem oposição dos Autores, desde a data em que a denúncia teria operado até à formulação do pedido em 24/05/2017;

• Saber se há fundamento para resolver o contrato com algum dos seguintes fundamentos: a) uso do prédio para fim diverso daquele a que se destinava; b) realização de obras sem o consentimento do senhorio, mais concretamente, a sobreposição de uma placa de betão em cima de um pavimento de soalho de madeira ou c) utilização imprudente do locado em virtude de a arrendatária se ter oposto (nunca disponibilizou), mesmo com datas várias propostas, a abandonar o local para que as obras pudessem ser efectuadas.


/////

III.

Matéria de facto

A Apelante impugna a decisão que julgou provado – sob a alínea J) – que a carta aí mencionada foi enviada com aviso de recepção, argumentando que não existe qualquer prova nos autos desse facto, apenas existindo nos autos um simples talão do registo em cujos serviços especiais não se encontra assinalada a quadrícula relativa ao envio do A/R. (cfr. doc. 4 junto pelos AA).

Assiste razão à Apelante.

A carta mencionada na citada alínea corresponde ao documento nº 4 junto com a petição inicial e, ainda que no teor dessa carta se diga “Carta registada com aviso de recepção”, a verdade é que não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo de que assim tenha sucedido. Com efeito, se é certo que tal aviso de recepção não foi junto aos autos, também é certo que o talão de registo anexado a essa carta não faz menção a aviso de recepção.

Não existe, portanto, qualquer prova de que a carta tenha sido enviada com aviso de recepção.

E não se diga – como dizem os Apelados – que estava admitido por acordo das partes que a carta havia sido enviada com aviso de recepção, porque os Autores nunca alegaram esse facto. Os Autores aludiram a essa carta na sua petição mas nunca alegaram que ela havia sido enviada por carta com aviso de recepção e o mesmo aconteceu no requerimento que efectuaram na audiência de julgamento por via do qual pediram, com fundamento nessa carta, que se declarasse a cessação do contrato por denúncia e o documento que juntaram aos autos para atestar o envio dessa carta, além de não incluir qualquer comprovativo de que tenha sido enviada com aviso de recepção, aponta no sentido de ele não ter sido enviado uma vez que não lhe é feita referência no talão de registo como era normal que acontecesse.

Altera-se, portanto, a citada alínea J), eliminando a referência feita ao aviso de recepção e aludindo apenas ao facto de ter sido registada.   

Assim e tendo em conta a alteração efectuada, a matéria de facto provada é a seguinte (matéria de facto que tentámos reorganizar, na medida do possível, por ordem lógica e cronológica com vista a facilitar a sua leitura, com atribuição de nova numeração e indicando entre parêntesis a alínea sob a qual figurava na sentença recorrida):

1. (A) A propriedade do prédio urbano sito no (...) , (…) , (...) , registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) /19961212, com as matrizes n.º (...) e (...) , mostra-se registada a favor dos Autores, conforme documento junto aos autos a fls. 20 e 21 cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. (Artigo 1º da Petição Inicial)

2. (AD) A Ré é uma sociedade comercial por quotas que gira com o nome de “J (…) Lda.”, com sede no (…)freguesia de (...) ( (...) e (...) ), com o n.º de matrícula (...) /750530, a fls. 69V-C1, da Conservatória do Registo Comercial de (...) me n.º de pessoa colectiva (…), conforme documento junto aos autos a fls. 70 a 76, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

3. (AE) Tem por objecto o “Comércio de jornais, revistas, livros, tabacos, papelaria e indústria de barbearia, ou qualquer outro ramo de comércio ou indústria.”, conforme documento junto aos autos a fls. 70 a 76, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

4. (AF) Por escritura pública denominada “Cessão de Quotas e Alteração Parcial de Pacto” lavrada no Cartório Notarial de (...) , a 06/10/2009 e aí exarada de folhas 70 a 71, no Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 128-E, rectificada por escritura outorgada a 15/102009, os actuais representantes da Ré adquiriram a totalidade das quotas da sociedade com a designação de “ J (…) Lda.”, sendo cedentes J (…) e J (…)  e mulher P (…), conforme documento junto aos autos a fls. 95 a 102, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzidos

5. (AG) Que, por sua vez, por escritura pública, datada de 28/02/2002, lavrada no Cartório Notarial de (...) , e aí exarada a folhas 41 a 42 do livro de escrituras n.º 55-D, lhes haviam sido cedidas pelos quatro sócios E (…) e esposa R (…) e os representados daquele, P (…) e M (…) conforme documento junto aos autos a fls. 103 a 105, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

6. (B) Quando os Autores adquiriram, há mais de 40 anos, o prédio urbano descrito em 1.(A), este já se encontrava onerado com um acordo mediante o qual a Ré fruía de dois estabelecimentos comerciais, sitos no rés-do-chão, que vinham laborando à data. (Artigo 2º da Petição Inicial)

7. (C) Mediante o pagamento de uma renda mensal. (Artigo 4º da Petição inicial)

8. (D) Nessa data, nos locais arrendados explorava uma barbearia e um lugar de vendas de jornais e revistas (vulgo quiosque). (Artigo 3º da Petição Inicial)

9. (E) A Ré demoliu a parede que dividia os dois estabelecimentos comerciais. (artigo 5º petição inicial)

10. (F) E deles fez um só, eliminando a barbearia, que deixou de existir. (Artigo 5º da Petição Inicial)

11. (G) O facto referido em 10.(F) ocorreu sem autorização do Autor. (Artigo 6º da Petição Inicial)

12. (AM) A actividade da indústria de barbearia deixou de ali ser exercida, desde Agosto de 1986, dando lugar a que todo o espaço passasse a ter a configuração actual e cujo fim, à excepção da barbearia, passou a ser o aludido em 54.(AJ); (artigo 20º da contestação)

13. (AK) A 5-08-1986, entre o sócio/ gerente E (…)e o Autor marido foi celebrado, por escrito, um acordo onde o senhorio J (…), aqui Autor, declarou: “Declaro que me comprometo a quando o Senhor E (…) resolver unir a Tabacaria e jornais à Barbearia que possui, o pode fazer autorizado agora por mim, nesta altura de o fazer, ficará a pagar 5.000$00 em vês de 2.000$00 que paga actualmente pela dita barbearia. Assim entrando de acordo de ambas as partes. (...) 5-08-1986”, seguindo-se-lhe as assinaturas de ambos., conforme documento junto aos autos a fls. cujo teor se dá aqui por reproduzido”, o que lavraram em papel selado. (artigo 14º da Contestação)

14. (AL) Os Autores sabem bem e disso têm plena consciência, ter a parede de madeira divisória do espaço do estabelecimento sido removida com seu conhecimento e autorização prestados por escrito, mediante o acordo de Agosto de 1986 referido em 13.(AK). (artigo 19º da contestação)

15. (H) Os Autores insistiram, por diversas vezes, a partir do ano de 2006, que não consentia em tais modificações dos locais arrendados, nem, tão pouco, na utilização do locado para um fim diverso daquele a que se destinava. (artigo 6º da petição inicial)

16. (AX) O Autor comunicou à Ré, por carta registada, datada de 10 de Setembro de 2006, que “chegou ao meu conhecimento que no estabelecimento comercial arrendado deixou de laborar a barbearia, fim a que se destina o arrendamento.

Nunca dei autorização para esta alteração do destino da coisa arrendada, como aliás o comprovam os recibos de arrendamento que mensalmente emito.

Assim, notifico-os, formalmente, de que devem passar a exercer naquele estabelecimento, exclusivamente, o negócio de barbearia. (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 108, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

17. (AZ) Na resposta, o então sócio e gerente da Ré, J (…) respondeu igualmente por carta registada onde disse: “Recebi no p. p. dia 11 a sua carta e fiquei surpreendido com o seu conteúdo.

A cessão de quotas da sociedade (…) foi formalizada no dia 28 de Fevereiro de 2002 (…).

Foi-lhe dado conhecimento da cessão de quotas.

Logo a seguir a tal aquisição de quotas, veio V. Exª, na qualidade de senhorio, por várias vezes veio ao estabelecimento tentando proceder a um aumento extraordinário da renda.

Esteve dentro do estabelecimento e verificou o estado em que o recebi, o que tudo sucedeu há mais de 3 anos.

Fui informado pelos cedentes das quotas que o senhor os tinha autorizado, em Agosto de 1986, a dar ao local da venda dos jornais o aspecto e as dimensões que, hoje, possui e tal e qual me foi cedido; acordo feito pelos senhores, mediante a contrapartida de a renda de então passar de 2.000$00 para 5000$00 (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 109 e 110, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

18. (I) A Ré não repôs a parede que dividia os dois estabelecimentos, nem a barbearia, mantendo-se a situação. (artigo 7º da petição inicial)

19. (J) Por carta registada, datada de 18 de Outubro de 2009, os Autores comunicaram à Ré o seguinte:

Tomei conhecimento da carta de V. Exas, datada de 6/10/2009, que agradeço.

Sobre o seu teor informo o seguinte:

Nos termos do NRAU (Lei 6/2006), a transmissão de posições sociais que determinem a alteração de mais de 50% da titularidade do capital social dá ao senhorio a faculdade de denunciar o contrato de arrendamento a prazo de 5 anos.

É minha intenção proceder a essa denúncia.

Independentemente da situação acabada de referir, a cessão de quotas permite ainda a imediata actualização da renda.

Finalmente, dou conhecimento aos cessionários que a Firma “J (…) Lda” apesar de já notificada, ainda não repôs a situação arrendatícia que está contratualizada, ou seja a reposição do objecto comercial barbearia num dos estabelecimentos. Há dois estabelecimentos comerciais arrendados, um de barbearia outro para venda de jornais, conforme consta dos recibos de renda.

Dado tratar-se de um facto continuado, que ainda se mantém – não reposição da barbearia – comunico a necessidade, como sucessores, de darem cumprimento a esta obrigação legal.”, conforme documento junto aos autos a fls. 24 e 25, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

20. (AN) Os sócios da Ré deram-se conta de uma pequena anomalia do pavimento localizado junto à parede separadora da Papelaria H(…), e só aí, consistindo numa pequena cedência de 3 ou 4 centímetros junto ao local onde está a fotocopiadora. (artigo 28º da contestação)

21. (AO) Foram informados, entretanto, da existência de uma cave escavada e localizada, sensivelmente até ao meio do seu estabelecimento, no prolongamento da formada também por baixo da papelaria H (…). (artigo 29º da contestação)

22. (AP) A servir de suporte ao chão ou pavimento do estabelecimento da Ré e da Papelaria H (…), existiam cinco fortes e potentes traves de madeira, com perímetro cada uma de 50 a 90 cm, orientadas no sentido horizontal, apoiadas, ainda, numa parede, supõe-se de tijolo, esta orientada na vertical - sentido (...) interior do edifício - e, sensivelmente, junto à divisória daquela papelaria. (artigo 30º da contestação)

23. (AQ) Sensivelmente, ao meio e no alinhamento da porta esquerda, atento o sentido de quem está voltado para o estabelecimento da Ré, as traves assentavam no maciço e aí terminando a cave. (artigo 31º da contestação)

24. (AR) No seguimento da informação tomaram conhecimento que, no tempo da anterior gerência do sócio J (…), os Autores, ou com o consentimento destes, tinham cortado a trave que, na cave do estabelecimento da Ré, passava encostada à parede interior do seu prédio, em duas partes de forma a, entre elas, formarem um alçapão, bem como, haviam removido a parede interior que ajudava a suportar as cinco traves. (artigo 32º da contestação)

25. (AS) Mais soube que o dito alçapão se destinou a permitir o acesso dos Autores àquela cave através dum compartimento de seu prédio e vice-versa. (artigo 33º da contestação)

26. (AT) Foi a descrita conduta dos Autores quem causou aquela anomalia da pequena cedência do chão do estabelecimento da Ré, mesmo junto à linha divisória da papelaria H(…) e por arrastamento do chão desta. (artigo 34º da contestação)

27. (AU) O abatimento descrito, por mínimo que foi e restrito ao local indicado, deveu-se, pois, exclusivamente à actuação dos Autores por nenhumas obras a Ré lá ter efectuado ao contrário do alegado. (artigo 35º da contestação)

28. (K) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 26/11/2009, a Ré comunicou ao Autor que “o chão da loja está a ceder, já cedeu cerca de 5 cm. Agradecia a resolução do problema o mais breve quanto possível.”, conforme documento junto aos autos a fls. 26, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

29. (L) O Autor, preocupado, solicitou imediatamente a opinião de um técnico de construção civil para avaliar a situação. (artigo 13º petição inicial)

30. (M) Tendo tal técnico verificado que o chão, originalmente soalho de madeira, havia sido coberto com uma camada de cimento /betão de cerca de 10 a 15 cm de espessura. (artigo 14º petição inicial)

31. (N) Esta cobertura de cimento/ betão foi justaposta ao soalho original, que ainda lá se encontra como “forro” do cimento. (artigo 15º petição inicial)

32. (O) A placa sobre o sobrado foi feita pela Ré e sem autorização dos Autores. (artigo 16º petição inicial)

33. (AV) O piso existente no estabelecimento da Ré foi colocado há mais 20 ou 25 anos, como o revela o seu estado de uso, é bem conhecido dos Autores que lá foram dezenas de vezes. (artigo 36º da contestação)

34. (P) Os Autores responderam a tal comunicação por carta datada de 29/11/2009 e recebida no mesmo dia, onde declara “Contactou-me ontem o actual o Sr. F (…), gerente, dando-me conhecimento do abatimento em alguns centímetros do “chão” do estabelecimento, visível na zona junto ao Balcão.

Pareceu-me uma situação perigosa e, por isso, mesmo sendo sábado chamei um técnico de construção civil para verificar a situação.

Diz-me o técnico que a razão do abate decorre do facto de terem feito uma placa de betão de 10 a 12 cm de espessura por cima do soalho que lá estava e está, tendo apenas como suporte o mesmo soalho. Ora, em tal circunstância, o abatimento da placa é inevitável. A insegurança é total, podendo desabar a qualquer momento.

Desta forma, não tendo o estabelecimento qualquer segurança deverá encerrar imediatamente, para que sejam efectuadas as obras necessárias. (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 27, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

35. (Q) L (…), funcionário dos Autores, declarou, por escrito datado de 2/12/2009 que “O Sr. F (…) pediu-me para colocar escoras por debaixo da placa que está com muito declive pelo seu peso excessivo. Disse-lhe que as escora e o serviço que me pediu para fazer não dão a segurança necessária para que o estabelecimento funcione. Não me responsabilizo com este trabalho que a placa não venha a cair por si, visto que o peso da mesma é muito elevado.”, conforme documento junto aos autos a fls. 331, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

36. (R) Por despacho de 14/12/2009, comunicado o ao Autor no mesmo dia, a Câmara Municipal de (...) comunicou ao Autor que “O requerente na qualidade de proprietário do imóvel sito no (...) , nº 4 e 8 (…) remete cópia da minuta por ele enviada ao gerente da Sociedade J (…), Lda, entidade exploradora do seu estabelecimento.

No seu conteúdo é referido que o estabelecimento não oferece condições de segurança, atendendo à construção de uma placa de betão com 10/15 cm, sobre o soalho em madeira existente, que originou o abatimento do piso.

Tal facto foi verificado pelos Serviços de Fiscalização, no entanto para determinar as condições de segurança do prédio e as medidas a adoptar o exponente deve requerer uma vistoria a realizar por 3 técnicos.”, conforme documento junto aos autos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

37. (S) Por carta datada de 14/12/2009, o Autor comunicou à Câmara Municipal de (...) “Recebi a informação nº 5377 do Sr. Chefe de Divisão do Urbanisto e Desenvolvimento Económico, com uma informação técnica, onde me comunicam que os serviços de fiscalização, para determinarem as condições de segurança e as medidas a adoptar necessitam que o requerente solicite uma vistoria por 3 técnicos.

Com o devido respeito, o assunto não foi devidamente entendido. O signatário não requereu nada, nem tem intenção de requerer. O signatário limitou-se a dar conhecimento à Câmara de uma situação existente num prédio seu, sobre o qual já tomou posição junto do arrendatário, cuja foi a de encerrar o estabelecimento, por entender que ele faz perigar os utentes, quer os arrendatários, quer o público em geral. (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 32, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

38. (T) Por carta datada de 17/5/2010, o Autor comunicou à Ré que “Na sequência do pedido que fiz à Câmara Municipal por causa da insegurança do estabelecimento no que respeita ao chão, (..) Recebi agora o seu resultado onde me confirmam a necessidade de obras, notificando para as efectuar (…)

Assim notifico-o para que encerre o estabelecimento a fim de poder efectuar as referidas obras. (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 36, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

39. (AY) Por carta datada de 3/7/2010, a ré comunicou à Câmara Municipal de (...) o seguinte: “Caso a segurança efectiva do edifício (…) esteja de facto e de verdade em causa, a Sociedade arrendatária não se opõe às obras.

A sociedade signatária interroga-se se, perante tal cenário, todos os inquilinos do edifício não deveriam igualmente ser notificados, o que, é certo, não aconteceu.

O que se pede aos serviços da Câmara e seu Executivo é que não cedam, com facilidade, às pretensões do proprietário/senhorio, pois, foi ele e só ele o causador da situação existente.

A situação existente resultou de obras clandestinas cujos fins se desconhecem mas supõe nada terem tido a ver com a segurança do edifício (…)

Por estar ciente de que estes são os propósitos que movem o infractor espera a sociedade arrendatária exige a este:

a) Apresentação de projecto de arquitectura sujeito a licença donde constem, de forma rigorosa e precisa, as obras a efectuar, o tempo previsível da sua realização (…)

b) Que não fique ao critério e arbítrio do senhorio o termo e conclusão das obras, impondo-se-lhe um prazo (…)

c) que essa Câmara não permita que as obras a efectuar sirvam de pretexto ao proprietário para, através delas, conseguir uma resolução ou cessação contratual (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 112 e 113, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

40. (U) O Autor, foi insistindo com o município, indo mesmo ao ponto de o responsabilizar caso acontecesse algum acidente com a queda do sobrado, por entender que o município, como entidade licenciadora do funcionamento dos estabelecimentos comerciais, tinha o dever de mandar encerrar o local, para obras, por falta de segurança, conforme documento junto aos autos a fls. 37 a 39, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. (artigo 26º da petição inicial)

41. (V) Dado tratar-se de um zona protegida pela (...) de (...) , o licenciamento das obras passou necessariamente por várias entidades, o que fez com que o processo de licenciamento fosse mais longo, embora acabasse por ser deferido. (artigo 27º da petição inicial)

42. (W) O Autor apresentou um projecto para as obras, sendo notificado pelo Município, por carta datada de 21/8/2014, para proceder ao levantamento do respectivo alvará e efectivação das mesmas no prazo de 60 dias. (artigo 28º da petição inicial)

43. (X) A notificação informava ainda “entendemos que deve ser encerrado o espaço comercial em causa, até à execução dos trabalhos enunciados no auto de vistoria, por forma a garantir a segurança de pessoas e bens (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 41, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

44. (AW) Antes da missiva referida em 43.(X), os Autores nunca comunicaram à Ré uma data precisa para início e término das obras a efectuar. (artigo 40º da contestação)

45. (X) O Autor, por carta de 1/9/2014, notificou o arrendatário disto mesmo e sugeriu-lhe várias datas para início das obras. (artigo 30º petição inicial)

46. (AZ) Por carta datada de 10/9/2014, a Ré comunicou ao Autor “Comunico a recepção da carta de V. Exª com data de 1/9/2014.

Como é do seu conhecimento o Senhor P (…) foi agente activo em causar a situação em que se encontra o arrendado, ao cortar, como cortou, a trave mestra para abrir um alçapão de acesso à cave e, ainda ter eliminado a parede de bloco que suporte às traves. (…)

Foi aquele comportamento de alguns anos que pôs em risco a segurança de bens e pessoas (…)

Não me oponho, nem poderia à realização de obras, visto que as mesmas são efectivamente necessárias, por razões de arte e cautela.

Todavia, e como é do conhecimento de V. Exª, aquele estabelecimento comercial é o meu ganha-pão, pelo que a desocupação do mesmo, embora só por um mês, traz-me prejuízos avultados. (…)

Ora, nos termos legais, designadamente, de art. 26º do Dec. Lei 157/2006 na redacção dada pelo DL 306/2009 e Lei 30/2012 esta situação obriga o “senhorio a garantir o realojamento do arrendatário por esse período (…)

Ora, V. EXª é também proprietário das antigas instalações do Banco Montepio e estas se encontram desocupadas, aproveito para lhe sugerir, me seja facultado instalar-se aí, provisória e temporariamente, até à conclusão dos trabalhos (…)” conforme documento junto aos autos, a fls. 115 e 116, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

47. (Y) O projecto elaborado teve um custo de €750 e a certificação do técnico tive um custo não concretamente apurado. (resposta restritiva ao artigo 40º da petição inicial)

48. (Z) O Autor vai ter de despender nas obras uma quantia superior àquela que despenderia com a mera substituição do sobrado, sendo que esta obra rondaria apenas os €2.000. (resposta restritiva ao artigo 42º da petição inicial)

49. (AA) O Autor é uma pessoa com 91 anos, que vive quase obsessivamente com a ideia de um final de vida tranquilo e sem arrelias, em que situações como esta o incomodam sobremaneira. (artigo 44º da petição inicial)

50. (AB) A hipótese de poder ter de passar pela embaraçosa e profundamente desagradável concretização da potencial situação de perigo atrás exposta, e, bem assim, de poder ser até acusado de desleixo não lhe permite, de modo algum, viver descansado e tranquilo, como é seu desejo. (artigo 45º da petição inicial)

51. (AC) Sendo pessoa respeitada e respeitável, que sempre pautou a sua vida pelo cumprimento das suas obrigações sociais, morais e legais, a hipóteses de ver o seu nome – e da sua família -, associado a uma eventual catástrofe, potencialmente geradora de danos graves, quer para o arrendatário e seus colaboradores, quer para o público que frequenta o locado, fá-lo sentir-se verdadeiramente impotente, ansioso e irritado de cada vez que relembra e relata a história, quer pessoal, quer socialmente. (artigo 46º da petição inicial)

52. (AH) A renda actual fixa-se no montante global de €226,96. (artigo 8º da contestação)

53. (AI) A Ré tem mantido o local arrendado bem cuidado, pintado, com boa apresentação para o público que o procura, tem vigiado pelo seu estado de conservação e segurança. (artigo 24º da contestação)

54. (AJ) Tudo o que nele se comercializa está dentro do fim previsto, como, jornais, revistas, recordações manufacturadas de comércio acessíveis, todos expostos ao público, inclusive, aos Autores, familiares, amigos e seus trabalhadores, tudo bem visível para quem esteja ou passe no (...) , por onde os autores passaram porventura, centenas e centenas de vezes, senão mesmo milhares. (artigo 24º da contestação)

E julgaram-se não provados os seguintes factos:

1. A renda referida em C) se fixe em €85,11 e €85,12. (artigo 4º da petição inicial).

2. O referido em E) ocorreu em data que o Autor não pode precisar, por não saber, nem lhe ter sido dado conhecimento. (Artigo 5º da Petição Inicial)

3. O referido em E) ocorreu sem a autorização do Autor. (artigo 6º da Petição Inicial)

5. O que originou o abatimento do soalho foi o facto referido em N). (artigo 15º petição inicial)

6. Na resposta datada de 29/11/2006 o Autor prontificou-se imediatamente a fazer obras para solucionar o problema. (artigo 18º petição inicial)

7. A Ré não permitiu que se efectuassem as obras pedidas pelo Autor na carta referida em P). (artigo 20º da petição inicial)

8. Por carta registada com aviso de recepção, de 02/12/2009, enviada pela Ré, foi comunicado ao A. que haviam sido colocadas escoras metálicas de suporte na cave para suster o peso do chão que estava ceder, mas que as mesmas seriam apenas um instrumento provisório e precário, que não impediria com segurança que o mesmo cedesse por completo. (artigo 21º da petição inicial)

9. Porque o arrendatário não disponibilizou os estabelecimentos para a feitura das obras, o Autor escreveu ao município a pedir a prorrogação do prazo para o levantamento da licença e da conclusão das obras (60 dias). (artigo 31º petição inicial)

10. Os prumos, que escoram o soalho, não merecem a concordância do senhorio, que disso mesmo deu conhecimento ao arrendatário através do técnico de construção, que os colocou como “solução” provisória. (artigo 37º petição inicial)

11. O Autor tem tido insónias com medo de que aconteça alguma desgraça para a qual nada contribuiu. (artigo 47º da petição inicial)

12. O procedimento administrativo dos Autores visou, apenas e só, tentar encerrar o estabelecimento da Ré e, dessa forma, fazer cessar o contrato porquanto nunca foi sua intenção efectuar quaisquer obras, como de facto nunca efectuou.


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IV.

Recurso principal

Conforme resulta da matéria de facto provada, vigora entre as partes um contrato de arrendamento – celebrado há mais de quarenta anos – que tem como objecto o rés-do-chão do prédio urbano identificado no ponto 1 da matéria de facto onde estavam instalados dois estabelecimentos comerciais. Tal arrendamento – onde os Autores ocupam a posição de senhorios e a Ré ocupa a posição de arrendatária – destina-se ao exercício de comércio.

A sentença recorrida declarou a cessação desse contrato – por denúncia – condenando a Ré a despejar o locado.

Considerou, para o efeito, que os Autores/senhorios haviam procedido à denúncia do contrato por via da carta de 18/10/2009 a que se reporta a alínea J) e que tal denúncia – efectuada no domínio da vigência da Lei 6/2006 de 27/02, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano – era válida em face das normas transitórias aí consignadas relativamente a arrendamentos não habitacionais celebrados antes da vigência do DL 257/95 (os artigos 26º e 28º) e das quais resultava que o senhorio podia denunciar livremente o contrato, nos termos previstos no artº 1101º, al. c) do Código Civil, desde que cumprido o pré-aviso de 5 anos estabelecido à data, quando ocorresse trespasse ou locação do estabelecimento após a entrada em vigor da presente lei ou quando, sendo o arrendatário uma sociedade, ocorresse transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determinasse a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da presente lei, situação que ocorria na situação dos autos, tendo em conta a transmissão inter vivos da totalidade das quotas da sociedade Ré que havia sido operada em 6/10/2009.

Discordando daquela decisão, sustenta a Apelante que a declaração em causa – que a sentença recorrida considerou ser uma declaração de denúncia do contrato – não pode ser entendida como tal, argumentando que, estando em causa uma declaração receptícia, ela há- de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário”- art.º 236º n. 1) e que o sentido literal e teleológico do documento em crise não comporta a interpretação conclusiva que lhe foi dada pela Senhora Juiz “a quo”, nem tão pouco se podendo enquadrar no seu texto literal ou contexto, “ainda que imperfeitamente expresso”, uma vez que a proposição “é minha intenção proceder a essa denúncia” não é sinónima de “denuncio” para este ou aquele dia, mês ou ano, antes lhe estando subjacente o “poder fazê-lo de futuro”.

Pensamos que assiste razão à Apelante.

É indiscutível que a denúncia do contrato corresponde a uma declaração de vontade – unilateral e receptícia – por via da qual uma das partes leva ao conhecimento da outra que pretende pôr termo ao contrato em determinada data.

Ora, salvo o devido respeito, parece-nos que a declaração em causa não pode ser entendida com esse sentido.

Em tal declaração (que também se reporta a outros assuntos), o Autor limita-se a dizer o seguinte, relativamente à denúncia:

Nos termos do NRAU (Lei 6/2006), a transmissão de posições sociais que determinem a alteração de mais de 50% da titularidade do capital social dá ao senhorio a faculdade de denunciar o contrato de arrendamento a prazo de 5 anos.

É minha intenção proceder a essa denúncia”.

Mas ter a intenção de fazer algo não equivale a fazer efectivamente e nada consta do teor dessa comunicação que aponte para o facto de o Autor estar a comunicar à Ré que denunciava efectivamente o contrato; na verdade, o Autor não disse que denunciava ou que pretendia pôr fim ao contrato para dali a cinco anos; o Autor limitou-se a dar conta de que tinha a intenção de proceder a tal denúncia (intenção que nos remete para um projecto ou plano futuro e não para algo que se esteja já a concretizar). Importa notar que o Autor nem sequer fez qualquer alusão à data ou momento em que pretendia cessar o contrato, como seria suposto acontecer se estivesse efectivamente a proceder à denúncia do contrato (limitou-se a referir o prazo de cinco anos que resultava da lei, sem que daí se possa entender que estava a denunciar o contrato para daí a cinco anos).

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 236º do CC que “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” e, pelas razões expostas, pensamos que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não interpretaria aquela declaração com o sentido que agora se lhe pretende atribuir, ou seja, com o sentido de se estar a pôr fim ao contrato – por denúncia – no termo do prazo de cinco anos a contar dessa data. Tal declaração é, no mínimo, dúbia ou equívoca e, ainda que o Autor tivesse a vontade efectiva de proceder à denúncia do contrato por via dessa comunicação (e temos dúvidas que assim tenha sido porque, como veremos de seguida, a actuação posterior dos Autores não se adequa a essa situação), tal declaração não teria idoneidade para dar a conhecer ao destinatário (a Ré) que ela corporizava uma efectiva denúncia do contrato a operar em determinada data (eventualmente, ao fim de cinco anos a contar dessa data).

Refira-se, aliás, que o comportamento dos Autores também não se adequa ao sentido que agora pretendem atribuir àquela declaração.

A entender-se que o Autor denunciou, efectivamente, o contrato para dali a cinco anos, isso significaria que tal denúncia havia operado em 18/10/2014 e, nessas circunstâncias, é estranho que os Autores não tenham, nessa data, exigido a restituição do locado. E, se é certo que apenas vieram instaurar esta acção um ano depois (em Outubro de 2015), a verdade é que, na petição inicial não pediram a cessação do contrato com fundamento nessa denúncia e tão pouco lhe fizeram qualquer referência, importando notar que, apesar de terem juntado aos autos a referida comunicação, apenas a utilizaram para comprovar as insistências que haviam sido feitas junto da Ré no sentido de lhe dar a conhecer que o Autor não consentia nas modificações dos locais arrendados e na utilização do locado para um fim diverso daquele a que se destinava. Parece, portanto, que nem os Autores atribuíram àquela declaração o sentido que, posteriormente (já em sede de audiência de julgamento), lhe pretenderam atribuir, quando pediram, com base nessa declaração, que se declarasse a cessação do contrato com fundamento em denúncia do senhorio (pedido que, reafirma-se, não fizeram na petição inicial, apesar de, nesse momento, já terem decorrido mais de cinco anos sobre a data da declaração).

Pensamos, portanto, em face do exposto, que a referida declaração não poderá valer e ser considerada como denúncia do contrato e, portanto, não poderá subsistir a decisão que, com base nessa declaração, declarou a cessação do contrato de arrendamento e decretou o despejo, condenando a Ré a restituir o locado.

Revoga-se, portanto, essa decisão, absolvendo-se a Ré desses pedidos, ficando prejudicada a outra questão que era suscitada pela Apelante.

Recurso subordinado

Os Autores interpõem recurso subordinado relativamente à decisão que julgou improcedente o pedido de resolução do contrato, sustentando que deve ser decretada tal resolução com os seguintes fundamentos:

- Uso do prédio para fim diverso daquele a que se destinava;

- Realização de obras sem o consentimento do senhorio, mais concretamente, a sobreposição de uma placa de betão em cima de um pavimento de soalho de madeira;

- Utilização imprudente do locado em virtude de a arrendatária se ter oposto (nunca disponibilizou), mesmo com datas várias propostas, a abandonar o local para que as obras pudessem ser efectuadas.

Analisemos cada um deles.

Uso do prédio para fim diverso daquele a que se destinava

Com relevância para esta questão, resultou provado:

- Que, à data em que os Autores adquiriram o prédio – há mais de 40 anos –, a Ré fruía de dois estabelecimentos comerciais no local arrendado (um estabelecimento de barbearia e um lugar de vendas de jornais e revistas);

- Que, entretanto, a Ré demoliu – com o consentimento do Autor – a parede que dividia os estabelecimentos e eliminou a barbearia, deixando de exercer esta actividade a partir de Agosto de 1986 e passando, sem autorização do Autor, a utilizar todo o espaço para comercializar jornais, revistas, recordações manufacturadas de comércio acessíveis;

- Que tudo o que se comercializa no locado está dentro do fim previsto, como, jornais, revistas, recordações manufacturadas de comércio acessíveis, todos expostos ao público, inclusive, aos Autores, familiares, amigos e seus trabalhadores, tudo bem visível para quem esteja ou passe no (...) , por onde os autores passaram porventura, centenas e centenas de vezes, senão mesmo milhares.

A sentença recorrida considerou – sem que tal seja questionado no presente recurso – que a existência (ou não) de fundamento para a resolução do contrato deve ser analisada à luz do regime instituído pela Lei 6/2006 de 27/02 (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano), tendo em conta o disposto nos artigos 27º e 59º da citada Lei.

A propósito dos fundamentos de resolução do contrato, o nº 2 do artigo 1083º do CC, na redacção introduzida pela Lei supra citada, dispunha nos seguintes termos:

É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

(…)

c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina;

 (…)”.

Refira-se que, entretanto, a redacção da alínea c) foi alterada pela Lei nº 31/2012, de 14/08, acrescentando-se “…ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio”.

A sentença recorrida considerou que, em face da matéria de facto provada, se impunha concluir que a Ré havia afectado o locado a fim distinto daquele que inicialmente havia sido convencionado, mas, analisando a questão à luz da norma citada, entendeu que não havia fundamento para a resolução do contrato na medida em que aquele facto não afectava a dinâmica e o equilíbrio contratual de forma a fundamentar a resolução do contrato, uma vez que os Autores haviam convivido com esse facto durante mais de 20 anos sem que alguma a vez a tivessem posto em causa (o que apenas fizeram a partir de 2006) e uma vez que a alteração do uso do locado não se consubstanciou na introdução de um novo ramo de negócio ao qual o senhorio não tivesse já dado o seu consentimento mas na mera unificação de um único negócio em todo o estabelecimento em causa (deixou de existir a barbearia e passou a ser todo espaço explorado para quiosque).

Os Apelantes discordam da interpretação da norma citada que esteve subjacente à decisão recorrida, sustentando que, ao contrário do que aí se considerou, as situações previstas nas alíneas do nº 2 valem por si e que, uma vez verificadas, cabem, por definição, na cláusula geral prevista no mesmo nº2, ou seja, uma vez verificada uma situação prevista em tais alíneas, a lei considera necessariamente verificado o incumprimento grave que torna inexigível a manutenção do contrato.

A norma em questão tem merecido, de facto, leituras e interpretações divergentes.

Há, de facto, quem entenda que as situações previstas nas diversas alíneas do nº 2 da citada disposição legal são autênticos fundamentos de resolução do contrato que funcionam por si e independentemente de qualquer outro facto, correspondendo a situações que o legislador definiu como situações de incumprimento do arrendatário que tornam inexigível a manutenção do arrendamento pelo senhorio. É essa a posição adoptada por Jorge Henrique Pinto Furtado[1] quando afirma que tais situações correspondem a “…casos típicos de resolução; não meras presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio”; quando diz que “Provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio” e quando escreve o seguinte:

Os casos que se enunciam a seguir são, assim, autênticos fundamentos de resolução, como lhes chama a lei; não, meras presunções iuris tantum da inexigibilidade ao senhorio da manutenção do contrato.

Verificado qualquer deles, não poderá pois, ainda, provar-se que, não obstante a sua ocorrência, não será inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, afastando-se deste modo a resolução – permita-se-nos o plebeísmo – pela porta do cavalo”.

Mas também há quem entenda que as situações tipificadas nas referidas alíneas só poderão constituir fundamento de resolução do contrato se preencherem a cláusula geral prevista no citado nº 2, ou seja, se a sua gravidade ou consequências tornarem inexigível a manutenção do contrato pelo senhorio. É este o entendimento adoptado por Maria Olinda Garcia[2] e é essa também a posição adoptada por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge[3] quando afirmam: “Em face da indispensabilidade do preenchimento do conceito geral de justa causa, incumbirá ao senhorio, autor na acção de despejo, o ónus da alegação e da prova (cfr. art.º 342.º do CC) de factualidade subsumível, não apenas nas diferentes alíneas do n.º 2 ou no n.º 3 do art.º 1083.º (quando seja caso disso), mas também, na cláusula geral constante da 1.ª parte do n.º 2”. Neste sentido também se pronunciaram os Acórdãos da Relação do Porto de 17/04/2008 (processo nº 0831655) e de 20/11/2012 (processo nº 2017/11.0TJPRT.P1)[4].

E há ainda quem adopte uma solução intermédia, sustentando que a verificação de uma das situações tipificadas nas alíneas do citado nº 2 faz presumir a inexigibilidade da manutenção do contrato, de tal modo que o locador apenas tem o ónus de alegar e provar os factos que integrem uma dessas situações, cabendo ao arrendatário o ónus de ilidir aquela presunção, alegando e provando factos dos quais resulte que continua a ser objectivamente razoável a manutenção do contrato – veja-se designadamente o Acórdão da Relação do Porto de 06/05/2010 (processo nº 451/09.5TJPRT.P1)[5].

Na nossa perspectiva, as situações previstas nas diversas alíneas do nº 2 da norma citada não podem ser desligadas da cláusula geral que se encontra prevista na 1ª parte do mesmo número, ao ponto de afirmar que a verificação dessas situações constitui automaticamente fundamento para a resolução do contrato, independentemente de qualquer outro facto ou circunstância.

Pensamos, na verdade, que a inexigibilidade, para o senhorio, da manutenção do contrato (exigida na 1ª parte do citado nº 2) é um pressuposto fundamental do direito à resolução do contrato.

Desde logo, porque a regra geral em matéria de contratos é o de que a resolução não se basta com um qualquer incumprimento independentemente da sua gravidade; veja-se que o artigo 802º, nº 2, do CC, veda ao credor a possibilidade de resolver o contrato se o incumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância.

Por outro lado, ainda que as situações tipificadas nas citadas alíneas correspondam a exemplos de incumprimento do arrendatário que poderão determinar a resolução do contrato, a verdade é que há uma grande multiplicidade de situações que, apesar de poderem ser incluídas na previsão dessas alíneas, apresentam uma gravidade substancialmente diferente e não parece que se contenha dentro do pensamento legislativo a possibilidade de resolver o contrato com base em incumprimentos que, sendo pontuais e isolados, não apresentam, em termos objectivos, qualquer relevância para o senhorio. Atente-se, por exemplo, na situação prevista na alínea a) que, após a alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, alude apenas a “violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio”, sendo para nós impensável que uma violação pontual e isolada de uma regra de sossego ou boa vizinhança, por irrelevante que seja, possa fundamentar a resolução do contrato.

É bom que se diga, aliás, que mesmo quem entende que as situações previstas nas citadas alíneas constituem, só por si, fundamento para a resolução do contrato independentemente de qualquer outro facto, não deixa de aludir ao critério geral definido na 1ª parte da norma para determinar as situações que devem considerar-se abrangidas na previsão de cada uma das alíneas com vista a excluir aquelas que se revestem de menor gravidade. É o que faz Jorge Pinto Furtado quando afirma, a propósito da situação prevista na alínea b), que não basta para preencher a previsão legal uma violação isolada e instantânea e dizendo que “Pesa ainda nesse sentido o carácter genericamente referido no corpo do nº 2 do art. 1083 CC de não relevar um incumprimento menor do arrendatário, mas unicamente aquele que, “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”; a gravidade e as consequências dependem, naturalmente, muito da reiteração, pois só raramente um uso esporádico apresentará gravidade ou acarretará consequências ponderosas[6], ou quando escreve, a propósito da alínea c), o seguinte: “Questão distinta será, todavia, a de ser de escassa importância a dimensão do fim diverso, já porque se reconduziu a um acto esporádico já porque, embora permanente, se traduza numa diversificação insignificante e negligenciável do destino legítimo (…) Segundo o Direito geral, o credor não poderá resolver o negócio jurídico “se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância” (artigo 802-2 CC) – e não se vê razão plausível para excluir o arrendamento urbano de semelhante princípio[7].

E nem poderia ser de outro modo, uma vez que, sendo inaceitável, à luz do Direito e à luz das regras de boa-fé, a resolução de um contrato com fundamento em incumprimentos de escassa ou nula relevância ao nível da respectiva gravidade e das suas consequências, o exercício desse direito de resolução sempre teria que impedido nem que fosse por via do abuso de direito.

É indiscutível, portanto, que a mera constatação de uma situação enquadrável na previsão das referidas alíneas não basta para conferir ao senhorio o direito de resolver o contrato; a previsão dessas alíneas não pode ser dissociada do requisito geral que consta do corpo do nº 2, porque é este requisito que permite distinguir as situações de incumprimento cuja gravidade justifica a resolução do contrato das situações de incumprimento que, pelo seu carácter isolado ou pela sua irrelevância ou insignificância, não poderão ter idoneidade, em face dos princípios gerais de Direito e das regras de boa-fé, para determinar a cessação da relação contratual.

Analisemos, portanto, à luz destas considerações, a situação dos autos.

Quando os Autores adquiriram o imóvel, a Ré explorava no locado dois estabelecimentos comerciais que funcionavam em espaços autónomos (um de barbearia e outro de venda de jornais e revistas). Podemos, assim, concluir que o arrendamento se destinava ao exercício de cada uma dessas actividades em cada um dos espaços que, como se disse, eram autónomos e separados fisicamente.

Tendo resultado provado que a Ré deixou de explorar a barbearia e passou a usar todo o espaço para venda de jornais e revistas, importará dizer, antes de mais, que o uso do prédio para fim diverso daquele que estava estabelecido não incidiu sobre todo o espaço arrendado, mas apenas sobre o espaço onde funcionava a barbearia, uma vez que o espaço onde funcionava o quiosque continuou a ser usado para a mesma finalidade. Significa isso, portanto, que, a existir fundamento para resolver o contrato, tal apenas aconteceria relativamente ao concreto espaço onde funcionava a barbearia e que, entretanto, passou a ser utilizado como quiosque.

Sucede que esses espaços deixaram de ter qualquer autonomia a partir do momento em que se deu aquela alteração de uso do espaço arrendado (em Agosto de 1986), uma vez que os dois espaços foram unificados mediante a demolição da parede que dividia os dois estabelecimentos e tal demolição e unificação dos estabelecimentos foi efectuada com autorização expressa do Autor mediante declaração escrita e datada de 05/08/1986. Nessas circunstâncias, passou a existir – com o acordo do Autor – um único espaço que se destinaria à exploração da actividade de barbearia e quiosque.

Ora, a Ré não passou a utilizar o espaço para finalidade diversa daquela que estava prevista; a Ré limitou-se a deixar de o utilizar para uma dessas finalidades, passando a utilizá-lo apenas para o exercício da outra actividade que também se encontrava prevista.

Nessas circunstâncias, não nos parece que se possa falar, em rigor, de uso do locado para finalidade diferente da que se encontrava prevista e, ainda que se entendesse que estava em causa um uso diferente, tal apenas aconteceria relativamente ao concreto espaço onde funcionava anteriormente a barbearia, não sendo viável, neste momento, a cessação do contrato relativamente a esse espaço, uma vez que – reafirma-se – os dois espaços foram unificados com o acordo do Autor.

E ainda que se entendesse que estava em causa um uso diferente, a verdade é que, nas circunstâncias descritas e tendo em conta que não passou a ser exercida uma actividade nova – tendo sido apenas eliminada uma das actividades que estava prevista –, pensamos que esse facto nunca teria gravidade ou relevância suficientes para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato e para justificar a resolução do contrato à luz do disposto na norma supra citada, tanto mais que estamos perante uma situação que ocorreu em 1986 (há mais de trinta anos, portanto) sem que, até 2006, os Autores tivessem reagido contra essa situação.

Entendemos, portanto, em face do exposto, que não há fundamento para resolver o contrato com fundamento na situação prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 1083º do CC (uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina).

  

Realização de obras sem o consentimento do senhorio

A obra em causa – que, segundo os Apelantes, é susceptível de fundamentar a resolução do contrato – corresponde à sobreposição de uma placa de betão em cima de um pavimento de soalho de madeira (obra que foi efectuada pela Ré sem o consentimento dos Autores).

Está provado, efectivamente, que, há mais de 20 ou 25 anos, a Ré colocou uma placa ou cobertura de cimento sobre o soalho original sem autorização dos Autores.

A sentença recorrida reconheceu que estava em causa uma obra não autorizada pelos senhorios e que não poderia ser efectuada sem tal autorização, uma vez que não se incluía na previsão dos artigos 1043º, nº 1 e 1073º, nº1, do CC; considerou, no entanto, que a realização dessa obra não afectava a dinâmica e o equilíbrio contratual de forma a fundamentar a resolução do contrato, tendo em conta a longa relação contratual (que vigora há mais de 40 anos) e tendo em conta que os Autores souberam da obra e acompanharam a existência do piso durante mais de 20 anos sem que tivessem demonstrado qualquer desconforto ou incómodo.

Argumentam os Apelantes que essas obras não configuram a deterioração lícita prevista no artigo 1073.º, antes as previstas no artigo 1074.º n.º1 e 2 e que, estando provado que foram efectuadas sem o consentimento do senhorio, teria que ser decretada a resolução do contrato, independentemente da questão de saber se o abatimento do chão era ou não imputável ao senhorio.

Analisemos, então, a questão.

A situação em análise – realização de obras sem consentimento do senhorio – constituirá fundamento para a resolução do contrato, nos termos do disposto no nº 2 do citado artigo 1083º, se tal situação configurar um incumprimento do arrendatário que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte (o senhorio) a manutenção do arrendamento.

Além das reparações urgentes – que, nos termos do artigo 1036º, o locatário pode fazer, nas circunstâncias aí mencionadas, se sua urgência não se compadecer com as delongas do procedimento judicial – e além das deteriorações inerentes a uma prudente utilização que estão legitimadas nos termos do artigo 1043º, é lícito ao arrendatário – em conformidade com o disposto no artigo 1073º - realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade (deteriorações que, em todo o caso, devem ser reparadas antes da restituição do prédio). Fora dessas situações e das situações previstas no artigo 22.º-A do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio (cfr. artigo 1074º, nº 2).

A obra em causa nos autos – colocação de uma placa ou cobertura de cimento sobre o soalho original – não se insere em nenhuma das excepções supra mencionadas, já que, não podendo ser considerada como pequena deterioração (legitimada pelos artigos 1043º e 1073º), também nada foi alegado e provado que aponte para a urgência na sua realização. Consequentemente, a obra em questão só poderia ser executada pela Ré com autorização do senhorio e, não tendo existido tal autorização, é indiscutível que a Ré incumpriu as suas obrigações.

Refira-se que o regime legal decorrente do RAU aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90 de 15/10 ou até mesmo o regime anterior – regimes que seriam os vigentes à data em que a obra em questão foi realizada – não eram substancialmente diferentes, sendo que, em qualquer um deles, a obra aqui em causa estaria dependente de consentimento do senhorio.

Resta agora saber se esse incumprimento, atendendo à sua gravidade ou consequências, torna inexigível à outra parte (o senhorio) a manutenção do arrendamento, o que equivale a saber, conforme se diz no Acórdão do STJ de 13/02/2014 (processo nº 43/09.9TCFUN.L1.S1)[8],se “…essa situação de incumprimento contratual tem objectivamente um relevo ou incidência na concreta constelação de interesses subjacente à relação contratual que legitima, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, a formulação de um juízo de não exigibilidade quanto à manutenção da relação locatícia”.

Está em causa uma obra que introduz no locado uma alteração com algum relevo e que, podendo, inclusivamente, pôr em causa a segurança da respectiva estrutura, não é facilmente removível sendo certo que a remoção do pavimento colocado pela Ré implicará a realização de obras com algum relevo. Estamos, portanto, perante um incumprimento de relativa gravidade.

 A verdade, porém, é que – como resultou provado – a obra em questão foi realizada há mais 20 ou 25 anos e era do conhecimento dos Autores que lá foram dezenas de vezes e, portanto, parece impor-se a conclusão de que os Autores nunca atribuíram àquele facto a relevância bastante para afectar a relação contratual que mantinham com a Ré, sendo certo que não há notícia que, perante aquele facto, tenham exigido a reposição da situação anterior ou tenham manifestado, por qualquer forma, a sua vontade de fazer cessar o contrato por força daquela situação (note-se que, apesar de aludirem a essa obra em correspondência que enviam à Ré a partir de 2009, os Autores nunca fizeram aí qualquer alusão ao incumprimento da Ré em virtude de essa obra ter sido realizada sem o seu consentimento nem manifestaram – expressa ou tacitamente – qualquer intenção de fazer cessar o contrato com base nesse facto e apenas vieram instaurar a presente acção em 2015). E se assim é – se os Autores mantiveram durante vários anos o seu interesse na manutenção do contrato não obstante o aludido incumprimento por parte da Ré – parece que não haverá razões para considerar agora que aquele incumprimento seja bastante, em termos objectivos, para tornar inexigível aos Autores a manutenção do contrato e para determinar a respectiva resolução. Refira-se, aliás, que a pretensão dos Autores de ver decretada a resolução do contrato com aquele fundamento depois de terem tolerado a existência da obra durante muitos anos não deixaria de configurar um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que a sua conduta anterior – de inércia ou tolerância prolongada relativamente àquela obra – era idónea para criar na Ré a legítima expectativa ou confiança de que já não iriam invocar esse facto para nele fundar uma pretensão de resolução do contrato e, conforme se diz no Acórdão do STJ supra citado, “…uma pretensão resolutiva do senhorio que – baseando-se embora formalmente na ocorrência de determinada violação contratual, cometida pelo arrendatário – se possa considerar violadora dos princípios estruturantes da boa fé contratual ou da proibição do abuso de direito não se poderá manifestamente subsumir à dita e essencial cláusula de inexigibilidade na subsistência do arrendamento”.

Entendemos, portanto, em face do exposto, que não há fundamento para resolver o contrato com fundamento na realização da obra em questão.

Utilização imprudente do locado em virtude de a arrendatária e oposição à realização das obras

Sustentam os Apelantes que a Ré está a fazer um uso imprudente do locado e que tal incumprimento dá ao senhorio o direito de resolver o contrato.

De acordo com o disposto no artigo 1038º, alínea d), do CC. o locatário está, de facto, obrigado a não fazer uma utilização imprudente da coisa locada e a violação dessa obrigação determinará a resolução do contrato, nos termos do artigo 1083º, nº 2, se a gravidade ou as consequências desse incumprimento tornarem inexigível à outra parte a manutenção do contrato.

Mas, salvo o devido respeito, nada se provou que aponte para a violação dessa obrigação, resultando provado, pelo contrário, que a Ré tem mantido o local arrendado bem cuidado, pintado, com boa apresentação para o público que o procura, tem vigiado pelo seu estado de conservação e segurança.

Na perspectiva dos Apelantes, a Ré teria violado tal obrigação por continuar a utilizar o locado e o estabelecimento nele instalado sem condições de segurança dada a necessidade de obras.

Sucede, no entanto, que essa situação não corresponde a qualquer uso imprudente do locado. O uso prudente do locado corresponde, no fundo, ao dever de conservar e manter o imóvel nas condições em que o mesmo foi recebido e de nele não provocar quaisquer deteriorações além daquelas que se devem ter como normais e razoáveis numa utilização prudente do locado para os fins a que se destina. Assim, a circunstância de a Ré usar o imóvel sem que este detenha condições de segurança dada a necessidade de obras (que são da responsabilidade do senhorio) não corresponde a um uso imprudente do locado; ao usar o imóvel nessas circunstâncias, a Ré está apenas a fazer o uso do imóvel ao qual tem direito por força do contrato e nas condições em que esse uso lhe é proporcionado pelo senhorio.

Não está, portanto, configurado qualquer uso imprudente do locado por parte da Ré.

Vejamos agora a questão das obras e a alegada oposição da Ré à sua realização.

Em conformidade com o disposto no artigo 1038º, alínea e), o locatário tem também a obrigação de tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública e o incumprimento dessas obrigações constituirá fundamento para a resolução do contrato, nos termos do artigo 1083º, nº 2, se a gravidade ou as consequências desse incumprimento tornarem inexigível à outra parte a manutenção do contrato, dispondo o nº 3 do citado artigo 1083º que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de oposição do arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública.

É indiscutível que o locado necessita de obras de conservação que, aliás, já foram determinadas pela Câmara Municipal, mas, ao contrário do que sustentam os Apelantes, nada nos permite afirmar que a Ré se tenha oposto à realização dessas obras.

Vejamos.

A situação teve início em Novembro de 2009 quando a Ré comunicou ao Autor que o pavimento havia cedido em cerca de 3 ou 4 cm, solicitando a resolução desse problema. Os Autores, depois de terem solicitado a opinião de um técnico, responderam à Ré, dizendo que o estabelecimento não tinha segurança e deveria encerrar imediatamente para a realização das obras. Posteriormente, por carta datada de 17/5/2010, o Autor comunicou à Ré que, na sequência de pedido feito à Câmara Municipal, esta havia confirmado a necessidade de obras e o havia notificado para as efectuar, razão pela qual notificava a Ré para encerrar o estabelecimento a fim de poder efectuar as referidas obras. Na sequência desse facto, a Ré comunicou à Câmara Municipal – em 03/07/2010 – que não se opunha às obras caso estivesse em causa a segurança do edifício, solicitando, no entanto, alguns esclarecimentos a propósito das obras a efectuar e tempo previsível para a sua realização.

Até este momento e nos anos que se seguiram (até Setembro de 2014) não existe qualquer oposição da Ré à realização de qualquer obra. Com efeito, se é certo que a Ré não desocupou o locado como havia sido solicitado pelo Autor, a verdade é que isso não pode ser entendido como oposição à realização de qualquer obra, quando é certo que, conforme resultou provado, até esse momento (Setembro de 2014), os Autores nunca comunicaram à Ré a sua pretensão de iniciar as obras em determinada data ou momento. Ora, como parece evidente, não existindo qualquer comunicação que indicasse o efectivo início das obras em dado momento, a Ré não estava obrigada a desocupar o locado por tempo indeterminado (que poderia ser um mês, um ano ou vários anos) até que os Autores decidissem e estivessem em efectivas condições de dar início àquelas obras. Veja-se que, conforme também resultou provado, só em Agosto de 2014 (quatro anos depois de os Autores terem solicitado à Ré a desocupação do locado) é que o Autor foi notificado pelo Município, por carta datada de 21/8/2014, para proceder ao levantamento do respectivo alvará e para dar início às obras a efectuar no prazo de 60 dias.

Só a partir deste momento, os Autores estavam em condições de dar início às obras e, portanto, só a partir deste momento poderia ser exigido à Ré que desocupasse o estabelecimento para a realização dessas obras.

Ora, na sequência daquela comunicação do Município, o Autor, por carta de 1/9/2014, notificou à Ré o teor dessa comunicação, sugerindo-lhe várias datas para início das obras. Poucos dias depois, a Ré respondeu dizendo expressamente que não se opunha à realização das obras que eram efectivamente necessárias, solicitando, no entanto, o seu realojamento nos termos do artigo 26º do Dec. Lei 157/2006 – tendo em conta os prejuízos avultados que teria com o encerramento do estabelecimento – e sugerindo, para o efeito, as antigas instalações do Banco Montepio que também pertenciam ao Autor e que estariam desocupadas. E não há notícia de que os Autores tenham dado qualquer resposta a essa missiva, vindo a propor a presente acção cerca de um ano depois.

Nessas circunstâncias, pensamos não ser legítimo falar em oposição da Ré à realização das obras. Para que se pudesse configurar essa oposição seria necessário, em primeiro lugar, que os Autores comunicassem à Ré o momento em que pretendiam realizar as obras e seria necessário, em segundo lugar, que a Ré, sem motivo legítimo, se tivesse oposto a essas obras, recusando a colaboração devida ou recusando desocupar o estabelecimento se tal fosse necessário à realização dessas obras.

Ora, conforme se referiu, os Autores só em Agosto de 2014 transmitiram à Ré data concretas para o início das obras – sendo certo, aliás, que só nessa data estavam em condições de as iniciar porque só nessa data obtiveram o respectivo alvará – pelo que a circunstância de a Ré não ter desocupado o estabelecimento em momento anterior na sequência das pretensões que eram formuladas pelos Autores não configura qualquer oposição à realização das obras, uma vez que aquelas pretensões eram vagas e não davam indicações acerca do real propósito de iniciar as obras em determinado momento.

E, apesar de em Agosto de 2014, os Autores terem concretizado a sua pretensão de realizar as obras – indicando as datas previstas para o efeito – a verdade é que também não se verificou nesse momento qualquer recusa ou oposição da Ré; a Ré disse expressamente que não se opunha às obras e tão pouco recusava sair do estabelecimento, solicitando apenas o seu realojamento e sugerindo até um local para o efeito que também pertencia aos Autores. Essa posição – assumida pela Ré – não correspondia a qualquer oposição ou falta de colaboração e também não pode ser entendida como oposição a circunstância de a Ré não ter desocupado o locado no período subsequente (até à propositura da acção) uma vez que aguardava – legitimamente, pensamos nós – que os Autores dessem alguma resposta à pretensão que lhes havia dirigido no sentido de providenciar pelo seu realojamento noutro local com vista a evitar os prejuízos que sofreria com o encerramento do estabelecimento comercial. E a verdade – como dissemos – é que essa resposta não chegou até ao momento em que veio a ser instaurada esta acção (pelo menos não há notícia disso, sendo certo que os Autores não o alegaram) e nenhum outro acto foi praticado pelos Autores com vista à efectiva realização das obras que tivesse esbarrado em qualquer oposição da Ré.

Nessas circunstâncias, pensamos que não estava ainda configurada uma qualquer oposição ou falta de colaboração da Ré relativamente às aludidas obras que fosse susceptível de determinar a resolução do contrato.

Em face do exposto, improcede o recurso subordinado, confirmando-se a sentença na parte em que jugou improcedente o pedido de resolução do contrato.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Uma declaração dirigida ao arrendatário onde, além de se reportar a outros assuntos, o senhorio faz referência à faculdade legal de denunciar o contrato e onde diz ser sua intenção proceder a tal denúncia, mas sem afirmar que a está a efectuar e sem fazer qualquer referência à data em que ela deveria operar os seus efeitos, não pode ser considerada como efectiva denúncia para o efeito de poder vir a operar a cessação do contrato em determinada data;

II – A previsão das diversas alíneas do nº 2 do artigo 1083º do CC não pode ser dissociada do requisito geral que consta do corpo desse número (inexigibilidade, ao senhorio, de manutenção do contrato por força da gravidade ou das consequências do incumprimento do arrendatário), porque é este requisito que permite distinguir as situações de incumprimento cuja gravidade justifica a resolução do contrato das situações de incumprimento que, pelo seu carácter isolado ou pela sua irrelevância ou insignificância, não poderão ter idoneidade, em face dos princípios gerais de Direito e das regras de boa-fé, para determinar a cessação da relação contratual;

III – Daí que a mera constatação de uma situação enquadrável na previsão das referidas alíneas não baste para conferir ao senhorio o direito de resolver o contrato;

IV – Estando em causa um arrendamento que incidia sobre dois espaços com diferentes finalidades (barbearia e quiosque) que, com o consentimento do senhorio, foram unificados com a demolição da parede que os dividia, a circunstância de todo o espaço ter passado, desde então e há mais de trinta anos, a ser utilizado apenas para uma daquelas finalidades (quiosque) não configura incumprimento com gravidade e relevância suficientes para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato e para justificar a resolução do contrato à luz do disposto no artigo 1083º, nº 2, alínea c);

V – Também não configura incumprimento com gravidade e relevância suficientes para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato e para justificar a resolução do contrato à luz do disposto no artigo 1083º, nº 2, a realização de uma obra (colocação de placa de cimento sobre o soalho original) pela arrendatária sem o consentimento do senhorio se, não obstante o facto de essa obra ter sido realizada há mais de 20 ou 25 anos, o senhorio nunca reagiu e nunca manifestou – expressa ou tacitamente – qualquer intenção de fazer cessar o contrato com base nesse facto;

VI – A circunstância de o arrendatário não desocupar o estabelecimento na sequência das pretensões que, nesse sentido, eram formuladas pelo senhorio com vista à realização de obras mas sem indicação da data ou momento do seu início e sem qualquer outra indicação que apontasse para a intenção de iniciar as obras em determinado momento não configura oposição relevante para o efeito de poder fundamentar a resolução do contrato com fundamento no disposto no artigo 1083º, nº 2 e nº 3, do CC; para que se configure tal oposição é necessário que seja comunicado ao arrendatário a data e o momento previstos para o início das obras e é necessário que, na posse dessa informação, o arrendatário, sem motivo legítimo, impeça a realização das obras, recuse a colaboração devida ou recuse desocupar o locado quando tal desocupação é necessária à realização dessas obras.


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V.
Pelo exposto, decide-se:
► Conceder provimento ao recurso principal, revogando-se a decisão que declarou a cessação do contrato de arrendamento por denúncia, decretou o despejo e condenou a Ré a restituir o locado, absolvendo-se a Ré desses pedidos;
► Negar provimento ao recurso subordinado, confirmando-se a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento e o subsequente despejo.
Custas a cargo dos Autores.
Notifique.

Coimbra, 2019/03/12

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora )

Ferreira Lopes

Freitas Neto


[1] Manual de Arrendamento Urbano, Vol. II, 4ª edição actualizada, págs. 1001 e 1002.
[2] Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual, Coimbra Editora, 2012, págs. 30 e 31.
[3] Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª edição, Quid Juris, 2007, pág. 292.
[4] Ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[5] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[6] Cfr. ob. cit., pág. 1047.
[7] Cfr. ob. cit., pág. 1059.
[8] Disponível em http://www.dgsi.pt.