Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
116/06.0TBFAG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL
CONTRATO DE SEGURO
TRANSITÁRIO
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FORNOS DE ALGODRES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 15.º DL 255/99, DE 07/07; ARTIGOS 258.º E SGS. DO CC; 231.º E SGS DO C. COMERCIAL; CONVENÇÃO CMR, DE 15/05/1956, ACEITE NO NOSSO DIREITO INTERNO ATRAVÉS DO DEC.LEI N.º 46.235, DE 18/03/1965, MODIFICADA PELO PROTOCOLO DE GENEBRA, DE 05/07/1978, A QUE PORTUGAL ADERIU, CF. DL 28/88, DE 6/9.
Sumário: 1. No contrato de transporte internacional é o agente transitário que responde perante o expedidor pelo incumprimento do transporte que aquele contrata com o terceiro transportador.

2. O direito de regresso da seguradora que indemniza o expedidor, seu segurado, pelos danos emergentes do transporte, deve ser exercido contra o transitário.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Autora:

A...Seguros, S.A., posteriormente substituída pela B...Seguros, SA, cf. despacho a que corresponde a Ref.ª ... do Habilus.

Réus:

Transportes C..., Lda.;

Companhia de Seguros D..., S.A.;

E...; e

Companhia de Seguros F..., S.A..

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I – Relatório

Como fundamento da sua pretensão, a autora alega em síntese o seguinte:

A A. celebrou com a G... um contrato de seguro de transporte de mercadorias (27 fardos de fios de lã), desde Seia até Vichte (Bélgica), totalizando o valor da mercadoria na factura o montante de € 44.671,82, assumindo perante a sua segurada a responsabilidade pelo pagamento dos danos ocorridos nesses fardos até ao limite de € 125.000,00, em consequência do transporte, que a segurada incumbiu à sociedade transitária “H... Transitários Ldª”, transporte efectuado pela primeira Ré.

No dia 29/04/2005 a 1ª Ré carregou em Seia, na viatura com a matrícula ..., os 27 fardos de fio de lã, e no dia 04/05/2005 a mesma viatura despistou-se em França, tendo os fardos caído para a auto estrada, ficando expostos à chuva intensa que se fazia sentir. A mercadoria foi carregada num outro veículo e entregue no destinatário no dia 09/05/2005, mas atento ao seu estado, na descarga foram formuladas as reservas apostas no CMR nº ....

Perante isto, a segurada da A. contratou uma sociedade de regulação de avarias a fim de proceder à avaliação dos danos na mercadoria transportada, tendo os peritos concluído que toda a mercadoria ficou irrecuperável e imprópria para coloração e posterior confecção têxtil de carpetes.

Por tal facto, a A. emitiu uma nota de crédito a favor da segurada no valor de € 44.671,82, apesar do prejuízo global ser de € 38.206,41, ou seja, menos € 6.465,41 relativo ao valor de refugo da mercadoria.

Alega ainda que a segunda Ré é responsável pelos prejuízos por ter celebrado um contrato com a primeira, e esta ter transferido a respectiva responsabilidade civil para aquela.

Conclui pedindo que deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência, serem as Rés, solidariamente, condenadas a pagar á A. a quantia de € 38.206,41, acrescida e juros de mora que se venceram desde a citação, à taxa legal de 5%, até integral e efectivo pagamento.

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Citadas as Réus regulamente a fls. 55 e 58, foi apresentada contestação individual:

- Da Ré Transportes C..., Lda.:

Defende-se por excepção e impugna os factos, alegando em síntese o seguinte:

Que é parte ilegítima na presente acção, por o contrato de seguro que existe responsabilizar a segunda Ré e o montante dos prejuízos reclamados não superarem o capital seguro pela segunda Ré. Apesar de a Ré D...ter dito que não assumia qualquer prejuízo emergente da ocorrência por não ter sido informada da matrícula do tractor e reboque que efectuavam o transporte, tal exigência não consta das condições gerais e especiais da apólice, sendo esta posição absolutamente infundada. De qualquer forma, a Ré nunca foi informada de que deveria identificar nos seus contratos de seguro CMR os conjuntos (tractor e reboque) dos veículos que utiliza nos transportes.

Requereu a intervenção geral provocada de E..., mediador da Ré Seguradora.

Conclui pela procedência da excepção ilegitimidade invocada e sua absolvição da instância, ou, se assim se não entender, improceder a acção com as legais consequências.

Em qualquer dos casos deve ser admitida a intervenção principal provocada deduzida.

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A Ré seguradora D...defendeu-se por excepção, e impugnou os factos alegados, alegando em síntese o seguinte:

Foi celebrado um contrato de responsabilidade civil do transportador sobre mercadorias em trânsito, mediante o qual ficou coberta a responsabilidade civil da primeira Ré, desde que não derrogadas ou limitadas pelas condições gerais da apólice, sendo uma delas que, no transporte internacional de mercadorias por estrada “CMR”, deve a matrícula do tractor e do reboque ser identificada perante o tomador.

O veículo tractor ...MB, apesar de segurado, não constava dos veículos aderentes ao contrato de seguro CMR entre ambas celebrado, ou seja, a primeira Ré omitiu que o reboque com a matrícula ... também fazia conjunto com o tractor ...MB, não podendo responder a apólice pelos prejuízos causados à carga transportada no referido conjunto, devendo a presente acção de regresso prosseguir apenas contra a primeira Ré.

Conclui pedindo que devem as excepções serem julgadas provadas e a acção ser julgada totalmente improcedente quanto à 2ª Ré, absolvendo-se a mesma do pedido.

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Pela A. foi apresentada réplica, impugnando toda a matéria da excepção alegada pela 1ª Ré na contestação, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade daquela Ré, e concluindo como na petição inicial.

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A fls. 128 foi admitida a intervenção principal provocada de E..., citado a fls. 133, tendo apresentado contestação, defendendo-se por excepção, alegando em síntese o seguinte:

Que o seguro de responsabilidade civil de transporte sobre mercadorias em trânsito (CMR) titulado pela apólice nº ..., identifica como veículo semi-reboque aderente a matrícula ..., propriedade da primeira Ré e interveniente do acidente.

É prática comum nos seguros de responsabilidade civil do transporte sobre mercadorias em trânsito (CMR) que se identifique o veículo reboque ou semi-reboque; no entanto, da indicação ou não do veículo tractor nunca derivou qualquer cominação ou exclusão, nem o seguro era agravado ou desagravado pela existência ou alteração da composição dos conjuntos.

Na proposta de adesão ao segurado não constava qualquer menção aos veículos tractores, sendo facto para a 2ª Ré indiferente na formação do contrato de seguro. Considera que todos os veículos tractores do segurado, podiam circular com o reboque da apólice nº ..., sendo este o entendimento comum que o mediador, por indicação da segunda Ré, transmitia aos segurados da sua carteira.

No contrato de adesão celebrado em 01/09/1999, que deu origem à apólice nº ..., a menção de tal cláusula de exclusão não constava nem na apólice estava referida essa condição especial, nem a proposta impunha qualquer condição sobre a identificação dos veículos tractor, nem o mediador nunca o exigiu. Apenas era obrigatório que juntamente com a proposta se remetesse a fotocópia dos livretes e títulos de registo de propriedade das viaturas a segurar.

Quando começou aparecer essa condição especial que a ré seguradora refere, quando questionada, sempre referiu que, não obstante estar referido apenas um veículo tractor, estava implícito que se consideravam todos os veículos do segurado, não sendo obrigatório ao segurado cada vez que alterasse a composição do conjunto comunicar tal facto à seguradora.

Requereu a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros F..., S.A. Conclui pela improcedência da excepção invocada pela Ré seguradora, absolvendo-se a primeira Ré da instância, ou, se assim não se entender, improceder a acção com as legais consequências.

Em qualquer caso deve ser admitida a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros F... S.A., com quem contratou um seguro de responsabilidade civil profissional.

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A fls. 186 foi admitida a intervenção geral provocada da Companhia de Seguros F..., S.A. e, citada a fls. 192, apresentou contestação, defendo-se por excepção, impugnando e alegando em síntese o seguinte:

Que não se encontra na obrigação de indemnizar, em virtude de o sinistro lhe ter sido comunicado em 23/11/2006 e o contrato de seguro garantir apenas os dados constantes das coberturas mencionadas nas condições da apólice e no caso em apreço tais condições não se verificam.

Conclui pedindo que a excepção invocada seja julgada procedente, por provada, e a acção ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.



Com dispensa da Audiência Preliminar, proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva quanto à ré “Transportes C..., L.da” e seleccionou-se a matéria de facto assente e a que, estando controvertida, era relevante para a decisão da causa, de que não houve reclamações.

            Foi designada data para audiência de discussão e julgamento a qual se realizou de acordo com o formalismo legal, com gravação dos depoimentos prestados, tendo o Tribunal respondido à base instrutória sem que houvesse reclamações, cf. fl.s 678 a 682.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 684 a 697, na qual se julgou a presente acção totalmente improcedente e se absolveram os réus do pedido contra si formulado, ficando as custas a cargo da autora.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora, B..., Companhia de Seguros, SA, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo, concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

a. A Recorrente intentou o presente recurso por entender que o Meritíssimo Juiz a quo não efectuou uma correcta apreciação do direito na douta Sentença ora recorrida, designadamente ao considerar que “a presente acção não pode proceder contra qualquer dos RR., que não foram intervenientes na relação contratual que serve de base ao peticionado pela A.”;

b. A Segurada da ora Recorrente incumbiu a sociedade transitária “ H... Transitários, Lda.” o transporte de 27 fardos de fios de lã fardos, desde a sede da Segurada da Recorrente – sita na Zona Industrial de Seia, Apartado ..., em Seia – até Oudenaardstraat, ..., ..., em Vichte, na Bélgica, tem a aludida sociedade transitária subcontratado à ora Recorrida “Transportes C..., Lda.” o referido transporte;

c. Entre a ora Recorrida “Transportes C..., Lda.” e a sociedade transitária “ H... Transitários, Lda.” estabeleceu-se um subcontrato;

d. Atendendo à relação material controvertida, estará em causa nos autos o contrato de comissão de transporte celebrado entre a Segurada da Recorrente e a ora Recorrida “Transportes C..., Lda.”, mediado pela aludida sociedade transitária;

e. O incumprimento desse contrato de comissão de transporte por parte da Recorrida “Transportes C..., Lda.” fez nascer na esfera jurídica da Recorrente o direito de regresso sobre a ora Recorrida “Transportes C..., Lda.” uma vez satisfeita a obrigação para com a sua Segurada, no âmbito da apólice de seguro em apreço nos autos;

f. O contrato de comissão de transporte, também denominado de expedição ou trânsito, é aquele “em que uma das partes (transitário) se obriga perante a outra (expedidor) a prestar-lhe certos serviços, que tanto podem ser actos materiais ou jurídicos”, pois, “o transitário celebra, em rigor, com o expedidor um contrato de prestação de serviços, na modalidade de contrato de mandato, funcionado como intermediário entre o expedidor e o transportador (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de Maio de 2001, disponível em www.dgsi.pt.);

g. Impende sobre a transportadora “enquanto devedora da prestação do transporte uma obrigação de resultado – a deslocação incólume das mercadorias desde a sua recepção até à entrega ao destinatário – e, também, a adopção de deveres acessórios de conduta”, conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Abril de 2010, disponível em www.dgsi.pt;

h. Da matéria provada em sede de Tribunal a quo resulta que “em 29-04-2005, a mercadoria era nova e encontrava-se acondicionada em 27 fardos e não foi alvo de qualquer reserva pelos funcionários da Transportes C..., Lda. que procederam ao carregamento”;

i. Ou seja, na data em que a mercadoria em apreço foi carregada pela ora Recorrida “Transportes C..., Lda.” nas instalações da Segurada da Recorrente, a mesma encontrava-se em bom estado de conservação;

j. Mais, da matéria de facto dada como provada em sede de Tribunal a quo resulta que “a 04-05-2005, a viatura referida em 9.º despistou-se entre a saída 13 e 13.1 da auto-estrada A1 que liga as cidades francesas de Paris e Lille”, “após o despiste, a viatura tombou e as portas de acesso ao reboque abriram, o que determinou a queda dos fardos no piso da auto-estrada, onde ficaram durante dez minutos expostos à chuva intensa que se fazia sentir”, pelo que “toda a mercadoria ficou irrecuperável e imprópria para coloração e posterior confecção têxtil de carpetes”, tendo a Autora, ora Recorrente, indemnizado “a G..., S.A. no montante de € 38.206,41”;

k. Conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Junho de 2006, disponível em www.dgsi.pt., “se o devedor originário tiver sido negligente nas instruções dadas ou na escolha do substituto, responde perante o credor inicial, podendo-se aceitar-se a acção directa contra o subcontratado se se verificarem os pressupostos da responsabilidade aquiliana”, que se mostram preenchidos nos presentes autos;

l. A destruição da mercadoria em apreço ocorreu durante o transporte terrestre efectuado pela ora Recorrida “Transportes C..., Lda.”, quando a mesma se encontrava a seu cargo e responsabilidade, não tendo a mesma tomado as providências necessárias para o transporte em segurança da mercadoria segura na Recorrente;

m. Sendo o contrato de comissão de transporte “um mandato sem representação, em que o transitário age em nome próprio, sendo apenas responsável perante o expedidor se houver deficiências no cumprimento do mandato, com ressalva da existência de pacto ou de usos em contrário, constituído um terceiro em responsabilidade perante o mandatário, em consequência da execução do mandato, é obrigado a transferir para o mandante os créditos adquiridos em execução do mandato, podendo este exigir, directamente, do terceiro, o cumprimento da obrigação”, conforme se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de Outubro de 2006, disponível em www.dgsi.pt.;

n. Da matéria de facto articulada e provada pela ora Recorrente, o preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender a procedência do exercício do direito de regresso da seguradora, ora Recorrente, nos termos do disposto nos artigos 377.º e 383.º, ambos do Código Comercial, e nos artigos 3.º e 17.º da Convenção C.M.R. aplicável aos Transportes Internacionais de Mercadorias por Estrada;

Por outro lado,

o. Entre a Recorrida “Companhia de Seguros D..., S.A.” e a Recorrida “Transportes C..., Lda.” foi celebrado um contrato de responsabilidade civil do transportador sobre mercadorias em trânsito (CMR), titulado pela apólice n.º ..., através do qual a Recorrida “Transportes C..., Lda.” transferiu para a Recorrida “Companhia de Seguros D..., S.A.” a responsabilidade civil emergente dos danos provocados durante o transporte de mercadorias por si efectuado;

p. É prática comum nos seguros de responsabilidade civil do transportador sobre mercadorias em trânsito (C.M.R.), em todas as entidades seguradoras, que se identifique o veículo reboque ou semi-reboque, constituindo esta condição essencial de validade para a celebração do contrato de seguro;

q. Conforme resulta da matéria de facto provada em sede de Tribunal a quo, “todos os veículos tractores do segurado podiam circular com o reboque da apólice n.º ...”, inclusive o veículo tractor de matrícula ...MB que a Recorrida “Transportes C..., Lda.” usou no transporte de mercadorias em apreço nos autos;

r. A ora Recorrida “Companhia de Seguros D..., S.A.” responde, pois, pelo prejuízos sofridos pela Recorrente, em virtude de ter celebrado com a Recorrida “Transportes C..., Lda.” o contrato de seguro responsabilidade civil do transportador sobre mercadorias em trânsito (CMR), titulado pela apólice n.º ..., pois o aludido contrato de seguro identifica como veículo semi-reboque aderente a matrícula ..., propriedade da Recorrida “Transportes C..., Lda.”.

s. É nestes precisos termos que se deverá fundar a procedência do pedido da Autora, ora Recorrente e, em consequência, a revogação da douta Sentença proferida pelo Tribunal de julgamento que decidiu absolver as ora recorridas do pedido de condenação no pagamento à ora Recorrente na quantia de € 38.206,41 referente às despesas suportadas por aquela com a regularização do sinistro em apreço nos autos, condenando as Recorridas, solidariamente, no pagamento à Recorrente da quantia global de € 38.206,41, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 5%, desde a data da respectiva citação até efectivo e integral pagamento.

Termos em que o recurso deve merecer provimento.

                                           Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

Contra-alegando, a ré D..., SA, pugna pela manutenção da decisão recorrida, louvando-se nos argumentos nesta expostos.

Nenhum dos demais réus ou intervenientes apresentou contra-alegações.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se as 1.ª e 2.ª rés podem ser responsabilizadas pelos danos que a ora recorrente liquidou à sua segurada e se, por via disso, a presente acção deverá proceder.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1 – A "A... Seguros S.A. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora – (Al. A).

2 - A "Transportes C..., Lda." e uma sociedade que se dedica ao transporte rodoviário internacional de mercadorias – (Al. B).

3 - A "Companhia de Seguros D..., S.A." é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora – (Al. C).

4 - A responsabilidade civil emergente da actividade do transportador "Transportes C..., da” sobre mercadorias em trânsito (CMR) encontra-se transferida para a "Companhia de Seguros D..., S.A", através é de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., nos termos definidos na "Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada" – (Al. D).

5 - E... exerce as funções de mediador de seguros da ré "Companhia de Seguros D..., S.A” – (Al. E).

6 - E... transferiu a responsabilidade civil emergente da actividade de mediador de seguros para a "Companhia de Seguros F.... S.A.” por contrato de seguro, titulado pela apólice nºs ..., com o valor seguro de € 250.000.00 – (Al. F).

7 - No exercício da sua actividade, a autora celebrou com a sociedade "G... S.A.”, com sede na Zona Industrial de Seia, Apartado ..., ... Seia, contrato de seguro do ramo mercadorias transportadas terrestre, titulado pela apólice nº ... – (Quesito 1º).

8 - A "G... S.A .” a solicitação do seu cliente "I...", com sede na ..., Bélgica, organizou o transporte desde Seia até Vichte, Bélgica, de 9.024,61 quilogramas de fios de lã de tipo semi-cardada e de cor crua, acomodada em 27 fardos – (Quesito 2º).

9 - Esses 27 fardos foram comprados pelo cliente da "G... S.A. totalizando a quantia global de € 44.617,82 – (Quesito 3º).

10 - A mercadoria deveria ser entregue na tinturaria J... ..., ... Vichte, na Bélgica – (Quesito 4º).

11 - A autora assumiu perante a "G..., S.A.”, a responsabilidade pelo pagamento de danos ocorridos nos fardos, até ao limite de € 125.000.00, em consequência do transporte – (Quesito 5º).

12 - A "G..., S.A." incumbiu a sociedade transitária " H... Transitários. Ldª." de organizar o transporte das mercadorias – (Quesito 6º).

13 - A " H... Transitários, Lda," acordou com a "Transportes C..., Lda." que esta procederia ao transporte entre os armazéns da "G..., S.A”, em Seia, até aos armazéns do seu cliente em Vichte, mediante o recebimento de um preço – (Quesitos 7º e 8º).

14 - A "Transportes C..., Lda," carregou em Seia, a 29/04/2005 os fardos de lã no reboque de matrícula ..., rebocado por camião – (Quesito 9º).

15 - Em 29-04-2005 a mercadoria era nova e encontrava-se acondicionada em 27 fardos e não foi alvo de qualquer reserva pelos funcionários da "Transportes C..., Lda." que procederam ao carregamento' – (Quesitos 10º e 11º).

16 - A 04-05 2005, a viatura referida em 9°despistou-se entre a saída 13 e 13.1 da auto -estrada A 1 que liga as cidades francesas de Paris e Lille – (Quesito 12º).

17 - Após o despiste, a viatura tombou e as portas de acesso ao reboque abriram, o que determinou a queda fardos no piso da auto-estrada, onde ficaram durante mais de dez minutos expostos à chuva intensa que se fazia sentir? – (Quesitos 13º e 14º).

18 - A mercadoria foi posteriormente carregada noutro veículo e entregue em Vichte a 09/05/2005 – (Quesito 15º).

19 - Atendendo ao estado da mercadoria, foram formuladas reservas, à descarga, aposta no CMR nº ... – (Quesito 16º).

20 - A " G... S.A.” contratou uma sociedade de regulação de avarias a fim de proceder à avaliação dos danos na mercadoria transportada, e nessa peritagem intervieram representantes do consignatário da mercadoria, da 1ª Ré, e do “seguro CMR que cobre responsabilidade do transportador rodoviário, a 2ª Ré D...– (Quesito 17º).

21 - No âmbito da avaliação referida em 17º os peritos verificaram que em consequência da queda e da exposição à chuva, seis fardos se desintegraram e estavam sujos e misturados em diferentes extensões com o carretel partido em vários sítios – (Quesitos 18º e 19º).

22 - Os restantes fardos estavam descolorados e contaminados com terra - (Quesito 20º).

23 - Todos os fardos apresentavam danos decorrentes da humidade – (Quesito 21º).

24 - Toda a mercadoria ficou irrecuperável e imprópria para coloração e posterior confecção têxtil de carpetes – (Quesito 22º).

25 - Em virtude do sucedido, a "G..., S.A.” emitiu uma nota de crédito à sua cliente no valor de € 44.671,82 – (Quesito 23º).

26 – A mercadoria foi vendida, como refugo, pelo valor de € 6.768,46, com despesas de comissão e outras de € 303,05, do que resultou um proveito líquido de € 6465,41 – (Quesito 24º).

27 - A autora indemnizou a "G..., S.A.” no montante de € 38.206,41 – (Quesito 25º).

28 - Na proposta do seguro enviada à ré D...fornecida pela "Transportes C..., Lda.”, o reboque acidentado e transportador da carga, com a matrícula ..., estava devidamente identificado – (Quesito 26º).

29 - Foi sempre o mediador da ré F..., E..., quem fez esses seguros à "Transportes C..., Lda." – (Quesito 28º).

30 - Que pedia à "Transportes C..., Lda.” os elementos que necessitava, preenchia os impressos e só pedia a assinatura das propostas – (Quesito 29º).

31 - Uma das condições especiais do contrato de seguro referido em D), comunicada pela 1ª à 2ª aquando da emissão da apólice e das várias alterações ocorridas desde o início da vigência do seguro, previa que: "em caso de sinistro, a presente apólice apenas responde nos termos da convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada "CMR" e das condições gerais da apólice, pelos prejuízos causados às cargas transportadas em conjuntos constituídas por camião/tractor/semi-reboque/reboques que sejam propriedade do tomador do seguro segurado e cujas matrículas (do conjunto) se encontrem identificadas na apólice ou como aderentes à mesma” – (Quesito 32º).

32 - À data do acidente e antes do mesmo, por propostas da 1ª Ré aceites pela 2ª Ré, os veículos que circulavam atrelados aos veículos aderentes ao contrato de seguro entre ambas celebrado eram, exclusivamente, os tractores de matrícula ...XH (proposta de 17/09/2004), e ...QJ(proposta de 18.06.02)

– (Quesito 33º).

33 - Das propostas remetidas pela 1ª Ré à 2ª Ré, e por esta aceites, não constava o tractor de matrícula ...MB – (Quesito 34º).

34 – A 1ª Ré, na participação que fez à 2ª Ré, descreveu a forma como ocorreu o acidente, nos termos provados em 12º e 13º acima – (Quesito 35º).

35 - Na participação a 1ª a ré omite que o VI... fazia conjunto com o tractor ...MB – (Quesito 36º).

36 - O veículo tractor, que constitui o conjunto, tem um seguro de responsabilidade civil completamente autónomo e distinto do tipo de seguro referido em D) – (Quesito 40º).

37 - É prática comum nos seguros de responsabilidade civil do transportador sobre mercadorias em trânsito (CMR), em todas as entidades seguradoras, que se identifique o veículo reboque ou semi-reboque, constituindo este condição essencial de validade para a celebração do contraio de seguro – (Quesito 41º).

38 - É frequente que o veículo tractor seja de um empresa e o veículo semi-reboque de outra empresa – (Quesito 46º).

39 - Na proposta de adesão apresentada à 1ª ré não constava qualquer menção em que o incumprimento da disposição referida em 32º constituísse uma causa de exclusão – (Quesito 49º).

40 - É frequente que a um veículo semi-reboque estejam afectos todos os tractores do segurado – (Quesito 50º).

41 - Sendo frequente a troca dos elementos que compõem um conjunto – (Quesito 51º).

42 - A identificação do veículo tractor na proposta, segundo orientações transmitidas ao mediador, constituía uma simples menção e não tinha qualquer efeito na formação e efeitos da apólice – (Quesito 52º).

43 - Considerando-se que todos os veículo tractores do segurado podiam circular com o reboque da apólice nº ... – (Quesito 53º).

44 - Sendo este o entendimento que o mediador, por indicação da 2ª Ré, transmitia aos segurados – (Quesito 54º).

45 - O sinistro dos autos foi participado à "Companhia de Seguros F..., SA.” em 23 de Novembro de 2006 – (Quesito 55º).

            Se as 1.ª e 2.ª rés podem ser responsabilizadas pelos danos que a ora recorrente liquidou à sua segurada e se, por via disso, a presente acção deverá proceder.

            Defende a ora recorrente que assim é porque o contrato celebrado entre a sua segurada e a 1.ª ré (transportadora) não se pode qualificar como um contrato de transporte mas sim um contrato de comissão de transporte, embora mediado pela transitária (aqui não demandada), que a transportadora incumpriu, o que fez nascer na sua segurada o direito a ser indemnizada pelos danos sofridos, que a recorrente, ao abrigo do contrato de seguro que com ela celebrou, lhe pagou e, agora, a título de direito de sub-rogação, pretende reaver da ré transportadora e respectiva seguradora.

Por seu turno, na sentença recorrida, porque a segurada da autora não contratou directamente com a transportadora (a ora 1.ª ré), mas sim com uma empresa transitária, aqui não demandada, considerou-se que a transitária celebrou um subcontrato com a transportadora, que não afastou a obrigação do cumprimento do contrato inicial, nem a responsabilidade inicial de quem recorre a terceiros, no cumprimento de um contrato, pelo que a autora adquiriu os direitos, por via da sub-rogação, que cabiam à sua segurada.

No entanto, como não foi demandada a transitária, fundando-se a acção no incumprimento de um contrato de transporte, inexiste o direito invocado, por a autora nenhuma relação ter com a ré transportadora, pelo que, igualmente, não pode responsabilizar-se a sua seguradora.

O desfecho da presente acção, tendo por referência a factualidade provada, prende-se com a configuração (qualificação) jurídica que venha a ser dado ao contrato celebrado entre as partes contratantes.

Questão, esta, que não tem vindo a ser unanimemente tratada pela nossa jurisprudência, como resulta das referências a várias decisões, quer num sentido quer noutro, tanto na sentença recorrida como nas alegações e contra-alegações de recurso.

O contrato de transporte é entendido como aquele em que através do qual alguém se obriga perante outrem, mediante contrapartida monetária, a realizar, por si ou por terceiro, a mudança de pessoas ou coisas, de um sítio para outro – cf. por todos, Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, vol. II, pág. 394.

Consoante se trate de deslocação de pessoas ou mercadorias, dentro do mesmo país ou de um para outro, tratar-se-á, no último caso, de transporte internacional de mercadorias, regulados por convenções internacionais, de acordo com o meio de transporte utilizado (terrestre - e aqui havendo a considerar o transporte por estrada e o ferroviário -, fluvial ou aéreo).

Num contrato de transporte existe um triângulo de partes contratantes, constituído pela pessoa ou entidade que efectua o transporte (transportador); que “encomenda” o transporte (expedidor) e a quem se destinam os bens transportados (destinatário).

No caso de transporte de mercadorias por estrada (como se verifica no caso em apreço), tem aplicação a Convenção CMR, de 15/05/1956, aceite no nosso direito interno através do Dec.Lei n.º 46.235, de 18/03/1965, modificada pelo Protocolo de Genebra, de 05/07/1978, a que Portugal aderiu, cf. DL 28/88, de 6/9.

Subjacente a tal Convenção surgiu a necessidade de regular uniformemente a matéria do transporte internacional de mercadorias por estrada, a qual teve na sua génese o incremento das trocas comerciais entre os vários países contratantes, ou seja, a proliferação de contratos de compra e venda internacional de mercadorias, bens e serviços.

Por sua vez, o aumento das trocas comerciais entre tais países e inerente transporte das mercadorias, bens e serviços transaccionados através do transporte por estrada potenciou o aparecimento de um novo agente económico: os agentes transitários.

Efectivamente o incremento das trocas comerciais internacionais, levou cada vez mais a uma maior especialização e complexidade das redes de angariação de transportes e a uma necessidade do aparecimento de pessoas ou entidades especialmente vocacionadas para processar todos os mecanismos e “demarches” tendo em vista uma mais expedita e eficaz expedição, circulação e recepção das mercadorias transaccionadas, designadamente com a realização dos transportes em grupagem e com a constituição de uma “verdadeira rede” de representantes das diversas companhias transitárias nos mais variados locais e países, que passaram a tratar de todas as burocracias e diligências com vista a efectuar um transporte em que surgem como interessados terceiros (contratantes entre si e mediados pelo transitário).

Entre nós, a actividade do transitário, foi inicialmente regulada pelo DL 43/83, de 25/1 e actualmente pelo DL 255/99, de 7/7.

Este, no seu artigo 1.º, n.º 2 refere que:

“A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção:

a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias;

b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte;

c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.”.

Outra consequência da regulamentação específica da actividade de transitário é a de que, conforme resulta do artigo 15.º, n.º 1, do mencionado DL, o transitário responde objectivamente pelo cumprimento do transporte contratado com terceiros, uma vez que ali se estipula que:

“As empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso.”.

Surgiu, assim, um novo contrato apelidado de comissão de transporte ou de expedição ou trânsito e mediante o qual a empresa transitária contrata com um terceiro a realização de um determinado transporte, de acordo com as condições transmitidas e acordadas com o expedidor.

No dizer de Nuno Castello Branco Bastos, in Direito dos Transportes, Almedina, pág. 82 “o transitário apresenta-se como o arquitecto da logística que envolve a expedição e recepção de bens entre diversos pontos territoriais, actuando por conta e em nome de outrem, e agindo como mandatário do cliente em todas as operações necessárias à obtenção do resultado ou fim contratual.”.

Ou, como o refere Alfredo Proença, in Transporte de Mercadorias Por Estrada, Almedina, 1998, a pág. 47 “É ao transitário que o empresário se dirige para o transporte internacional das suas mercadorias, certo de que ele tratará de tudo … até do transporte!”.

Analisando as funções do transitário, bem como o contexto em que surgiu e as conexões por ele estabelecidas, seguindo Francisco Costeira da Rocha, in O Contrato de Transporte de Mercadorias …, Almedina, 2000, a pág.s 80 a 82, podemos definir o contrato de expedição ou trânsito (para seguir a terminologia ali seguida e não a de comissão de transporte), como aquele “… em que uma parte (transitário) se obriga perante a outra (expedidor) a prestar-lhe certos serviços – que tanto podem ser actos materiais ou jurídicos – ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação do cliente.”

Ali se acrescentando que o mesmo se configura, na sua essência, como um contrato de mandato, com ou sem representação, bastando que exista a obrigação de praticar um ou mais actos jurídicos e actuação do mandatário por conta do mandante.

Aqui, o que releva é que o transitário assume a obrigação de celebrar um contrato de transporte, com um transportador, em nome próprio ou do expedidor, mas sempre por conta deste. Fundamental é o mandato, mas não a ausência de poderes representativos.

No caso de um mandato representativo, a posição jurídica do transitário decorrerá das regras ordinárias do mandato com representação (civil) ou mandato (mercantilista), ou seja do que se acha regulado nos artigos 258.º e seg.s, ex vi 1178.º do CC ou 231 e seg.s do Código Comercial e 1157.º e seg.s, 1178.º e 1179.º do CC.

No entanto, pode o transitário estar munido das vestes de transitário e de transportador, simultaneamente, isto é, em certas situações, pode o transitário efectuar o transporte por si próprio, caso em que se estará perante um verdadeiro contrato de transporte e não um de expedição, trânsito ou comissão de transporte, situação em que só caso a caso, através da análise do acervo de direitos e obrigações concreta e reciprocamente assumido, se deve qualificar o contrato assumido – neste sentido os Acórdãos do STJ, de 20/09/2007, Processo 07B1976 e de 09/09/2010, Processo n.º 6089/05.9TBMAI.P1.S1, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

Em idêntico sentido se pronuncia Alfredo Proença, in ob. cit., a pág. 48, quando ali refere ser necessário apurar em cada caso concreto qual foi a medida da intervenção do transitário num determinado transporte, se o fez por si ou como simples agente/correspondente do responsável principal pelo transporte, sendo em função disso que se determina a sua responsabilidade (no incumprimento do contrato).

Efectivamente, como acima já aflorado, só ao caso do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada se aplica a supra mencionada CMR.

Concluindo-se que se trata de um contrato de comissão de transporte ou de trânsito, já terá aplicação o regime do artigo 15.º do acima mencionado DL 255/99.

Ora, tendo em linha de conta a factualidade dada como provada, designadamente os seus itens 12 a 14, constata-se que a segurada da autora, incumbiu a sociedade transitária “ H... Transitários, L.da” de organizar o transporte das mercadorias que pretendia ver expedidas para a Bélgica.

A transitária, acordou com uma terceira empresa – a 1.ª ré, “Transportes C..., L.da”, que seria esta a proceder ao mencionado transporte, entre os armazéns da segurada da autora, em Seia, até Vichte, na Bélgica, para o que efectuou a respectiva carga, a qual só não chegou incólume ao almejado destino, dado o acidente descrito nos itens 16 e 17 da mesma factualidade.

Ou seja, no caso em apreço, a transitária não assumiu a obrigação de efectuar, ela própria, o transporte, mas sim de contratar um terceiro para o fazer. Mais não fez do que actuar dentro do seu escopo de transitária, planeando o transporte, através de um terceiro, de molde a satisfazer a pretensão do expedidor: que as mercadorias chegassem (em boas condições) às instalações do destinatário.

Daqui tem, pois, face ao exposto, de se concluir que a segurada da autora não agiu como transportadora, mas sim na qualidade de comissionista/transitária, do que decorre que o contrato em apreço não é de transporte mas sim de comissão de transporte, de expedição ou de trânsito, sendo do incumprimento deste contrato que surge a obrigação de indemnizar o expedidor (no caso a autora por sub-rogação) pelos prejuízos causados em resultado de tal incumprimento.

E não se tratando, como não se trata, de um contrato de transporte não se aplica o disposto na já aludida CMR, mas sim o que consta do artigo 15.º do DL 255/99, de 7/7, nos termos do qual, o transitário responde perante o seu cliente pelo incumprimento das obrigações contraídas pelo transportador que contratou e com os limites para este estabelecidos, por lei ou convenção (o que remete, nesta sede, para a sobredita CMR), sem prejuízo do direito de regresso.

No sentido ora propugnado, para além dos já citados, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 05/02/2004, disponível no mesmo sítio dos anteriores e de 5 de Março de 2009, in CJ, STJ, Ano XVII, Tomo I/2009, a pag. 131 e seg.s e os desta Relação de 03/10/2006, Processo 684/03.8TBGML.C1 e de 04/04/2006, Processo 4296/05, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jtrc.

Assente, pois, a existência de responsabilidade da empresa transitária, perante a autora, pelo incumprimento do contrato de transporte acordado, é aquela, em primeira linha, que incumbe demandar para ressarcimento dos danos ocasionados na esfera do expedidor – cf. referido artigo 15.º, n.º 1 do DL 255/99.

Satisfeita tal indemnização, poderá, se for o caso, o transitário exercer o seu direito de regresso contra os terceiros (em relação ao expedidor) incumpridores, mas será o transitário a ter que indemnizar o expedidor pelos prejuízos por este sofridos e não o transportador que com o expedidor nada contratou, dada a especificidade que resulta da norma ora citada e que, nessa exacta medida, se sobrepõe às normas que regulam o contrato de mandato (quer na vertente civil quer mercantilista).

Acontece que, ao propor a presente acção, a autora não demandou a empresa transitária, pelo que não pode ver satisfeita a sua pretensão, uma vez que, como exposto, quem tem de arcar com tal responsabilidade é a transitária e não o transportador que, reitera-se, nenhuma responsabilidade assumiu para com a expedidora.

De resto, uma das razões apontadas para a regulamentação da actividade de transitário foi a de que, amiúde, estes se pretendiam eximir às suas responsabilidades decorrentes do incumprimento de contratos de transportes que contratavam com expedidores, com o argumento de que os mesmos tinham sido cometidos a terceiros e era a estes que se devia imputar a razão do incumprimento contratual.

Agora, a sua responsabilização resulta directamente e em primeira linha, da lei, tendo de suportar os prejuízos resultantes do incumprimento do contrato de transporte por parte de terceiros com que hajam contratado.

Assim, para que a ora autora possa ver satisfeita a sua pretensão terá de demandar a empresa transitária, em função do que, embora por diferente fundamentação, é de manter a decisão recorrida, pelo que improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
Beça Pereira