Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
608/09.9TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: TEMPO DE TRABALHO
CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
COMPETÊNCIA
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
NACIONAL
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 237/07, DE 19/06; PORTARIA 983/07, DE 27/08. ARTº 51º DO RGCO (REGIME GERAL DAS COIMAS E CONTRA-ORDENAÇÕES); ARTº 48º DA LEI Nº 107/2009, DE 14/09.
Sumário: I – A referência a “entidade competente” usada na redacção do artº 51º do RGCO (onde se prevê a possibilidade de aplicação de uma admoestação) leva a que a admoestação possa ser aplicada quer na fase administrativa quer na fase judicial do processo de contra-ordenação laboral, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa.

II – Também o artº 48º da actual Lei 107/09, de 14/09 preceitua que “excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação”.

III – O Dec. Lei nº 237/07, de 19/06, não padece do vício de inconstitucionalidade orgânica.

IV – O Dec. Lei nº 237/07, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas (trabalhadores) que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário efectuado em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuem Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73, de 30/06.

V – A Directiva nº 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR.

VI – A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, de 20/12, pelo que o Dec. Lei nº 237/07 apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 381/85.

VII – Para condutores sujeitos à utilização do tarcógrafo, vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

VIII – A partir do momento em que uma empresa de transportes rodoviários ficou dispensada da utilização do tacógrafo, passou a estar sujeita ao regime aplicável às actividades de transporte rodoviário não sujeitas ao aparelho de controlo, ou seja, ao regime que decorre do Dec. Lei nº 237/07, de 19/06 e da Portaria 983/07, de 27/08.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida/recorrente condenada, em cúmulo jurídico, pela AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO (Unidade Local de ...) na coima única de 9.100,00 € (nove mil e cem euros) pela prática, na forma negligente, das seguintes contra-ordenações:

a) Tipificada como leve, p. e p. pelos nos nº 1 e 3 do artigo 179º, 659º nº 2 e 620º nº 2 alínea b) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto[1], em conjugação com o disposto no nº 1 do artº 2º e artº 3º da portaria nº 983/2007 de 27 de Agosto (por o motorista não se fazer acompanhar de mapa de horário de trabalho ou de isenção do mesmo), a que fez corresponder a coima parcelar de € 600,00

b) Tipificada como muito grave p. e p. pelo artigo 3º da Portaria nº 983/2007 de 27 de Agosto, conjugado com o nº 3 do artº 1º e com a alínea a) do artº 5º da mesma Portaria, artigo 14º nº 3 alínea a) do Dec. Lei  237/07  de 19/06 e artigo 620º nº 4 alínea e) do Cód. do Trabalho de 2003[2] (falta de livrete individual de controlo), a que fez corresponder a coima parcelar de € 9.000,00


***

II - Inconformada com tal condenação, dela a arguida interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Aveiro, recurso que veio a ser julgado improcedente.

É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:

[……………………………………………………]


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Respondeu o Ministério Público, alegando em resumo útil:

[…………………………………………………………...]


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Corridos os vistos cumpre decidir.

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III- E, como é sabido, em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11).

Assim, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e é a seguinte:

1. No dia 11 de Julho de 2008, pelas 11 horas e 15 minutos, no IP 3, ao Km 86.6 – Santa Comba Dão, na Comarca de Santa Comba Dão, Sociedade A....., NIPC ..., com sede em ..., ...., mantinha ao seu serviço, sob suas ordens e direcção e mediante remuneração, o motorista B....., afecto à condução da viatura pesada de mercadorias, com a matrícula ..., de que é proprietária.

2. Transportava carcaças de animais não destinados ao consumo humano.

3. Sem se fazer acompanhar de fotocópia do mapa de horário de trabalho nem de livrete individual de controlo.

4. Conforme foi verificado pelo agente autuante em acção de fiscalização, que solicitou tais documentos, e a quem não lho foram exibidos.

5. A..., enquanto entidade empregadora, não diligenciou no sentido de que o seu motorista B... pudesse exibir, naquele dia, hora e local, uma cópia do mapa de horário de trabalho, ao agente autuante, aquando do controlo efectuado pela GNR.

6. A... não diligenciou no sentido de que o seu motorista B... se fizesse acompanhar, naquele dia, hora e local, do livrete individual de controlo.

7. Nas instalações da arguida está afixado o mapa de trabalho, como o estava à data dos factos.

8. No dia indicado a arguida não utilizava os discos de tacógrafo na viatura.

9. Após a autuação voltou a colocar os discos na viatura

10. São registadas diariamente, em fichas, a hora de saída dos motoristas e mantido arquivo na empresa.

11. São registadas diariamente, as horas de chegada dos motoristas/viaturas através de pesagem, que regista a hora de pesagem, estando tais documentos também arquivados na empresa.

12. A empresa emprega 88 trabalhadores e apresenta um volume de negócios de 15 988, 402, 01.


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IV- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

As questões a decidir são as seguintes:

1 – Se a infracção - leve – praticada referida em a) supra deveria ter sido sancionada com simples admoestação;

2 – Se o Dec. Lei nº 237/07 de 19/06 é organicamente inconstitucional;

3 – Se o regime deste Dec. Lei e a Portaria 983/07 de 27/08 é aplicável ao tipo de transporte efectuado pela recorrente:

4 – Se, no caso afirmativo, é de considerar que a recorrente agiu com erro sobre a ilicitude não censurável ou censurável, devendo respectivamente, ser absolvida ou ser a coima especialmente atenuada.

1) Da aplicação de uma simples admoestação:

A recorrente aceita ter praticado a contra ordenação e que foi sancionada com um coima de e 600,00.

A sua discordância reside no facto de entender que devia ter sido aplicada uma simples admoestação dada a reduzida gravidade da infracção e da culpa.

Na verdade, o artigo 51º do RGCO prevê a possibilidade de aplicação da admoestação.

Pese embora a inserção sistemática do preceito em causa no capítulo III “aplicação da coima pelas autoridades administrativas”, é de entender que a referência a “entidade competente” usada na redacção do referido normativo leva a que a admoestação possa ser aplicada quer na fase administrativa quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa (cfr. M. Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa “in” Contra Ordenações, anotações ao regime geral, 3º edição, 20006, págª 363.

Também o artigo 48º da actual Lei 107/09 de 14/09 (que aprovou o regime processual aplicável às contra ordenações laborais e de segurança social) preceitua que “excepcionalmente, se a infracção consistir em contra ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o Juiz proferir uma admoestação

Ora conforme se lê na decisão recorrida “verifica-se que em ambas as infracções, a arguida com falta de zelo, atingiu o interesse da Administração em garantir, os direitos do trabalhador bem como a segurança rodoviária”.

(…)

Em ambos os casos, a culpa assume uma intensidade média dentro do tipo de ilícito, não se vislumbrando em que medida a culpa do agente será reduzida, dentro da previsão legal.

Não se justifica, portanto, a aplicação de mera admoestação, em conformidade com o disposto no artº 51º do Regime Geral das Coimas e Contra-ordenações ou com o art.º 48º da Lei 107/2009 (…)

Sufragamos inteiramente este entendimento pelo que também entendemos não ser de aplicar a reclamada admoestação.

2) Da inconstitucionalidade orgânica do Dec. Lei nº 237/07:

Pelas razões mais detalhadamente consignadas nos artigos 104 a 121 das suas alegações, entende a recorrente que o citado Dec. Lei é organicamente inconstitucional por ter regulado matérias da exclusiva competência da Assembleia da República sem estar munido da competente lei de autorização legislativa.

A questão foi já objecto de decisão pelo Tribunal Constitucional – Acórdão nº 578/09 de 17/11/09, processo 343/09 “in” DR II, nº 250 de 29/12/09, págªs 52434 a 52435 proferido, ao que supomos, no âmbito do processo do Tribunal de Trabalho de Faro referido no artigo 121 das alegações da recorrente e que recusou a aplicação do referido diploma por o considerar organicamente inconstitucional.

Por se revestir de manifesto interesse para a decisão da questão permitimo-nos transcrever parte desse acórdão.

Lê-se no dito aresto “O artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, invocado pela decisão recorrida, reserva à competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo. O Tribunal Constitucional tem -se debruçado detalhadamente e por várias vezes sobre o sentido normativo fundamental deste artigo 165.º, n.º 1, al. d), da Constituição. Fê -lo, pela primeira vez, mais detalhadamente, no Acórdão n.º 56/84, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3.º, págs. 153), ao qual se seguiram ao longo dos anos muitos outros. Dessa vasta jurisprudência resulta, em síntese, que apenas é matéria de competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo; isto é: (i) sobre a definição da natureza do ilícito contra -ordenacional, (ii) a definição do tipo de sanções aplicáveis às contra -ordenações (iii) a fixação dos respectivos limites das coimas e (iv) a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Assim e em suma, com observância do regime geral, e dos limites aí definidos, pode o Governo livremente criar contra -ordenações novas, modificar ou eliminar as contra –ordenações já existentes e estabelecer as coimas a elas aplicáveis. Ora, definidos, nestes termos, os quadros gerais em função dos quais se delimita a competência, nesta matéria, dos dois órgãos de soberania, não se vê que o Governo, através da emissão do referido Decreto –Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, tenha invadido a competência própria da Assembleia da República. A conclusão contrária a que chega a decisão recorrida parece decorrer, essencialmente, de um pressuposto que não será correcto. Com efeito, apenas cabe na competência própria da Assembleia da República, nos termos já supra descritos, definir o “regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”, e não, como parece pressupor a decisão recorrida, necessariamente, todo o regime dos actos ilícitos de mera ordenação social de um determinado sector. Quer isto dizer que o Governo pode, em princípio, sem necessidade de autorização da Assembleia da República, criar novas contra -ordenações aplicáveis num determinado sector de actividade, em que exista um regime geral sectorial, desde que se contenha dentro dos limites do regime geral das contra -ordenações.

Mas, ainda que assim se não entenda, sempre será legítimo ao Governo criar contra -ordenações num sector de actividade em que a Assembleia da República tenha estabelecido um regime geral sectorial, desde que respeite este regime ou, mais rigorosamente, as regras deste regime sectorial que possam simultaneamente ser concebidas como regras do regime geral das contra -ordenações. Ora, assim sendo e prevendo o regime geral do ilícito de mera ordenação social que as coimas tanto se podem aplicar às pessoas singulares como às pessoas colectivas e prevendo o artigo 614.º do Código do Trabalho de 2003 que, nas respectivas contra -ordenações, possa ser responsável “qualquer sujeito no âmbito das relações laborais”, incluindo tanto as entidades empregadoras como os trabalhadores, apenas resta concluir que não se vê que as normas que vêm questionadas invadam o âmbito da reserva legislativa da Assembleia da República. Na verdade, tais normas não se podem, por um lado, incluir na definição da natureza do ilícito de ordenação social, na definição do tipo de sanções aplicáveis às contra -ordenações e muito menos na fixação dos respectivos limites ou na tramitação processual das contra -ordenações; e, por outro, não extravasam os quadros legalmente definidos da responsabilidade de pessoas colectivas ou de entidades empregadoras, não consubstanciando, nem autorizando, qualquer forma de responsabilidade objectiva. Pelo que a sua edição pelo Governo, sem autorização legislativa do Parlamento, não viola a Constituição, não sendo, consequentemente, as mesmas organicamente inconstitucionais. Conclusão análoga, aliás, à que se tirou, por exemplo, no Acórdão n.º 359/2001 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que se julgou “não inconstitucional a norma do artigo 29.º com referência ao artigo 27.º, n.º 4, do Decreto -Lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro”, que considerava responsável a pessoa colectiva ou singular que efectuasse o transporte, pela contra -ordenação consistente em o condutor do veículo se escusar a levar o veículo à pesagem das balanças ao serviço da entidade fiscalizadora”.

Assim, não se nos oferecendo adiantar mais nada ao expendido pelo Tribunal Constitucional, no seguimento da jurisprudência deste Tribunal, decide-se não padecer o Dec. Lei 237/07 da apontada inconstitucionalidade orgânica.

3) Da aplicabilidade do regime do Dec. Lei 237/07 de 19/06 ao tipo de transporte efectuado pela recorrente:

A propósito da questão em epígrafe escreveu-se na decisão impugnada “o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho transpôs para o ordenamento interno, a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no regulamento (CE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro.

Saliente-se que, a mencionada Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, pelo que o Dec. Lei 237/07 (que transpôs aquela Directiva) apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 3821/85.

Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) n° 561/2006 (que veio alterar o REG 3821/85) que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

Ora, a arguida - inicialmente sujeita à utilização do aparelho de registo - por força do disposto nos nºs 1 e 2 da Portaria nº 222/2008 de 5 de Março, que redefiniu o regime de dispensa e isenção de uso de tacógrafos em vários transportes, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, revogando, ainda a Portaria n.º 1078/92, de 23 de Novembro, passou a estar dispensada do uso de tacógrafo e isenta do disposto nos artºs 5º a 9º do Referido Regulamento (tripulações, tempos de condução, pausas e períodos de repouso).

Mas se assim é, não está, como se afigura evidente (salvo o devido respeito), livre do controlo previsto no Decreto-Lei nº 237/2007.

Este é o entendimento que resulta da letra da lei.

Efectivamente, dispõe o art.º 4º nº 1 do referido D.L. que, no caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.

A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes (artº 4º nº 2 do diploma ora citado), ou seja, nos termos da Portaria nº 983/2007.

Estabelece esta portaria, as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis e a forma do registo dos tempos de trabalho e de repouso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou no AETR.

Dispõe-se, expressamente no art.º 1 da portaria ora em apreço que:

1 — A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.

2 — A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto –Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.

3 — O registo referido no número anterior aplica -se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.

Acrescenta-se no artigo 2.º nº 1 que, a publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.

De acordo com o seu artº 3º, o registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo.

Posto o que, deve considerar-se que, relativamente ao pessoal afecto à exploração do veículo automóvel, como os motoristas, à publicidade do horário de trabalho, com horário fixo, é aplicável o disposto na Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, devendo ser afixado o mapa de horário de trabalho no estabelecimento e na viatura (artº 2º) e, complementarmente, utilizado um livrete individual de controlo autenticado pela Autoridade para as Condições de Trabalho (artº 3º).

Além de resultar da letra, a aplicação ao caso dos autos do D.L. nº 237/2007, e da portaria 983/2007, é a solução que acautela a segurança dos transportes, bem como a saúde e a segurança das pessoas em questão (considerando sob o p. 4 da Directiva 2002/15/CE, transposta para a ordem jurídica interna pelo citado DL), o que, certamente a portaria 222/2008 não pretendeu desacautelar, ao dispensar a actividade da arguida do uso de tacógrafo.

Aliás, a portaria 222/2008, redefiniu, o regime de dispensa e isenção de uso de tacógrafos em vários transportes, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, não dispensando ou isentando do uso de livrete individual de condutor no transporte da arguida.

É esta a interpretação que se julga resultar não só da letra da lei, e da mera subsunção lógico-formal, como é também a que melhor acautela os interesses em presença.

Afigura-se-nos, portanto, falha de qualquer suporte textual ou material, a alegação de que a actuação da arguida se justifica pela qualidade da legislação.

Certo é que, no nº 2 do art. 1º da portaria 983/2007 pode ler que «a presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o nº 1 do art. 5º do Decreto Lei nº 237/2007 de 19 de Junho”, e o referido Decreto Lei não contém qualquer numero (e por consequência não contém o nº 1) no seu art. 5º….

No entanto, a interpretação da lei impõem a solução de que onde se lê 5º deverá entender-se 4º, afigurando-se que tal lapso manifesto não prejudica os destinatários, que por conseguinte, do mesmo não podem prevalecer-se.

Por outro lado, falece o argumento da arguida de que, por inicialmente estar sujeita a aparelho de registo, e ter vindo, posteriormente a ser dispensada, a sua conduta não se subsume ao nº 3 do art.º 1 da portaria 983/2007, motivo pelo qual, em seu entender, não se lhe pode aplicar o art. 3º e 5º alínea a) da citada portaria.

Na verdade, se é certo que com a entrada em vigor da portaria nº 222/2008, a arguida deixou de estar sujeita a aparelho de registo, então à data do auto, o motorista da arguida conduzia veículo não sujeito a aparelho, nos termos do nº 3 do art.º 1º da portaria 283/2007, motivo pelo qual é-lhe aplicável o disposto nos arts. 3º e 5º alínea a) da citada portaria.

Aduz ainda a arguida que a entender-se estar sujeita à obrigatoriedade do registo do tempo de trabalho, e entendendo-se que não lhe é aplicável nem a portaria 983/2007 nem o DL 237/2007, então, apenas poderia ser punida nos termos gerais previsto no código do Trabalho ou através da al. c) ou d) do nº 2 do artigo 9º do DL. 272/89 alterado pela lei 114/99 de 3 de Agosto, e tal contra-ordenação seria punível com coima de 25.000$00 a 200.000$00 (correspondente a 124,70 € a 997,60 €).

Também tal argumento não colhe. Efectivamente, como acima se aludiu a actividade da arguida está coberta pela portaria 983/2007 como pelo o DL 237/2007, não se vislumbrando qualquer argumento para afastar a sua aplicação.

Por outro lado, se se nos afigura acertado que se não tivesse sido publicada a portaria 222/2008, o enquadramento jurídico-sancionatório da actividade da arguida seria distinto, também é verdade que publicado, aquele diploma, vigora no território nacional, vinculando por conseguinte, os seus destinatários.

No caso dos autos, dúvidas não subsistem que o motorista da arguida, sem se fazer acompanhar de mapa de trabalho nem de livrete individual de condutor, conduzia viatura dispensada e isenta do uso de tacógrafo, por força do disposto nos nºs 1 e 2 da Portaria nº 222/2008 de 5 de Março.

Por não se fazer acompanhar de mapa de trabalho, infringiu o disposto nos artºs 179º nºs 1 e 3 do CT por referência ao disposto no nº 1 do art.º 2 da portaria nº 983/2007, de 27 de Agosto.

Por outro lado, ao não fornecer ao seu trabalhador o livrete individual de controlo, a arguida infringiu o disposto a al. a) do artº 5, com referência ao nº 3 do artº 1 e artº 3 da portaria nº 983/2007, de 27 de Agosto”.

O enquadramento legal feito pelo tribunal “a quo” encontra-se inteiramente correcto não merecendo qualquer reparo por este tribunal superior.

Aliás, também esta Relação já se havia pronunciado sobre o âmbito de aplicação do Dec. Lei nº 237/07 de 19/06 e da Portaria nº 983/07 de 27/08 no acórdão 81/09.1TTAVR.C1[3] onde também fomos relator e onde se escreveu “este último diploma (Dec. Lei nº 237/2007 de 19/06) procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário de trabalhadores móveis que participem em actividade de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, do Conselho de 20 de Dezembro, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73 de 30/06 (v: preâmbulo do Dec. Lei 237/07).

A Directiva 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85[4] ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR (V. considerando nº 6 desta Directiva).

O REG. (CEE) nº 3821/85 de 20/12 (alterado pelo REG 561/06) veio introduzir a obrigatoriedade de utilização do aparelho de controlo (tacógrafo) relativamente aos veículos referidos no seu artº 3º.

A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, pelo que o Dec. Lei 237/07 (que transpôs aquela Directiva) apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 3821/85, o que não acontece com o veículo da ora recorrente.

Isso mesmo resulta do disposto no artº 4 do citado Dec. Lei ao prever o registo dos tempos de trabalho apenas para os trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo (tacógrafo), registo aquele que, para estes trabalhadores, veio a ser regulamentado pela Portaria 983/07 de 27/08 (V. artº 1º deste Portaria).

Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) n° 561/2006 que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros”.

No caso, embora a recorrente tivesse deixado de estar sujeita à utilização do aparelho do tacógrafo por força da alínea o) do nº 2 da Portaria nº 222/08 – publicada e com entrada em vigor em data posterior à entrada em vigor do Dec. Lei 237/07 e da Portaria 983/07 – não ficou isenta de observar o disposto nestes dois últimos diplomas sobre o registo dos tempos de trabalho; e isto, precisamente, por se encontrar isenta do uso daquele aparelho.

Não pode é a recorrente concluir que por ter ficado isenta do uso do referido aparelho, também ficou isenta de utilizar o livrete individual de controlo.

Nada na lei permite esse raciocínio, sendo manifesto que os regimes que resultam da aplicação dos diplomas em referência não são incompatíveis.

Por outro lado, embora a recorrente não seja uma empresa de transportes não deixa de estar sujeita ao regime da Portaria 983/07 que, no seu artigo 1º nº 1, alarga o seu campo de aplicação a “outras entidades sujeitas às disposições do Cód. do Trabalho”, o que manifestamente é o caso da recorrente, enquadrando-se a profissão de motorista na definição de trabalhador móvel constante da alínea d) do artigo 3º da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Março de 2002 e a actividade da recorrente nas “actividades de transporte rodoviário abrangidas pelo REG (CEE) nº 3820/85” – artigo 2º nº 1 da citada Directiva – não colhendo o argumento que a recorrente pretende retirar do lapso (e é manifesto de que de um lapso se trata) constante do artigo 1º nº 2 da Portaria nº 983/07 ao remeter para a forma de registo a que se refere o nº 1 do artigo 5º do Dec. Lei 237/07.

É patente que a remissão é feita para o nº 1 do artigo 4º do aludido Dec. Lei o qual tem por epígrafe “registo” e que só um lapso justifica a alusão ao artigo 5º, o qual que nem sequer tem números, sendo apenas constituído pelo seu corpo com a epígrafe “tempo de disponibilidade”.

Por tudo isto, com devido respeito por opinião diferente, conclui-se pela aplicação ao caso do regime decorrente do Dec. Lei 237/07 de 19/06 e da Portaria 983/07 de 27/08, tal como havia concluído a decisão sob censura.

A partir do momento em que a recorrente ficou dispensada da utilização do tacógrafo (podendo continuar, se assim o entendesse, a utilizar tal aparelho, porquanto a Portaria 222/08 não proibiu mas apenas dispensou o seu uso), passou a estar sujeita ao regime aplicável às actividades de transporte rodoviário não sujeitas ao aparelho de controlo, ou seja, ao regime que decorre do Dec. Lei 237/07 de 19/06 e da Portaria 983/07 de 27/08.

4) Da falta de consciência da ilicitude:

Alega a recorrente que ao ter conhecimento da dispensa de utilização do aparelho de tacógrafo tirou os discos de tal aparelho desconhecendo por completo que, em função dessa dispensa, estivesse vinculada a outras obrigações em razão de lei anterior que não lhe era aplicável por não estar dispensada do uso do dito aparelho.

Acrescentou que não obteve e não entregou ao motorista o livrete porque desconhecia de todo a sua exigência pelo que agiu com erro sobre a ilicitude.

Convoca, então, o disposto no artigo 9º do Dec. Lei 433/82 de 27/10 para justificar que agiu sem culpa o que acarreta a sua absolvição.

Ora, o referido artigo 9º corresponde, com alteração de redacção do seu nº 2, ao artigo 17º do Cód. Penal, código este que, como se sabe, é subsidiariamente aplicável ao regime substantivo das contra ordenações (artigo 32ºdo Dec. Lei  433/82). 

O artigo 17º do Codigo Penal “aplica-se quando o agente quer ou aceita o facto, mas sem a consciência da ilicitude, ou seja, quando actua com dolo[5] (…); por isso mesmo, segundo o seu nº 2, pode ser punido com a pena da acção dolosa, mas atenuada, se o erro acerca da ilicitude lhe for censurável” – Ac STJ de 29/05/91, procº nº 041691 “in” www.dgsi.pt .(no mesmo sentido Ac da RP de 26/06/85 “in” CJ, X, 3, 284 e M. Simas Santos e J. Lopes de Sousa “in” Conta Ordenações, anotações ao regime geral, anotação 3 ao artigo 9º, págª 147).

No caso em análise, a recorrente foi sancionada a título de negligência e não por ter agido de forma dolosa não sendo, por isso, de aplicar o regime da causa de exclusão que invoca.

Em suma, e para concluir, a decisão impugnada não merece censura alguma pelo que deve ser confirmada.


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V- Termos em que se delibera negar provimento ao recurso.

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Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em cinco UCs.


[1] Artigos 216º e 554º nº 2 alínea b) do actual Cód. do Trabalho aprovado pela Lei  7/2009 de 12/02.
[2] Artigo 554º nº 4 alínea e) do actual Cód. do Trabalho aprovado pela Lei  7/2009 de 12/02
[3] Consultável em www.dgsi.pt/jtrc e também no sítio desta Relação.

[4] Entretanto revogado pelo artº 28º do REG. nº 561/2006.
[5] Negrito nosso