Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
140/12.3TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ABANDONO DO TRABALHO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 01/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 403º, NºS 1, 2, 3 E 4 DO CÓDIGO DO TRABALHO.
Sumário: I – Nos termos do artº 403º, nº 1 do Código do Trabalho, o “abandono ao trabalho” consubstancia-se pela ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelam a intenção de não o retomar – forma de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.

II – Relativamente ao empregador, esta particular modalidade de cessação do contrato de trabalho não opera automaticamente, já que aquele deve invocar a cessação do contrato com fundamento no abandono do trabalho, através de comunicação ao trabalhador mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, para a sua última morada conhecida (nº 3).

III – As faltas injustificadas que não revelem essa intenção de não voltar ao trabalho podem ser fundamento para despedimento com justa causa (artº 351º, nº 2, al. g) do C.T.), mas já não de cessação do contrato por abandono do posto de trabalho.

IV – O legislador estabeleceu uma presunção legal no sentido de que a ausência do trabalhador ao serviço faz presumir o abandono quando se prolongue durante pelo menos 10 dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência (nº 2 do artº 403º).

V – Esta presunção é uma presunção júris tantum, dado que pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova de que não comunicou o motivo da ausência por ter sido impedido de o fazer por razões de força maior (nº 4 do artº 403º do CT).

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento efectuado pela ré e que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização pelo despedimento ilícito, na quantia de € 3.626,62, a quantia de € 1.018,00, referente ao subsídio de férias de 2010 e subsídio de Natal de 2010 que não foram pagos, bem como a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir em virtude do despedimento, que se vencerem desde a propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão que decrete a ilicitude do despedimento e os juros que se venceram sobre todas as quantias peticionadas, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em súmula, que celebrou um contrato de trabalho com a ré e que cessou devido ao seu despedimento por esta, sendo-lhe devidos os créditos laborais e a indemnização peticionada.

A ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção peremptória de compensação e por impugnação, alegando, também em síntese, que não despediu a autora, mas antes considerou denunciado o seu contrato de trabalho devido ao abandono do trabalho pela autora, sendo-lhe devida por esta a indemnização pelo não cumprimento do prazo de aviso prévio para a denúncia desse contrato, cujo valor pretende que seja compensado com os créditos que sejam reconhecidos à autora.

A autora apresentou resposta à contestação.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e, declarando a ilicitude do despedimento do autora, condenou a ré: a) a pagar à autora, a título de indemnização por antiguidade, a quantia correspondente a 25 dias de retribuição base da mesma, no valor de € 424,17, por cada ano completo ou fracção de antiguidade da autora na ré até ao trânsito em julgado desta sentença, nunca podendo exceder o montante correspondente ao pedido formulado pela autora a esse título, considerando-se que a antiguidade se iniciou em 1 de Maio de 2006, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado desta sentença e até efectivo e integral pagamento; b) a pagar à autora, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 509,00, desde o dia 14/1/2012 e até ao trânsito em julgado desta sentença, deduzida do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à autora, devendo a ré entregar essa quantia à Segurança Social, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado desta sentença e até efectivo e integral pagamento; c) a pagar à autora, a título de subsídio de férias e de Natal, a quantia total de € 1.018,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da R. e até efectivo e integral pagamento. No mais pedido, absolveu a ré.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, conclui:

[…]

A autora não apresentou contra-alegações.  

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.

Não houve respostas a este parecer.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto           

[…]


*

2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

- se a conduta da autora a faz incorrer em abandono do trabalho para efeitos do disposto no artigo 403.º do Código do Trabalho, e se assim se pode considerar o contrato de trabalho validamente denunciado pela ré; ou melhor: saber se ocorreram ou não os requisitos de que depende a cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho.

- na resposta negativa a tal questão, se está ou não correcto o montante da indemnização substitutiva da reintegração fixado pela 1.ª instância.

Vejamos:

a) A impugnação da matéria de facto:

[…]

b) A questão do abandono do trabalho:

Nos termos do artigo 403.º n.º 1 do Código do Trabalho, o “abandono ao trabalho” consubstancia-se pela ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelam a intenção de não o retomar.

Trata-se de uma forma de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, que a lei faz equivaler à denúncia sem aviso prévio (nº 4).

Relativamente ao empregador, esta particular modalidade de cessação não opera automaticamente, já que aquele deve invocar a cessação do contrato com fundamento no abandono do trabalho, através de comunicação ao trabalhador mediante o envio de carta registada, com aviso de recepção, para a sua última morada conhecida (n.º 3).

Assim, para que se verifique o abandono não basta a simples ausência ao trabalho. É necessário que, concomitantemente com ela, haja factos que fortemente indiciem (“com toda a probabilidade”, diz a lei) que a ausência ocorre porque o trabalhador tem a intenção de não retomar o trabalho.

As faltas injustificadas que não revelem essa intenção de não voltar ao trabalho, podem ser fundamento para despedimento com justa causa (v. artigo 351.º n.º 2 al. g) do Código do Trabalho), mas já não de cessação do contrato por denúncia.

Ora, no caso concreto os factos provados, só por si, não revelam a probabilidade de existir a tal intenção de abandono do trabalho por parte da autora.

Esta comunicou à ré que foi mãe em 10 de Setembro de 2010 (factos 5. e 6.) e as partes acordaram mesmo que (factos 7.) após a licença de maternidade, aquela iria gozar as suas férias, no global de 21 dias úteis de férias, vencidas no ano de 2010 e não gozadas nesse ano. A ré sabia que a autora entrou em licença de maternidade, embora estivesse convencida que a licença teria a duração de 120 dias (facto 8.).

Todavia, dos factos apurados nada se retira que possa ter induzido a ré nessa convicção. Se é certo que se provou a autora nunca informou a ré que tivesse optado pelo gozo de licença parental inicial de 150 dias, não vemos que sabendo esta que aquela entrou em licença parental inicial não possa ter antecipado que aquela poderia optar pelo período de 150 em lugar do de 120 dias, tal como o artigo 40.º n.º 1 do Código do Trabalho lhe atribui o direito.

Nessa conformidade, a ausência da autora não poderia revelar com toda a probabilidade a intenção de não retomar o trabalho.

Porém, o legislador estabeleceu uma presunção legal no sentido de que a ausência do trabalhador ao serviço faz presumir o abandono, quando se prolongue durante pelo menos por 10 dias úteis seguidos sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência (n.º 2 do artigo 403.º).

É desta presunção que a apelante se pretende fazer valer para invocar a figura do “abandono do trabalho”.

Decorridos os 120 dias que a ré tinha como certos para o exercício da licença parental, acrescidos do período acordado de férias, a autora não se apresentou ao serviço (facto 13.) durante 13 dias úteis de ausência do trabalho sem informação à ré do motivo dessa ausência, o que leva a ré a invocar a presunção.

Aquela presunção é uma presunção juris tantum, dado que pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova de que não comunicou o motivo da ausência, por ter sido impedido de o fazer por razões de força maior (nº 4 do artigo 403.º).

A este respeito, na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:

«Antes de mais, cumpre referir que o Art. 40º do Código do Trabalho, sempre na redacção em vigor aquando do início destes autos, tem a seguinte redacção: “1 – A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho, a licença parental inicial de 120 ou 150 dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte. 2 – A licença referida no número anterior é acrescida em 30 dias, no caso de cada um dos progenitores gozar, em exclusivo, um período de 30 dias consecutivos, ou dois períodos de 15 dias consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe a que se refere o n.º 2 do artigo seguinte. 3 – No caso de nascimentos múltiplos, o período de licença previsto nos números anteriores é acrescido de 30 dias por cada gémeo além do primeiro. 4– Em caso de partilha do gozo da licença, a mãe e o pai informam os respectivos empregadores, até sete dias após o parto, do início e termo dos períodos a gozar por cada um, entregando para o efeito, declaração conjunta. 5- Caso a licença parental não seja partilhada pela mãe e pelo pai, e sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte, o progenitor que gozar a licença informa o respectivo empregador, até sete dias após o parto, da duração da licença e do início do respectivo período, juntando declaração do outro progenitor da qual conste que o mesmo exerce actividade profissional e que não goza a licença parental inicial. 6 – Na falta da declaração referida nos n.ºs 4 e 5 a licença é gozada pela mãe. 7 – Em caso de internamento hospitalar da criança ou do progenitor que estiver a gozar a licença prevista nos n.ºs 1, 2 ou 3 durante o período após o parto, o período de licença suspende-se, a pedido do progenitor, pelo tempo de duração do internamento. 8 – A suspensão da licença no caso previsto no número anterior é feita mediante comunicação ao empregador, acompanhada de declaração emitida pelo estabelecimento hospitalar. 9 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 7 ou 8”, sendo que “É obrigatório o gozo, por parte da mãe, de seis semanas de licença a seguir ao parto” (Art. 40º, n.º 2 do Código do Trabalho).

Finalmente, temos que o Art. 403º do Código do Trabalho dispõe que “1 –  Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar. 2 – Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência. 3 – O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste. 4 – A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência. 5 – Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º”.

Ora, antes de mais, cumpre referir que, ao contrário do pretendido pela R. e apesar da falta de clareza deste primeiro normativo a esse respeito (nada referindo quanto aos efeitos da falta de comunicação do trabalhador à entidade empregadora na fixação do período concreto de gozo da licença parental, mas, salvo melhor opinião, não se considerando que do silêncio do trabalhador decorra, necessariamente, uma opção pela licença parental de menor duração, até por ser natural que a generalidade dos trabalhadores opte por essa duração mais prolongada da licença parental), não se vê que do Art. 40º do Código do Trabalho resulte qualquer presunção, na falta da comunicação prevista no n.º 5 dessa norma legal, de que a duração da licença parental seja de 120 (ou, ao invés, de 150) dias, antes decorrendo dessa omissão, tão somente, que “a licença é gozada pela mãe”, como sucedeu no caso concreto.

Isto é, tendo a A. comunicado à R. o nascimento e não informando a R. “da duração da licença e do início do respetivo período”, conclui-se que a licença parental seria gozada pela A., como o aceitou a R., mas não podendo a R. presumir, sem mais, que a A. iria gozar uma licença parental de 120 dias ou concluir que, decorrido esse período de 120 dias e o período de férias que a A. iria gozar de seguida (como A. e R. o aceitam), a mesma tenha abandonado o trabalho.

Se é verdade que a conduta da A. não foi, necessariamente, a mais correcta, uma vez que deveria sempre ter comunicado ab initio à R. que iria gozar uma licença parental de 150 dias, temos que a R. não poderia ter entendido essa falta de comunicação como implicando, inelutavelmente, que a licença parental da A. fosse de 120 dias, podendo até, face à inacção da A., ter esclarecido a concreta duração dessa licença junto da A. ou da própria Segurança Social antes de considerar cessado o contrato de trabalho da A. por denúncia.

Aliás, a R., ao receber a carta da A. de resposta à carta inicial da R., teria sempre que concluir que a A. tinha optado, ao contrário do que entendera até então, pelo gozo de uma licença parental de 150 dias e que ainda não se tinha verificado o prazo de ausência do trabalhador previsto no Art. 403º, n.º 2 do Código do Trabalho, deixando a A., como esta o pretendia, retomar o seu trabalho, pelo que a atitude da R., ao considerar mesmo assim como denunciado esse contrato de trabalho e informando a A., subsequentemente, que não pertence mais “ao quadro de pessoal desta empresa”, corresponde, de facto, a um despedimento, não se podendo considerar como verificado o abandono do trabalho por parte da A..»

Ou seja, apreende-se da sentença recorrida que a ausência da autora não poderia ser subsumida a uma ausência sem informação à ré do seu motivo, em termos de conduzir à previsão da presunção já indicada.

Vejamos:

Dos factos provados (facto 8.) deve retirar-se que a autora optou pelo gozo de licença parental inicial de 150 dias.

Também se deve retirar que não comunicou essa situação e, por isso, a ré sempre considerou que a licença parental inicial teria a duração de 120 dias.

Todavia, nada na lei permite apoiar que essa “convicção” da ré fosse fundada, como salientou a 1.ª instância.

Se é certo que, nos termos do art. 40.º do Código do Trabalho, sobre o progenitor que decida o exercício da licença parental incumbe o dever de informar o empregador, até sete dias após o parto, do início e termo do período a gozar, o incumprimento desse dever no caso em apreço não pode dispensar o cumprimento do princípio da boa fé na execução do contrato (126.º n.º 1 do Código do Trabalho), quando se verifica que a ré aceitou sem outras exigências de comunicação que a autora exerceria o seu direito de licença parental, acordando logo depois da entrega do documento comprovativo do nascimento da filha que ela gozaria a licença de maternidade e, logo após, as suas férias (facto 7.).

Embora se tenha convencido que a licença parental inicial a gozar teria a duração de 120 dias, o certo é que com tal atitude dispensou o cumprimento formal do dever acessório de comunicação por parte da autora, nada se revelando no comportamento desta que tenha conduzido à errada convicção da ré. Na verdade, a autora poderia ter optado por licença de 120 dias, 150 dias ou até menos, em caso de licença partilhada com o pai da sua filha. Perante aquela dispensa tácita, não pode a ré mais tarde valer-se dessa comunicação para considerar ilegítimo o exercício daquele direito.

Nesse circunstancialismo e no nosso entender, tendo aceitado o exercício da licença parental, independentemente da ausência de comunicação da sua duração, exigiria a boa fé que a ré averiguasse a sua duração, antes de ter declarado o abandono do trabalho, admitindo que a autora tinha optado pela licença de 150 dias e não por 120 dias como era sua errónea convicção. Não se provou sequer que a ré tenha tentado obter tal esclarecimento. De nada releva, neste contexto e como contraponto de boa fé, o facto de se ter provado que a ré pagou a retribuição relativa às férias, iniciadas em 8 de Janeiro de 2011 e terminadas em 8 de Fevereiro de 2011, sendo que a autora não manifestou junto da ré oposição ou estranheza quanto ao recebimento em tal momento. Os motivos de tal omissão não estão determinados, podendo ir da simples falta de atenção ou entendimento de um pagamento antecipado, não vedado por lei, sem que faça pressupor que a autora tinha consciência que a ré tinha a “convicção” que a licença tinha duração de 120 dias.

Ora, tendo a autora optado pela duração de 150 dias, a licença parental justifica a sua ausência pelo período considerado de ausência injustificada pela ré, devendo considerar-se a sua comunicação à ré abrangida pela aceitação inicial por esta do gozo daquela licença. O equívoco em que a ré incorreu contou com a sua contribuição ao não ter pedido melhor esclarecimento no início da licença. Não pode, assim, considerar-se que a autora tenha incorrido numa ausência ao serviço por pelo menos 10 dias úteis seguidos, sem que a ré tenha recebido comunicação do motivo da ausência, para efeitos de funcionamento da presunção do abandono estabelecida no n.º 2 do artigo 403.º do Código do Trabalho.

Neste caso, deve reconhecer-se que, como se refere no Ac. do STJ de 15-09-2010 (in www.dgsi.pt, proc. 84/07.2TTVIS.C1.S1), “a ausência ao serviço, para constituir abandono do trabalho, tem que traduzir um incumprimento voluntário e injustificado do contrato de trabalho – que não criado por um circunstancialismo externo passível de induzir a um comportamento de abstenção ao trabalho erroneamente justificado – revelador da ruptura tácita do contrato”.

E, como na situação tratada nesse aresto (embora diversa nos seus pressupostos factuais estritos), embora se possa admitir que a ré pudesse configurar como injustificada a ausência da autora, não podia desconhecer ou, pelo menos, não podia deixar de admitir, face ao reconhecimento que fizera do exercício da licença, que autora continuasse no seu gozo e não fosse sua intenção fazer cessar o contrato.

E daí também que não pudesse recorrer à figura do abandono do trabalho
Por tudo isso, não merece censura a sentença recorrida quando concluiu pela ilicitude do despedimento da autora.

c) A questão do montante da indemnização:
Escreveu-se na sentença recorrida, a propósito:
«(…) a indemnização prevista no Art. 391º, n.º 1 do Código do Trabalho, dado que a A. optou pela mesma em detrimento da reintegração na R., sendo que o seu valor deve ser fixado de acordo com “dois fcatores de ponderação, isto é, dois elementos que o tribunal deverá atender, combinando-os, na definição do quantum indemnizatório: por um lado, deverá ser levado em conta o valor da retribuição do trabalhador (assim, para um trabalhador que aufira uma remuneração elevada, o tribunal tenderá a graduar a indemnização «em baixa», para um trabalhador que aufira um salário modesto, o tribunal tenderá a modulá-la «em alta»); por outro lado, o tribunal deverá avaliar o grau de ilicitude do despedimento, decorrente da ordenação estabelecida no art. 381º, pois, sendo todos estes despedimentos ilícitos, alguns são-no mais do que outros” – JOÃO LEAL AMADO, ob. cit., p. 437.
Desta forma, considerando, desde logo, o facto de o valor da retribuição base da A. ser superior à remuneração mínima mensal garantida e o facto de o despedimento da A. não ter sido precedido de qualquer procedimento para o efeito, sendo, por essa via, ilícito, mas assentando também na inacção da própria A. e numa conclusão errada da R. decorrente dessa omissão da A., entende-se fixar a indemnização em 25 dias de retribuição base e diuturnidades, € 424,17 (= € 509 : 30 x 25 dias), por ano ou fracção de antiguidade da A. na R. até ao trânsito em julgado desta sentença, não podendo nunca exceder a quantia peticionada a esse título pela A.».

A apelante defende que, concluindo-se – como concluímos – por um despedimento ilícito, o montante de indemnização por antiguidade a fixar nos autos devia ter sido fixado, nas circunstâncias do caso, no montante mínimo legal previsto de 15 dias por cada ano de antiguidade ou fracção e não conforme foi decidido à razão de 25 dias/mês.

Do nosso ponto de vista, porém, a sentença ponderou já todos os elementos necessários à fixação e que são favoráveis à ré (designadamente, a ponderação da conduta da autora), fixando a indemnização abaixo da média, não obstante o baixo salário da autora (€ 509,00), factor que deveria determinar a ponderação de um montante mais elevado, de acordo com o correcto critério mencionado na sentença.

Por isso, mantemos o decidido na sentença.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação.

Custas a cargo da apelante.


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 (Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)