Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1671/18.7T8VIS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA DO MENOR
FIXAÇÃO
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1906º, Nº 6 DO C. CIVIL; LEI 65/2020, DE 4/11.
Sumário: I – A recente alteração ao Código Civil pela Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, sendo agora claramente possível o regime da residência alternada mesmo contra a vontade dos progenitores, desde que essa solução se revele como a mais adequada ao interesse da criança de manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar.

II – Isto tendo presente que a guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, sempre tendo em vista um “tempo de qualidade” no convívio entre aquele com ambos os progenitores.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Ana Vieira

1 – RELATÓRIO
I..., progenitor de V..., menor, instaurou, por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a presente ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais contra a progenitora desta, N..., alegando, em suma, dificuldades de conviver com a filha, peticionando que seja instituído um regime de “guarda partilhada” entre os progenitores, relativo à filha menor de ambos, por forma a que a Criança possa estar uma semana com cada um dos progenitores.
Mais requereu que seja permitido que a Criança frequente o Jardim de Infância de ... e que frequente as aulas de natação nas instalações de ...
Relativamente a esta última questão foi aperfeiçoada a Petição Inicial, de forma a que o objeto dos autos ficasse circunscrito à questão da “guarda partilhada”.
Como circunstância superveniente justificativa do pedido formulado foi invocada, no essencial, a vontade da Criança em passar mais tempo com o pai.
*
Citada, a requerida deduziu oposição à pretendida alteração, alegando não salvaguardar o superior interesse da filha, negando, no essencial, as alegações do requerente e invocando diversas vicissitudes que, na sua ótica, conduziriam ao fracasso da pretensão formulada, concluindo pela manutenção do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
*
O Ministério Público pugnou pela improcedência do pedido.
Teve lugar a conferência de pais, na qual não foi possível chegar a acordo sobre o peticionado, sendo certo que nessa Conferência se intentou proceder, ao abrigo do disposto no artº 42º, nº 6 do RGPTC, à audição da Criança, «o que não se mostrou possível, uma vez que a mesma se refugiou no colo da mãe, chorando e dizendo apenas que queria ir para casa.» (cf. Ata correspondente, a fls. 49 dos autos).
Na imediata sequência foi proferida SENTENÇA, com o seguinte concreto teor:
«I... veio propor a presente ação de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais contra N..., pedindo que seja instituído um regime de “guarda partilhada” entre os progenitores, relativo à filha menor de ambos, V..., por forma a que a Criança possa estar uma semana com cada um dos progenitores.
Mais requereu que seja permitido que a Criança frequente o Jardim de Infância de ... e que frequente as aulas de natação nas instalações de ...
Relativamente a esta última questão foi aperfeiçoada a Petição Inicial, de forma a que o objeto dos autos ficasse circunscrito à questão da "guarda partilhada".
Como circunstância superveniente justificativa do pedido formulado foi invocada, no essencial, a vontade da Criança em passar mais tempo com o pai.
A mãe veio opor-se, invocando diversas vicissitudes que, na sua ótica, conduziriam ao fracasso da pretensão formulada.
O Ministério Público pugnou pela improcedência do pedido.
Procedeu-se, ao abrigo do disposto no artº 42º, nº 6 do RGPTC, à audição da Criança.
II -
Cumpre desde já decidir:
1 - Por decisão proferida em 07-06-2018 foi judicialmente homologado o regime de regulação das responsabilidades parentais, referente a V..., filha de I... e de N..., acordado entre os progenitores, nos seguintes termos (fls 45 a 51 dos autos principais):
"1ª
A Criança V... continua a residir com a progenitora, N...

Compete a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida da Criança (nomeadamente, as respeitantes a matérias consideradas fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, tais como, a título exemplificativo, escolha de escola pública/privada, de médico público/privado, de atividades extracurriculares, intervenções cirúrgicas não urgentes, opções religiosas até aos 16 anos, saídas para o estrangeiro, alteração da localidade de residência da Criança, etc), salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

O exercício das responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente da criança compete à progenitora com quem esta reside habitualmente ou ao progenitor quando com ele se encontrar temporariamente, o qual, ao exercer essas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pela progenitora com quem a Criança reside habitualmente.

Alteram o regime de convívios da criança com o pai, designadamente, o estabelecido nas cláusulas 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 do acordo em vigor, constante de fls 9 e ss dos autos, da seguinte forma:
a) até aos 18 meses da Criança:
1 - O pai poderá estar na companhia da Criança, todos os fins-de-semana, um dos dias do fim-de-semana, ou o sábado ou o domingo, alternadamente, indo buscá-la a casa da mãe, às 08:30 horas e indo levá-la ao mesmo local, pelas 20:00 horas, depois de jantar.
No próximo fim-de-semana, subsequente ao presente acordo, o pai irá buscar a filha no domingo e, no fim-de-semana seguinte, irá buscá-la no sábado e assim sucessiva e alternadamente.
b) A partir dos 18 meses de idade:
1 - O pai poderá estar na companhia da Criança, ao fim-de-semana, de 15 em 15 dias, com início no primeiro fim-de-semana subsequente à data em que a Criança atinja essa idade, indo o pai buscá-la à instituição escolar pela mesma frequentada, no final das atividades escolares/ extracurriculares ou, se ali não se encontrar, a casa da mãe, pelas 18:00 horas e indo levá-la a casa da mãe, no domingo, pelas 19:30 horas, antes de jantar.
2 - Nas semanas em que a Criança não passe o fim-de-semana com o pai, esta pernoitará com o mesmo, de quarta para quinta feira, indo o pai buscá-la à instituição de ensino por ela frequentada, no final das atividades escolares/ extracurriculares ou, caso ali não se encontre, a casa da mãe, pelas 18:00 horas e indo levá-la no dia seguinte à Instituição de ensino para o início das atividades escolares/ extracurriculares ou, não tendo atividades, a casa da mãe, pelas 10:00 horas.
3 - A Criança passará metade das férias escolares do Natal, da Páscoa e do Verão com cada um dos progenitores, da seguinte forma:
3.1 - A Criança passará, num ano, a primeira metade das férias escolares do Natal – que terminará no dia 25 de Dezembro, pelas 10:00 horas, com um dos progenitores e a segunda metade dessas férias, que se iniciará no dia 25 de Dezembro, pelas 10:00 horas da manhã, até ao final das férias escolares, com o outro progenitor.
No ano seguinte, a Criança passará a primeira metade dessas férias com o/a progenitor/a com o/a qual tiver passado a segunda metade das mesmas no ano anterior, alternando nos anos subsequentes.
Nas próximas férias escolares de Natal, a Criança passará a primeira metade dessas férias com o pai e a segunda metade dessas férias com a mãe, alternando nos anos subsequentes.
3.2. - A Criança passará a primeira metade das férias escolares da Páscoa com um dos progenitores e a segunda metade – que incluirá o Domingo e a Segunda-Feira de Páscoa – com o outro progenitor.
No ano seguinte, a Criança passará a primeira metade dessas férias com o/a progenitor/a com o/a qual tiver passado a segunda metade das mesmas no ano anterior, alternando nos anos subsequentes.
Nas próximas férias escolares da Páscoa, a Criança passará a primeira metade dessas férias com o pai e a segunda metade dessas férias com a mãe, alternando nos anos subsequentes.
3.3. - A Criança passará as férias escolares do Verão por períodos alternados com cada um dos progenitores da seguinte forma: os 1º e 3º quartos dessas férias serão passados com um dos progenitores, os 2º e 4º quartos dessas férias serão passados com o outro progenitor.
No ano seguinte, a Criança passará os 1º e 3º quartos dessas férias com o/a progenitor/a com o/a qual tiver passado os 2º e 4º quartos dessas férias no ano anterior, alternando nos anos subsequentes.
Nas próximas férias escolares do Verão, a Criança passará os 1º e 3º quartos dessas férias com o pai e os 2º e 4º quartos dessas férias com a mãe, alternando nos anos subsequentes.
4 - Cada um dos progenitores assegurará e financiará as deslocações do/a Jovem/Criança nos períodos em que pode estar na companhia do/a Jovem/Criança durante as férias escolares.
5 - Os progenitores poderão acordar entre si períodos de convívios com a filha diferentes dos acima fixados mediante escrito elaborado e assinado por ambos com pelo menos uma semana de antecedência antes do início de cada período de férias.
No dia de anos da Criança cada um dos progenitores poderá tomar uma refeição com a Criança em termos a acordar entre ambos com pelo menos 24 horas de antecedência.--
Na falta de acordo, nos anos pares a Criança almoçará com a mãe e jantará com o pai, invertendo-se nos anos ímpares.

No dia de anos dos pais a Criança passará o dia com o/a progenitor/a aniversariante.

Nos dias do pai e da mãe a Criança passará o dia com o/a progenitor/a homenageado/a, entre as 08:30 horas e as 20:00 horas.

O progenitor da Criança poderá visitar e estar na companhia desta mesmo fora da casa da progenitora com a qual reside habitualmente a Criança, sempre que o entender, sem prejuízo do descanso, cuidados médicos e deveres escolares da criança e avisando a progenitora com a qual a mesma reside habitualmente, com pelo menos 24 horas de antecedência.
a) O pai poderá ainda jantar com a Criança, dois dias úteis da semana, indo levá-la a casa da mãe pelas 20:00 horas, depois de jantar, avisando a mãe com pelo menos 24 horas de antecedência, dos dias concretos em que pretende jantar com a filha.

O pagamento das despesas escolares, extracurriculares, médicas, medicamentosas e outras de saúde, mencionadas nas cláusulas 12 e 13 do acordo anteriormente celebrado, na parte não comparticipada, deverá ser efetuado, na quota-parte que lhe compete, ao/à progenitor/a que tiver efetuado a despesa mediante prévia entrega de cópia dos documentos comprovativos da realização de tais despesas, contendo o nome e NIF da Criança, bem como a discriminação dos bens adquiridos/serviços prestados, no prazo de 15 dias após a apresentação e entrega de cópia de tais documentos, por depósito ou transferência para conta a indicar pelo/a progenitor/a credor/a ou, na falta desta, cheque ou vale postal.
a) Os documentos comprovativos da realização das mencionadas despesas deverão ser apresentados e entregues ao outro progenitor, para efeitos de pagamento, no prazo máximo de 60 dias após realização das mesmas.
b) A apresentação e entrega de tais documentos será efetuada por via electrónica através dos seguintes endereços eletrónicos:
...
ou, na falta de tais meios, através de correio registado ou em mão contra recibo assinado pelo/a progenitor/a credor/a.
c) Qualquer alteração dos endereços eletrónicos atrás referidos será comunicada por escrito ao outro progenitor.
10 ª
A progenitora da Criança receberá o abono de família e todas as prestações sociais a que a mesma tiver direito."
2 - A criança manifestou à vontade, na presente diligência, com o pai e com a mãe, não tendo sido possível que a mesma se manifestasse quanto à pretensão dos autos, uma vez que se refugiou no colo da mãe, chorando e dizendo que queria ir para casa.
III -
Não se provaram, neste momento, quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Analisando a pretensão formulada nos autos, constata-se que a única circunstância superveniente alegada para alteração do regime instituído consiste na vontade manifestada pela Criança em passar mais tempo com o pai.
Segundo foi possível observar nesta diligência, a Criança não tem discernimento nem maturidade suficiente para tomar qualquer posicionamento acerca do objeto dos autos, revelando, para além disso, à vontade em relação a ambos os progenitores, o que é demonstrativo do estabelecimento de laços afetivos, em relação a ambos.
Não resulta, nem vem factualmente invocado, que o regime instituído não tem potenciado o convívio da Criança com o pai ou que, por qualquer forma, impeça ou coarte, o estabelecimento/ fortalecimento, de relações afetivas de qualidade entre o pai e a filha.
Verificando-se, para além disso, que o regime instituído, moldou-se à vontade dos progenitores, há cerca de dois anos atrás, e que nada permite concluir que tal regime não seja favorável aos interesses da Criança, não se avista fundamento para o prosseguimento dos presentes autos, até porque, para além da cláusula genérica, que permite um convívio alargado do pai com a Criança, encontram-se previstos tempos de convívio específicos que permitem à Criança usufruir da companhia do pai, não só em férias e fins-de-semana, como também em dias úteis da semana.
Face aos factos alegados que fundamentaram o pedido e à diligência nesta data realizada, na qual foi possível observar a postura da Criança em relação a cada um dos pais, não se torna necessário proceder a quaisquer outras diligências de prova, razão pela qual se indeferem todas as outras diligências requeridas nos autos.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artº 42, nº 4 do RGPTC, por considerar desnecessária a alteração pretendida pelo progenitor, determino o arquivamento dos presentes autos.
Custas pelo Requerente, ao abrigo do disposto no artº 527º, do CPC.
Fixo o valor da causa no valor correspondente à alçada do Tribunal da Relação mais um cêntimo, isto é, € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), ao abrigo do disposto nos artº 303º, nº 1 e 306º, ambos do CPC.
Registe e notifique.».
*
Inconformado com essa sentença apresentou o Requerente I... recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
...
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser a decisão proferida alterada por forma a que os autos possam seguir os demais tramites com a aplicação do regime de guarda partilhada com residências alternadas, por forma a que se possa salvaguardar os interesses superiores da menor V...
Ou quando assim não se entenda prosseguirem os autos para audição técnica especializada.»
*
Contra-alegou o Ministério Público, pugnando no sentido da manutenção da decisão recorrida.
A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando oportunamente pela sua subida devidamente instruído.
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Requerente/recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:
- desacerto da decisão recorrida que considerou desnecessária a alteração pretendida pelo progenitor, determinando o arquivamento dos autos [ao abrigo do disposto no artº 42, nº 4 do RGPTC].
3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em consideração para a decisão são essencialmente os que decorrem do relatório supra.
4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Recorde-se que o Requerente/recorrente sustentou ao instaurar a presente ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais contra a progenitora da menor filha de ambos, peticionando que fosse instituído um regime de “guarda partilhada”, em síntese, que o regime da residência alternada iria fortalecer e potenciar as relações de afetividade de qualidade entre o pai e a filha, por contraponto às atuais/existentes condições de convivência com esta, decorrentes do regime vigente, a saber, com a menor confiada à progenitora, e estando estabelecido um regime de visitas ao progenitor no sentido de lhe permitir conviver com a menor e com ela estabelecer laços afetivos.
Na sua decisão que indeferiu a pretensão do Requerente/recorrente [determinando o arquivamento dos autos], a Exma. Juíza a quo entendeu que não se tinha logrado apurar a invocada vontade da menor em estar mais tempo com o progenitor [porquanto a menor se tinha remetido ao silêncio quando instada a manifestar-se sobre tal], acrescendo que o progenitor já tinha um regime de visitas alargado e que lhe permitia, até nos termos da cláusula geral, estar sempre que quisesse com a filha.
Será então que ocorreu o desacerto na decisão recorrida?
Cremos bem que sim – e releve-se o juízo antecipatório! – como se vai passar a explicitar.
A recente Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, alterando o Código Civil.
Mais concretamente, foi visado o art. 1906º deste normativo, cujo nº 6 passou a ser do seguinte teor:
«6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.»
Esta alteração veio tornar expressa a possibilidade de ser fixado o regime de guarda partilhada, com residência alternada, mesmo para os casos em que não haja mútuo acordo entre os progenitores nesse sentido.
Na verdade, vinham-se perfilando distintos e contrapostos entendimentos ao nível doutrinal e jurisprudencial sobre essa questão, ora sustentando-se a necessidade de acordo dos progenitores e inexistência de conflito entre os mesmos Cfr., neste sentido e inter alia, os acórdãos do TRC de 5.05.2009 (proferido no proc. nº 530/07.3TBCVL-A.C1), do TRL de 7.11.2013 (proferido no proc. nº 7598/12.9TBCSC-A.L1-6), de 18.03.2013 (proferido no proc. nº 3500/10.0TBBRR.L1-6) e de 14.02.2015 (proferido no proc. nº 1463/14.2TBCSC.L1-8) e do TRP de 13.05.2014 (proferido no proc. nº 107/08.6TBVFR-A.P1) e de 28.06.2016 (proferido no proc. nº 3850/11.9TBSTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, vide CLARA SOTTOMAYOR, in “Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 6ª ed. revista, págs. 262 e seguintes e JOANA SALAZAR GOMES, in “O superior interesse da criança e as novas formas de guarda, 2017, págs. 101 e seguintes., ora advogando-se que a residência alternada é possível mesmo contra a vontade dos progenitores e da existência de conflito entre eles, contanto que essa solução se revele a mais adequada à satisfação do superior interesse da criança Assim, inter alia, os acórdãos do TRC de 24.10.2017 (proferido no proc. nº 273/13.9TBCTB-A.C1) e de 27.04.2017 (proferido no proc. nº 4147/16.3T8PBL-A.C1), do TRE de Évora de 9.11.2017 (proferido no proc. nº 1997/15.1T8STR.E1) e de 7.06.2018 (proferido no proc. nº 4505/11.0TBPTM.E1), do TRL de 17.12.2015 (proferido no proc. nº 6001/11.6TBCSC.L1-6) e de 24.01.2017 (proferido no proc. nº 954/15.2T8AMD-A.L1-7) e do TRG de 2.11.2017 (proferido no proc. nº 996/16.0T8BCL-C.G1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.; na doutrina, entre outros, GUILHERME DE OLIVEIRA, A residência alternada na Lei nº 61/2008, in “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Carlos Pamplona Corte Real”, 2016, JOSÉ LAMAS LEITE, in “Revista do Ministério Público, nº 151 (julho-setembro de 2017), págs. 65-81 e JOAQUIM MANUEL DA SILVA, in “A família das crianças na separação dos pais – A guarda compartilhada, 2016, págs. 135 e seguintes.
.
De referir que os adeptos dos posicionamentos em confronto vinham esgrimindo diversos argumentos em sustentação da respetiva tese Mais aprofundadamente sobre tal, vide o acórdão do TRL de 7.08.2017, proferido no proc. nº 835/17.5T8SXL-A-2), acessível em www.dgsi.pt/jtrl., que vão desde considerar que um regime de alternância de residência se revela desajustado no que respeita à consolidação dos hábitos, valores, e ideias na mente do menor, com prejuízo para a formação da sua personalidade, sobretudo em crianças de tenra idade, face ao revezamento sistemático entre casas e pais, com padrões de vida diferentes, saindo o mesmo “prejudicado” em resultado das separações repetidas relativamente a cada um dos seus progenitores, causadas pela constante mudança de residência.
Por outro lado, tem sido defendido que a residência alternada possibilita – se os progenitores souberem aproveitar as virtualidades desse regime de residência – que o filho volte a ter com os progenitores uma relação o mais próximo possível da que com eles mantinha antes da separação, evitando, desse modo, quebrar a relação afetiva que antes tinha com ambos.
Ademais, o objetivo de fixar responsabilidades parentais não deve (salvo se se registarem situações que objetivamente o justifiquem!) ser escolher um dos progenitores, mas antes verificar as potencialidades dos dois e organizar a nova relação entre eles e o filho.
Dito de outra forma: a solução da residência alternada tem ganhado força pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins-de-semana quinzenais – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.
Haverá que promover um “tempo de qualidade” com ambos os progenitores, de modo a que cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro. neste sentido, ANTÓNIO JOSÉ FIALHO, Residência alternada – visões de outras paragens, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, T. I, Julho 2014, E-book CEJ p.397, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.

A esta luz, s.m.j., cremos que está encontrada a solução para a questão que importa decidir no recurso.
Na verdade, tal passa por aferir e decidir sobre se o regime existente relativamente à menor V... proporcionava efetivamente ao Requerente ora recorrente um “tempo de qualidade” com a mesma.
Ora, temos para nós que não é inteiramente correta a afirmação na sentença recorrida de que «Não resulta, nem vem factualmente invocado, que o regime instituído, não tem potenciado o convívio da Criança com o pai ou que, por qualquer forma, impeça ou coarte, o estabelecimento/ fortalecimento, de relações afetivas de qualidade entre o pai e a filha.»
É que, se bem se ler e interpretar o que havia sido alegado pelo Requerente ora recorrente no requerimento inicial, temos que estava aí sustentada a insuficiência do regime existente, traduzida na existência de dificuldades de conviver com a filha, pelo menos em termos de um “tempo de qualidade” com ela (mormente arts. 11º a 18º desse requerimento).
Por isso que, quanto a nós, não é legítimo sustentar que «(…) a única circunstância superveniente alegada para alteração do regime instituído, consiste na vontade manifestada pela Criança em passar mais tempo com o pai», donde, porque esta vontade da menor não se apurara ou evidenciara na Conferência de pais, a pretensão do Requerente ora recorrente era “arquivada”…
Acresce que nem cremos ser justificado o argumento constante das contra-alegações do Ministério Público de que, para pode proceder a pretensão do Requerente ora recorrente no sentido da residência alternada, seria necessária “perfeita harmonia” entre ambos os pais, o que não sucedia no caso dos autos.
Posto que, como cremos já ter deixado sublinhado supra, tal não era entendimento que recolhesse unívoco consenso, acrescendo que a última alteração legislativa ao art. 1906º do C.Civil expressamente o arredou!
Aliás, se bem compulsarmos a Ata da já referida “Conferência de Pais”, no particular do que aí ficou consignado como verbalizado pelos progenitores, não pode deixar de se constatar que ambos aludiram a que no último ano não tem havido problemas com os convívios.
Ora, se não há efetivamente problemas com os convívios, porque não evoluir para uma residência alternada?
Por outro lado, a argumentação apresentada pelo Requerente ora recorrente de que a Conferência de pais não foi o melhor ato e momento para apurar o verdadeiro sentir e querer da menor, merece-nos igualmente acolhimento, dada a tenra idade da mesma (menos de quatro anos de idade) e o natural constrangimento perante a formalidade envolvida, não nos parecendo curial dar por encerrada a questão face ao resultado obtido.
Em todo o caso, a subsistir uma dúvida quanto a qualquer desses aspetos, a mesma poderia e deveria ser dirimida através de uma maior averiguação sobre tal (cf. art. 42º, nº6 do RGPTC), sem prejuízo duma oportuna remessa dos progenitores para a “audição técnica especializada” como reclamado no final das alegações recursivas.
O que tudo serve para dizer que a situação carece de ser aprofundada, tendo sido prematura a decisão de arquivamento sem mais.
Nestes termos procedendo o recurso.
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – A recente alteração ao Código Civil pela Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, sendo agora claramente possível o regime da residência alternada mesmo contra a vontade dos progenitores, desde que essa solução se revele como a mais adequada ao interesse da criança de manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar.
II – Isto tendo presente que a guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, sempre tendo em vista um “tempo de qualidade” no convívio entre aquele com ambos os progenitores.
6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que, no quadro do disposto no art. 42º, nos 5 e 6 do RGPTC, determine o prosseguimento dos autos, sem prejuízo de preliminarmente a tal, ser ordenada a realização de diligências tidas por necessárias.
Custas pelo vencido a final.
Coimbra, 23 de Fevereiro de 2021
Luís Filipe Cravo
Fernando Monteiro
Ana Márcia Vieira