Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/22.6T8TBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RUPTURA NAS NEGOCIAÇÕES
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 542.º, 2; 608.º, 2; 615.º, 1, B), C) E D) E 640.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 224.º; 227.º; 236.º1; 253.º; 2; 405.º E 799.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:

I - As partes que ajustam um contrato devem adoptar, mutuamente, um comportamento baseado na boa fé, estabelecendo-se, assim, entre elas uma relação da qual derivam certos deveres e de que podem emergir responsabilidades.

Na base da responsabilidade pré-contratual está a ideia de que o simples início de negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação, de esclarecimento dignos da tutela do direito.

II - Porém, torna-se ilegítima se a parte que rompe as negociações o faz sem um motivo válido, violando, notoriamente, os valores impostos pela boa fé, à luz das circunstâncias e das especificidades do caso.

III -O comportamento de ruptura das negociações terá sempre de ser analisado da perspectiva do que esse rompimento representa para a outra parte e para a relação de confiança estabelecida entre elas, e não de uma perspectiva individual da pessoa que rompe as negociações. A ilicitude, que está na base da responsabilidade pré-contratual, é, precisamente, a violação dos deveres emergentes da cláusula geral de boa fé.

IV - No âmbito da responsabilidade pré-contratual, a indemnização deva, em regra, ressarcir os danos cobertos pelo interesse contratual negativo, situações há, excepcionais, em que o tribunal poderá fixá-la cobrindo o interesse contratual positivo.

V- Se a R. se limitou a pedir orçamento à A., como fez com outras empresas, não resulta que entre as partes houvesse já, um pré-acordo.  

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra     

                  Proc.º n.º 81/22.6T8TBU.C1

                                                             1 –Relatório.

1.1.- Nos presentes autos, veio a Autora, O... Limitada, intentar acção declarativa comum contra a Ré, A..., Unipessoal, Lda., requerendo a sua condenação no pagamento de € 4.250,25 (quatro mil duzentos e cinquenta euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 816,37 (oitocentos e dezasseis euros e trinta e sete cêntimos), a condenação da Ré no pagamento do valor de € 500,00 (quinhentos euros) a título de despesas com elaboração de orçamento e prestação de outros serviços, e, ainda, no pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de lucros cessantes. Tudo, num total de € 15.836,62 (quinze mil oitocentos e trinta e seis euros e sessenta e dois cêntimos), sendo que, quanto à quantia de € 15.020,25 (quinze mil e vinte euros e vinte e cinco cêntimos) é acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

Afirmou, em síntese, que foi contactada pela Ré tendo esta solicitado orçamento para uma obra num estabelecimento de pastelaria que envolveria a colocação de uma estrutura de ferro, cobertura de vidro e cortinas de vidro temperado na esplanada.

Alega, ainda, que entregou o respectivo orçamento à Ré, no valor de € 55.529,17 (cinquenta e cinco mil quinhentos e vinte e nove euros e dezassete cêntimos). Nesse conspecto, e na sequência de reuniões da Ré com a Câmara Municipal ..., tendo em vista o licenciamento, a Ré solicitou à Autora a elaboração de vários projectos.

Ademais, assevera que procedeu à elaboração dos sobreditos projectos tendo enviado a respectiva factura à Ré, factura essa que foi recusada por esta, afirmando que não celebrou qualquer contrato com a Autora nem requereu qualquer serviço.

Termina afirmando que a obra foi adjudicada a empresa terceira, pese embora tenha sido aproveitado o trabalho elaborado pela Autora para efeitos de licenciamento e, também, o lettering do estabelecimento proposto pela Autora.

                                                           ***

1.2.- Devidamente citada, a Ré, A..., Unipessoal, Lda., apresentou contestação, defendendo-se, além do mais, por impugnação.

Alega que em 2019 ponderou efectivamente a construção de estrutura para a esplanada do estabelecimento de que dispõe, esplanada essa que se encontra em domínio público pelo que tal cobertura, a concretizar-se, dependeria sempre de autorização camarária, não só em termos de utilização do espaço público como da própria edificação em si.

Esclareceu que, nesse conspecto, teve diversas reuniões na Câmara Municipal ... e, consequentemente, contactou várias empresas, entre elas a Autora, solicitando orçamentos para a referida cobertura, referindo a todas elas que nunca avançaria com a adjudicação e muito menos execução ou despesas sem obter o aval da Câmara Municipal ....

Afirmou que não só a Ré, mas também as restantes empresas contactadas se deslocaram ao local em apreço com o fito de efectuarem medições e apresentarem os respectivos orçamentos à Ré.

Negou que tenha requerido à Autora a elaboração de quaisquer projectos uma vez que a obra não tinha sido sequer aprovada. Ademais, refere que tais projectos nem sequer foram necessários para a obra em causa.

Referiu que aquando do pedido de orçamento junto da Autora não foi informada de quaisquer custos, não tendo requerido a elaboração de qualquer projecto 3D.

Afirma que a actuação da Autora é reveladora de má-fé, pois alega ter direito a receber da Ré despesas que só por sua iniciativa decidiu incorrer, tratando-se de factos que a Autora bem sabe não corresponderem à verdade pretendendo aquela obter vantagem patrimonial ilícita, indevida e censurável à custa da Ré.

Conclui pela improcedência da acção e absolvição da Ré e, bem assim, pela condenação da Autora enquanto litigante de má-fé em multa a favor do Estado e em indemnização nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros) a favor da Ré.

                                                           ***

1.3.- A Autora respondeu ao pedido de litigância de má-fé deduzido na contestação, pugnando pela sua improcedência e peticionando a condenação em litigância de má-fé da Ré, por faltar à verdade, deturpando os factos, e a condenação desta em indemnização.

***

1.4. - Foi proferido despacho saneador – no qual se conheceu da excpeção invocada, concluindo-se pela sua improcedência –, despacho de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova e despacho de programação da audiência final.

***

1.5. - A Ré respondeu ao pedido de condenação em litigância de má-fé pugnando pela sua improcedência, alegando que se limita a exercer o seu direito de defesa.

***

1.6. - Realizou-se a audiência final, com observância de todos os formalismos legais, após procedeu-se à elaboração da sentença onde se decidiu:

a) Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a Ré, A..., Unipessoal, Lda. do peticionado pela Autora, O... Limitada;

b) Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Autora O... Limitada como litigante de má-fé, absolvendo-a do pedido;

c) Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Ré A..., Unipessoal, Lda. como litigante de má-fé, absolvendo-a do pedido.

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Custas a cargo da Autora.

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Registe, nos termos do artigo 153.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

Notifique.

                                                           ***

            1.7. – Inconformado com tal decisão dela recorreu a A. - O... Limitada, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “I - Da prova produzida em julgamento, bem como dos documentos juntos, não poderia a Meritíssima Juiz decidir pela total improcedência da acção, quanto ao pedido peticionado, bem como da absolvição do pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé;

II – A Autora, ora recorrente, apresentou à Ré, ora recorrida, um orçamento para uma obra na esplanada de um estabelecimento de pastelaria, que consistia na colocação de uma estrutura de ferro, cobertura de vidro e cortinas de vidro temperado, no valor de 55.529,17 € (cinquenta e cinco mil quinhentos e vinte e nove euros e dezassete cêntimos);

III - Tendo em vista o licenciamento municipal daquela obra, a Ré solicitou à Autora a elaboração de vários projetos, que a Autora assegurou, em concreto, ao gabinete de engenharia de F..., Unipessoal, Lda. referente ao projeto de engenharia/estabilidade, no valor de 830,25 €; ao Arquiteto AA pela elaboração da maquete em imagens tridimensionais, no valor de 500,00 €; ao gabinete de arquitetura ..., de BB, relativamente ao projeto de arquitetura/especialidades, no valor de 2.152,50 €; à Q...

, referente ao Plano de Segurança e Saúde, no valor de 922,50 €;

IV - Pelos quais a Autora/recorrente pagou o total de 4.250,25 € (quatro mil duzentos e cinquenta euros e vinte e cinco cêntimos);

V – A Autora faturou depois à Ré exatamente o mesmo valor pago a cada técnico especializado, ou seja, sem qualquer lucro;

VI – A Ré aproveitou-se daqueles documentos entregues pela Autora, quer para efeitos de licenciamento da pretendida obra, quer depois na entrega da obra a terceiros, incluindo o “lettering”/imagens „3D“ colocados na esplanada;

VII - A Ré adjudicou verbalmente a obra em questão à Autora, de forma clara, ainda que não tenha sido celebrado contrato por escrito, face à relação de confiança pessoal entre as partes e também aos usos e costumes que na prática existiriam no local, tratando-se de concelhos pequenos e limítrofes;

VIII – Sendo esse pelo menos prática habitual da Autora;

 IX – Não podem ser aceites como verdadeiras as declarações de parte do legal representante da Ré sobre nunca ter solicitado a elaboração dos documentos, não ter conhecimento de que haveria de os juntar ao requerimento de licenciamento e nunca os ter recebido (!);

X – A Autora avançou com os pedidos dos projetos junto de técnicos especializados, devido ao pedido da Ré nesse sentido e no interesse desta para agilização da obra;

XI - A Autora não exerce, nem tem intenção de exercer, atividades naquelas áreas da elaboração de projectos de arquitectura, de estabilidade e de Plano de Segurança e Saúde (PSS) ou qualquer outro;

XII – A Autora apenas aceitou colaborar com a Ré na obtenção daqueles documentos no pressuposto sério que lhe foi criado pela Ré de que lhe iria ser adjudicada a execução dos trabalhos orçamentados;

XIII– Todos os documentos, incluindo o Plano de Segurança e Saúde, cujo lapso na data de elaboração é por demais evidente, foram elaborados com instruções da Autora, enquanto empreiteira e da própria Ré, enquanto dona da obra;

XIV – Todo o trabalho desenvolvido para a obra da Ré e pago pela Autora, encontra-se também devidamente comprovado por documentos;

XV - O Arquiteto AA chegou a ir ao local discutir pormenores e retificar medidas, conforme testemunhou, e mesmo que em acareação o legal representante da Ré diga não se recordar... que interesse teria aquela testemunha? (o respetivo trabalho está pago e a forma como mais uma vez o legal representante da Ré se opõe é evidentemente tendenciosa e não pode ser aceite como verdadeira);

XVI – O encontro de contas é forma legalmente prevista como compensação para pagamento de um crédito (e nem aqui se discute o formalismo, ou a falta dele, que aliás é prefeitamente justificável e assim poderá ser feito em sede própria), como aconteceu no caso do trabalho de ...;

XVII – A Ré necessitou dos projetos apresentados, nomeadamente do projeto de estabilidade e seu termo de responsabilidade, para deferimento do licenciamento municipal, e só após junção aos autos do processo camarário, a pedido do anterior Exmo. Juiz „a quo“, é que veio aceitar ter afinal recebido os documentos... (o que também deverá ser julgado como tendo usado de má-fé e assim se comprovando o claro e abusivo aproveitamento da Ré de um trabalho que não pretende pagar);

XVIII – Na verdade, se a Ré não quisesse despender qualquer valor antes de ser aprovado qualquer licenciamento, como é que daria entrada do requerimento junto da Câmara Municipal? Como é que teria o projecto de estabilidade, acompanhado do termo de responsabilidade e das imagens 3D para juntar com o requerimento? Teria sempre de pagar a alguém para os elaborar! Neste caso pediu tais serviços mas não os pagou!

XIX – Além de que a Autora desconhecia no início quais os valores a pagar a terceiros, a Ré enquanto adquirente de um serviço solicitado, estando numa posição de homem médio, empresário, de razoabilidade, também não pode afirmar desconhecer que os mesmos seriam para pagar...

XX – „Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte“ (art.º 227º do Código Civil);

XXI - As negociações no caso dos autos ocorreram de forma a criar uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, quer na obtenção dos documentos, quer na celebração da empreitada;

XXII – Segundo CC, legal representante da Autora, no ficheiro

20221122093929_3005289_2870772 (minuto 04:47):« Ele disse “eu tenho reuniões na câmara Municipal marcado, deixe-me ver o que eles me dizem para a questão do licenciamento e depois nós falamos.” Ele depois ligou-me passado a dizer que já tinha tido essas reuniões e que não havia nenhum entrave a avançar com a obra e que eu teria era que o ajudar na questão dos projetos»;

XXIII – Toda a restante prova, documentos juntos e realidade dos factos, não poderão permitir concluir de forma diversa;

XXIV – A Ré começa por negar ter recebido os documentos, depois que desconhecia serem necessários e por fim que nem utilizou o termo de segurança que pemitiu o licenciamento municipal da obra;

XXV - A ruptura das negociações ocorreu de forma arbitrária ou ilegítima, porquanto sem motivo justificativo, nem sequer podendo a Ré recorrida invocar o preço mais baixo, ou sequer uma estrutura amovível, uma vez que a estrutura apresentada pela Autora reunia essas mesmas condições,  foram essas as comunicadas à Autora;

XXVI – Foram provados os danos peticionados e a existência dos demais pressupostos da responsabilidade civil (a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano);

XXVII –A reparação reporta-se aos danos resultantes de ter existido confiança na validade do contrato, danos estes que são os que não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato; mas se a dita culpa estiver na violação de um dever de conclusão de um contrato, é de indemnizar o interesse positivo, ou seja o interesse do cumprimento” (mais uma vez, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de maio de 2015, processo n.º 512/13.6TBCBR.C1);

XXVIII – A Autora fez prova de ter pago por conta de serviços/documentos solicitados e entregues à Ré para o licenciamento e realização da obra a executar, no valor total de 4.250,25 € (quatro mil duzentos e cinquenta euros e vinte e cinco cêntimos), em concreto, ao gabinete de engenharia de F..., Unipessoal, Lda. referente ao projeto de engenharia/estabilidade, no valor de 830,25 €; ao Arquiteto AA pela elaboração da maquete em imagens tridimensionais, no valor de 500 €; ao gabinete de arquitetura ..., de BB, relativamente ao projeto de arquitetura/especialidades, no valor de 2.152,50 €; à Q..., Lda., referente ao Plano de Segurança e Saúde, no valor de 922,50 €;

XXIX – A Autora fez prova que, com despesas com a elaboração do orçamento e outros serviços, teve um prejuízo no valor mínimo de 500 € (quinhentos euros);

XXX – A Autora fez prova sobre a legítima expetativa na conclusão do negócio, com o qual teria um lucro no mínimo de 10.000 € (dez mil euros), tendo em conta a margem de lucro normal da atividade (20%), na medida em que tais pedidos de projetos e promessas de adjudicação, representaram uma aceitação de um contrato de empreitada, e que depois sem invocação sequer de qualquer motivo, a Ré recusou;

XXXI – Deverá por isso a a Ré/recorrida ser condenada a pagar à Autora/recorrente o valor de 15.020,25 € (quinze mil e vinte euros e vinte e cinco cêntimos), acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, bem como nas custas e ainda em indemnização a liquidar por V. Exas., por má fé da Ré;

XXXII – A Ré falta intencionalmente à verdade ao referir que „nunca avançaria com qualquer adjudicação e muito menos execução ou despesas sem ter a certeza de que o Município aprovaria a sua pretensão“, conforme artigo 6.º da contestação, afirmação contrária aos documentos e declarações de parte do respetivo legal representante, tendo até adjudicado a obra a terceira empresa em 09/11/2019, data anterior ao deferimento do licenciamento da esplanada (17/12/2019), e ainda que não teria solicitado à Autora „a elaboração de quaisquer projectos para a obra que não tinha aprovada nem adjudicada“ e „os quais não seriam, nem foram sequer necessários“ (artigo 9.º da douta contestação), o que também se pode verificar ser totalmente falso, estando pelo menos o projeto de estabilidade junto ao processo de licenciamento camarário, prevendo o Regulamento Municipal de Publicidade Comercial, Mobiliário Urbano e Ocupação do Espaço Público que para efeitos de licenciamento, «sempre que a instalação tenha lugar acima de 2 m do solo, deverá ser apresentado projeto de estabilidade acompanhado de termo de responsabilidade subscrito por técnico habilitado para o efeito (...)» - artigo 26.º, n.º 2, al. f), pelo que no mínimo tal se poderia justificar no âmbito do pretendido pelas Ré;

XXXIII - A Ré falta também à verdade quando refere que „desde 17 de outubro até ao momento que a Ré comunicou verbalmente, no seu estabelecimento à Autora ter escolhido outra empresa para executar a obra nenhum projecto lhe foi entregue ou mencionado“ (artigo 11.º da contestação), uma vez que e reitere-se, em Dezembro de 2019 o representante legal da Autora entregou pessoalmente na pastelaria da Ré os documentos originais respeitantes àqueles projetos;

XXXIV – A má fé da Ré estará assim na negação da receção dos documentos, apenas reconhecendo tal facto após confrontada com a junção aos autos do processo camarário, e da sua posterior utilização, o que revela bem todo o comportamento da Ré em pretender negar o que assumiu perante a Autora, que legitimamente foi iludida na expetativa criada para conclusão do negócio;

XXXV - Agindo com dolo, estarão assim reunidos os requisitos legais para a ora recorrida seja condenada como litigante de má-fé e, como tal, deverá ser também revogada a sentença quanto à absolvição da Ré nesta parte, com todas as consequências legais, desde logo pagamento de indemnização à Recorrente;

XXXVI - A sentença do tribunal „a quo“ não procedeu assim a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como não efectuou uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;

XXXVII - Sofrendo de nulidade por violação do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a qual aqui se invoca com todos os efeitos legais e em consequência, deverá este Venerando Tribunal revogar tal Sentença, nos termos em que se deixou requerido.

Termos em que se requer a revogação da Sentença recorrida, desse modo fazendo V. Exas. Justiça!”

                                                                       ***

            1.8. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu a R. – A..., Unipessoal, Lda. – terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “1-A douta decisão que julgou improcedente a ação movida pela A. não

merece qualquer censura.

2-Foi amplamente demonstrado no decurso da audiência de discussão e

julgamento que a realidade não correspondeu ao alegado pela A./recorrente,na sua PI e agora nas suas alegações

3-A Ré não contratou com a A. a execução de quaisquer trabalhos, não lhe

solicitou quaisquer projetos e não se aproveitou de qualquer trabalho entregue pela A. ou sequer criou na A. uma expetativa de contratação que justificasse o peticionado nestes autos.

4- Foi demonstrado que a Ré solicitou um orçamento à A para cobertura de

uma esplanada apenas para ter ideia de valores e que logo referiu que não iria fazer nada sem ter a certeza do que seria aprovado pela Câmara, uma vez que se trata de esplanada em espaço público e que, a esplanada que acabou por ser executada não corresponde à esplanada proposta pela A, tendo sido necessário optar por uma estrutura amovível e não fixa.

5- Foi demonstrado que os projetos que a A. mandou fazer não foram

solicitados pela Ré, nunca a R. foi informada de que haviam sido contactadas

entidades terceiras para os executar, que nunca a Ré foi informada de quaisquer valores para o efeito e bem assim que nem os mesmos foram necessários para a aprovação camarária.

6 Resultou provado que a A. forneceu um orçamento e, logo nessa altura,

sem que qualquer obra lhe fosse adjudicada, contratou terceiros para executar projetos, bem antes de a R. saber se seria ou não autorizado a executar qualquer obra.

7- A tese engendrada pela A caíu por terra com a demonstração de que,

antes sequer da Câmara ter informado da viabilidade da pretensão da R, já a A. tinha encomendado projetos, como forma de pressão o que resulta claro da inquirição da testemunha DD que refere a 10.40 – 12.03; 12. 38 a 13.16 do seu depoimento

8-Ou seja, no mês de outubro, antes sequer das reuniões do R na Câmara, e

contrariamente ao que o legal representante da A declara quando diz que foi

a Ré que pediu ajuda para a elaboração de projetos, já a A havia solicitado a

elaboração de um plano de segurança para esta obra.

9- O que significa que a A. por sua autorrecriação, dando como garantida

uma obra para a qual apenas havia sido solicitado um orçamento, logo contratou terceiros para elaborar projetos que não lhe foram pedidos pela R. e nem sequer se revelaram necessários.

10-A realidade verificada resultou de forma clara da prova documental,

testemunhal e das declarações das partes, motivo pelo qual foi possível criar a

convicção no M. Juiz do tribunal a quo de que carece de total fundamento a pretensão do A. tal como consta das declarações do legal representante da R. ( 02.12- 06.05 ; 05.39-6.48 , 06.50- 09.29 , 09. 30 –09.41- 10.36,10.44 a 13.21 A 17, 13,32 – 14.32 da sua inquirição).

11-As declarações de parte do legal representante da Ré foram confirmadas pela demais prova produzida em audiência e bem assim pelo processo de licenciamento junto aos autos no qual se verifica que consta junto ao processo o termo de responsabilidade, mas que não foi junto ao processo com qualquer requerimento, contrariamente aos demais e no qual se verifica que não foi construída a esplanada proposta pela A. nem foram utlizados quaisquer documentos fornecidos pela A.

12- O ex-cônjuge do legal representante da R de forma clara referiu que não

houve qualquer facto que permitisse à A assumir que iria fazer esta obra (04,17-04.46 , ...5)

13- De toda a prova produzida, resultou pois claro que a Ré nada encomendou à A, não lhe criou expetativas de contratação, e que foi a A. que precipitadamente como forma de angariar uma obra apelativa, decidiu por motu próprio dar como adquirida uma obra que não lhe havia sido entregue, e cuja viabilidade ainda nem sequer havia sido apreciada.

14-Por tudo isto, deve ser mantida a decisão proferida, nos precisos termos

em que o foi absolvendo-se a Ré integralmente do pedido, e julgando improcedente o recurso apresentado pela A.

Termos em que julgando improcedente o recurso, e mantendo-se a decisão

recorrida nos seus estritos termos será feita Sã, Serena e profunda Justiça”

                                                                       ***

            1.9. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

            “ Requerimento de 20.02.2023 (ref.ª Citius n.º 7878504) e alegações de 14.04.2023 (ref.ª Citius n.º 8006192):

A recorrente vêm interpor recurso da sentença proferida no âmbito dos presentes autos e, bem assim, arguir a nulidade da decisão.

Quanto à nulidade, considera o recorrente que “XXXVII - Sofrendo de nulidade por violação do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a qual aqui se invoca com todos os efeitos legais e em consequência, deverá este Venerando Tribunal revogar tal Sentença, nos termos em que se deixou requerido..”

   *

Determina o artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.” (sublinhado nosso).

      *

1.

Nulidade da decisão

Prescreve o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “É nula a sentença quando:

“a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Ao contrário do que a recorrente sustenta, os fundamentos em que o tribunal se alicerçou para decidir não se encontram em contradição com a decisão proferida.

A recorrente alega que a decisão proferida é contrária aos factos provados, no que diz respeito ao termo de responsabilidade entregue pela Ré na Câmara Municipal ..., entendendo que a versão do legal representante da Ré não pode ser aceite como fundamento para tal decisão.

O tribunal atendeu não só as declarações do legal representante da Ré, mas também à restante prova produzida, pessoal e documental, concatenando-a e concluindo como concluiu em face da congruência da mesma. O mero facto de a Autora, ora recorrente, discordar da versão da Ré, não se traduz na sua inutilização por parte do tribunal, pelo que não se vislumbra a aludida nulidade, não se encontrando qualquer contradição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão proferida.

Ademais, a recorrente alega que se provou que foram utilizados os documentos por si fornecidos à Ré junto do processo administrativo a correr na Câmara Municipal ..., pelo que não poderia o tribunal dar como não provada a obrigação de pagamento da Ré. Ora, o tribunal apenas deu como provado que a Ré entregou o termo de responsabilidade e nada mais, e com o fito de apurar se era daquele documento que necessitaria para o processo em causa, pelo que, e tal como consta da motivação de facto, tal facto em nada contende com a conclusão que daí o tribunal retirou, igualmente não se verificando a invocada nulidade. Tanto assim é, que o projecto elaborado pelo Engenheiro EE era referente a esplanada com sapatas em betão, o que não seria possível, segundo informação da própria Câmara Municipal, uma vez que a esplanada teria que ser amovível, verificando-se que tal junção se referia ao termo de responsabilidade, integrante do referido projecto, e que foi entregue com o objectivo deixado claro em sede de sentença.

Alega ainda a recorrente que a sentença se baseou no facto de não se ter provado que a Ré tenha efectivamente solicitado os projectos à Autora, omitindo a sentença que a Ré precisava dos projectos para o licenciamento.

Na fundamentação de facto da sentença proferida não se verifica qualquer omissão: da mesma consta que a Ré não necessitava dos projectos para o licenciamento, como consta do processo administrativo, pelo que o tribunal não omitiu qualquer questão de que devesse ter conhecido, dela tendo tomado conhecimento, mas concluindo em sentido diverso da pretensão da Autora. Assim, não foi utilizado qualquer projecto elaborado pela Autora, nem o projecto elaborado por EE, uma vez que o mesmo tinha por referência uma esplanada com sapatas de betão e não uma esplanada amovível, como era exigido pela Câmara Municipal ....

Não se verificam, assim, as nulidades assacadas pela Autora à sentença, por não se verificarem as hipóteses elencadas no artigo 615.º, n.º 1, b), c) e d) do Código de Processo Civil.

Notifique.

   *

2.

Despacho do requerimento de interposição do recurso.

Por ser legalmente admissível (artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), ter sido interposto tempestivamente (artigo 638.º, n.ºs 1 e 7 do Código de Processo Civil) e ter o recorrente legitimidade (artigo 631.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), admite-se, ao abrigo do artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o recurso interposto pela recorrente, o qual é de apelação (artigo 644.º, n.º 1 a) do Código de Processo Civil), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 645.º, n.º 1 a) e 647.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Subam os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra.

Notifique”

                                                           ***

1.10. – Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                           ***

2. Fundamentação de facto.

Seguimos a numeração da sentença recorrida

4.1. Factos provados.

Nos termos e para os efeitos do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, julgam-se provados os seguintes factos:

4.1.1 A Autora é uma sociedade comercial que se dedica a fabricação de portas e janelas e elementos similares em metal; caixilharia de alumínio, PVC; serralharia de ferro e aço inox; portas basculantes; portas seccionadas e fole; gradeamentos; automatismos; construção civil.

4.1.2 A Ré, no ano de 2019, ponderou a possibilidade de efectuar uma cobertura para a esplanada do seu estabelecimento comercial, de forma a poder receber os seus clientes durante todo o ano e independentemente do estado do tempo.

4.1.3 A esplanada tem assento numa praceta de domínio público, pelo que o referido em 4.1.2 dependia de autorização camarária quanto à utilização do espaço público e quanto à edificação em si.

4.1.4 A Ré dirigiu-se à Câmara Municipal ... tendo sido informada que teria que apresentar requerimento com uma maqueta ou imagens simples da sua pretensão a fim de ser sujeita a apreciação camarária.

4.1.5 Na sequencia do referido em 4.1.3 e 4.1.4 a Ré contactou diversas empresas às quais solicitou orçamentos para a cobertura da esplanada.

4.1.6 A Ré, nos contactos referidos em 4.1.5, referiu às empresas que nunca avançaria com qualquer adjudicação, execução ou despesas sem antes ter a certeza de que a Câmara Municipal ... aprovaria a sua pretensão.

4.1.7 No âmbito da sua actividade comercial a Autora foi contactada em Outubro de 2019 pela Ré, solicitando orçamento para uma obra no estabelecimento de pastelaria sito na Praceta ... ..., em ..., de que é proprietária e que envolveria a colocação de uma estrutura de ferro, cobertura de vidro e cortinas de vidro temperado na respetiva esplanada.

4.1.8 Após terem sido feitas as respetivas medições, o gerente da Autora, CC, entregou pessoalmente ao representante legal da Ré, FF, o orçamento da obra, no valor de € 55.529,17, a 17.10.2019.

4.1.9 A Autora recorreu aos serviços de vários terceiros, os quais concluíram os respetivos trabalhos, nomeadamente ao gabinete de arquitetura ..., de BB, relativamente ao projeto de arquitetura/especialidades; Q..., Lda., quanto ao Plano de Segurança e Saúde; gabinete de engenharia de F..., Unipessoal, Lda. referente ao projeto de Engenharia/estabilidade e para elaboração da maquete em imagens tridimensionais, recorreu ao Arquiteto AA.

4.1.10 Os documentos originais respeitantes àqueles projetos foram depois entregues, também pessoalmente e na pastelaria, em Dezembro de 2019, pelo mencionado gerente da Autora ao já referido representante legal da Ré.

4.1.11 A Autora procedeu ao pagamento ou regularização das faturas emitidas pelas entidades referidas em 4.1.4.

4.1.12 A Autora emitiu em nome da Ré, referente aos projetos em causa, a fatura n.º ...63, em 26 de dezembro de 2019, a vencer em 25 de janeiro de 2020, no total de € 4.520,25 (quatro mil quinhentos e vinte euros e vinte e cinco cêntimos), com IVA incluído.

4.1.13 A factura referida em 4.1.7 enviada pelo correio e mais tarde foi devolvida já através de advogada da Ré, por carta datada de 4 de fevereiro de 2020, constando da mesma que “não dizem respeito a qualquer serviço ou contrato celebrado com a M/ Constituinte

4.1.14 Para elaboração do orçamento, teve a Autora de efetuar deslocações à obra e sede da Ré, foram feitas reuniões, medições.

4.1.15 A Ré, acabou por adjudicar a obra a uma terceira empresa - A..., Lda, que forneceu memória descritiva, seguro e imagem do trabalho a executar.

4.1.16 A Autora teve conhecimento do referido em 4.1.15 em Dezembro de 2019.

4.1.17 A Ré foi interpelada para o pagamento da factura referida em 4.1.12, por carta, a 16.03.2022.

4.1.18 A Ré respondeu à missiva referida em 4.1.13, da mesma constando que “por nenhum serviço vos ter sido solicitado ou entregue

4.1.19 A Ré não procedeu ao pagamento da factura referida em 4.1.12.

4.1.20 A Ré apresentou o requerimento na Câmara, tendo em vista o referido em 4.1.6, a 22.11.2019.

4.1.21 A Ré teve conhecimento da aprovação do licenciamento por parte da Câmara Municipal ... a 18.12.2019.

4.1.22 Na data referida em 4.1.21, depois de ter tido conhecimento da aprovação por parte da Câmara Municipal ..., a Ré fez uma publicação no Facebook quanto à novidade do seu estabelecimento.

4.1.23 A Autora levantou a licença na Câmara Municipal ... no dia 29.12.2019.

4.1.24 No dia referido em 4.1.22 o gerente da Ré foi contactado pelo gerente da Autora.

4.1.25 A Autora não informou a Ré de qualquer custo inerente à elaboração de orçamento, pedido de imagens ou projecto 3D.

4.1.26 Para obtenção de autorização camarária foi exigido uma memória descritiva simples, uma imagem simples da esplanada a construir, apólice de seguro e a garantia de que a mesma seria totalmente amovível.

4.1.27 A licença obtida pela Ré é provisória, com a duração de 6 (seis) meses, sendo renovável.

4.1.28 A Ré entregou o projecto de estabilidade e o termo de responsabilidade elaborados e assinados por EE na Câmara Municipal ....

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4.2 Factos não provados.

4.2.1 Passados cerca de quinze dias do momento referido em 4.1.8, já em novembro de 2019, na sequência de reuniões que a Ré teria tido na Câmara Municipal ..., tendo em vista o licenciamento da obra, aquela solicitou à Autora especificamente a elaboração um projeto de arquitetura, um Plano de Segurança e Saúde, um projeto de engenharia e a elaboração de uma maquete em imagens tridimensionais.

4.2.2 A Autora pagou as facturas referidas em 4.1.11 às entidades referidas em 4.1.9 porque, a pedido da Ré, lhes havia solicitado os respetivos serviços.

4.2.3 No seguimento do referido em 4.1.11 a Autora emitiu a factura referida em 4.1.12 conforme assim havia sido acordado com a Ré.

4.2.4 Na comunicação referida em 4.1.22 o sócio gerente da Autora questionou o sócio gerente da Ré se já tinha sinalizado a obra ou assinado algum contrato com a empresa A..., Lda, no sentido de ainda poder conseguir que a obra lhe fosse adjudicada.

4.2.5 Na comunicação referida em 4.1.22 o sócio gerente da Ré respondeu ao sócio gerente da Autora que tinha tomado a sua decisão não só por causa do preço mas também porque a proposta que lhe foi apresentada pela empresa escolhida era mais interessante em termos de materiais a utilizar designadamente quanto à possibilidade da cobertura ser fechada, aberta parcialmente ou totalmente consoante as condições climatéricas e não em vidro fixo como havia sido proposto pela Autora.

4.2.6 Na comunicação referida em 4.1.22 o sócio gerente da Ré não referiu quaisquer valores de despesas, projectos, honorários de técnicos ou outras.

4.2.7 Para a prestação dos serviços referidos em 4.1.9, teve a Autora de efetuar deslocações à obra e sede da Ré, foram feitas reuniões, medições e pedidos de fichas técnicas.

4.2.8 Para a elaboração do orçamento referido em foram feitos pedidos de fichas técnicas.

  *

Não existem quaisquer outros factos que devam ser considerados com relevância para a presente causa, por serem irrelevantes, conclusivos ou por se tratarem de considerações de direito.

                                                           ***

3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir são:

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação das al.ªas b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

B) - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

C)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue procedente a pretensão da recorrente.

D)- Saber se a recorrida deve ser condenada como litigante de má fé.

Tendo presente que são várias as questões a decidir por uma questão de método analisaremos cada uma per si.

Assim,

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação das al.ªas b) e c), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Refere a recorrente que a sentença recorrida é nula, desde logo, por não ter procedido a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como não efectuou uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo por isso na nulidade prevista nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a qual aqui se invoca com todos os efeitos legais

O Tribunal “a quo” pronunciou-se pela não verificação das nulidades invocadas.

No mesmo sentido a recorrida

Vejamos.

O n.º1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. entre outros, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.).

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Dito isto, analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:

1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz, questão não invocada.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito, questão invocada pela recorrente, cumpre referir que “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, pág. 735).

Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 736).

Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a) (cfr. osé Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág 736).

Operando à leitura da sentença não vislumbramos onde a mesma tenha violado a citada alínea.

Na verdade, a mesma encontra-se fundamentada, pode a recorrente discordar da fundamentação, mais isso, não implica a nulidade da sentença.

Pelo exposto, esta pretensão da recorrente improcede.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, questão invocada pela recorrente, cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta:quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737).

Operando à leitura da sentença recorrida não vislumbramos que da mesma, ocorra qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a ininteligível.

Assim, pelo exposto, também esta pretensão da recorrente improcede.

4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia, questão levantada pela recorrente, cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, na apelação n.º 1799/13.0TBGMR-B, “Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”. Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.

Acresce que como já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas.

A questão a decidir está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito.

O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.

Se eventualmente não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão por si tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos mesmos, designadamente por opostos à solução adotada.

Face ao que dispõe o nº2, do art. 608º, do CPC,“O juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (cfr. Cfr. Ac. do STJ de 24/6/2014, Processo 125/10: Sumários, Junho de 2014, pag 38, em que se decidiu Não há nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, se o tribunal se limitou a cumprir o preceituado no art. 608º, nº2, do NCPC (2013), considerando prejudicado apreciar o argumento do valor das indemnizações arbitradas por ter decidido não existir fundamento legal para responsabilizar as Rés…).

E, na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras (cfr. Ac. do STJ, de 30/9/2014, Processo 2868/03: Sumários, Setembro 2014, pag 39) e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/2016, Processo 218/10:dgsi.net ).

O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz (cfr. Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.555 ).

Feitos tais considerandos que advogamos, não vemos que a sentença recorrida, seja omissa, pois tomou posição sobre as questões levantadas, nem vislumbramos que se tenha pronunciado sobre questões que não fossem colocadas.

Em suma, não vislumbramos que tenha havido excesso ou omissão de pronuncia, pelo que, também esta pretensão da recorrente improcede.

5- Quanto ao vício da alínea e) -O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, questão não colocada pela recorrente.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                           *

B) - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Como se sabe, o legislador, reconheceu que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios, principio que se manteve no Código de Processual Civil, vigente.

Assim, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.

 Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o/a recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).

Porém, para que este Tribunal aprecie o recurso da matéria de facto, torna-se necessário, que a recorrente tenha cumprido o exigido pelo art.º 640.º, do C.P.C., pois se assim não for o mesmo será rejeitado.

Preceitua o art.º 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

No que respeita à observância dos requisitos constantes do artigo 640° do CPC, após posições divergentes na nossa mais alta jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória (cfr. entre outros, Ac do S.T.J. de 19/2/2015, P. n° 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. n° 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes).

As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (cfr. Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes).

O Supremo Tribunal de Justiça, como já referimos, já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.

Vejam-se, entre outros, além dos supra citados, os seguintes arestos Supremo Tribunal:

Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):

I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

(…)

Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):

I.- Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.

II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.

(…)

Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):

(…)

II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.

III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).

IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.

(…)

Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):

I- As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.

II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.

III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.

Ac. STJ de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):

(…)

III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.

Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):

(…)

           II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.

III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.

IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.

Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):

I.-No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

(…).

Operando à leitura das conclusões apresentadas pela recorrente, não se vislumbra, que nas mesmas, a recorrente identifique os pontos de facto que pretende ver alterados e o sentido dos mesmos.

Assim, sem mais considerandos o recurso da matéria de facto é rejeitado, por inobservância do disposto no art.º 640.º, do C.P.C., desde logo, a alínea a), do n.º 1, do preceito.

Tanto mais, que como se sabe não há lugar a convite.

A este propósito, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil", 2013, págs. 128/129, onde refere «A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art.° 639° e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art.° 652°, n.°1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento "das conclusões das alegações, nos termos do n.° 3 do art.° 639. Pretendeu-se com este regime legal, ao possibilitar a ampliação dos poderes da Relação relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a imposição de regras muito precisas, sem a observância das quais o recurso deve ser liminarmente rejeitado».

No mesmo sentido, ou seja, no sentido de não haver despacho de aperfeiçoamento, no que concerne á matéria de facto, ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art. 639.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC) - (cfr. entre outros, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo n.º 1458/10.5TBEPS.G1, Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ac. da RG, de 18.12.2017, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 292/08.7TBVLP.G1, Ac. do STJ, 27.09.2018, Sousa Lameira, Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2).

 Assim, face ao exposto e ao preceituado no art.º 640.º, do C.P.C., este Tribunal rejeita o recurso da matéria de facto, por inobservância, do n.º 1, al.ªs a), não indicação, nas conclusões, os pontos de facto que pretende ver alterados e al.ª b), não referir nas mesmas qual o sentido a dar a tais pontos, que aliás, sem sequer os indicou nas conclusões, como já referimos.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

*

C)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue procedente a pretensão da recorrente.

Segundo a recorrente a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue procedente a sua pretensão, desde logo, por quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte (art.º 227º do Código Civil). As negociações no caso dos autos ocorreram de forma a criar uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, quer na obtenção dos documentos, quer na celebração da empreitada.

Diga-se, desde já, que a matéria de facto a ter presente na analise da questão de direito é a fixada em 1.ª instância, desde logo, por o recurso da matéria de facto ter sido rejeitado, pelas razões supra aludidas.

Cabe dizer algo a respeito da boa fé na formação dos contratos a que alude o art.º 227.º, do C.C.

O fundamento normativo da responsabilidade pré-contratual reside na culpa na formação dos contratos prevista no art. 227º do CC que estatui, no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

As partes que ajustam um contrato devem adoptar, mutuamente, um comportamento baseado na boa fé, estabelecendo-se, assim, entre elas uma relação da qual derivam certos deveres e de que podem emergir responsabilidades.

Na base da responsabilidade pré-contratual está a ideia de que o simples início de negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação, de esclarecimento dignos da tutela do direito.

Do normativo legal supra referido ressalta que a responsabilidade por culpa na formação do contrato (culpa in contrahendo) não depende da conclusão do mesmo.

O art. 227º, nº 1 protege o processo de formação do contrato em todas as suas fases – tanto nos preliminares como na formação.

Como escreve Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e act., págs. 302 e 303, “Entende-se que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa de invalidade do negócio, o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de se abster de propostas de contratos nulos por impossibilidade do objecto, e, ao lado de tais deveres, ainda, em determinados casos, o de contratar ou prosseguir as negociações com vista à celebração de um acto jurídico. Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração”.

No Ac. do STJ de 9.2.1999, in CJASTJ, Tomo I, pág. 85 escreveu-se que “Esta responsabilidade pré-contratual traduz-se num compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da confiança das partes durante a fase das negociações. A boa fé tem aqui um sentido ético, que se exprime pela obrigação de cumprimento dos deveres de informação, lealdade e honestidade, mas, sendo a regra a liberdade negocial e perante a admissibilidade do chamado “dolus bonus” (art. 253º, nº 2 do CC), só deve sancionar-se a conduta que for “intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico”, em termos idênticos aos exigidos para o abuso de direito. Para o efeito, deve atender-se a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a fase mais ou menos avançada das negociações, os interesses em jogo, o tipo de negócio, a qualificação ou especialização das partes e os usos gerais do comércio jurídico”.

Como se escreveu no Ac. do STJ de 11.09.2007, P. 07A2402 (Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt, “a responsabilidade pré-contratual não existe apenas quando as partes não adoptaram um padrão de lisura, honestidade negocial, consideração dos interesses da contraparte, observando deveres de conduta compagináveis com natureza do negócio em formação, mas também quando tendo aproximado pela via dessa negociação a conclusão do negócio, por facto seu, este já em fase adiantada não é concluído”.

Com o instituto da responsabilidade pré-contratual, o legislador visa não só proteger os interesses individuais dos negociadores, como uma eficaz circulação do tráfico jurídico, por forma a não serem colocados entraves na actividade negocial (cfr. . Almeida Costa, na ob. cit., pág. 303).

 Em confronto estão dois tipos de interesses - por um lado, a liberdade contratual que decorre da autonomia da vontade, na qual se integra o princípio da liberdade contratual, e, por outro, a protecção da confiança perante expectativas criadas durante a fase pré-negocial.

Dispõe o art. 405º do CC, sob a epígrafe “liberdade contratual”, que “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver” (nº 1), podendo, “ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei” (nº 2).

A liberdade contratual é uma aplicação aos contratos do princípio da liberdade negocial, ninguém podendo, em tese geral, ser compelido à realização de um contrato.

O princípio da liberdade contratual não pode, porém, ser entendido em termos tão latos que legitime qualquer conduta das partes durante as negociações, que terão sempre de ser orientadas pelo dever de boa fé, sendo certo que estando aquelas em fase avançada e de molde a criar expectativas legítimas de consumação do negócio, a parte que as romper, injustificadamente, viola aquele dever, constituindo-se na obrigação de indemnizar (cfr. cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-03-2010, P. nº 44/07.1TBGDL.E1(Bernardo Domingos), em www.dgsi.pt.)

O dever de lealdade que se impõe às partes - que nenhuma delas rompa ilegitimamente as negociações - é um corolário lógico da boa fé.

Nas situações de ruptura das negociações, o comportamento da parte que as rompe embora justificado à luz da liberdade contratual, acaba por assumir-se como ilícito quando vai contra a confiança e expectativa de formação do negócio, à luz de um critério objectivo (cfr. Ac. do STJ de 27.04.2017, P. 4154/15.3TBLSB.L1.S1 (Abrantes Geraldes), em www.dgsi.pt, onde escreveu “… o princípio da liberdade contratual ínsito no art. 405º do CC, cujo conteúdo tanto abarca a concretização de contratos como o preenchimento das respectivas condições, não é absoluto, devendo compaginar-se com outros princípios ou com outras regras de valor semelhante. As partes devem ter a necessária liberdade de agir no processo negocial sem excluir a possibilidade de recuo antes da sua finalização, mas devem pautar o seu comportamento pelas regras da boa fé objectivamente perspectivadas. Em ordenamentos jurídico de raiz romanística, como o nosso, impõe-se que, sem prejuízo da defesa dos seus interesses, qualquer das partes não quebre as regras da boa fé que à contraparte igualmente se impõem. Regras que tornam ilegítimo que, depois de criadas legítimas expectativas de outorga do contrato com determinadas condições, ocorra uma ruptura injustificada sem ponderação das consequências que isso determina”.

Ou seja, em regra, a ruptura das negociações não se assume como ilícita.

Porém, torna-se ilegítima se a parte que rompe as negociações o faz sem um motivo válido, violando, notoriamente, os valores impostos pela boa fé, à luz das circunstâncias e das especificidades do caso.

O comportamento de ruptura das negociações terá sempre de ser analisado da perspectiva do que esse rompimento representa para a outra parte e para a relação de confiança estabelecida entre elas, e não de uma perspectiva individual da pessoa que rompe as negociações.

Ou seja, o princípio da boa-fé tem uma função de tutela e de protecção à parte que está interessada na verificação e conclusão do contrato e vê as negociações serem ilegitimamente interrompidas (cfr. Frederico Afonso Cavaleiro Prata, na sua Dissertação de Mestrado, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas com Menção em Direito Civil, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, “Responsabilidade Pré-contratual por Ruptura Ilegítima das Negociações pág. 105, entende que “… na maioria das vezes, a ruptura das negociações assume-se como um verdadeiro abuso de direito de não contratar, isto depois de se terem criado e estabelecido uma expectativa e confiança reforçada na celebração do negócio”.

Como diz Vaz Serra, no BMJ 68, págs. 121 e 122, “não é lícito a uma das partes romper arbitrariamente as negociações, depois de estas terem um tal desenvolvimento que a outra parte podia julgar-se autorizada a confiar na realização do contrato, e assim fazer despesas ou abster-se de outros negócios”.

A ilicitude, que está na base da responsabilidade pré-contratual, é, precisamente, a violação dos deveres emergentes da cláusula geral de boa fé.

No que à culpa concerne, suscita-se a questão de saber se é ao lesado que incumbe prová-la, ou se existe presunção de culpa nos termos do art. 799º do CC, o que se prende com a natureza do instituto em causa.

A recondução da responsabilidade pré-contratual à responsabilidade contratual ou à responsabilidade aquiliana não é pacífica (cfr. Ac. do STJ de 27.09.2012, P. 3729/04.0TVLSB.L1.S1 (Bettencourt de Faria), em www.dgsi.pt.).

Uns consideram estar em causa responsabilidade obrigacional (Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 10.ª ed., págs. 271 e 272, Vaz Serra, em “Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68, e Menezes Cordeiro, em Boa Fé no Direito Civil, Vol. I, pág. 585, entre outros).

Outros integram-na na responsabilidade extracontratual (Almeida Costa, na ob. cit., 301, e Ana Prata, Notas Sobre a Responsabilidade Pré-Contratual, 1991, pág. 214, entre outros).

Um outra posição, mista, tem-se vindo a desenvolver, atribuindo ao instituto um regime híbrido, situado entre a responsabilidade extra-contratual e a contratual, tendo por subjacente que, ainda que à responsabilidade pré-contratual não possa ser aplicável o regime do contrato visado, porque não concluído, pode integrar obrigações resultantes das próprias negociações (de natureza já negocial) e não apenas as derivadas de um dever de conduta genérico, justificando a aplicação (por analogia e por interpretação extensiva), das normas próprias de cada um daqueles dois regimes, conforme a situação concreta (Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 352 e ss.).

No Ac. do STJ de 16.12.2010, P. 44/07.1TBGDL.E1.S1 (Silva Salazar), em www.dgsi.pt, escreve-se que se no decurso das negociações forem desde logo alcançados acordos de natureza contratual, embora não formalizados, justifica-se a aplicação do regime da responsabilidade contratual, nomeadamente no que à presunção de culpa se refere, ao contrário das hipóteses em que não se tenha chegado a tais acordos parcelares, se bem que o n.º 2 do art.º 227º, citado, tenha consagrado para este tipo de responsabilidade a prescrição nos termos do disposto no art.º 498º do Cód. Civil. É que a fixação da prescrição nesses termos, para além de se justificar perante a complexidade e carácter duvidoso da situação, que conduz à necessidade de uma mais rápida definição da situação jurídica, encontra-se desacompanhada de qualquer outra regulamentação do instituto, o que origina que se conclua que o legislador pretendeu a sua regulamentação de acordo com a interpretação feita com base nos princípios gerais do direito e os plasmados naquele art.º 227º.

Advogamos o entendimento de que na responsabilidade pré-contratual já se está verdadeiramente no âmbito da responsabilidade obrigacional, uma vez que os direitos subjectivos violados são os deveres de actuação de boa-fé pelo que, ao invés do que sucede com a responsabilidade extracontratual, é aos demandados em acção indemnizatória baseada no art. 227°, n°1 do CC que incumbe ilidir a presunção de culpa que sobre si impende — art. 799°, n° 1 do mesmo diploma legal (cfr. entre outros, os Acs. da RL de 19.05.2009, P. 8685/08-7 (Rosa Ribeiro Coelho), do STJ de 11.9.2007, P. 07A2402 (Fonseca Ramos), do STJ de 28.4.2009, P. 09A0457 (Azevedo Ramos), do STJ de 16.12.2010, P. 1212/06.9TBCHV.P1.S1 (Fonseca Ramos), todos em www.dgsi.pt.).

 Ou seja, embora no âmbito da responsabilidade pré-contratual, a indemnização deva, em regra, ressarcir os danos cobertos pelo interesse contratual negativo, situações há, excepcionais, em que o tribunal poderá fixá-la cobrindo o interesse contratual positivo.

Assim, Vaz Serra, in Culpa do Devedor ou do Agente, BMJ, 68-135, escreveu que "quando, porém, caso se houvesse procedido regularmente, o contrato tivesse chegado a aperfeiçoar-se, parece ter a outra parte o direito de exigir o interesse do cumprimento".

Por sua vez, Carlos Ferreira de Almeida, em Contratos, pág. 183, entende que “se a conduta culposa da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio, pode a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse contratual positivo (ou de cumprimento)”.

Também Sónia Moreira, em anotação ao Ac. da RC de 4.2.2003, in Cadernos de Direito Privado, 7, pág. 45, sustenta que “há situações em que a indemnização será pelo interesse contratual positivo quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio, ou seja, quando exista já um dever de conclusão do negócio”.

Por sua vez no Ac. do STJ de 04.04.2006, P. nº 06A222 (Nuno Caneira), em www.dgsi.pt, escreveu-se que “No quadro da responsabilidade pré-contratual, se é certo que o usualmente chamado dano in contrahendo, por oposição ao dano decorrente da execução do contrato, cobre apenas o dano negativo, noutras situações, por esforço interpretativo, deverão ser antes compensadas as vantagens que a parte inocente teria auferido se não tivesse sido frustrada a expectativa que legitimamente detinha quanto a tal conclusão (dano ex contractu). Como bem observa Meneses Cordeiro, “a tarefa da determinação da indemnização não deve ser solucionada conceptualmente com base na própria culpa in contrahendo: antes há que ponderar as regras gerais da responsabilidade civil” (…). Em sentido idêntico, diz Eva Moreira da Silva que "...a única regra capaz de responder à questão de saber como se deve quantificar a indemnização por responsabilidade pré-contratual será a regra geral: todos os danos deverão ser ressarcidos, de forma a colocar-se o lesado na situação em que se encontraria se não fosse o acto lesivo (a omissão da informação ou a transmissão da informação errada, de forma culposa, quando existia o dever de informar); e mais à frente: "o importante é não nos deixarmos prender em conceitos demasiado rígidos que nos impeçam de determinar, com a necessária flexibilidade, o quantum indemnizatório. Tal não significa que, na prática, em determinados casos, este quantum não venha a equivaler ao interesse negativo. No entanto, não devemos perder de vista a ideia de que este conceito não deve atar as mãos do juiz no momento de determinar a indemnização: o montante dos danos é que será o critério”.

No Ac. do STJ de 28.4.2009, P. 09A0457 (Azevedo Ramos), em www.dgsi.pt, entendeu-se que “Na falta de uma disposição legal especial que regule a indemnização devida pela responsabilidade contratual é de aplicar a regra geral do art. 562º e segs do Código Civil. Nos casos de ruptura ilícita de negociações, a indemnização será, em regra, pelo interesse contratual negativo. Contudo, há situações em que a indemnização será pelo interesse contratual positivo, quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio. Será o caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões e apenas faltar a concretização/celebração do acordo através da forma legal”. Neste sentido vão também, os Acs. do STJ de 11.1.2007, P. 06B4223 (Custódio Montes) e da RC de 27.5.2015, P. 512/13.6TBCBR.C1 (Jaime Carlos Ferreira), todos em www.dgsi.pt.).

 Aqui chegados cabe verificar se estaremos ou não perante uma situação de já existir a formação de um contrato, ou se pelo contrário assim não é, ou seja, se estaremos apenas numa fase de pedidos de orçamentos e não mais que isso.

Entendeu a sentença recorrida, segmento que iremos transcrever, que no caso, se estaria apenas perante uma situação onde é apenas pedido um orçamento e não intenção, pelo menos, nessa face, a celebração de qualquer contrato.

“Do acervo factual dado como provado, resulta que a Ré contactou a Autora, requerendo a elaboração de um orçamento, de umas imagens simples ou de uma maquete a que esta acedeu, nunca tendo referido que tal elaboração teria custos. Igualmente resultou provado que a obra pretendida pela Ré carecia de autorização e de licenciamento da Câmara Municipal ..., por se encontrar assente em espaço público. Ademais, conta da factualidade em causa que a Ré referiu às empresas com que contratou que não queria ter despesas nem avançaria com adjudicação sem a certeza de que a sua pretensão seria aprovada.

O comportamento assumido pela Ré (declaração expressa), ao longo dos contactos que manteve com a Autora, e enquanto declaração negocial, não exteriorizou qualquer intenção de vir a celebrar o contrato em apreço com esta última (declaração tácita). Na verdade, e pelo contrário, a Ré sempre deixou claro que apenas avançaria com a certeza de que a sua pretensão seria aprovada camarariamente, tendo informado a Ré de que tinha contactado outras empresas para que igualmente lhe fornecessem orçamentos.

Uma vez que vigora a teoria da impressão do destinatário, e, por isso, da impressão da Autora, importa que o julgador aquilate se, alguém colocado na posição desta, em face do comportamento exteriorizado pela Ré, teria válidos e fundados motivos para acreditar que a Ré lhe adjudicaria a obra a si.

Considerando um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, sempre se dirá que o mero pedido de um orçamento, não se traduz num simultâneo pedido de elaboração de projectos e planos e, menos ainda, na certeza da celebração do contrato subjacente. Como é sobejamente sabido, até pelo cidadão não negociador, o mero pedido de orçamento traduz-se apenas e simplesmente nisso mesmo.

Assim, e considerando que a Autora, na posição em que se encontra, será mais instruída do que um cidadão não negociador, não poderia, da declaração negocial exteriorizada pela Ré, deduzir que era intenção desta celebrar o contrato entre ambas negociado.

Mais se diga que, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 in fine do Código Civil, a Autora não só podia como devia razoavelmente ter contado com essa mesma possibilidade, uma vez que se trata de empresa cujo objecto é a realização de obras idênticas ou semelhantes, bem sabendo que o pedido de orçamento não consubstancia uma adjudicação da obra, nem sequer uma vontade séria nesse sentido.

Ainda, uma vez que a Ré informou a Autora de que iria contactar outras empresas, a Autora conhecia que a vontade real do declarante, a Ré, era a de pedir diversos orçamentos e não a de se vincular, de imediato, à proposta da Autora.

Neste conspecto, torna-se desnecessário recorrer ao disposto no artigo 237.º do Código Civil, uma vez que o mesmo apenas serve para dirimir casos de dúvida quanto ao sentido da declaração, o que não se verifica.

As declarações expressas contidas no pedido de orçamento, no facto de carecer de autorização da Câmara Municipal ... e de contactar outras empresas, não permitiam que a Autora pudesse interpretá-las no sentido de ser intenção da Ré a de celebração do contrato negociado”.

E mais à frente refere, segmento que também transcrevemos, por com ele concordarmos: “Passando para o âmbito do instituto da responsabilidade pré-contratual propriamente dito, constata-se que existiram efectivamente negociações entre as partes Não obstante, tais negociações não se elevaram ao ponto de permitirem à Autora formar uma razoável e fundada base de confiança na celebração do contrato.

Igualmente não se vislumbra que a ruptura das negociações por parte da Ré se possa reputar de ilegítima, uma vez que aquela se limitou a requerer um orçamento.

Apelando à noção de acordos pré-contratuais referida, constata-se que a fase negociatória no âmbito de um contrato de empreitada, se iniciará, exactamente, com um pedido de orçamento ao empreiteiro, depois de explicada qual a obra pretendida. Este pedido de orçamento não se traduz em qualquer vinculação ou compromisso (cfr., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2003, relatado por Ponce de Leão, processo n.º 02A4257, disponível em www.dgsi.pt).

Na verdade, atento o objecto social da Autora, constante dos factos provados, constata-se que a mesma é negociadora, que se encontra diariamente no enredo negocial, pelo que deve contar sempre com o risco de as negociações se frustrarem. Vigorando entre nós o princípio da liberdade contratual, podem os participantes de negociações romper com as mesmas sem que isso, de per si, implique responsabilidade civil.

Tratando-se o contrato de empreitada de um negócio jurídico bilateral, o mesmo pressupõe o acordo de vontades entre o dono da obra – a Ré – e a empreiteira – a Autora, pelo que a respectiva conclusão carece de proposta e respectiva aceitação, nos termos do artigo 224.º do Código Civil. Ora, “O pedido de orçamento para a realização de determinada obra e a resposta ao pedido a indicar o preço proposto não configura a celebração de um contrato de empreitada.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16.12.2009, relatado por Gonçalves Ferreira, processo n.º 69/07.7TBVNO.C1, disponível em www.dgsi.pt), pelo que a declaração negocial expressada pela Ré não se traduz num comportamento que revele vontade de se vincular a um contrato de empreitada.

As meras negociações não são idóneas a criar na outra parte uma convicção séria e fundada na conclusão do contrato, mas apenas uma mera expectativa que tal venha a acontecer.

Ademais, e considerando a declaração negocial da Ré, não poderia, legitimamente, a Autora predispor-se a acções ou omissões que não teria efectuado se não tivesse a celebração do contrato como certa. Id est, em face da postura assumida pela Ré na fase negocial, não poderia a Autora ter contratado terceiros para a elaboração de planos e projectos que nunca lhe foram requeridos, pois não podia ter, ainda, como garantida, a celebração do contrato.

No presente caso as negociações estabelecidas revelavam-se precárias, não permitindo a um profissional da área, como é a Autora, confiar de forma legítima e justificada que os contactos encetados pela Ré levassem ao logro da celebração do contrato.

Enfatiza-se, pois, que a confiança criada aos profissionais pelas negociações em curso se revela, em regra, mais reduzida, pois que se encontram em posição que melhor lhes permite determinar o risco que as negociações implicam.

O facto ilícito, carecido de ser provado, no âmbito da responsabilidade pré-contratual, traduzir-se-ia, exactamente, no facto de os contactos estabelecidos com a Ré terem sido geradores de uma situação de confiança razoável no sentido de concretização do contrato pelo que, a ruptura das negociações pela Ré seria injustificada”.

Operando à leitura da matéria de facto provada, sufragamos o entendimento, da sentença recorrida, como já dissemos, desde logo, por resultar que a R. pediu orçamento à A., como fez com outras empresas, (cfr. factos 4.1.2. a 4.1.7), não resultando, daqui, quanto a nós, que entre as partes houvesse já, um pré-acordo.  

Assim, pelas razões expostas, não vislumbramos razão para revogar a sentença recorrida nesta vertente.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           *

D)- Saber se a recorrida deve ser condenada como litigante de má fé.

Refere a recorrente que a recorrida litigou de má fé, na medida em que, de forma abusiva se aproveitou do seu trabalho.

Opinião oposta tem a recorrida, que pugna pela manutenção do decido.

Na sentença recorrida sobre esta matéria escreve-se, entre o mais: “Não se inclui como litigância de má-fé, o facto de um qualquer réu desdizer a versão trazida pela Autora, impugnando-a ou até excepcionando. De outra forma, ficaria precludido o eu direito de acesso ao direito, consubstanciado no direito a defender-se.

O que não pode suceder é que, no exercício dessa defesa, seja maliciosamente trazida ao processo uma versão distinta da real, com o intuito de que a decisão final a proferir lhe seja favorável.

Em sede de apreciação crítica da matéria de facto e da prova produzida, já se teceram as considerações que desaguaram num juízo de provado e não provado relativamente aos factos alegados pelas partes e relevantes para a presente decisão, pelo que o Tribunal se dispensa a repeti-las e para elas remete.

Não se crê, atento o teor dos articulados apresentados bem como dos documentos com eles juntos, que a Ré tenha mentido ou apresentado uma versão dos factos que conhecesse não ter qualquer suporte factual, de tal forma que excedesse o seu direito de defesa.

Em especial, a Ré ao afirmar que não requereu a elaboração de tais planos e projectos não tendo procedido ao pagamento das facturas em causa, refutando a existência de qualquer incumprimento, não litiga de má-fé ou viola o princípio da cooperação, limita-se a exercer um direito que lhe assiste: o do contraditório, impugnando a versão trazida pela Autora e afirmando que dela não decorre qualquer incumprimento da sua parte.

(…)

Atento o exposto, terá, pois, que improceder, o pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela Autora.”

Vejamos.

Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são: a) direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma; b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa, v.g., mentira da parte, negação de factos pessoais que se provam, apresentação de versão de acidente que a parte sabia ser falsa; c) omissão grave do dever de cooperação; d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Artigo 542º, nº2 do Código de Processo Civil).

É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do Artigo 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos. Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no Artigo 8º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.

A negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem quele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2001, Afonso de Melo, 01A3692.

A litigância de má fé não deve confundir-se com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.3.2010, Maria José Simões, 6145/09. A simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela outra parte, sobretudo quando tal prova se alicerça em depoimentos testemunhais que se confrontam com outros de sentido contrário, não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2009, Álvaro Rodrigues, 09B0681.

Nos termos do tipo previsto no Artigo 542º, nº2, alínea a), litiga de má fé que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar. A «parte atuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspetos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.» - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 392. Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo à parte indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso concreto: «A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (Op. Cit., p. 394), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste “equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra» (Op. Cit., p. 393).Na síntese de Paula Costa e Silva, Op. Cit., p. 395,o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.»

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé nestes termos:
          - « (…
) a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicossociológico. / Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2003, Quirino Soares, 03B3893);

-A defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.2005, Araújo Barros, 05B3425);

-A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2003, Salvador da Costa, 03B3909);

-A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2015, Fonseca Ramos, 36/12);
-A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2015,
Silva Salazar, 1120/11, de 10.12.2015, Clara Sottomayor, 551/06);

-Hoje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.3.2014, Salazar Casanova, 1063/11);

-A condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2014, Távora Victor, 728/09).

Da doutrina exposta, que partilhamos, não se inclui como litigância de má-fé, o facto de um qualquer réu desdizer a versão trazida pela Autora, impugnando-a ou até excepcionando. De outra forma, ficaria precludido o eu direito de acesso ao direito, consubstanciado no direito a defender-se.

O que não pode suceder é que, no exercício dessa defesa, seja maliciosamente trazida ao processo uma versão distinta da real, com o intuito de que a decisão final a proferir lhe seja favorável.

Atendendo ao teor dos articulados apresentados bem como dos documentos com eles juntos, e dos factos provados, não resulta que a Ré/recorrida, tenha mentido ou apresentado uma versão dos factos que conhecesse não ter qualquer suporte factual, de tal forma que excedesse o seu direito de defesa.

Assim, face ao exposto, também nesta vertente não assiste razão à recorrente, pelo que, se mantem a decisão recorrida.

                                                           ***

                                                      4. Decisão

Pelo exposto decide-se por acórdão:

a)- Rejeitar o recurso da matéria de facto, pelas razões acima expostas.

b)- Julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida nos seus termos.

c)- Custas a cargo da recorrente.

Coimbra, 27/6/2023

Pires Robalo (relator)

Falcão de Magalhães (adjunto)

Henrique Antunes (adjunto)